11.5.07

O feriado frio e a torneira quente

por O SILVA

Maldita a hora em que acreditei nessa história de acordo que permitiu a abertura do comércio na tarde de quinta-feira (10), aniversário de Maringá. Pois bem, foi nesse meio feriado que teve início a minha saga de consumidor idiota. Com pena da minha esposa, que lavava a louça com água fria na fria manhã de outono em que Maringá completava 60 anos, combinei sair com ela na parte da tarde para comprar uma torneira elétrica, daquelas que jorram água quente e tornam a limpeza da louça mais cômoda e higiênica. Infeliz idéia. Após o almoço, saímos com o carro direto ao shopping Avenida Center, afinal lá tem uma lojinha que vende multi-coisas para casa. Para evitar a incômoda abordagem dos flanelinhas, decidi estacionar o carro na rua Joubert de Carvalho, a uma quadra do shopping. Ledo engano. Mal estacionei e – pasmem – um senhor bem vestido me abordou pedindo para cuidar do carro. Expliquei que não era preciso, já que demoraríamos poucos minutos. O relógio marcava 14 horas. Caminhamos apressados – com medo de o carro ser riscado, prática comum nessa cidade sem lei e sem ordem, loteada por aproveitadores - e, bingo!, a loja estava fechada. Voltamos ao carro meio sem graça e, no meio do caminho, aproveitei para brincar com o flanelão, mostrando a ele que cumprira o prometido, entregando “sua vaga” dentro do tempo previsto. Decidimos, então, visitar algumas lojas de materiais para construção na avenida Colombo. Decepção. Todas fechadas. Não desanimamos. Saímos para comprar a tal torneira elétrica e não voltaríamos para casa sem ela. Fomos direto ao Shopping Cidade, aquele que tem um big mercado que diz vender de tudo. Até então – apesar das decepções iniciais - estávamos legais, de bem com a vida e com o meio feriado. Enquanto entrava com o carro no estacionamento do big mercado, notei uma faixa enorme grudada na cerca anunciando que o estacionamento era gratuito. Legal, afinal já tinha ouvido falar que cobravam para estacionar. Mentira. O cartaz dizia que não, em letras garrafais. Mas alegria de consumidor pobre e idiota dura pouco. Ao parar ao lado da guarita, uma moça me entregou um tíquete e soltou a bomba: R$ 2,00 por duas horas. Olhei espantado para ela e apontei a faixa. “Não é bem assim – disse ela – Só se o senhor comprar R$ 20,00 em mercadorias no mercado que não paga”. Sorri, já imaginando que o preço da torneira me daria direito a estacionar de graça. “Mas o mercado não vai abrir hoje”, concluiu a jovem, de sopetão. Aquilo foi um balde de água fria na minha torneira de água quente. Minha mulher não se esmoreceu e lembrou que no shopping tinha uma filial da Lojas Americanas. Pensei: bem, se vamos comprar a torneira vai valer a pena perder os R$ 2,00. Idiota, idiota, idiota. A loja era minúscula e não tinha – que ódio - a porra da torneira. Insistindo em não perder o bom humor, sugeri à minha mulher que fossemos a Sarandi, uma vez o comércio estava funcionando normalmente. Lá fomos nós, em busca da merda da torneira. Escolhemos a loja mais “famosa” da cidade, uma, cujo dono é anunciado veementemente por um radialista de Maringá como sendo um dos melhores comerciantes da região, quiçá do Estado ou do País. Entramos na loja e, de cara, ficamos pasmos com tanta sujeira. Uma menina aparentando não mais que 15 anos de idade veio nos atender e se perdeu quando disse a ela que queria uma torneira elétrica. Coitada, foi procurar o pedido no meio do estoque de torneira de metais e, lógico, não encontrou. A dona da loja tentou ajudar e, junto com um rapazote que a chamava de mãe, passou eternos 15 minutos procurando a porra da merda da torneira elétrica em tudo quanto é balcão e caixaria. Não encontraram. Como que num surto, o garoto lembrou que dias atrás havia visto uma única peça no alto de uma das prateleiras, todas empoeiradas e cheias de teia de aranha. Eu, o idiota ansioso, fixava os olhos para o alto, tentando encontrar a tão sonhada mercadoria. Com muito custo o garoto criou coragem, arrastou suas longas e pesadas pernas até um canto da loja, pegou uma longa e pesada escada de ferro e subiu, degrau por degrau - tão rápido quanto uma lesma apostando corrida com um bicho-preguiça - até alcançar a merda da porra da torneira. Desceu com a mesma vontade com que subira e me entregou o pacote, carregado de poeira. Poeira, não. Terra pura. Peguei o pacote com a ponta dos dedos para não sujar as mãos e. só então, percebi que a biscate daquela torneira não daria o encaixe na pia de casa. Devolvi e perguntei se havia outro modelo. “Não, só temos essa no estoque”, respondeu o rapazote, decepcionado e ao mesmo tempo enfurecido por eu tê-lo feito subir à toa toda aquela longa e longa escada. Confesso: foi um alívio sair daquele ambiente sujo e completamente desprovido de interesse comercial. Desisti de Sarandi. Se na “melhor loja” o atendimento foi naquele nível, não me arriscaria procurar outra. Saí pensando no dono da loja, que sonha – há anos - ser o prefeito da cidade. Pensei: se não cuida da lojinha, como vai cuidar da cidade? Mas o radialista insiste em dizer que “o cara é bão”. Ah, deixa pra lá. Voltamos para Maringá, via avenida Colombo, e até a avenida 19 de Dezembro não encontramos uma merda – que ódio - de loja aberta. Resolvi entrar na avenida Mandacaru. Lembrei que lá abriu um novo supermercado que poderia ter a merda da porra da biscate da torneira. Idiota sete vezes multiplicado por setenta. O mercado também estava fechado. Mas, que sorte. Defronte ao mercado uma loja de multi-coisas estava aberta. Gritei comigo: Bingo! Bingo!...achei. Estacionei o carro e entrei, eufórico, na loja, quase que arrastando minha mulher pelo braço. Na bucha, sem titubear, pedi uma torneira elétrica. “Não temos, véio. Está em falta. Só por encomenda”, respondeu o dono. Engoli seco. Segurei minha mão para não dar um soco na minha própria cabeça de idiota. Nem tive o trabalho de virar o corpo para deixar a loja. Saí de ré, olhos arregalados com o que acabara de ouvir. “Só por encomenda, veio...só por encomenda, véio...só por encomenda, véio...”. A frase e o “véio” faziam eco no meu cérebro. Ao mesmo tempo em que imaginava os nomes das mães daqueles que criaram o meio feriado, tentava entender como um consumidor que vive numa cidade que completa 60 anos de idade ouvir um comerciante dizer que é preciso fazer encomenda para comprar uma merda de uma porra de torneira? Desisti. Cheguei em casa pensando como conseguiram destruir por inteiro o meu meio feriado. Obrigado pelo belo comércio que me proporcionaram nessa fria manhã de quinta-feira. Ah, não me falem em torneira elétrica que eu brigo. Odeio torneiras, principalmente de água quente.

* Silva é consumidor idiota pós graduado em idiotia forense.