UNIVERSIDADES PÚBLICAS DO PARANÁ: A DESTRUIÇÃO REQUIÂNICA DE UM PATRIMÔNIO PÚBLICO INCALCULÁVEL
Por MARCOS CESAR DANHONI NEVES
A Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência do Paraná vem denunciando, há mais de dois anos, a política sistemática de destruição das Universidades Públicas Estaduais levada adiante pelo governador Roberto Requião de Mello e Silva. Essa política é unificada, pois recapitula o governo anterior, de Jaime Lerner, o qual, por sua vez, recapitulava o primeiro governo Requião no início da década de 90 do século passado. Esse também recapitulou a política agressiva de seu antecessor (e aliado de ocasião) imediato: o então governador Álvaro Dias.
No governo Requião anterior, desse século, as Universidades passaram por uma agressão extrema quando sofreram vários atos arbitrários sucessivos: i) uma reposição salarial docente diferenciada, insuficiente e discriminatória; ii) um rebaixamento do degrau salarial entre a classe de professor associado e titular; iii) uma proibição sistemática de saídas de pesquisadores para o exterior, seja para participação em eventos, seja para a realização de cursos de doutoramento e/ou estágios de pós-doutoramento; iv) uma dotação orçamentária insuficiente para a Fundação de Amparo (Araucária) que quase nada pode amparar ou fomentar; v) e, finalmente, o tiro de misericórdia: a aprovação e execução de um PCCS (Plano de Cargos, Carreiras e Salários) para as funções técnicas e administrativas que culminaram com salários superiores àqueles dos docentes (exemplo básico: um professor auxiliar entra na Universidade ganhando exatamente a metade de um seu colega, também ingressante, exercendo a atividade de técnico de nível superior, sem mestrado).
Não bastasse essa política extremamente hostil, com uma defasagem salarial que chega a 54% para a categoria mais básica (professor auxiliar), o governador, através de seu Secretário de Planejamento, anuncia à categoria docente, uma “política de governo” que reporá os salários na base do IPCA (se houver folga na Lei de Responsabilidade Fiscal), ou seja, míseros e inqualificáveis 6,5% (seis vírgula cinco por cento).
Escrevi anteriormente que as Universidades Públicas do Paraná estão minguando. Só na Universidade Estadual de Maringá, 175 (cento e setenta e cinco!) professores deixaram seus cargos nos últimos quatro anos. Mais de duas centenas deixaram o regime de tempo integral e dedicação exclusiva (outras centenas preparam-se para fazer o mesmo nos próximos meses, especialmente após o anúncio do índice de correção salarial). Na conta da Secretaria da SBPC-PR, só na UEM, quatro mestrados tiveram (ou estão na iminência de terem ...) seus conceitos rebaixados pela CAPES (um deles, inclusive, com risco de ser extinto).
De toda a tragédia que se abate sobre as universidades, talvez a que mais incomoda a classe docente é aquela em que jamais tivemos, num único governo, tantos colegas egressos de nossas academias ocupando cargos vitais na administração pública, a saber: a presidência da Fundação Araucária, a Secretaria de Planejamento e a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Esses colegas, quando ainda faziam parte da base docente, sempre militaram em movimentos responsáveis, inclusive, por um sem-número de greves necessárias para que os trabalhadores da educação superior tivessem seus direitos e conquistas respeitados. No entanto, esses mesmos colegas, são aqueles que, hoje, aparecem para anunciar as “políticas do governo”, destruindo para sempre a confiança daqueles que neles votaram (seja para reitor – caso do atual presidente da Fundação de Amparo e da Secretária de Ciência e Tecnologia; seja para Deputado Estadual – caso do atual Secretário de Planejamento) esquecendo-se que, depositários de uma dignidade inencontrável, deveriam retornar, urgentemente, ao lugar de onde partiram para o reencontro com a coragem, a honestidade e a altivez acadêmica [muito acertada a decisão da categoria, em Assembléia geral do Sindicato, de chamar uma Audiência Pública para que esses personagens expliquem-se sobre o atual estado de coisas envolvendo as IES estaduais].
