26.7.07

Oposição acusa Planalto de privilegiar base aliada

Oposição acusa Planalto de privilegiar base aliada

Listas elaboradas pelo DEM com os parlamentares que mais tiveram emendas pagas e empenhadas este ano têm 80% de governistas


Daniel Pereira
Da equipe do Correio




“Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei.” Clássicos da literatura brasileira, os versos de Manuel Bandeira poderiam servir de lema da liberação de emendas individuais de parlamentares neste ano. É o que dizem representantes da oposição, com base em duas listas de deputados e senadores que mais tiveram emendas pagas e empenhadas pelo governo entre janeiro e 13 de julho.

Compostas cada uma por 21 nomes, as duas relações têm pelo menos 80% de parlamentares que apóiam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em uma delas, só figuram quatro integrantes da oposição. Na outra, apenas três. “É pública e notória a tremenda discriminação. O núcleo duro do governo tem formação ideológica totalitária. Acha que o Estado pertence ao PT e à base”, ataca o líder do

PSDB na Câmara, deputado Antonio Carlos Pannunzio (SP). Responsável pela relação com o Congresso, o ministro de Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, rechaça a acusação. Afirma que a liberação de emendas obedece a critérios técnicos. Na hora do desembolso, teriam preferência, por exemplo, emendas destinadas a projetos prioritários e a obras em andamento. Walfrido também entoa a cantilena do cobertor curto, segundo a qual o aperto das contas públicas impede as liberações no ritmo desejado pelos parlamentares.

“Pódio”
Elaborada pela assessoria de orçamento da liderança do DEM na Câmara, a partir de dados colhidos no Siafi, uma das listas traz os 21 parlamentares que mais tiveram emendas liberadas relativas a restos a pagar de 2004, 2005 e 2006. Fazem parte do grupo, agraciado com R$ 123.667.012,53, 18 governistas e três oposicionistas. Os sete mais bem colocados são aliados de Lula. No pódio estão os ex-deputados João Tota (PP-AC), Júnior Betão (PL-AC) e Iara Bernardi (PT-SP). Em oitavo e nono lugares aparecem o senador Demostenes Torres (DEM-GO), relator da CPI do Apagão Aéreo do Senado, e o ex-deputado Moroni Torgan (DEM-CE).

“Esse é o critério republicano do governo Lula. Primeiro, os meus”, ironiza o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN). Líder do PSol na Câmara, o deputado Chico Alencar (RJ) concorda com a tese da discriminação. Ressalva, no entanto, que a prática não é nova e já beneficiou aqueles que hoje protestam. “A prática é quase natural pelo tipo de política de clientela e de adesão praticada desde o governo Fernando Henrique Cardoso. A oposição não quer mudar o sistema. Só pensa em voltar a ser governo.”

Outros destaques do ranking relacionado aos restos a pagar são o deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL), irmão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Ocupam, respectivamente, a 13ª e a 14ª posições. Tiveram R$ 1.110.134,00 e R$ 1.080.000,00 em emendas liberadas.

Novos empenhos
A segunda relação também foi elaborada pela assessoria do DEM na Câmara. Revela os campeões em emendas empenhadas inscritas só no Orçamento deste ano. São 17 governistas e quatro oposicionistas, beneficiados com R$ 11.116.821,96. Os cinco primeiros colocados são soldados do presidente. Os ex-deputados Hélio Esteves (PT-AP) e João Caldas (PL-AL) lideram o ranking, seguidos pelo senador Marcelo Crivella (PRB-RJ). Os valores empenhados foram de, respectivamente, R$ 2 milhões, R$ 1,499 milhão e R$ 1 milhão. O ex-deputado federal e ex-ministro do Esporte Agnelo Queiroz (PCdoB-DF) está na quinta colocação, com R$ 600 mil empenhados.

Na parte de baixo da lista aparecem, entre outros, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), e o presidente do Conselho de Ética do Senado, Leomar Quintanilha (PMDB-TO). Os oposicionistas com melhor desempenho são o ex-deputado Ivan Ranzolin (DEM-SC) e o ex-senador José Jorge (DEM-PE), em sexto e sétimo lugares, respectivamente.

Na semana passada, Walfrido prometeu liberar a partir de agosto R$ 500 milhões em emendas individuais de parlamentares, a cada mês, até o fim do ano. A medida beneficiará governistas e oposicionistas sem distinção, acrescentou. O objetivo é acalmar os parlamentares e garantir a aprovação de matérias polêmicas, como a prorrogação da CPMF.


