26.6.07

Juízes estressados

Por PEDRO SCURO NETO

- O professor Joaquim Falcão, do Conselho Nacional de Justiça, não é médico, mas assegura que os juízes brasileiros estão “estressados” [Correio Braziliense, 2 jan]. Estava justamente me perguntando o porquê, quando soube que na Bahia Juízes tiram até quatro meses de férias. Concluí que deve ser por conta do estresse.
- O problema é dinheiro? Difícil dizer, pois o poder de compra do salário de um magistrado brasileiro na esfera federal é o mais alto do mundo, exceção feita aos juízes canadenses [http://www.mj.gov.br/reforma/index.htm]. O conselheiro diz que é estresse ‘causado pela carga de trabalho”, mas isso é improvável. Um magistrado brasileiro de 1º grau encerra em média 1.350 processos por ano, ao passo que nos Estados Unidos um juiz termina quase onze mil e quatrocentos [Revista da Ajuris, 103, pp. 317-318].
- Pode ser que essa incrível disparidade esteja vinculada ao fato de os nossos juízes serem funcionários públicos. Nos EUA só os federais gozam de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. Diferentemente dos estressados brasileiros,a imensa maioria dos juízes americanos serve por período limitado, geralmente 6 anos, selecionados entre advogados experientes por um conselho ou comissão estadual da Ordem (American Bar Association).
- No quesito prestígio a situação de nossos juízes é bem diferente. Prestígio que não advém da pessoa ou do exercício da profissão, porém do peso simbólico de funções que justificam altos salários, mas que determinam, por outro lado, um mórbido receio de perder poder pessoal.
- Daí o estresse, que o ministro Antonio Peluso associa com o “excesso de suscetibilidade” de juízes que precisam “se desarmar, fazer a sua catarse, para poder progredir”. Caso contrário, perdem “a visão do conjunto”, daquilo que “afeta todo o sistema” [Diálogos & Debates, 4, pp. 7-11]. Estresse que tem a ver basicamente com a angústia de quem precisa decidir com responsabilidade e sabe que existem escolhas melhores que outras, mas o faz num contexto de assimetria de poder que acarreta uma profusão de recursos (quase 120 ao todo), morosidade, e uma máquina com o dobro de servidores comparado à média internacional.
- Quem não se desarma usa subterfúgios. Pondo a “culpa” no outro, nos advogados preferencialmente, por litigarem demais e pretenderem monopolizar a Justiça. Algo que o supremo rejeita, diz o conselheiro prevendo “situações em que será prescindível a presença do advogado”. Daí “a fórmula do futuro” ser, como nos Juizados Especiais, “mais conciliação e menos adjudicação”.
- Será mesmo? Nos Juizados Especiais Cíveis gaúchos, por exemplo, 58% dos acordos em 1986 eram obtidos via conciliação, 10 anos depois eram 40%, e hoje quase 20 % [www.cejamericas.org/doc/documentos/Relatoriodepesquisa.pdf]. Culpa dos advogados, insiste um levantamento encomendado pelos próprios magistrados: se o advogado está presente “a probabilidade de realização de acordos diminui”. Mas “esquecem” de dizer que sem a presença de advogado o resultado não valia.
- Não basta, portanto, ficar repetindo que “a hora é de inovar, inovar, inovar”, como faz o conselheiro. Gestão correta e eficaz da Justiça - e menos estresse - exige que inovação e mudança institucional deixem de ser temas de baixa prioridade política; em particular para os atores públicos com mais poder ou autoridade.

Pedro Scuro Neto - Diretor do Centro Talcott de Direito e Justiça