As Universidades Públicas do Paraná estão perigosamente à deriva. Abandonadas pelos gestores de políticas públicas saídos de seu próprio interior, a agonia ocorre de forma lenta, mas inexorável.
O que parece um descaso, na verdade, trata-se de uma política muito bem orquestrada pelo Governador Roberto Requião de Mello e Silva e seus asseclas e passa pelos seguintes e tenebrosos passos:
- sucateamento salarial (sem reposição de perdas);
- precarização do trabalho docente (fomento de mudança de regime de tempo integral e dedicação exclusiva para contratos T-40, T-24, T-12 horas);
- fomento da evasão docente qualificada (principalmente a de doutores, para cair o custo da folha de pagamento);
- destruição de dezenas de programas de mestrado e doutorado;
- facilitação, pelo sucateamento do sistema público de ensino superior, da concorrência por parte da iniciativa privada;
- centralização, na capital do Estado, da pesquisa de qualidade, mas bancada pelo sistema federal;
- crescimento medíocre do orçamento da Fundação de Amparo, inviabilizando projetos promissores e incentivo a bolsas de pós-graduação.
Boa parte desse programa de destruição já foi testado no primeiro governo Requião (o do século passado), aperfeiçoado no segundo (o desse século) e, finalmente, em vias de conclusão no terceiro (e último?!?) governo.
Um governador que se notabilizou por receber o maior salário entre os governadores de todo o país (mais de R$ 22.000,00/mês); de empregar mais de quarenta parentes, num nepotismo inimaginável e odioso; de, num gesto de pequena grandiloqüência diante das câmeras de TV, comer sementes produtoras de biodiesel; de barrar o direito de ir-e-vir de pesquisadores do Estado; de sortear patrimônio público – um ônibus – entre deputados que participam de sua “escolinha [sic] de governo”; de destratar a dignidade de mulheres em discursos impublicáveis, etc., demonstram, em tudo, uma arrogância que tem feito colapsar todo um patrimônio que jamais deveria pertencer aos caprichos de um político cujo comportamento já cansou a opinião pública.
Enquanto escrevo essas linhas, mais professores-doutores (capacitados em longos anos e com recursos públicos) evadem-se das Universidades Públicas do Paraná, ou mudam de regime de trabalho, buscando a justa gratificação por uma vida dedicada à docência, à pesquisa, à cultura. Abatidos por uma série de atos que beiram a tirania; acossados por traições de colegas hoje ocupando importantes cargos da administração pública; e esquecidos pela opinião pública (essa última, abatida, por sua vez, pela doutrinação e pela propaganda política regada generosamente pelos nossos impostos duramente pagos), os docentes das Universidades Públicas, patrimônio incalculável do Estado do Paraná, despedem-se, esvaziando, diuturnamente, a qualidade adquirida ao longo de décadas. Da luta que caracterizou mais de trinta anos de resistência contra o arbítrio, restaram apenas poucos murmúrios daqueles que escolheram o silêncio como forma de protesto e, principalmente, como forma de mostrar, no futuro, o que representou a sucessão de governos que sempre fomentou o processo de destruição do saber sistematizado no Estado do Paraná.
Por todos os motivos expostos, só nos resta exclamar, diante dos inúmeros e grotescos “obrigados” com que o governador agradece a todo o silêncio popular, a frase: “Prossegue e nos destrói! De Nada, Requião de Nada”! Faz da tua história a lápide que não verás!
* Marcos Cesar Danhoni Neves é secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-PR - gestões: 2004-2006; 2006-2008); Professor Titular do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá; Coordenador do Mestrado em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática. Exerce atividades na UEM há 22 anos.
“Se os livros estão de acordo com o que eu digo, eles são desnecessários; se são contrários, são blasfemos. Portanto, prossegue, e os destrói!”
