Um Kruschev para o PT
RUDÁ RICCI
O Partido dos Trabalhadores realiza seu 3º Congresso Nacional, em meio à acolhida, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da denúncia para abertura de processo contra vários ex-dirigentes nacionais do partido (tendo à frente José Dirceu), por formação de quadrilha (entre outras acusações). Por este simples fato, este congresso já teria uma imensa sombra a lhe espreitar. Mas, como tudo no PT, as emoções são ainda mais fortes.
Doze teses serão apreciadas pelos delegados. As que contam com maior número de delegados ou impacto político são:
a) Construindo um novo Brasil. Antiga Articulação e Campo Majoritário, onde José Dirceu, Gushiken, Lula, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, entre outros, estiveram acolhidos. A tese contaria com 45% a 51% dos delegados presentes no 3º Congresso.
b) Mensagem ao Partido. Articulada pelo ministro Tarso Genro, trata-se de uma dissidência do Campo Majoritário que se articulou à corrente trotskista Democracia Socialista (vinculada ao Secretariado da Quarta Internacional, tendo força no Rio Grande do Sul). Estima-se que esta tese seja apoiada por 13% dos delegados do congresso;
c) Movimento PT: Suas principais lideranças são o Presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia e a ex-candidata à Presidência Nacional do PT, Maria do Rosário. Posiciona-se entre as duas teses apresentadas anteriormente. Contaria, segundo estimativas, com 10% dos delegados;
d) Novo Rumo: Lideranças paulistas, que se aproximaram de Marta Suplicy durante sua gestão na cidade de São Paulo. Os principais nomes são Rui Falcão (um aliado oscilante de José Dirceu) e o deputado federal Cândido Vacarezza. Fazem oposição ao campo majoritário. Estima-se que tenham 8% dos delegados;
e) PT de Luta e de Massa: Agrupamento que gira ao redor da família Tatto, com grande expressão política na cidade de São Paulo, em especial na região sul da capital paulista. Teriam7% dos delgados;
f) Articulação de Esquerda: seu principal líder é o Secretário Nacional de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, oriundo do PCdoB. Com 6% dos delegados, é a oposição mais clara e nítida, entre as principais forças que assinam uma tese no 3º Congresso, ao governo Lula, principalmente no que diz respeito à sua política econômica.
As lideranças partidárias procuram se distanciar das acusações relacionadas ao mensalão que envolvem vários dirigentes presentes no 3º Congresso. Em entrevista ao site do partido (www.pt.org.br), o Presidente Lula afirmou, coerente com a tentativa de abafar este tema: “A principal tarefa do PT agora é, primeiro, ter uma forte política para a América Latina, a América do Sul. O PT precisa expandir as relações internacionais da mesma forma como o governo tem expandido. E, ao mesmo tempo, o PT, agora, precisa cuidar para que a gente, quando chegar em novembro e tiver que montar a nova direção, a gente faça uma coisa muito forte e muito unida, porque eu acho que é isso que o povo espera do PT.” Coesão e ampliação da ação do partido para a América Latina. Esta seria a pauta sugerida.
Jilmar Tatto, também para o site do partido, reafirmou a unidade do partido que, para ele, estaria garantida: “vejo um grau de unidade muito grande dentro do PT e visões bastante importantes de todos os grupos, no sentido de que nós temos que fortalecer o partido. Temos que defender o governo Lula e fazer com que o governo Lula possa avançar ainda mais nas reformas que estão sendo desenvolvidas. Mas por outro lado, espero que as resoluções deste encontro consigam democratizar ainda mais o PT, deixá-lo mais transparente, para que possamos evitar erros cometidos no passado.”
Valter Pomar apresenta um discurso mais crítico: “O processo de eleição de delegados, nos congressos zonais, municipais e estaduais, reuniu cerca de 200 mil filiados, um número expressivo, mas inferior ao número de participantes no PED 2005. A maioria dos filiados que compareceu aos encontros de base não teve acesso às teses e não participou dos debates preparatórios, que reuniram menos de 10% do total de votantes. As teses e os projetos de resolução inscritos em 13 e 17 de agosto emitem sinais contraditórios. Por um lado, há uma reafirmação do socialismo, da necessidade do PT ter um programa e uma estratégia de longo prazo, da autonomia do Partido perante os governos de que participa, da importância de retomar os laços com os movimentos e com a luta social organizada, além da necessidade de fortalecer o Partido. Por outro lado, estas mesmas teses e projetos de resoluções ainda estão longe de conseguir equacionar os grandes dilemas vividos pelo Partido. De toda forma, esperamos que o Congresso seja um momento de muito debate político e também de muita unidade frente aqueles que atacam o PT e, através dos ataques contra o PT, querem desmontar o campo democrático-popular e toda a esquerda brasileira.”
