10.8.07

Todo brasileiro é golpista

Carlos Chagas

À primeira vista pode parecer absurda a afirmação de que todo brasileiro é golpista, mas vale aprofundá-la. Entenda-se por golpe a mudança das instituições pela violência ou por mecanismos canhestros praticados à margem da lei, da ética e do consenso majoritário.Pois é. Atire a primeira pedra o cidadão, político ou não, que ainda não desejou ou até apoiou um golpe. Só para ficar nos tempos recentes, tome-se o que aconteceu em 1964. Metade do País solidarizou-se com os militares que depuseram um governo legalmente constituído, importando menos o pretexto de que aquele governo tramava um golpe. Figuras da maior expressão democrática, com passado de lutas contra ditaduras, acomodaram-se e até justificaram o canibalismo explícito desenvolvido contra as instituições. Nem vale passar pelo constrangimento de citá-las. Muito menos referir o monte de golpes desferidos dentro do golpe, pelos seus próprios artífices.De lá para cá, quantas vezes os golpes se repetiram, na maior parte dos casos sem violência, mas, nem por isso, menos fatais. Só para referir o último: de cima para baixo, no exercício do poder, o presidente Fernando Henrique mudou as regras do jogo e fez o Congresso aprovar o mais abominável dos golpes, a reeleição para beneficiá-lo. Por que se levanta questão assim tão genérica? Porque é bom tomar cuidado. E não estamos abordando a fantasia de estar em curso o golpe das elites para depor Lula. É precisamente o contrário...IroniasQuarta-feira, pela manhã, quem estivesse no Congresso lamentaria não dispor do dom de estar em dois lugares ao mesmo tempo. Porque, na Câmara, Paulo Brossard ministrou mais uma de suas aulas, falando sobre a reforma tributária. Com ironia, lembrou que no Brasil as coisas podem ser provisórias, desde que sejam definitivas. Disse que a qualidade dos serviços públicos não corresponde à crescente carga tributária. No Senado, em outra comissão, Nelson Jobim respondia a indagações referentes ao caos no tráfego aéreo, enfatizando a importância de a segurança prevalecer sobre o conforto. Dois gaúchos, dois juristas, ex-ministros do STF. Brossard poderia ter sido presidente. Jobim quer ser. O mais provável é que este siga os passos daquele. Insistir no erroEm São Paulo, numa das reuniões setoriais de preparação de sua convenção nacional, prevista para o fim do mês, o presidente do PT demonstrou não ter aprendido nada. Ricardo Berzoini anunciou que o partido apresentará como principal bandeira a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva, a ser eleita junto com as eleições municipais, com a missão de votar a reforma política. Na forma e no fundo a proposta é inviável, pois exigiria do Congresso votar, até outubro, emenda constitucional convocando a singular Constituinte Exclusiva. Ora, no período de um ano que antecede qualquer eleição, nada pode ser aprovado que modifique as regras do jogo. E estas são claras, na medida em que fixam para 2008 eleições apenas para prefeito e vereador. Não há hipótese de os partidos se organizarem para aprovar a eleição de cidadãos encarregados de mudar a Constituição por maioria simples e não por três quintos de parlamentares. Quem poderia ser candidato? Como reagiriam Câmara e Senado diante de corpo estranho que lhes retiraria o direito exclusivo de aprovar emendas constitucionais? Haveria prazo para seus trabalhos? Aconteceria o que na hipótese de, durante os trabalhos desse novo órgão, o Congresso debatesse e aprovasse emendas à Constituição, inerentes ao seu poder constituinte derivado? Tem gente achando haver azeitona nessa empada indigesta. Para o PT, a finalidade da convocação da Constituinte Exclusiva seria aprovar, por maioria simples, dispositivo permitindo a Lula disputar um terceiro mandato, em 2010... Denúncia atrasadaJá como ex-presidente da Infraero, o brigadeiro José Carlos Pereira saiu-se com violenta denúncia contra uma diretora da Agência Nacional de Aviação Civil. Denunciou dona Denise como tendo favorecido um empresário do setor do transporte de cargas, vitorioso numa concorrência que lhe favorecerá em R$ 400 milhões por ano. Por que o brigadeiro não formulou essa acusação enquanto presidia a Infraero? Esperou sair, ou melhor, ser saído, para atirar. Uma atitude suspeita, ainda que a Anac se encontre na obrigação de responder, defendendo-se ou reconhecendo o favorecimento.