24.5.07

Íntegra do despacho

Despacho
VISTO.Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Repasse de verbas previsto em lei. Poder executivo que se nega efetivar o repasse por entender inconstitucional a legislação. Impossibilidade diante do caso concreto. Antecipação dos efeitos da tutela recursal deferido.1. Por não se conformar com os termos da decisão liminar lançada aos autos do Mandado de Segurança de nº 178/20071, Caixa de Assistência, Aposentadoria e Pensão dos Servidores Municipais de Maringá promoveu o presente Agravo de Instrumento2, onde pediu a atribuição de efeito suspensivo ativo, assim como a sua reforma.Sendo pertinente e tempestiva a medida recursal, assim como isenta de preparo, merece processamento. 3Para efeito da novel redação do Art. 522 do CPC, alterada pela Lei nº 11.187/2005, anota-se que a questão discutida tem, de fato, potencial lesivo grave, de difícil reparação.Trata-se de decisão negativa de tutela urgente, que considerou hígida a postura do agravado de não repassar o valor mensal à agravante, deixando-a desprovida de fundos para arcar com a assistência aos seus associados, de modo a ser coerente a interposição do Agravo, na modalidade de Instrumento, assim como inviável a sua conversão em retido (Art. 527, II, CPC).2. A medida urgente perseguida comporta provimento em sede de cognição sumária.Sob o manto de “efeito suspensivo ativo”, pleiteou a agravante a antecipação dos efeitos da tutela recursal, uma vez que pretende ver restabelecido o repasse de verbas. A concessão da medida urgente pleiteada -voltada a antecipar os efeitos da tutela recursal-, requer a concorrência dos dois ingredientes indispensáveis e autorizadores, quais sejam, verossimilhança da alegação e o perigo na demora (com a possibilidade de se tornar inócua a decisão final).Vasculhando os autos, logrou-se êxito na localização dos mencionados ingredientes.De pronto, anota-se ser refinado o debate, o que pode ser atestado pela robusta fundamentação encontrada na decisão visitada, assim como nos fundamentos jurídicos trazidos pela agravante.Como bem destacado pela decisão singular,”[...]. O que se discute nesse feito é a (in) constitucionalidade da Lei Complementar n.º 386/01 no tocante ao repasse de 8% da folha de pagamento dos servidores públicos municipais para custeio do Fundo de Assistência à Saúde do Servidor. Trata-se de evidente controle difuso de constitucionalida-de de lei municipal.[...] “4O Juízo singular, em que pese a cultura estampada na decisão atacada, muito embora tenha dito que se tratava de controle difuso de constitucionalidade de lei municipal -no que está correta- em nenhum momento a enfrentou, não obstante pudesse assim o fazer, mesmo em sede pétrea.Ainda assim, considerou correta a postura do agravado, de negar eficácia à Lei Complementar Municipal de nº 386/01, invocando, para tanto, o Art. 78 da CF/88.Em que pese o brilhantismo da fundamentação aposta, o caso dos autos demanda uma análise mais profunda, mormente com vista às peculiaridades do caso concreto.Desde os idos de 2001, a agravante vem recebendo os repasses de verbas discutidos nestes autos, que eram patrocinados com base na Lei Complementar nº 386/20015, lei esta que teve iniciativa do Executivo, ou seja, da agravada, que a sancionou e publicou.De lá para cá, todos os repasses foram patrocinados normalmente, exceto recentemente, quando o Atual Chefe do Executivo, o senhor Sílvio Magalhães Barros II, deixou efetivar os repasses, sob a alegação de ser a norma inconstitucional. Citou, para fundar sua postura, posicionamentos do Ministro LUIS GALLOTTI, do Desembargador ANDRADE JUNQUEIRA, e do doutrinador constitucionalista IVAN ANTÔNIO BARBOSA. 6Sem negar essa possibilidade, é imperioso analisar o caso concreto.O Poder Executivo Municipal está negando vigência a uma lei cujo projeto foi de sua autoria, por ele sancionada e publicada. E mais: que gozou de eficácia plena desde 2001!A possibilidade de se deixar de aplicar uma lei por entendê-la inconstitucional, não pode ser veículo de manobras e pressões políticas, de modo que segurança jurídica merece prestígio.O Poder Executivo deixar de regulamentar e aplicar uma lei cuja edição coube integralmente ao Poder Legislativo (mormente em sua iniciativa), em razão de não considerá-la adequada com a Constituição Federal ou Estadual, é uma coisa. E uma coisa corretíssima, diante do Estado Democrático de Direito. O respeito à Constituição Federal deve prevalecer.Agora, aceitar que este mesmo Poder Executivo, depois de idealizar o projeto de lei, mandá-lo para a Câmara de Vereadores, vê-lo aprovado, sancioná-lo e publicá-lo, assim como cumprir a lei dele originada por mais de 5 (cinco) anos (!), possa, de um dia para o outro, deixar de obedecê-la por entendê-la inconstitucional depõe contra os dogmas constitucionais, mormente o princípio norteador de todo nosso ordenamento, o da segurança dos negócios jurídicos.PAULO DE BARROS CARVALHO é um dos doutrinadores que defendem a segurança jurídica como um “sobreprincípio”, salientando que este pode ser conceituado como”conjuntos de princípios que operam para realizar, além