Finalmente, Joaquim Soriano (da corrente Democracia Socialista, aliada no 3º Congresso ao ministro Tarso Genro) avalia que “a questão central é a relação do PT com o governo. Queremos que o PT seja um instrumento decisivo para que a reeleição de Lula e o nosso segundo governo avancem no sentido de um processo de revolução democrática. Enfrentar e derrotar a direita neoliberal passa por construir uma perspectiva de transição política e econômica para o Brasil, em um rumo pós-neoliberal. É preciso que o PT assuma de forma mais contundente que as transformações dependem da presença popular e da democracia participativa nas decisões públicas. As mudanças são resultado do conflito, da conformação de um bloco social e político que com base em um projeto conquiste as maiorias. As transformações dependem da presença ativa do povo.Outra questão importante é discutir a tática para a atual conjuntura. A proposta de uma constituinte ou mesmo de uma revisão constitucional para fazer uma reforma política democrática poderá ser o canal para a formação de um movimento democratizador da sociedade e do estado. Outra questão é a ampliação da participação popular nas decisões sobre as políticas públicas e para isto não precisa nem alterar a legislação.”
Algumas teses procuram aprofundar os mecanismos de gestão participativa que os movimentos sociais e organizações populares percebem terem sido excluídas da gestão de Lula. Este é o caso da tese “Mensagem ao Partido”. A tese sugere a implantação do orçamento participativo nacional; a efetivação das conferências nacionais de políticas públicas, a gestão democrática nas empresas públicas e a participação democrática nos planos de desenvolvimento nacional. O inverso do praticado pelo governo federal, diga-se de passagem.
Assinada por Valter Pomar e João Paulo Cunha (também processado a partir de decisão do TSF), uma outra tese soma-se à anterior: “é preciso debater e aprovar medidas sobre temas como: a convocação de plebiscitos para decidir questões de grande alcance nacional; a simplificação das formalidades para proposição de iniciativas populares legislativas; a convocação de consultas, referendos e/ou plebiscitos em temas de impacto nacional; o Orçamento Participativo; a correção das distorções do pacto federativo na representação parlamentar; a revisão do papel do Senado, considerando o tempo de mandato, a eleição de suplentes e seu caráter de câmara revisora; a fidelidade partidária, o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, o voto em lista pré-ordenada, o fim das coligações em eleições proporcionais; o fim da reeleição para todos os cargos majoritários a partir das próximas eleições; e a proibição do exercício de mais de dois mandatos consecutivos no mesmo cargo.”
Contudo, o tom da maioria das teses e do espírito que reina neste congresso do PT é a que se encontra, à título de ilustração, na que carrega o título de “Por um PT Militante e Socialista”. Embora francamente minoritária, esta tese traduz certo descompasso com a gravidade dos acontecimentos recentes que envolveram acusações de dirigentes partidários envolvidos com os supostos esquemas ilícitos ou o distanciamento do partido e seus governos da sua tradicional base social e projetos de radicalização democrática do país (tema de críticas crescentes de lideranças sociais). No primeiro item desta tese, lê-se: “passada a crise política que fragilizou o Partido dos Trabalhadores - PT – e o governo Lula no biênio 2005-2006 e reafirmado o voto de confiança da população nas eleições de 2006, o Partido vive, agora, um momento de reconciliação com sua base política tradicional, parcialmente atingida pelo desencanto e desmobilização. Duas classes de dificuldades se apresentam para o PT. A primeira, compartilhada com as organizações de esquerda em todo o mundo, advém da crise de perspectivas de transformação revolucionária da sociedade. A segunda, relacionada ao exercício do poder no âmbito do Governo Federal, aponta para a necessidade de reverter os desgastes sofridos na imagem do PT e reconquistar apoio político na sociedade. Seria um erro subestimar os danos à credibilidade do PT entre os setores organizados. Erro maior, entretanto, seria negligenciar a tarefa de reafirmar nosso compromisso com esses setores, junto com o desafio de enfrentar e superar a referida crise de perspectivas no campo socialista”. A crise, por aí, já teria sido superada e está reconciliado com sua base política tradicional.