Os campeões

Emendas específicas — Restos a pagar de 2004, 2005 e 2006 pagos em 2007
Deputado João Tota (PP-AC)* - R$ 1.950.551,38
Deputado Júnior Betão (PL-AC)* - R$ 1.639.911,88
Deputada Iara Bernardi (PT-SP)* - R$ 1.609.150,00
Deputado Paulo Baltazar (PSB-RJ)* - R$ 1.390.000,00
Deputado Paulo Delgado (PT-MG)* - R$ 1.307.094,80
Deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB) - R$ 1.271.839,00
Deputado Ariosto Holanda (PSB-CE) - R$ 1.251.766,39
Senador Demostenes Torres (DEM-GO) - R$ 1.235.000,00
Deputado Moroni Torgan (DEM-CE)* - R$ 1.182.000,00
Senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) - R$ 1.177.883,54
Deputado Guilherme Menezes (PT-BA) - R$ 1.170.777,40
Deputado Antonio Cruz (PP-MS) - R$ 1.164.076,98
Deputado Olavo Calheiros (PMDB-AL) - R$ 1.110.134,00
Senador Romero Jucá (PMDB-RR) - R$ 1.080.000,00
Deputado Henrique Afonso (PT-AC) - R$ 1.070.887,00
Deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF)* - R$ 1.048.028,66
Deputado Ricardo Barros (PP-PR) - R$ 1.048.000,00
Deputada Perpétua Almeida (PcdoB-AC) - R$ 1.037.866,00
Senador Augusto Botelho (PT-RR) - R$ 1.010.335,00
Deputado Isaías Silvestre (PSB-MG)* - R$ 975.000,00
Deputado Manoel Salviano (PSDB-CE) - R$ 975.000,00
* Não foram reeleitos


Emendas específicas — Empenho de valores inscritos no Orçamento deste ano
Deputado Hélio Esteves (PT-AP)* — R$ 2.000.000,00
Deputado João Caldas (PL-AL)* — R$ 1.499.700,00
Senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) — R$ 1.000.000,00
Deputado Marcus Vicente (PTB-ES)* — R$ 725.000,00
Deputado Agnelo Queiroz (PCdoB-DF)* — R$ 600.000,00
Deputado Ivan Ranzolin (DEM)* — R$ 500.000,00
Senador José Jorge (DEM-PE)* — R$ 500.000,00
Deputado Almeida de Jesus (PL-CE)* — R$ 500.000,00
Deputado Alberto Lupion (DEM-PR) — R$ 419.083.71
Deputado Feu Rosa (PP-ES)* — R$ 339.428,00
Deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR) — R$ 320.410,00
Deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE) — R$ 320.000,00
Deputado Carlos Dunga (PTB-PE)* — R$ 300.000,00
Deputado Domiciano Cabral (Sem partido-PB) — R$ 300.000,00
Senador Roberto Cavalcanti (PRB-RJ) — R$ 283.200,00
Senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) — R$ 260.000,00
Deputada Selma Schons (PT-PR)* — R$ 250.000,00
Senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO) — R$ 200.000,00
Deputado Iberê Ferreira (PSB-RN)* — R$ 200.000,00
Deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) — R$ 200.000,00
Deputado José Chaves (PTB-SE)* — R$ 200.000,00
* Não foram reeleitos

Fonte: Assessoria de Orçamento da Liderança do DEM na Câmara, com base em dados colhidos em 13 de julho


Sem acordo para mudança na liberação




Parlamentares governistas e da oposição concordam que o sistema atual de apresentação e liberação de emendas individuais é uma das principais fontes de fisiologismo e tem de mudar. Resta decidir qual receituário será adotado. E, mais importante, convencer uma grande massa disforme de deputados e senadores a aceitar alterações em regras que hoje lhes são favoráveis política e financeiramente.

Para o líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), a solução para acabar com o fisiologismo na relação entre Executivo e Legislativo é aprovar a proposta de emenda constitucional que torna obrigatória a execução de todas as despesas previstas no orçamento. A medida seria acompanhada da definição de regras claras para a apresentação de emendas, a fim de impedir que parlamentares destinem recursos, por exemplo, para escolas de samba, o que já ocorreu.

A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), concorda com a necessidade de fixar parâmetros para a sugestão de emendas. Acrescenta que a medida tem de ser adotada antes da discussão da proposta de orçamento impositivo. “Não dá para obrigar o governo a liberar emendas para projetos sem viabilidade, para obras que ainda não saíram do papel enquanto outras sequer foram concluídas.”

Campanha
Ideli lembra que o modelo atual favorece relações promíscuas entre parlamentares e financiadores de campanha. Por isso mesmo, resiste no tempo, apesar dos escândalos recentes. Além de defender o orçamento impositivo, o líder do PSol na Câmara, Chico Alencar (RJ), propõe o fim das emendas individuais. Pela proposta, caberia só às comissões temáticas elaborar emendas.

“Enquanto vigorar a regra atual, o governo tem de tratar todos os parlamentares de forma igualitária. É o mínimo que se pode esperar no republicanismo", diz o líder do PSDB na Câmara, Antonio Carlos Pannunzio (SP). Uma proposta de orçamento impositivo foi aprovada pelo Senado em agosto do ano passado, mas está parada na Câmara. E tende a não avançar, diante da resistência do governo.

Segundo integrantes da equipe econômica, cerca de 90% das despesas constantes da lei orçamentária já são de execução obrigatória. Manejar o restante livremente seria fundamental para garantir o equilíbrio das contas públicas, sobretudo em situações de crise. (DP)


Editor: Alon Feuerwerker // alon.feuerwerker@correioweb.com.br
Subeditores: André Garcia, José Carlos Vieira, Leonardo Cavalcanti e Robson Barenho
• e-mail: politica@correioweb.com.br
Tels.3214-1104/ 1186/ 1293

Correio Braziliense Politica 26/07/07