17.7.07

Os mil olhos

NEWTON CARLOS
Jornalista

A configuração de culpa dos acusados de autores de atentados em 2005 em Londres e a reprodução de imagens que ajudaram a polícia a caçá-los atestaram, mais uma vez, a importância da vigilância eletrônica no combate ao terrorismo. À criminalidade de modo geral. Um debate na Fox News, canal com liderança de audiência nos Estados Unidos, colocou a questão para os americanos em termos candentes. O país que sofreu violento golpe de suicidas fanáticos deve imitar a Inglaterra, talvez a caminho de tornar-se uma “sociedade vigiada”? Calcula-se que estejam espalhadas pelo território britânico 4,2 milhões de câmaras de vigilância.
Relação de uma para cada grupo de 14 cidadãos. Filme recente, misto de ficção e realidade, mostra como se processam as operações dessa enorme malha eletrônica, da qual muitos poucos escapam. A decisão da polícia de Nova York de montar um sistema de câmaras, ligado às delegacias e centros de decisões, indicaria a adoção de opções voltadas para o “modelo inglês”. Mas o que ocorre na Inglaterra, embora fartamente saudado em momentos específicos, como nas identificações de terroristas, também produz ressalvas. A Privacy International critica o que chama de “vigilância endêmica”.
Clima de suspeitas e desconfianças, confianças comprometidas, etc. Um modesto autor de ficção científica, insatisfeito com a idéia de criador de fantasias, pediu que o considerassem repórter “do amanhã”, o que se aplicaria a monumentos do gênero, como Wells em Guerra dos mundos e George Orwell em 1984, o dos mil olhos do big brother. Simon Davies, do Computer Security Research Center, de Londres, e um dos diretores da Privacy International, entidade de defesa da privacidade como um direito humano, diz que a geração digital já tem o seu o grande irmão.
São os enormes sistemas de computação, que tudo vêem e tudo sabem. Em tecnologia de vigilância, segundo Simon, 1984 deixou de ser ficção. Cada adulto, no Primeiro Mundo, tem sua ficha em 300 lugares, em média. Quando elas se inserem no universo das telecomunicações, quase todo mundo é apanhado por uma rede que vai das contas bancárias aos e-mails. Centenas de milhares de câmaras foram colocadas em ônibus, trens e elevadores. Pessoas são filmadas rotineiramente por onde passam. Há olhos do big brother escondidos em cinemas, estradas, bares, banheiros e sabe Deus mais onde.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, país de Orwell, a vigilância visual é hoje componente fixo de projetos de centros urbanos, áreas residenciais, prédios públicos e até sistemas rodoviários. Em breve a tecnologia de espionagem terá invadido todas as formas de arquitetura e design. Pressões legais e comunitárias acabarão instalando câmaras dentro das casas, enquanto a vigilância governamental se infiltra em cada canto das redes de comunicações. Concessões às teles envolvem a obrigação legal de garantir que os equipamentos são wiretap friendly ou dóceis ao grampo.
Defensores da privacidade denunciam o advento de chip capaz de identificar, perseguir e registrar qualquer movimento na internet. Surgem os modernos profetas do Apocalipse, como Robert Kaplan, que fala da “anarquia que vem vindo”. Terrorismo, vulgarização das armas de destruição maciça, tráfico de drogas, degradação do meio ambiente, conflitos étnicos e religiosos e um vasto oceano de mudanças traumáticas por todas as partes. Um universo de anarquia e destruição, ou de escuridão absoluta.
Recursos naturais com riscos de extinção, como a água, produzindo confrontos armados e as guerras se tornando contínuas, com bandos de sem-pátria enfrentando militarmente forças de segurança privadas, das elites. Não faltam dados reais aterrorizantes. Só nos Estados Unidos, mais de 60 milhões já vivem em condomínios fechados. Americanos que consomem, em média, 600 litros de água por dia. Um malgaxe (habitante de Madagáscar) dispõe de cinco. Os europeus, felizardos, gastam 200, menos 400 do que a média nos Estados Unidos, que têm 4,5% da população mundial e queimam um quarto de todo o petróleo produzido.
Cada americano precisa, em média, de tanta energia quanto três suíços, quatro italianos, 160 tanzanianos e 1.100 ruandenses. Se o restante dos seres humanos se alimentasse como os americanos, a comida disponível só daria para 2 bilhões de pessoas. Apenas indianos e chineses somam mais. Hábitos de consumo insuportáveis para o planeta e não há sequer sinais de que possam mudar. Avança a “marcha da insensatez” da historiadora Bárbara Tuchman. Ela se foi deste mundo achando que o ser humano talvez venha a ser considerado mais um fracasso da natureza.

Correio Braziliense - Opinião 17/07/07