Algo de estranho ocorre nas hostes petistas. Parece evidente que o governo Lula se afasta das principais bandeiras e teses partidárias. É declarado que está em curso a montagem de uma ampla aliança, mais ao centro que à esquerda, que deverá disputar as eleições de 2010 (talvez, já atuante em 2008). A acusação formal de criação de desvio de recursos públicos para apoio ao governo federal (conhecido como mensalão), o afastamento gradual de movimentos sociais (como o MST) e organizações do campo popular (como a Comissão Pastoral da Terra) do PT, além de uma relação desses movimentos e organizações cada vez mais conflitiva com o governo federal, são sinais que parecem não cativar as mentes e corações dos principais dirigentes petistas.
O que faltaria para que a realidade emergisse no congresso do PT? O que faria tais lideranças procurarem tergiversar a partir de tantos riscos e mudanças de rumo?
2. PT como o Partidão do presente
A tese que procuro defender neste breve artigo é que o PT, a partir da segunda metade da década de 90 aproximou-se rapidamente da organização e ideário do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB, conhecido como partidão). Não se trata de uma mudança insignificante. Ao contrário, o PT surgiu para se contrapor ao ideário do Partidão. Criticava a burocratização do Estado Soviético, o etapismo dos comunistas, o vanguardismo e a falta de radicalização na luta pelas transformações sociais, além do distanciamento entre lideranças (denominadas de populistas ou pelegas) de seus liderados. Em seu manifesto de origem, o PT afirma:
“O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce também da vontade de emancipação das massas populares, cansadas das ilusões dos grupos que pretendem substituir a força de suas lutas por palavras de ordem desligadas de seus interesses. Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra do seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam, quando, uma vez mais na história brasileira, vêem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade e dos ricos para os pobres. (...) Os trabalhadores querem se organizar como força política autônoma. O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não mais um partido para os trabalhadores. Queremos a política como uma atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as esferas de poder na sociedade. O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.
Queremos, por isso mesmo, um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em conseqüência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e colegiadas, e cuja direção e programa sejam decididos por suas bases. (...) Lutará por partidos independentes do Estado, mas também por sindicatos e associações populares independentes, tanto do Estado quanto dos próprios partidos políticos. Lutará por um Judiciário independente e por um Parlamento livre, mas também por uma participação popular permanente, em todas as esferas de decisão social, econômica e política. O PT lutará pelo controle democrático das burocracias do Estado e das decisões das grandes empresas, sem o que a participação popular será mera ilusão.(...)”
A Carta de Princípios, assinada em 1º de Maio de 1979 pela Comissão Provisória do PT, é ainda mais explícita quanto à diferenciação que se pretendia em relação às organizações partidárias operárias e de esquerda pré-64 (cita explicitamente o PTB). Destaco alguns de seus trechos mais incisivos e agudos:
“O PT entende, por outro lado, que sua existência responde à necessidade que os trabalhadores sentem de um partido que se construa intimamente ligado com o processo de organização popular, nos locais de trabalho e de moradia. Nesse sentido, o PT proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão a seu objetivo maior, que é estimular e aprofundar a organização das massas exploradas. (...) Repudiando toda forma de manipulação política das massas exploradas, incluindo, sobretudo as manipulações próprias do regime pré-64, o PT recusa-se a aceitar em seu interior, representantes das classes exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões!(...) O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo. (...) O PT declara-se comprometido e empenhado na tarefa de colocar os interesses populares na cena política e de superar a atomização e dispersão das correntes classistas e dos movimentos sociais. Para esse fim, o Partido dos Trabalhadores pretende implantar seus núcleos de militantes em todos os locais de trabalho, em sindicatos, bairros, municípios e regiões.”
O ideário original petista pode ser, assim, fundado nos seguintes princípios:
a) partido vinculado à organização popular, que se traduz na organização no local de trabalho e moradia;
b) as atividades eleitorais e parlamentares se subordinam à organização das massas exploradas;
c) recusa-se a aceitar representações patronais no seu interior (partido sem patrões);
d) os trabalhadores devem se organizar como força política autônoma;
e) o PT não se deseja um partido para os trabalhadores, mas dos trabalhadores;
f) deseja se inserir no cotidiano dos trabalhadores e de suas lutas sociais;
g) os programas partidários serão construídos por sua base, pelos núcleos de militantes.
