6.9.07

Genocídio brasileiro

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio Braziliense

Noventa e oito brasileiros morrem, por dia, vítimas de acidentes de trânsito. “É como se um avião caísse diariamente”, compara a pesquisadora Maria Helena de Mello Jorge, da Universidade de São Paulo (USP). Ontem, ela lançou, juntamente com a professora Maria Sumie Koizumi, também da USP, o livro Acidentes de Trânsito no Brasil – Um Atlas de sua distribuição. O levantamento soma, pela primeira vez, o número de mortos no local do acidente, registrado pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), e o de pessoas que falecem nos hospitais, em decorrência das lesões sofridas, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Isso significa impressionantes 35 mil mortos no Brasil a cada ano. Usando-se como exemplo a explosão do avião da TAM no último dia 17 de julho, em que morreram 199 pessoas, é como se, a cada dois dias nas ruas e estradas brasileiras, a tragédia se repetisse.
Os números impressionam e desfazem mitos, como o de que São Paulo é o estado brasileiro com as taxas de acidentes fatais mais expressivas. Em números absolutos, a maioria das ocorrências realmente vem de São Paulo, que tem a maior frota de veículos do Brasil. Mas, quando se leva em conta a população local, o primeiro do ranking é Mato Grosso, com 32,1 acidentes com mortes para cada 100 mil habitantes, seguido por Santa Catarina (32), Paraná (31), Mato Grosso do Sul (30,4), Tocantins (30), Goiás (29,4), Espírito Santo (25,8), Rondônia (23,6) e Sergipe (22,1). O Distrito Federal está em 10º lugar, com taxa de 22,1. Já São Paulo figura apenas na 17ª posição, com 17,9.

Homens jovens, na faixa dos 20 a 30 anos, morrem mais no trânsito. De quatro vítimas fatais, três são do sexo masculino. “Isso é assim em todo o mundo. Provavelmente, os homens se expõem mais. O objetivo do atlas não foi buscar as causas, mas as estatísticas”, esclarece Maria Sumie Koizumi. O estudo também revelou que os pedestres e motociclistas são as principais vítimas de acidentes, sejam fatais ou não. Em relação aos pedestres, crianças e idosos correm mais riscos. “É importante saber disso para diagnosticar o público-alvo dos programas preventivos”, alega Koizumi.
De acordo com Maria Helena de Mello Jorge, um dos principais objetivos do atlas é justamente orientar as políticas públicas. Ela critica as campanhas governamentais pontuais, realizadas apenas durante a Semana Nacional do Trânsito. “Não adianta falar uma vez por ano. Seria importante que virassem um programa efetivo”, alerta.
A pesquisadora conta que, apesar de figurar no 10º lugar do ranking das unidades da federação com maior quantidade de acidentes fatais, o Distrito Federal já esteve em posição pior. “Depois que foi feita a educação da população em relação à faixa de pedestres, o número de atropelamentos diminuiu muito”, diz. Há 10 anos, o Correio iniciou uma ampla campanha educativa, a Paz no Trânsito, que foi abraçada pelo governo local e por organizações não-governamentais. A mobilização social, que transformou os hábitos dos brasilienses ao volante, virou tema de uma tese de mestrado defendida há poucos meses na Universidade de Brasília (UnB).
Para as autoras do atlas lançado ontem, é importante salientar que, em termos econômicos, prevenir é mais barato que arcar com as conseqüências dos acidentes de trânsito. “Tratar de um paciente com lesão chega a ser de 40% a 60% mais oneroso”, diz Maria Helena. Um estudo da Organização Mundial de Saúde mostrou que, no Brasil, gastam-se R$ 3,6 bilhões anuais em decorrência de acidentes urbanos. Desses, R$ 477 milhões referem-se a tratamento médico.