Não! Não é uma frase de impacto do governador Roberto Requião. É a paráfrase do califa Omar, em 670 d.C. que, com um silogismo grosseiro, destruiu a primeira grande Academia do Mundo Antigo (aquela que foi eternizada pelo nome de A Grande Biblioteca, a Biblioteca de Alexandria.
Não! Não é uma frase de impacto do governador Roberto Requião. É a paráfrase do califa Omar, em 670 d.C. que, com um silogismo grosseiro, destruiu a primeira grande Academia do Mundo Antigo (aquela que foi eternizada pelo nome de A Grande Biblioteca, a Biblioteca de Alexandria.
A Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência do Paraná vem denunciando, há mais de dois anos, a política sistemática de destruição das Universidades Públicas Estaduais levada adiante pelo governador Roberto Requião de Mello e Silva. Essa política é unificada, pois recapitula o governo anterior, de Jaime Lerner, o qual, por sua vez, recapitulava o primeiro governo Requião no início da década de 90 do século passado. Esse também recapitulou a política agressiva de seu antecessor (e aliado de ocasião) imediato: o então governador Álvaro Dias.
No governo Requião anterior, desse século, as Universidades passaram por uma agressão extrema quando sofreram vários atos arbitrários sucessivos: i) uma reposição salarial docente diferenciada, insuficiente e discriminatória; ii) um rebaixamento do degrau salarial entre a classe de professor associado e titular; iii) uma proibição sistemática de saídas de pesquisadores para o exterior, seja para participação em eventos, seja para a realização de cursos de doutoramento e/ou estágios de pós-doutoramento; iv) uma dotação orçamentária insuficiente para a Fundação de Amparo (Araucária) que quase nada pode amparar ou fomentar; v) e, finalmente, o tiro de misericórdia: a aprovação e execução de um PCCS (Plano de Cargos, Carreiras e Salários) para as funções técnicas e administrativas que culminaram com salários superiores àqueles dos docentes (exemplo básico: um professor auxiliar entra na Universidade ganhando exatamente a metade de um seu colega, também ingressante, exercendo a atividade de técnico de nível superior, sem mestrado).
Não bastasse essa política extremamente hostil, com uma defasagem salarial que chega a 54% para a categoria mais básica (professor auxiliar), o governador, através de seu Secretário de Planejamento, anuncia à categoria docente, uma “política de governo” que reporá os salários na base do IPCA (se houver folga na Lei de Responsabilidade Fiscal), ou seja, míseros e inqualificáveis 6,5% (seis vírgula cinco por cento).
Escrevi anteriormente que as Universidades Públicas do Paraná estão minguando. Só na Universidade Estadual de Maringá, 175 (cento e setenta e cinco!) professores deixaram seus cargos nos últimos quatro anos. Mais de duas centenas deixaram o regime de tempo integral e dedicação exclusiva (outras centenas preparam-se para fazer o mesmo nos próximos meses, especialmente após o anúncio do índice de correção salarial). Na conta da Secretaria da SBPC-PR, só na UEM, quatro mestrados tiveram (ou estão na iminência de terem ...) seus conceitos rebaixados pela CAPES (um deles, inclusive, com risco de ser extinto).
De toda a tragédia que se abate sobre as universidades, talvez a que mais incomoda a classe docente é aquela em que jamais tivemos, num único governo, tantos colegas egressos de nossas academias ocupando cargos vitais na administração pública, a saber: a presidência da Fundação Araucária, a Secretaria de Planejamento e a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Esses colegas, quando ainda faziam parte da base docente, sempre militaram em movimentos responsáveis, inclusive, por um sem-número de greves necessárias para que os trabalhadores da educação superior tivessem seus direitos e conquistas respeitados. No entanto, esses mesmos colegas, são aqueles que, hoje, aparecem para anunciar as “políticas do governo”, destruindo para sempre a confiança daqueles que neles votaram (seja para reitor – caso do atual presidente da Fundação de Amparo e da Secretária de Ciência e Tecnologia; seja para Deputado Estadual – caso do atual Secretário de Planejamento) esquecendo-se que, depositários de uma dignidade inencontrável, deveriam retornar, urgentemente, ao lugar de onde partiram para o reencontro com a coragem, a honestidade e a altivez acadêmica [muito acertada a decisão da categoria, em Assembléia geral do Sindicato, de chamar uma Audiência Pública para que esses personagens expliquem-se sobre o atual estado de coisas envolvendo as IES estaduais].