Ora, o momento atual é uma negação de todo este ideário original. A evidente burocratização partidária, a inexistência de peso da militância em todo processo decisório do partido, a prevalência da organização para a disputa eleitoral, a correia de transmissão entre Governo-Direção Partidária-Organizações Sociais, o caminho determinado para a elaboração de programas de centro, a defesa da Razão de Estado sobre mecanismos de gestão participativa e controle social sobre políticas públicas, são algumas das mudanças radicais por que passa o PT e que parecem se transformar em pauta acessória e marginal no seu 3º Congresso Nacional.
Como ocorreu no mundo soviético, cada vez mais próximo do ideário do PT Governista (porque o partido ainda apresenta uma gama imensa de militantes, parlamentares e dirigentes com baixa governabilidade interna que ainda são fiéis a vários dos seus princípios originais), este partido parece necessitar de um Kruschev.
3. Para os mais jovens
Vale recordar o que significou o discurso de Kruschev em 23 de fevereiro de 1956, durante o vigésimo Congresso do Partido Comunista.
Com a morte de Josef Stalin em 1953, Khrushev chegou ao poder, vencendo a disputa contra Gueórgui Malenkov, Lazar Kaganovitch, Viatcheslav Molotov e Nikolai Bulganin. Khrushev iniciou uma série de reformas no país, priorizando a fabricação de bens de consumo para a população ao invés da ênfase no desenvolvimento da indústria pesada. Mas foi seu discurso no XX Congresso do Partido que ficou como seu ato mais conhecido.
Neste discurso acusou Josef Stalin do crime de genocídio durante os grandes expurgos realizados nos anos 30 na URSS e denunciou o “culto da personalidade” que o cercava. Seu ato acabou afastando-o dos líderes soviéticos mais conservadores, mas ele acabou derrotando-os numa disputa interna que visou derrubá-lo do poder em 1957.
Os destaques deste discurso podem ser resumidos em três pontos centrais:
a) Denúncia da repressão contra os velhos bolcheviques, muitos deles declarados “inimigos do povo”;
b) Eliminação, por Stalin, da valorização das opiniões coletivas e de base;
c) Criação de provas falsas para acusar os inimigos das forças partidárias dirigentes.
Não se trata, evidentemente, de traçar paralelos entre o PT governista e o governo Stálin. Mas a fidelidade exacerbada das lideranças petistas ao governo federal, o encastelamento de vários dirigentes em cargos oficiais e a evidente burocratização do processo decisório, diminuindo os canais de oxigenação da vida partidária e o respeito à pluralidade interna, parecem evidentes.
Mudar o programa partidário e de governo não é um equívoco político. Mas mudanças sem uma participação e democratização efetiva do debate interno, franqueando à base partidária uma disputa aberta e plural é, na verdade, uma mudança de ideário, trata-se da construção de um outro partido, nem sempre nítida para seus militantes, muito menos para seus eleitores.
O PT precisa abrir seus arquivos, principalmente os mais recentes, os dos últimos dez anos. A última década foi pródiga em mudanças acentuadas das práticas e estruturas organizativas deste partido. Grande parte dos autores desta mudança de trajetória dirigem o partido atualmente. São dirigentes burocráticos, que negam a participação direta dos militantes nas formulações partidárias e muito mais os mecanismos de gestão participativa nos governos petistas, por aumentarem excessivamente as demandas sociais. Pensam a política a partir da Corte e da burocracia partidária. Desconhecem as ruas como fontes morais e de identidade social. Antes, é da direção partidária que nasceria a moral, fonte de poder. A educação das massas, enfim, viria do partido e do governo.
Não há dúvidas: o 3º Congresso do PT parece fadado a consolidar a transformação do PT em sua antítese. Algo muito próximo do que criticava acidamente no seu surgimento, em 1979.