dos respectivos conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia”.E continuou o citado professor a destacar que:Não haverá respeito ao sobreprincípio da segurança jurídica sempre que as diretrizes que o realizem venham a ser concretamente desrespeitadas e tais situações infringentes se perpetuem no tempo, consolidando-se. 7Em outra obra, o mesmo autor dissertou:A segurança jurídica não constaria de regra jurídica explícita de qualquer ordenamento jurídico, senão realizando-se pela autuação de outros princípios como o da legalidade, da irretroatividade, da igualdade e da universalidade da jurisdição.8E foi neste mesmo viés que lecionou SOUTO MAIOR BORGES, ao afirmar que:a segurança jurídica pode ser visualizada como um valor transcendente ao ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não se confina ao sistema jurídico positivo. Antes, inspira as normas que, no âmbito do Direito Positivo, lhe atribuem efetividade. 9Para sacramentar os comentários sobre a segurança dos negócios jurídicos, não poderia falta a fala de DALMO DE ABREU DALLARI, destacando que:a segurança jurídica é indispensável para os governantes e os governados. Para os governantes, a fim de que possam desempenhar plenamente suas atribuições, usando com o máximo de eficácia os instrumentos legais, tendo a certeza de que não irão sofrer, mais tarde, as conseqüências dos atos que tiveram praticado como agentes do poder público”. “Para os governados é, talvez, mais evidente ainda a necessidade de segurança jurídica, para que, sob pretexto de razão de Estado, não sofram o arbítrio e a violência, ficando à mercê de autoridades mal preparadas, desprovidas de espírito público, incapazes de compreender seu papel de órgão social, ou, o que não é raro, empolgadas com a possibilidade de exibirem alguma superioridade.10Uma pergunta merece ser feita: a postura do agravado, Chefe do Executivo Municipal, foi respeitadora da segurança jurídica daqueles que se valem dos serviços prestados pela agravante?Evidente que não!Por tudo isso, as alegações do agravante são verossímeis.Há lei que regulamentou o repasse de verbas. Lei de 2001, que vigorou sem qualquer problemas até o ato -abrupto, diga-se- do agravado, de cessar o referido repasse.Não obstante isso, trata-se de ato até impensado, pois, se a Lei que o regulamentou é inconstitucional, todos os repasses deverão ser considerados nulos de pleno direito, de modo que aqueles que o efetivaram, inclusive o atual Chefe do Executivo, pode ter cometido ato de improbidade administrativa.Mas, com relação a esta circunstância, certamente os Chefes do Executivo empalmariam os princípios da legalidade e da segurança dos negócios jurídicos.Por que então não os respeitar quando o beneficiário é a povo, sempre carente?!Para sacramentar a existência de verossimilhança nas alegações do agravante, não há notícia sequer da inauguração de um procedimento apto a declarar a inconstitucionalidade da Lei em comento.Além disso, os valores repassados são captados nas folhas de pagamentos dos servidores, logo, não ofendem as diretrizes orçamentárias do agravado, pelo menos em tese.Localizado primeiro ingrediente, passa-se à investigação do segundo.Nesse passo, evidente o perigo com a demora.Há elementos de prova nos autos que permitem a conclusão no sentido de que a agravante presta serviços sociais de saúde, atendendo vários cidadão enfermos, inclusive com câncer.Essa circunstância não é negada nem pelo agravado.Também inconteste que a ausência do referido repasse de verbas obstaculiza -quiçá inviabiliza quase que por completo- a prestação dos serviços, que são essenciais à manutenção da vida e da saúde.Evidente, por isso, o perigo com a demora do provimento final.Por fim, anota-se que a medida aqui deferida não é exauriente e nem irreversível.Trata-se aqui de uma decisão sumária, de modo que, eventualmente desprovido o agravo em seu mérito, poder-se-á, perfeitamente, retornar-se ao statu quo ante.Pelas razões expostas, antecipo os efeitos da tutela recursal, para determinar que o agravado retome os repasses das verbas previstas na Lei nº 386/2001, até que se resolva este Agravo, em sede exauriente.3. Intime-se o agravado, facultando-lhe a apresentação de resposta, devendo o Juízo monocrático prestar as informações que entender cabíveis, ambas diligências com prazo de 10 (dez) dias.4. Após, dê-se vista dos autos à Douta Procuradoria Geral de Justiça.Intimem-se.Curitiba, 21 de maio de 2007Des. Rosene Arão de Cristo Pereira, Relator.1 (f. 059/061)2 (f. 002/058)3 (f. 003; 062; CPC, Art. 511, § 1º)4 (f. 059, sic)5 (f. 580/590)6 (f. 608/610)7 (CARVALHO, Paulo de Barros. “O Princípio da Segurança Jurídica”. São Paulo: Revista de Direito Tributário, v. 61, 1994, p. 89).8 (CARVALHO, Paulo de Barros. Sobre os Princípios Constitucionais Tributários. São Paulo: Revista de Direito Tributário, nº 55, p. 150).9 (BORGES, Souto Maior. “Princípio da Segurança Jurídica na Criação e Aplicação do Tributo”. In Revista de Direito Tributário, v. 64, p. 206).10 DALLARI, DALMO DE ABREU. “Segurança e Direito”, O Renascer do Direito, 2ª ed., Saraiva, 1980, p. 29. sublinhamos