As Universidades Públicas do Paraná estão perigosamente à deriva. Abandonadas pelos gestores de políticas públicas saídos de seu próprio interior, a agonia ocorre de forma lenta, mas inexorável.
O que parece um descaso, na verdade, trata-se de uma política muito bem orquestrada pelo Governador Roberto Requião de Mello e Silva e seus asseclas e passa pelos seguintes e tenebrosos passos:
- sucateamento salarial (sem reposição de perdas);
- precarização do trabalho docente (fomento de mudança de regime de tempo integral e dedicação exclusiva para contratos T-40, T-24, T-12 horas);
- fomento da evasão docente qualificada (principalmente a de doutores, para cair o custo da folha de pagamento);
- destruição de dezenas de programas de mestrado e doutorado;
- facilitação, pelo sucateamento do sistema público de ensino superior, da concorrência por parte da iniciativa privada;
- centralização, na capital do Estado, da pesquisa de qualidade, mas bancada pelo sistema federal;
- crescimento medíocre do orçamento da Fundação de Amparo, inviabilizando projetos promissores e incentivo a bolsas de pós-graduação.
Boa parte desse programa de destruição já foi testado no primeiro governo Requião (o do século passado), aperfeiçoado no segundo (o desse século) e, finalmente, em vias de conclusão no terceiro (e último?!?) governo.
Um governador que se notabilizou por receber o maior salário entre os governadores de todo o país (mais de R$ 22.000,00/mês); de empregar mais de quarenta parentes, num nepotismo inimaginável e odioso; de, num gesto de pequena grandiloqüência diante das câmeras de TV, comer sementes produtoras de biodiesel; de barrar o direito de ir-e-vir de pesquisadores do Estado; de sortear patrimônio público – um ônibus – entre deputados que participam de sua “escolinha [sic] de governo”; de destratar a dignidade de mulheres em discursos impublicáveis, etc., demonstram, em tudo, uma arrogância que tem feito colapsar todo um patrimônio que jamais deveria pertencer aos caprichos de um político cujo comportamento já cansou a opinião pública.
Enquanto escrevo essas linhas, mais professores-doutores (capacitados em longos anos e com recursos públicos) evadem-se das Universidades Públicas do Paraná, ou mudam de regime de trabalho, buscando a justa gratificação por uma vida dedicada à docência, à pesquisa, à cultura. Abatidos por uma série de atos que beiram a tirania; acossados por traições de colegas hoje ocupando importantes cargos da administração pública; e esquecidos pela opinião pública (essa última, abatida, por sua vez, pela doutrinação e pela propaganda política regada generosamente pelos nossos impostos duramente pagos), os docentes das Universidades Públicas, patrimônio incalculável do Estado do Paraná, despedem-se, esvaziando, diuturnamente, a qualidade adquirida ao longo de décadas. Da luta que caracterizou mais de trinta anos de resistência contra o arbítrio, restaram apenas poucos murmúrios daqueles que escolheram o silêncio como forma de protesto e, principalmente, como forma de mostrar, no futuro, o que representou a sucessão de governos que sempre fomentou o processo de destruição do saber sistematizado no Estado do Paraná.
Por todos os motivos expostos, só nos resta exclamar, diante dos inúmeros e grotescos “obrigados” com que o governador agradece a todo o silêncio popular, a frase: “Prossegue e nos destrói! De Nada, Requião de Nada”! Faz da tua história a lápide que não verás!
* Marcos Cesar Danhoni Neves é secretário regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-PR - gestões: 2004-2006; 2006-2008); Professor Titular do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá; Coordenador do Mestrado em Educação para a Ciência e o Ensino de Matemática. Exerce atividades na UEM há 22 anos.
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