Doutor em Ciências Sociais, Diretor Geral do Instituto Cultiva e membro da executiva nacional do Fórum Brasil do Orçamento.
rudaricci.blogspot.com
O Partido dos Trabalhadores realiza seu 3º Congresso Nacional, em meio à acolhida, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da denúncia para abertura de processo contra vários ex-dirigentes nacionais do partido (tendo à frente José Dirceu), por formação de quadrilha (entre outras acusações). Por este simples fato, este congresso já teria uma imensa sombra a lhe espreitar. Mas, como tudo no PT, as emoções são ainda mais fortes.
Doze teses serão apreciadas pelos delegados. As que contam com maior número de delegados ou impacto político são:
a) Construindo um novo Brasil. Antiga Articulação e Campo Majoritário, onde José Dirceu, Gushiken, Lula, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, entre outros, estiveram acolhidos. A tese contaria com 45% a 51% dos delegados presentes no 3º Congresso.
b) Mensagem ao Partido. Articulada pelo ministro Tarso Genro, trata-se de uma dissidência do Campo Majoritário que se articulou à corrente trotskista Democracia Socialista (vinculada ao Secretariado da Quarta Internacional, tendo força no Rio Grande do Sul). Estima-se que esta tese seja apoiada por 13% dos delegados do congresso;
c) Movimento PT: Suas principais lideranças são o Presidente da Câmara Federal, Arlindo Chinaglia e a ex-candidata à Presidência Nacional do PT, Maria do Rosário. Posiciona-se entre as duas teses apresentadas anteriormente. Contaria, segundo estimativas, com 10% dos delegados;
d) Novo Rumo: Lideranças paulistas, que se aproximaram de Marta Suplicy durante sua gestão na cidade de São Paulo. Os principais nomes são Rui Falcão (um aliado oscilante de José Dirceu) e o deputado federal Cândido Vacarezza. Fazem oposição ao campo majoritário. Estima-se que tenham 8% dos delegados;
e) PT de Luta e de Massa: Agrupamento que gira ao redor da família Tatto, com grande expressão política na cidade de São Paulo, em especial na região sul da capital paulista. Teriam7% dos delgados;
f) Articulação de Esquerda: seu principal líder é o Secretário Nacional de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, oriundo do PCdoB. Com 6% dos delegados, é a oposição mais clara e nítida, entre as principais forças que assinam uma tese no 3º Congresso, ao governo Lula, principalmente no que diz respeito à sua política econômica.
As lideranças partidárias procuram se distanciar das acusações relacionadas ao mensalão que envolvem vários dirigentes presentes no 3º Congresso. Em entrevista ao site do partido (www.pt.org.br), o Presidente Lula afirmou, coerente com a tentativa de abafar este tema: “A principal tarefa do PT agora é, primeiro, ter uma forte política para a América Latina, a América do Sul. O PT precisa expandir as relações internacionais da mesma forma como o governo tem expandido. E, ao mesmo tempo, o PT, agora, precisa cuidar para que a gente, quando chegar em novembro e tiver que montar a nova direção, a gente faça uma coisa muito forte e muito unida, porque eu acho que é isso que o povo espera do PT.” Coesão e ampliação da ação do partido para a América Latina. Esta seria a pauta sugerida.
Jilmar Tatto, também para o site do partido, reafirmou a unidade do partido que, para ele, estaria garantida: “vejo um grau de unidade muito grande dentro do PT e visões bastante importantes de todos os grupos, no sentido de que nós temos que fortalecer o partido. Temos que defender o governo Lula e fazer com que o governo Lula possa avançar ainda mais nas reformas que estão sendo desenvolvidas. Mas por outro lado, espero que as resoluções deste encontro consigam democratizar ainda mais o PT, deixá-lo mais transparente, para que possamos evitar erros cometidos no passado.”
Valter Pomar apresenta um discurso mais crítico: “O processo de eleição de delegados, nos congressos zonais, municipais e estaduais, reuniu cerca de 200 mil filiados, um número expressivo, mas inferior ao número de participantes no PED 2005. A maioria dos filiados que compareceu aos encontros de base não teve acesso às teses e não participou dos debates preparatórios, que reuniram menos de 10% do total de votantes. As teses e os projetos de resolução inscritos em 13 e 17 de agosto emitem sinais contraditórios. Por um lado, há uma reafirmação do socialismo, da necessidade do PT ter um programa e uma estratégia de longo prazo, da autonomia do Partido perante os governos de que participa, da importância de retomar os laços com os movimentos e com a luta social organizada, além da necessidade de fortalecer o Partido. Por outro lado, estas mesmas teses e projetos de resoluções ainda estão longe de conseguir equacionar os grandes dilemas vividos pelo Partido. De toda forma, esperamos que o Congresso seja um momento de muito debate político e também de muita unidade frente aqueles que atacam o PT e, através dos ataques contra o PT, querem desmontar o campo democrático-popular e toda a esquerda brasileira.”
