23.6.07

Claraval, uma cidade à venda

Por PABLO SANTOS PINTO/Comércio de Franca, SP

Luiz trabalha de sol a sol para manter toda a sua família. Em determinada época do ano, separa o equivalente a um dia de trabalho para doar ao proprietário supremo da terra, o Divino Espírito Santo, pela graça de deixá-lo utilizar o solo para tirar dele seu sustento e seu descanso.
Não, não estamos em um feudo da Idade Média, mas sim na cidade de Claraval (MG), em pleno século 21. Por mais estranho que pareça, a grande maioria das terras da cidade pertence, de fato ao Divino Espírito Santo, por meio de uma doação feita em 1867.
Isso porque os imóveis de Claraval foram ocupados pelo sistema de enfiteuse, como se fosse uma espécie de arrendamento, criado ainda na Roma Antiga. Com isso, os moradores têm direito ao uso do solo, mas a propriedade é da igreja.
Agora, a Diocese de Guaxupé quer acabar com isso e passar a propriedade dos terrenos da cidade para as pessoas que moram no local. E o assunto está gerando polêmica. O motivo seria o valor que a Igreja estaria cobrando pela transferência da posse da terra: R$ 8 por metro quadrado. Aposentados, famílias que participem do Cadastro Único do Governo Federal e famílias com renda abaixo de R$ 525,00 têm 50% de desconto. O valor é considerado alto pelos moradores. Para a igreja, o valor é apenas simbólico.
De acordo com o ex-prefeito da cidade, Divino Neco de Oliveira, 90% das famílias serão atingidas pela proposta da igreja. O restante, como a do ex-prefeito, já teriam a escritura em seu nome, em contratos assinados antes da Mitra (Diocese) de Guaxupé assumir as terras, em 2002. Antes a terra era da Abadia Territorial de Claraval.
O funcionário público Luiz Carlos Monteiro, o “Luizão”, é um dos moradores que não concordam com os preços cobrados. "Nós concordamos pagar, mas acho que R$ 1 o metro seria o suficiente.
Em 2005, a igreja vendeu uma área para a prefeitura de 39,097 mil metros quadrados por R$ 111 mil, que dá R$ 2,85 o metro quadrado. Se vendeu essa área que era dela, saiu por esse preço, porque uma área que nós já pagamos vai sair por R$ 8 ?. Eu não acho justo ?"
Ele conta que pagou para um terceiro o valor de R$ 1,5 mil para utilizar o terreno e agora teria que pagar mais R$ 1 mil para a igreja para pegar a escritura, fora as despesas de transferência.
O prefeito Luiz Gonzaga Cintra não foi localizado, mas de acordo com seu chefe de gabinete, Laércio Giglo, a prefeitura está do lado da população e já criou uma comissão para discutir o assunto, já que não concorda com o preço, pois as terras foram doadas à igreja. "O que a prefeitura podia fazer politicamente já fez. Ela acha que a iniciativa é positiva, só que o preço deveria ser menor. Se você for ver, todo este terreno foi doado para a igreja."
Ele disse ainda que a informação de que os moradores não eram donos do terreno não foi passada. "Ninguém que tem carta foral foi orientado de que não era dele a terra."