16.8.07

Pobreza, desigualdade e violência

Glaucio Ary Dillon Soares

Há muitos exemplos de crescimento rápido ou de declínio rápido do crime e da violência. Nos Estados Unidos, a taxa de homicídios dobrou em 10 anos, na década de 1960 e início da de 1970. Mais tarde, o mesmo país experimentou um declínio nessas taxas de um terço no curto prazo de seis anos. Talvez um dos casos mais conhecidos de declínio nas mortes violentas seja o de Bogotá: entrou uma nova administração municipal, implementou medidas inteligentes e as taxas de homicídio e de mortes no trânsito começaram a baixar.
Em 1993, a taxa de homicídios em Bogotá estava na casa dos 80 por 100 mil habitantes; 10 anos depois estava na casa dos 20, uma baixa gigantesca, que ofuscou os resultados obtidos na famosa Zero Tolerance, de Nova York. No trânsito, os resultados também foram muito bons. Outro exemplo colombiano: no departamento (equivalente ao estado no Brasil) de Antioquia, em 1992, a taxa estava acima de 250 por 1 mil, uma catástrofe; cinco anos mais tarde estava em 150: baixou 100 mortos por cada 100 mil habitantes.
No Brasil, temos vários exemplos de reduções dramáticas nas taxas de homicídio. Em 1999, o município de Diadema (SP) era um dos mais violentos do país — tinha uma taxa de homicídios de mais de 110 por 100 mil habitantes; em 2004 a taxa estava perto de 35. No estado de São Paulo, as reduções foram significativas desde 1999 e, particularmente, desde 2001. Tomando o curto período de dois anos, o número de homicídios caiu no estado de 3.148 no 1º trimestre de 2002 para 2.277 no mesmo trimestre de 2004. Comparando os últimos trimestres, morreram, em 2004, 900 pessoas a menos do que em 2002. Bons governos salvam vidas. Essa é uma tendência que qualquer um pode observar.
No trânsito, há inúmeros exemplos de baixas substanciais na mortalidade a curto prazo, três ou quatro anos. O Paz no Trânsito, no Distrito Federal, permanece como um dos programas mais exitosos.
É interessante que ninguém atribua o declínio na taxa de mortes, feridos e acidentes no trânsito a mudanças nas estruturas econômicas e sociais da população, mas quando tratamos de explicar crime e violência muitas pessoas se grudam nessas explicações. Grudam e não arrastam o pé. Porém, as mudanças acima são de curto prazo, do ponto de vista histórico. O fato de terem sido de curto prazo e substanciais fizeram um estrago nas explicações genéticas à la Lombroso, nas explicações psicanalíticas que emergem das profundezas do ego e também das explicações econômicas estruturais.
O que fazer? (Lênin, sempre Lênin). Jogar fora as explicações genéticas? Aproveitar e jogar fora também as explicações psicológicas e psicanalíticas? Colocar no lixo as explicações estruturais? Claro que não. O que devemos jogar fora é o reducionismo das versões mais radicais e simplistas dessas orientações teóricas.
Devemos abrir o leque de explicações, derrubar os muros teóricos e disciplinares, e desenvolver teorias do crime e da violência abandonando a tentativa inútil de explicar crime e violência simplesmente esticando teorias de outra natureza. Não é tarefa fácil, pois exige um conhecimento que a maioria dos que falam e escrevem sobre crime e violência no Brasil não tem. O conhecimento científico do crime e da violência está começando, engatinhando, mas já está ameaçado pelas afirmações ideológicas e autoritárias desprovidas de dados.
Em debates acadêmicos e televisivos, raramente falta alguém que afirme que “a” causa do crime é a pobreza e outro que diga que a desigualdade é responsável. É porque é e pronto! Mas nem pobreza nem desigualdade explicam as mudanças mencionadas acima.
Não faltam dados sistemáticos e bem coletados sobre crime e violência, mas muitos dos que discorrem sobre eles estão blindados contra qualquer tipo de evidência contrária, inclusive contra os dados, por uma combinação de dogmatismo teórico e ignorância.
Vários dos casos acima, que salvaram muitas vidas, resultaram de políticas públicas. Houve o Tolerância Zero, o Paz no Trânsito, os exemplos bem-sucedidos do estado de São Paulo, de Diadema, de Bogotá, de Medellín e muitos outros programas que salvaram dezenas de milhares de vidas. Todos resultaram de medidas inteligentes, propostas por pesquisadores e não por ideólogos, que foram implementadas por prefeitos e governadores informados e com vontade política. Infelizmente, essas qualidades escasseiam entre nossos políticos.

Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
soares.glaucio@gmail.com
Correio Braziliense Opinião 16/08/07