23.7.07

Caixa Federal se consolida como reduto de heterodoxos

Jornal Valor Econômico
Alex Ribeiro
23/07/2007

A Caixa Econômica Federal se consolida como um reduto de economistas heterodoxos, depois da nomeação de mais dois vice-presidentes com passagens pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Esse grupo tem cada vez mais influência na definição das estratégias do banco, apesar da forte presença na diretoria de políticos indicados pela base aliada do governo no Congresso.
O professor Márcio Percival Alves Pinto, que foi diretor do Instituto de Economia, escola com tradição no pensamento não-ortodoxo, assumiu a vice-presidência de finanças da Caixa. Substituiu o também professor Unicamp Fernando Nogueira da Costa. Outro economista da mesma linha, Marcos Vasconcelos, professor da Universidade de Maringá com doutorado na Unicamp, assumiu a vice-presidência de controle e riscos. É um colaborador da estrita confiança dos dois últimos presidentes da Caixa, dos quais foi consultor. O cargo já foi ocupado por Marcos Torres, também das fileiras da Unicamp.
A tradição heterodoxa na Caixa começou com a nomeação em 2003 do professor Jorge Mattoso, da Unicamp, para a presidência. Na época, não foi propriamente uma escolha do presidente Lula por essa escola de pensamento econômico. Mattoso, que fala várias línguas, havia se aproximado de Lula ao servir de intérprete em viagens internacionais. Embora tenha sido demitido em 2006 em um escândalo político - a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa-, Mattoso indicou a sucessora, a funcionária de carreira Maria Fernanda Ramos Coelho, que também tem um perfil desenvolvimentista.
A visão não ortodoxa tem influência concreta nos rumos da Caixa. Maria Fernanda é contra, por exemplo, a abertura do capital do banco, como vêm fazendo outras instituições públicas e vários bancos privados. A negociação das ações em Bolsa, sustenta, aumentaria a pressão para o banco apresentar lucros, comprometendo a atuação nas áreas social e de desenvolvimento. Para ela, os bancos públicos não devem ser cobrados apenas pelo resultado dos balanços. “Há outros indicadores”, afirma. “A Caixa deve ser avaliada, dentro de alguns anos, pela queda da mortalidade infantil nas áreas que receberam tratamento de água e esgoto graças aos financiamentos concedidos” .
Os heterodoxos pregam a expansão da atividade do banco. Já foram abertas, por exemplo, 300 novas agências, e a Caixa passou a ter atuação internacional, com abertura de escritório no Japão. Por determinação do Ministério Público, que questionava o uso de mão-de-obra terceirizada em atividades essenciais do banco, também contratou cerca de 20 mil novos empregados. “Não pensamos em demitir funcionários para cortar custos”, afirma Maria Fernanda. “Os funcionários com 25 ou 30 anos de casa detêm um conhecimento técnico que é fundamental para as atividades da Caixa” .
Mattoso e Vasconcelos publicaram recentemente texto acadêmico em que acusam as administrações anteriores, no governo FHC, de reduzir as atividades do banco para privatizar. Segundo eles, as gestões anteriores tinham uma “ótica neoliberal”, representada por “economistas congregados em torno da Casa das Garças, do Rio”, referindo-se a um centro de estudos que reúne integrantes do governo FHC, como os ex-presidentes do Banco Central Armínio Fraga e Pérsio Arida.
No governo FHC, chegou a ser estudada a privatização do banco. Em 2001, a Caixa foi socorrida por uma engenharia financeira que envolveu capitalização de R$ 9,3 bilhões pelo Tesouro, para cobrir prejuízos acumulados pelo banco em anos anteriores, parte deles em políticas públicas. Também houve três planos de demissão voluntária para reduzir o quadro de funcionários. Em 2002, dos 104 mil funcionários da empresa, 56 mil eram próprios e 48 mil terceirizados.
Vasconcelos prega o fortalecimento dos bancos públicos, que considera essenciais para injetar competição no sistema financeiro e para abrir novos mercados. “A atuação dos bancos privados se limita à ótica da rentabilidade privada. Se um mercado não é lucrativo, não investem. Já os bancos públicos têm visão mais ampla, investindo quando existe um alto retorno social” .
Ele dá exemplos. Os bancos privados, há pouco tempo, não faziam financiamentos habitacionais para famílias com renda até 5 salários mínimos. “A Caixa entrou nesse mercado, que, embora fosse menos rentável do que emprestar para a classe média, tinha um alto retorno social”, diz Vasconcelos. “Hoje, existe um mercado para a baixa renda, e aos poucos investidores privados começam a se interessar por ele”.
Na visão desses economistas, a preocupação com o retorno social não significa que a Caixa vá deixar de buscar resultados no balanço. Os lucros são tidos como essenciais para que o patrimônio líquido da instituição não seja consumido, o que, em última instância, inviabilizaria a sua atuação na área social. “A rentabilidade é fundamental para a sustentabilidade do negócio”, afirma Márcio Percival.
Nogueira da Costa publicou recentemente um estudo que mostra a equação financeira com que trabalham os dirigentes heterodoxos da Caixa. A atuação na área de políticas públicas, como habitação e saneamento, gerou um “spread” de apenas 1,7 ponto percentual em 2005, enquanto a atividade na área comercial produziu 37,2 pontos.
Os lucros da Caixa, porém, não estão servindo apenas para financiar operações nas áreas social e de desenvolvimento - o Tesouro, que detém 100% das ações do banco, aumentou a retirada de dividendos para bancar outros gastos do governo. O percentual dos lucros distribuídos dobrou, de 25% para 50%. Sem capital para lastrear os empréstimos ao setor público, a Caixa teve que receber injeção de R$ 5,2 bilhões, por meio de empréstimo do Tesouro.
Além de economistas heterodoxos, a direção da Caixa é formada por funcionários de carreira e políticos. O ex-governador do Rio Wellington Moreira Franco (PMDB) foi nomeado para a vice-presidência que cuida das loterias; e o ex-senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), que renunciou recentemente do cargo para não enfrentar julgamento no conselho de ética do Senado, emplacou um ex-dirigente do Banco de Brasília (BRB), Carlos Antônio de Brito, para a vice-presidência de pessoas jurídicas. Também há técnicos no banco ligados ao PT e a outros partidos políticos.