Intolerância religiosa e estigmatização
Por ANTONIO OZAÍ DA SILVA
Um dos aspectos que chama a atenção em certas denominações religiosas é intolerância religiosa e a estigmatização do diferente, em especial em relação aos cultos e religiões afro-descendentes e aos homossexuais. Se a religião estimula o pensamento maniqueísta e divide o mundo entre o bem e mal, os puros e impuros, os eleitos e os não-eleitos, algumas igrejas se sobressaem pela intensidade com que combatem os que não se enquadram em suas concepções moralistas sobre o bem e o mal.
Trata-se apenas da necessidade de afirmação da identidade? Se a afirmação do eu necessita do confronto com o outro, então esta seria uma resposta possível. Seria esta nova cruzada resultante da disputa no mercado religioso? Se considerarmos que a pluralidade de igrejas e denominações religiosas intensifica a oferta de bens religiosos e, conseqüentemente, a competição pela adesão de “consumidores”, ou seja, de fiéis, teremos outra resposta possível à prática intolerante. E se o sucesso desta residir no substrato cultural inerente à nossa história e formação social? Seria esta prática religiosa um reavivamento do racismo enrustido no mito da democracia racial que permeia a nossa sociedade? O racismo amparado em argumentos religiosos, e, portanto, aparentemente não racista é muito, muito pior!
“Não agredimos estes indivíduos, Tiramos o espírito demoníaco deles. Não somos nós que não aceitamos os umbandistas ou candombleístas, mas a Bíblia”, afirmou um certo pastor (in Marrano, 1999:111). Eis a legitimação da “guerra santa” movida por estes senhores contra as religiões vinculadas às tradições afro-descendentes. De fato, não há novidade alguma na eleição das divindades dos outros como seus adversários. O próprio cristianismo precisou guerrear e demolir os outros deuses para se impor. E não é esta a essência do monoteísmo? Mesmo entre os cristãos, imperou a guerra religiosa opondo católicos e protestantes. A história do Deus e das religiões monoteístas é também uma história de intolerância.
O que se ressalta entre os novos cruzados é o uso literal do texto sagrado. Também aqui não há novidade. A guerra entre as diversas denominações cristãs, por exemplo, também foi uma guerra de palavras, uma guerra de interpretações da palavra, uma luta ferrenha pela afirmação da reta doutrina. O fundamentalismo do nosso tempo revigora e ressuscita a “guerra santa”.
Esta guerra reflete a concepção dual dos que opõem o mundo material ao mundo espiritual. Expressa a luta entre Deus e os demônios e potencializa a idéia de que a guerra no mundo espiritual se reproduz no mundo material. Portanto, também aqui, na terra, é preciso identificar o mal, ainda que o diabo use mil disfarces, combatê-lo e destruí-lo. É preciso agir como o soldado do exército que tem como missão salvar o mundo e os indivíduos, mesmo que eles não queiram ser salvos.
A intensificação da “guerra santa” repousa na crescente demonização dos inimigos eleitos. Estrategicamente, a radicalização de pregação salvacionista é o caminho necessário para se distinguir não apenas dos “demonizados”, mas também dos seus concorrentes no mercado dos bens simbólicos religiosos. Esta estratégia de guerra alimenta a intolerância e a estigmatização do outro. Trata-se, a nosso ver, de um tipo de racismo disfarçado pela linguagem religiosa.
Antonio Ozaí da Silva é docente na Universidade Estadual de Maringá, Mestre em Ciência Política (PUC/SP) e Doutor em Educação (USP).
Outros artigos de Ozaí - http://antoniozai.blog.uol.com.br/
Um dos aspectos que chama a atenção em certas denominações religiosas é intolerância religiosa e a estigmatização do diferente, em especial em relação aos cultos e religiões afro-descendentes e aos homossexuais. Se a religião estimula o pensamento maniqueísta e divide o mundo entre o bem e mal, os puros e impuros, os eleitos e os não-eleitos, algumas igrejas se sobressaem pela intensidade com que combatem os que não se enquadram em suas concepções moralistas sobre o bem e o mal.
Trata-se apenas da necessidade de afirmação da identidade? Se a afirmação do eu necessita do confronto com o outro, então esta seria uma resposta possível. Seria esta nova cruzada resultante da disputa no mercado religioso? Se considerarmos que a pluralidade de igrejas e denominações religiosas intensifica a oferta de bens religiosos e, conseqüentemente, a competição pela adesão de “consumidores”, ou seja, de fiéis, teremos outra resposta possível à prática intolerante. E se o sucesso desta residir no substrato cultural inerente à nossa história e formação social? Seria esta prática religiosa um reavivamento do racismo enrustido no mito da democracia racial que permeia a nossa sociedade? O racismo amparado em argumentos religiosos, e, portanto, aparentemente não racista é muito, muito pior!
“Não agredimos estes indivíduos, Tiramos o espírito demoníaco deles. Não somos nós que não aceitamos os umbandistas ou candombleístas, mas a Bíblia”, afirmou um certo pastor (in Marrano, 1999:111). Eis a legitimação da “guerra santa” movida por estes senhores contra as religiões vinculadas às tradições afro-descendentes. De fato, não há novidade alguma na eleição das divindades dos outros como seus adversários. O próprio cristianismo precisou guerrear e demolir os outros deuses para se impor. E não é esta a essência do monoteísmo? Mesmo entre os cristãos, imperou a guerra religiosa opondo católicos e protestantes. A história do Deus e das religiões monoteístas é também uma história de intolerância.
O que se ressalta entre os novos cruzados é o uso literal do texto sagrado. Também aqui não há novidade. A guerra entre as diversas denominações cristãs, por exemplo, também foi uma guerra de palavras, uma guerra de interpretações da palavra, uma luta ferrenha pela afirmação da reta doutrina. O fundamentalismo do nosso tempo revigora e ressuscita a “guerra santa”.
Esta guerra reflete a concepção dual dos que opõem o mundo material ao mundo espiritual. Expressa a luta entre Deus e os demônios e potencializa a idéia de que a guerra no mundo espiritual se reproduz no mundo material. Portanto, também aqui, na terra, é preciso identificar o mal, ainda que o diabo use mil disfarces, combatê-lo e destruí-lo. É preciso agir como o soldado do exército que tem como missão salvar o mundo e os indivíduos, mesmo que eles não queiram ser salvos.
A intensificação da “guerra santa” repousa na crescente demonização dos inimigos eleitos. Estrategicamente, a radicalização de pregação salvacionista é o caminho necessário para se distinguir não apenas dos “demonizados”, mas também dos seus concorrentes no mercado dos bens simbólicos religiosos. Esta estratégia de guerra alimenta a intolerância e a estigmatização do outro. Trata-se, a nosso ver, de um tipo de racismo disfarçado pela linguagem religiosa.
Antonio Ozaí da Silva é docente na Universidade Estadual de Maringá, Mestre em Ciência Política (PUC/SP) e Doutor em Educação (USP).
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