Finalmente, Joaquim Soriano (da corrente Democracia Socialista, aliada no 3º Congresso ao ministro Tarso Genro) avalia que “a questão central é a relação do PT com o governo. Queremos que o PT seja um instrumento decisivo para que a reeleição de Lula e o nosso segundo governo avancem no sentido de um processo de revolução democrática. Enfrentar e derrotar a direita neoliberal passa por construir uma perspectiva de transição política e econômica para o Brasil, em um rumo pós-neoliberal. É preciso que o PT assuma de forma mais contundente que as transformações dependem da presença popular e da democracia participativa nas decisões públicas. As mudanças são resultado do conflito, da conformação de um bloco social e político que com base em um projeto conquiste as maiorias. As transformações dependem da presença ativa do povo.Outra questão importante é discutir a tática para a atual conjuntura. A proposta de uma constituinte ou mesmo de uma revisão constitucional para fazer uma reforma política democrática poderá ser o canal para a formação de um movimento democratizador da sociedade e do estado. Outra questão é a ampliação da participação popular nas decisões sobre as políticas públicas e para isto não precisa nem alterar a legislação.”
Algumas teses procuram aprofundar os mecanismos de gestão participativa que os movimentos sociais e organizações populares percebem terem sido excluídas da gestão de Lula. Este é o caso da tese “Mensagem ao Partido”. A tese sugere a implantação do orçamento participativo nacional; a efetivação das conferências nacionais de políticas públicas, a gestão democrática nas empresas públicas e a participação democrática nos planos de desenvolvimento nacional. O inverso do praticado pelo governo federal, diga-se de passagem.
Assinada por Valter Pomar e João Paulo Cunha (também processado a partir de decisão do TSF), uma outra tese soma-se à anterior: “é preciso debater e aprovar medidas sobre temas como: a convocação de plebiscitos para decidir questões de grande alcance nacional; a simplificação das formalidades para proposição de iniciativas populares legislativas; a convocação de consultas, referendos e/ou plebiscitos em temas de impacto nacional; o Orçamento Participativo; a correção das distorções do pacto federativo na representação parlamentar; a revisão do papel do Senado, considerando o tempo de mandato, a eleição de suplentes e seu caráter de câmara revisora; a fidelidade partidária, o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, o voto em lista pré-ordenada, o fim das coligações em eleições proporcionais; o fim da reeleição para todos os cargos majoritários a partir das próximas eleições; e a proibição do exercício de mais de dois mandatos consecutivos no mesmo cargo.”
Contudo, o tom da maioria das teses e do espírito que reina neste congresso do PT é a que se encontra, à título de ilustração, na que carrega o título de “Por um PT Militante e Socialista”. Embora francamente minoritária, esta tese traduz certo descompasso com a gravidade dos acontecimentos recentes que envolveram acusações de dirigentes partidários envolvidos com os supostos esquemas ilícitos ou o distanciamento do partido e seus governos da sua tradicional base social e projetos de radicalização democrática do país (tema de críticas crescentes de lideranças sociais). No primeiro item desta tese, lê-se: “passada a crise política que fragilizou o Partido dos Trabalhadores - PT – e o governo Lula no biênio 2005-2006 e reafirmado o voto de confiança da população nas eleições de 2006, o Partido vive, agora, um momento de reconciliação com sua base política tradicional, parcialmente atingida pelo desencanto e desmobilização. Duas classes de dificuldades se apresentam para o PT. A primeira, compartilhada com as organizações de esquerda em todo o mundo, advém da crise de perspectivas de transformação revolucionária da sociedade. A segunda, relacionada ao exercício do poder no âmbito do Governo Federal, aponta para a necessidade de reverter os desgastes sofridos na imagem do PT e reconquistar apoio político na sociedade. Seria um erro subestimar os danos à credibilidade do PT entre os setores organizados. Erro maior, entretanto, seria negligenciar a tarefa de reafirmar nosso compromisso com esses setores, junto com o desafio de enfrentar e superar a referida crise de perspectivas no campo socialista”. A crise, por aí, já teria sido superada e está reconciliado com sua base política tradicional.
