27.8.07

Brasileiros são reféns dos maus serviços

MARIA NEWNUM

Somos especialistas do “fazer nas coxas”. Por favor, não se prenda a essa frase chula. Há coisas mais chulas nos Brasil. Há também os que ficam na espreita, para criticar a indignação dos que já não agüentam o descaso, a inação e a ingerência antiga e nova do Brasil. Mesmo que não perdeu um ente querido no acidente vôo JJ 3054 da TAM ficou, no íntimo, com uma palavra chula na ponta da língua. É o mínimo que nos resta.
Gilberto Dimenstein em seu ensaio: É pior do que se imagina, dá o tom explicativo da nossa condição de reféns, perante a precariedade na execução dos serviços no Brasil.
Desde o conserto mal feito do telhado de nossa casa, ao da pista de pouso num dos principiais aeroportos do país; somos reféns mudos e miseravelmente impotentes. Mas, ainda assim, pagamos a conta; alguns com a vida, como aconteceu com os passageiros do vôo JJ 3054. Se a pista não foi a causa, também não ajudou a evitar a tragédia. Se a pista estava boa por que começaram, às pressas, a colocação das ranhuras, depois do acidente?
No Brasil sobram especialistas no “jeitinho” de fazer nas “coxas”; faltam mestres na competência; em especial nos altos escalões que deveriam zelar com maestria pelos serviços que lidam com centenas de vidas. Onde estão os maestros da competência desse país que não nos livram das pequenas e grandes tragédias diárias?
Como bem coloca Dimenstein: “Raras vezes em nossa história vimos um acidente tão espetacularmente trágico como o choque do avião em Congonhas, mas, de certa forma, é uma rotina brasileira. Somos vítimas diárias dos mais diferentes tipos de descuidos e de irresponsabilidades que conduzem a pequenas, grandes e médias tragédias, devido basicamente à nossa baixa de cidadania...”
“Nas coxas” é uma característica dos serviços prestados por gente anônima e autônoma no Brasil; gente que ganha misérias; e que por isso, não se presta ao mínimo de capacitação. Capacitação essa que levaria a excelência; excelência essa que livraria as vítimas do vôo JJ 3054 da TAM da morte criminosa. Não nos enganemos, as 199 vítimas do vôo eram reféns e nós continuamos a sê-lo. Logo elas serão vitimas do “esquecimento” do Brasil de “baixa cidadania”
Desde o peão de obra que destrói nosso telhado, causando transtornos incalculáveis, passando pela senhora que encurta demais a bainha de uma calça, ao diagnóstico do médico que trata como virose, um vírus encubado de dengue hemorrágica, somos reféns impotentes.
Dimenstein Completa: “Morrem milhares de pessoas nas estradas simplesmente porque a sinalização não é boa, as pistas não estão bem conservadas ou não se fiscaliza quem está com alto teor alcoólico no sangue.”
São tantos serviços feitos “nas coxas”. Há quem compete gerenciá-los e fiscalizá-los? Que prêmio recebem os que realizam sua parte com excelência? Fazer nas coxas é a saída fácil, rápida e cara aos reféns.
Nos salões de beleza de vários países, as manicuras não tiram cutículas. O inchaço num dedinho pode render um processo criminal.
Já no Brasil, somos súditos; tal qual foi o comandante do vôo JJ 3054 da TAM, que confiou sua vida e a de seus passageiros aos mestres especialistas em “fazer nas coxas”...
Não sei de você. De minha parte, me reservo ao direito de dizer palavras chulas...
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Maria Newnum é pedagoga e mestre em teologia prática
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