3.10.07

O estupro do carcereiro – II

Edmundo Pacheco (*)

(CONCLUSÃO)

Continuando, segundo as informações "exclusivas" passadas pelo "amigo" Henry Jean Viana, eu escrevi que 'o carcereiro fulano de tal ficou preso na cela tal, entre tal e tal hora. E os menores, como não conseguiram ter as exigências atendidas, resolveram "barbarizar" o carcereiro.
Pois é. Imagine! Que desastre! Eu fui pra redação com as informações quentinhas repassadas pelo viado do Francês, rascunhei tudo numa folha de papel (como não sabia datilografar, eu escrevia a mão e depois catava milho na Remington), passei pra lauda e mandei bala. Sem maldade nenhuma. Eu realmente acreditei na história e escrevi a nota, que passou por toda a redação (chefe, revisor, copidesqui, digitador, o diabo a quatro) e acabou publicada exatamente como contei.
Não preciso dizer mais nada. CATÁSTROFE TOTAL!!! Mas foi minha primeira lição: jamais acreditar em alguém. Checar todas as possibilidades, ouvir todos os lados possíveis e, mesmo assim, duvidar. Alguém pode estar mentindo. Aliás, se você é foca, tenha uma certeza em mente: TODOS ESTÃO mentindo o tempo todo. Mentem enquanto sorriem ou enquanto choram diante de você.
Aprendi, ao longo destes vinte e tantos anos de profissão, não apenas a desconfiar de tudo e de todos, mas principalmente de jornalista que acredita. Jornalista que é jornalista NÃO pode acreditar em ninguém, nem em nada. Se acreditar em alguém, está assumindo um lado. Se assumir um lado, perde a imparcialidade, que é a base da profissão.
No exercício da profissão, o jornalista não pode crer em deus nem no diabo; não pode ter time preferido nem odiado; não pode ser católico, nem apostólico, nem romano e nem simpatizante de qualquer destas picaretagens que chamam de religião.
No exercício da profissão, somos meros transmissores. Recebemos a informação, decodificamos a mensagem, de forma a torná-la a mais compreensível possível para o receptor (leitor/telespectador) e ponto.
Podemos não gostar da informação que estamos transmitindo. Podemos até discordar, mas não temos o direito de interferir. A extinta Rede Manchete tinha um slogan perfeito, que traduz tudo: "aconteceu, virou manchete". Acho que é isso, simples e direto. Pegue as informações, certifique-se de que estão corretas, ouça os vários (não existem dois lados, eles são muitos) lados e retransmita.
Na RPC tem um ninho destes pretensos jornalistas que vêem o mundo de uma forma dicotômica, maniqueísta mesmo, separando tudo entre o bem e o mal. Dividem tudo entre boas e más notícias etc. Um horror!
Uma vez ouvi essa pérola de uma pauteira colega: "eu não gosto de dar notícia ruim. Dê você que é ave agourenta". Fiquei pasmo. Tentando imaginar o que seria isso, né? Uma "má" notícia! Não consegui chegar a uma conclusão até hoje. Uma notícia é uma notícia. Ponto. Pra mim todas são ótimas. Eu vivo disso. Ruim é não tê-las. A notícia vai ser boa ou ruim para alguém, sempre, não é?
Responda rápido: você vai dar uma nota de um acidente de carro, digamos, com 3 mortos e 3 feridos. Esta seria uma boa ou má notícia? Você respondeu: "má notícia", tenho certeza. Pois eu discordo totalmente. É uma questão de ângulo apenas.
Pense assim: pras famílias dos envolvidos, é uma notícia péssima, terrível realmente. Pra seguradora, não é muito boa. Pra quem está trafegando na mesma rodovia, é uma notícia um pouco ruim também, porque pode haver atraso na viagem. Mas pro médico, e pro dono do hospital, é uma notícia muito boa, excelente, sinal de dinheiro em caixa. E se um dos feridos ficar em coma por um longo tempo, então, será uma maravilha. Eles vão exultar com a notícia.
Agora, vá adiante, pense no agente funerário, no mecânico, veja toda a cadeia de engrenagens que esse acidente movimenta. Ai você vai dizer: credo! Que cara agourento! Mas é a vida. É o mundo. Pra mim, como jornalista, é uma notícia como qualquer outra. E eu tenho que ter essa visão ampla, arejada, de todos os ângulos. Porque se eu assumir que é uma notícia ruim, estou sendo parcial e vendo apenas o lado da família. Ou, pior, estarei entrando na história e ai, se você entra na história, pula o balcão e vira artista. Veja Gloria Maria. Ela é jornalista? Foi. Hoje é artista. E assim temos "n" exemplos.
Então, colega, se você está começando na profissão, e vai ser JORNALISTA, não esqueça: sua função é transmitir notícias. Nada de se emocionar com o drama da mãe morrendo de fome enquanto amamenta os filhinhos, ou com o coitado preso inocentemente (alias, se você visitar uma cadeia vai descobrir que lá só tem inocentes. Eu nunca ouvi um preso se dizer culpado. São todos uns coitados! É de chorar).
E notícia é aquilo que só você, ou um grupo restrito de pessoas, sabe (e quanto menos souberem, antes de você divulgar, melhor). Se serão boas ou más, cabe ao receptor (leitor/telespectador) avaliar isso.
Ah, nunca publique a primeira informação. "Pré-cheque", "cheque" e "re-cheque" tudo, tendo sempre em mente que TODOS estão mentindo. Não acredite em nada, nem em ninguém. E saiba que, mesmo depois de ter certeza de tudo, você ainda vai estar correndo o risco de estuprar o pobre carcereiro. (Valeu, Francês viado!?!).

(*) Escritor por devoção, 46 anos, poeta por impulso, jornalista por profissão há 28 anos. Pai da Édile e do Dilee, marido da Sueli, avô da Julia. Três ou quatro livros escritos, nenhum publicado (procura editora, séria, desesperadamente). Perfil? Bom, já foi bóia-fria, catador de batatas, lavador de banheiros, pasteleiro, feirante, churrasqueiro de restaurante beira de estrada, pacoteiro, vendedor de tecidos, derrissador de café, repórter de impresso, pauteiro de TV, assessor de imprensa, revisor, diagramador, editor de texto de TV, funcionário público estadual e municipal, dono de lanchonete, confeccionista, balconista, corretor de imóveis, editor-chefe de telejornal, entre outros... Atualmente vende sanduíche natural na praia de Inajá, onde mora.