Algo de estranho ocorre nas hostes petistas. Parece evidente que o governo Lula se afasta das principais bandeiras e teses partidárias. É declarado que está em curso a montagem de uma ampla aliança, mais ao centro que à esquerda, que deverá disputar as eleições de 2010 (talvez, já atuante em 2008). A acusação formal de criação de desvio de recursos públicos para apoio ao governo federal (conhecido como mensalão), o afastamento gradual de movimentos sociais (como o MST) e organizações do campo popular (como a Comissão Pastoral da Terra) do PT, além de uma relação desses movimentos e organizações cada vez mais conflitiva com o governo federal, são sinais que parecem não cativar as mentes e corações dos principais dirigentes petistas.
O que faltaria para que a realidade emergisse no congresso do PT? O que faria tais lideranças procurarem tergiversar a partir de tantos riscos e mudanças de rumo?
2. PT como o Partidão do presente
A tese que procuro defender neste breve artigo é que o PT, a partir da segunda metade da década de 90 aproximou-se rapidamente da organização e ideário do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB, conhecido como partidão). Não se trata de uma mudança insignificante. Ao contrário, o PT surgiu para se contrapor ao ideário do Partidão. Criticava a burocratização do Estado Soviético, o etapismo dos comunistas, o vanguardismo e a falta de radicalização na luta pelas transformações sociais, além do distanciamento entre lideranças (denominadas de populistas ou pelegas) de seus liderados. Em seu manifesto de origem, o PT afirma:
“O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce também da vontade de emancipação das massas populares, cansadas das ilusões dos grupos que pretendem substituir a força de suas lutas por palavras de ordem desligadas de seus interesses. Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra do seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam, quando, uma vez mais na história brasileira, vêem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade e dos ricos para os pobres. (...) Os trabalhadores querem se organizar como força política autônoma. O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não mais um partido para os trabalhadores. Queremos a política como uma atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as esferas de poder na sociedade. O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.
Queremos, por isso mesmo, um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em conseqüência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e colegiadas, e cuja direção e programa sejam decididos por suas bases. (...) Lutará por partidos independentes do Estado, mas também por sindicatos e associações populares independentes, tanto do Estado quanto dos próprios partidos políticos. Lutará por um Judiciário independente e por um Parlamento livre, mas também por uma participação popular permanente, em todas as esferas de decisão social, econômica e política. O PT lutará pelo controle democrático das burocracias do Estado e das decisões das grandes empresas, sem o que a participação popular será mera ilusão.(...)”
A Carta de Princípios, assinada em 1º de Maio de 1979 pela Comissão Provisória do PT, é ainda mais explícita quanto à diferenciação que se pretendia em relação às organizações partidárias operárias e de esquerda pré-64 (cita explicitamente o PTB). Destaco alguns de seus trechos mais incisivos e agudos:
“O PT entende, por outro lado, que sua existência responde à necessidade que os trabalhadores sentem de um partido que se construa intimamente ligado com o processo de organização popular, nos locais de trabalho e de moradia. Nesse sentido, o PT proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão a seu objetivo maior, que é estimular e aprofundar a organização das massas exploradas. (...) Repudiando toda forma de manipulação política das massas exploradas, incluindo, sobretudo as manipulações próprias do regime pré-64, o PT recusa-se a aceitar em seu interior, representantes das classes exploradoras. Vale dizer, o Partido dos Trabalhadores é um partido sem patrões!(...) O PT afirma seu compromisso com a democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia nem democracia sem socialismo. (...) O PT declara-se comprometido e empenhado na tarefa de colocar os interesses populares na cena política e de superar a atomização e dispersão das correntes classistas e dos movimentos sociais. Para esse fim, o Partido dos Trabalhadores pretende implantar seus núcleos de militantes em todos os locais de trabalho, em sindicatos, bairros, municípios e regiões.”
