26.9.07

O estupro do carcereiro – I

Edmundo Pacheco (*)

O Francês é um viado. Quem conhece o França, sabe do que estou falando. Não que ele seja gay. Pelo menos acho que não, mas que ele é viado, isso é. Henry Jean Viana é um dos melhores repórteres policiais que conheci. E olhe que essa é uma profissão em extinção. Hoje já não existem bons repórteres policias (e nem ruins). A área policial se transformou numa espécie de maldição. Ninguém quer. Até pra fazer a ronda, que hoje é feita por telefone, sentado numa cadeira confortável, sob ar-condicionado, os novos "jornalistas" reclamam. A chefia tem que obrigar, determinar, se não...
Mas, em 78, 79 a situação era muito diferente. E foi por essa época que o escritor "DiPacheco" se transformou no repórter Edmundo Pacheco. Escritor famosíssimo no bairro; poeta, longos cabelos louros, olhos azuis, e um corpinho de 50 quilos (bons tempos!!) o DiPacheco sonhava em viver das letras e encontrou uma doida que acreditou ser possível. Possível não foi, mas ganhou um emprego como presente de casamento: repórter. E foi assim que numa tarde de outubro de 1979 eu brotei na redação do O Jornal de Maringá, completamente cru, perdido, semi-analfabeto e sem nunca ter visto uma máquina de escrever pela frente.
O "Verde" me recebeu (Verdelírio Barbosa, emérito causídico, dublê de jornalista, é uma figura que merece capitulo especial, meu padrinho de casamento e primeiro patrão. Por culpa dele, estou nessa estrada.) e encaminhou pro Venâncio (Claudiomiro era secretário do Verde) que me levou escada acima (a redação ficava num mezanino improvisado, feito de madeira bruta. Uma coisa horrorosa, que balançava a cada pisada).
Lá em cima havia uma fila de mesas: na primeira estava o Timbó (hoje doutor Francisco Timbó de Souza, outro emérito causídico maringaense), que escrevia sobre política, na outra, o "Pópinho" (que fazia esporte, não me lembro o nome inteiro nem sei que fim virou), o Josué (que encontrei dia destes e continua na mesma) e não sei bem o que fazia, e na seguinte o Adauri Antunes Barbosa (hoje, editor de política d'O Globo em São Paulo) e que era redator, revisor, copidesqui e coisas do gênero. E no cantinho o Osvaldo Lima, o chefe de redação.
Sempre com aquela cara de gozador e uma boa piada no canto da boca, Osvaldinho me recebeu com um sorriso, indicou uma mesa do outro canto da sala, onde havia uma Remington preta e me apresentou à nova função: repórter policial do O Jornal de Maringá!!!
Naquele primeiro dia não trabalhei. Não que a Osvaldo não esperasse uma produção, acho que ansiava por isso. Mas é que eu simplesmente não sabia o que fazer. E como ninguém me disse nada, passei a tarde ali, sentado, olhando pros jornais, mexendo na minha máquina e sentindo o coração palpitar de emoção.
Só no dia seguinte, acho que penalizado com a situação, o Adauri me deu o que foi algo parecido com minha primeira pauta. Num pedaço de papel datilografado, ele escreveu que eu deveria visitar a delegacia, pegar informações sobre ocorrências, passar nos bombeiros (que ficavam ao lado da delegacia) e depois voltar pra redação. Na redação deveria ligar pra outras delegacias, enfim, caçar informações. Se tivesse algo pra fotografar, que ligasse pra ele...
E assim parti pra minha primeira reportagem: peguei papel e caneta, desci as escadas chacoalhando tudo, saí na calçada da Avenida Brasil (o jornal ficava lá em cima, perto do Peladão, num velho galpão de madeira) e desci, a pé, em direção à Avenida Paraná, onde ficava a delegacia velha. Sim, a pé!!! Pensa que tinha essa moleza, carro com motorista, gravador, ar-condicionado, fotógrafo, é?
Nada disso! Eu ía e voltava a pé da delegacia todos os dias. E se tinha algo pra fotografar, tinha que pedir o telefone da mesa do delegado emprestado pra ligar pra redação (não existiam telefones públicos naquela época).
E foi nessas idas e vindas da delegacia que conheci o Francês. Acho que era repórter policial do O Estado do Paraná, na época, ou do O Diário. Muito brincalhão, logo fiquei amigo do sujeito de nome estranho. Enquanto eu ia e vinha a pé, o França era evoluído: tinha uma moto XL 250, uma câmera fotográfica e se virava. Era um senhor repórter e eu passei a admirá-lo...
Tanto, que ficou comum trocarmos informações. Na verdade ele, mais experiente, é quem me ajudava a coletar as informações, dava idéias pra matérias. Realmente um amigão.
Demorei meses pra perceber que, por trás da amizade, o sacana estava me manipulando, controlando o que levava de informação pro O Jornal, de forma que ele sempre tivesse uma notícia diferente, algo melhor etc.
E foi nesse período, até que percebesse a manobra do colega, que cometi o que deve ter sido a maior barbaridade de minha carreira (até o presente momento, pelo menos): estuprei o carcereiro.
Foi assim: numa tarde, cheguei à delegacia e havia uma movimentação estranha. Logo fui informado pelo solícito amigo do que se tratava. Um grupo de menores havia iniciado uma rebelião e, na confusão, conseguiram seqüestrar o carcereiro (não me lembro o nome da figura, mas o França lembra. E conta isso até hoje e morre de rir, o malvado). Espere aí um cadim, semana que vem eu conto o fim da história.

(CONTINUA NA PRÓXIMA TERÇA)

(*) Escritor por devoção, 46 anos, poeta por impulso, jornalista por profissão há 28 anos. Pai da Édile e do Dilee, marido da Sueli, avô da Julia. Três ou quatro livros escritos, nenhum publicado (procura editora, séria, desesperadamente). Perfil? Bom, já foi bóia-fria, catador de batatas, lavador de banheiros, pasteleiro, feirante, churrasqueiro de restaurante beira de estrada, pacoteiro, vendedor de tecidos, derrissador de café, repórter de impresso, pauteiro de TV, assessor de imprensa, revisor, diagramador, editor de texto de TV, funcionário público estadual e municipal, dono de lanchonete, confeccionista, balconista, corretor de imóveis, editor-chefe de telejornal, entre outros... Atualmente vende sanduíche natural na praia de Inajá, onde mora.