3.6.07

Niquelândia contra o crime

(Texto publicado no Correio Braziliense, hoje)

Lei seca, toque de recolher para adolescentes e controle do porte de armas têm ajudado a reduzir a violência no município onde foi descoberta rede de prostituição infantil que envolve políticos

Renato Alves Enviado especial a Niquelândia (GO) — A suposta rede de prostituição infantil em Niquelândia (GO) foi descoberta graças a uma das medidas de combate à criminalidade impostas pela Justiça local, com apoio do Ministério Público. A investigação sobre o esquema teve início após uma equipe de policiais militares abordar um casal que circulava de mãos dadas no centro da cidade às 3h de uma quarta-feira. A menina afirmou que tinha 16 anos. O rapaz, 22. A idade dele estava certa. A dela, não: tinha 14. Obedecendo a uma portaria do único juiz da cidade, Rinaldo Aparecido Barros, 42 anos, os PMs levaram o casal para o Conselho Tutelar. Lá, a garota contou que era prostituta. Deu nomes de clientes. Entre eles, dois secretários municipais, dois assessores do prefeito Ronan Rosa Batista (PTB), 44 anos, o próprio prefeito e uma filha dele, Dátila Abadia Batista Calaça, 22. Logo em seguida, os PMs encontraram Dátila e outra menina de 14 anos em um quarto de hotel da cidade. A adolescente engrossou a lista de suspeitos. Ao todo, 23 pessoas são investigadas. Em Niquelândia, os menores de 18 anos não podem andar livremente nas ruas à noite. Um toque de recolher vigora há dois anos. Por meio de uma portaria, o juiz Rinaldo Barros limitou a permanência de crianças e adolescentes fora de suas casas, desacompanhados de pais ou responsáveis. Até 15 anos, só ficam na rua sozinhos até as 22h; entre 15 e 17 anos, até a meia-noite; e os de 17 e 18 anos, até a 1h. Lei seca Quem for flagrado ultrapassando os limites de horários é apreendido e levado à delegacia ou Conselho Tutelar. Só sai quando o pai ou responsável chegar. Na reincidência, pode responder processo criminal e acabar internado. Mas o juiz também impôs regras aos adultos, logo que chegou a Niquelândia, no começo de 2005. Ele decretou a lei seca, em maio daquele ano. De domingo a quinta-feira, bares, restaurantes e lanchonetes têm que fechar à meia-noite. De sexta a domingo, às 2h. E ainda ficou proibida a colocação de mesas e cadeiras nas calçadas. Com isso, as festas em locais públicos começam às 18h. Durante a semana, às 23h30, quem estiver sentado na mesa de algum bar recebe a conta mesmo sem a ter pedido. Acostumado ao horário, nenhum cliente reclama. O desrespeito é punido com multa de cinco salários mínimos (R$ 1.750). Reincidentes respondem a processo criminal. “Ficou foi melhor. Os clientes chegam mais cedo, meus funcionários têm hora certa para ir embora. As brigas acabaram e, sem mesa na rua, só entra no bar quem quer gastar”, ressalta Alan Clemente Pedrosa, 26 anos, há oito dono de um dos bares mais movimentados da cidade. “Antes eram comuns brigas nas festas públicas e nos barzinhos. Pessoas morriam atropeladas nas calçadas, pois, bêbadas, tinham que andar na rua por causa das mesas. Algumas das vítimas estavam sentadas nessas mesas e foram atingidas por motoristas embriagados”, conta o funcionário público Cleiton Barbosa, 23 anos. Violência reduzida Os números são o principal argumento usado pelo juiz para manter a política de tolerância zero. A cidade, que até 2005 era considerada a mais violenta do norte goiano, passou a ser uma das mais seguras do estado após a lei seca e as outras normas. A quantidade de assassinatos foi reduzida em seis vezes nesses dois anos. Em 2003, a cidade registrou 30 homicídios e 24 tentativas de assassinato. Ano passado, houve cinco homicídios e cinco tentativas. “Verificamos que 80% dos homicídios eram motivados pelo álcool. Tínhamos que tomar uma medida drástica”, recorda Rinaldo Barros. No caso dos adolescentes, o juiz conta que o índice de delinqüência juvenil caiu 70% com a imposição de horários. A política linha dura do juiz também tem reflexos na saúde pública. No hospital Municipal Santa Efigênia, o maior de Niquelândia, o número de atendimentos caiu 60% desde a implantação da lei seca e da limitação de horários para os adolescentes. A quantidade de motociclistas atendidos diminuiu pela metade. Até 2005, a direção do hospital mandava, em média, quatro ambulâncias por dia para o Hospital de Urgências de Goiânia, por causa da gravidade dos ferimentos em acidentes de trânsito. Desde a lei seca, nunca houve mais do que um ferido transportado para a capital. A lei seca atingiu até a Vara de Família de Niquelândia. Houve redução de 70% nos pedidos de divórcio, de 2005 para 2007. “Os maridos passaram a beber menos e a chegar mais cedo em casa. Com isso, diminuíram as discussões entre os casais e as agressões físicas contra as mulheres”, explica Rinaldo Barros. Antes do juiz assumir a Comarca de Niquelândia, eram presas de cinco a 10 pessoas por semana por porte de arma de fogo na cidade. Como Niquelândia fica em uma região de garimpo, era comum um homem andar de arma na cintura . Hoje, não passam de dois casos. Desde fevereiro de 2005, quem anda armado tem que pagar R$ 1.750 para ficar em liberdade. E mais R$ 1.750 para cumprir pena alternativa ao invés de deixar o processo correr, acabar condenado e preso. O dinheiro das fianças é gerido pelo Conselho da Comunidade do município, formado por nove moradores da cidade. Em um ano e quatro meses, o conselho destinou dinheiro para reforma completa do quartel da PM, compra de todos os móveis e de computadores para a unidade, compra de algemas — só havia uma para toda a corporação —, construção de duas celas no presídio local e reconstrução do Conselho Tutelar. “A exceção do combustível das viaturas e dos salários dos policiais, o conselho mantém as forças de segurança de Niquelândia”, diz o presidente da entidade, o advogado Almir Araújo dias, 54. Por pressão do juiz e do promotor, mudaram também os PMs do lugar. Dos 22 lotados no município em fevereiro de 2005, 11 respondiam processo por fazer segurança privada. Eles acabaram transferidos: foram substituídos por outros 11 e a companhia ganhou mais seis. Desde então, não houve mais denúncia de irregularidades.