O ideário original petista pode ser, assim, fundado nos seguintes princípios:
a) partido vinculado à organização popular, que se traduz na organização no local de trabalho e moradia;
b) as atividades eleitorais e parlamentares se subordinam à organização das massas exploradas;
c) recusa-se a aceitar representações patronais no seu interior (partido sem patrões);
d) os trabalhadores devem se organizar como força política autônoma;
e) o PT não se deseja um partido para os trabalhadores, mas dos trabalhadores;
f) deseja se inserir no cotidiano dos trabalhadores e de suas lutas sociais;
g) os programas partidários serão construídos por sua base, pelos núcleos de militantes.
Ora, o momento atual é uma negação de todo este ideário original. A evidente burocratização partidária, a inexistência de peso da militância em todo processo decisório do partido, a prevalência da organização para a disputa eleitoral, a correia de transmissão entre Governo-Direção Partidária-Organizações Sociais, o caminho determinado para a elaboração de programas de centro, a defesa da Razão de Estado sobre mecanismos de gestão participativa e controle social sobre políticas públicas, são algumas das mudanças radicais por que passa o PT e que parecem se transformar em pauta acessória e marginal no seu 3º Congresso Nacional.
Como ocorreu no mundo soviético, cada vez mais próximo do ideário do PT Governista (porque o partido ainda apresenta uma gama imensa de militantes, parlamentares e dirigentes com baixa governabilidade interna que ainda são fiéis a vários dos seus princípios originais), este partido parece necessitar de um Kruschev.
3. Para os mais jovens
Vale recordar o que significou o discurso de Kruschev em 23 de fevereiro de 1956, durante o vigésimo Congresso do Partido Comunista.
Com a morte de Josef Stalin em 1953, Khrushev chegou ao poder, vencendo a disputa contra Gueórgui Malenkov, Lazar Kaganovitch, Viatcheslav Molotov e Nikolai Bulganin. Khrushev iniciou uma série de reformas no país, priorizando a fabricação de bens de consumo para a população ao invés da ênfase no desenvolvimento da indústria pesada. Mas foi seu discurso no XX Congresso do Partido que ficou como seu ato mais conhecido.
Neste discurso acusou Josef Stalin do crime de genocídio durante os grandes expurgos realizados nos anos 30 na URSS e denunciou o “culto da personalidade” que o cercava. Seu ato acabou afastando-o dos líderes soviéticos mais conservadores, mas ele acabou derrotando-os numa disputa interna que visou derrubá-lo do poder em 1957.
Os destaques deste discurso podem ser resumidos em três pontos centrais:
a) Denúncia da repressão contra os velhos bolcheviques, muitos deles declarados “inimigos do povo”;
b) Eliminação, por Stalin, da valorização das opiniões coletivas e de base;
c) Criação de provas falsas para acusar os inimigos das forças partidárias dirigentes.
Não se trata, evidentemente, de traçar paralelos entre o PT governista e o governo Stálin. Mas a fidelidade exacerbada das lideranças petistas ao governo federal, o encastelamento de vários dirigentes em cargos oficiais e a evidente burocratização do processo decisório, diminuindo os canais de oxigenação da vida partidária e o respeito à pluralidade interna, parecem evidentes.
Mudar o programa partidário e de governo não é um equívoco político. Mas mudanças sem uma participação e democratização efetiva do debate interno, franqueando à base partidária uma disputa aberta e plural é, na verdade, uma mudança de ideário, trata-se da construção de um outro partido, nem sempre nítida para seus militantes, muito menos para seus eleitores.
O PT precisa abrir seus arquivos, principalmente os mais recentes, os dos últimos dez anos. A última década foi pródiga em mudanças acentuadas das práticas e estruturas organizativas deste partido. Grande parte dos autores desta mudança de trajetória dirigem o partido atualmente. São dirigentes burocráticos, que negam a participação direta dos militantes nas formulações partidárias e muito mais os mecanismos de gestão participativa nos governos petistas, por aumentarem excessivamente as demandas sociais. Pensam a política a partir da Corte e da burocracia partidária. Desconhecem as ruas como fontes morais e de identidade social. Antes, é da direção partidária que nasceria a moral, fonte de poder. A educação das massas, enfim, viria do partido e do governo.
Não há dúvidas: o 3º Congresso do PT parece fadado a consolidar a transformação do PT em sua antítese. Algo muito próximo do que criticava acidamente no seu surgimento, em 1979.
Doutor em Ciências Sociais, Diretor Geral do Instituto Cultiva e membro da executiva nacional do Fórum Brasil do Orçamento.
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