Revelações e sordidez
Leonardo Cavalcanti
leonardo.cavalcanti@correioweb.com.br
Desconfie de entrevistas com políticos. Elas pouco revelam da alma de um personagem. Homens públicos quase sempre representam e mentem. Assim, a tarefa do repórter de arrancar alguma verdade de um político é árdua. Revelações só ocorrem a partir de descuidos — um momento de arrogância ou vaidade numa resposta, por exemplo — ou quando alguém, por qualquer motivo, está louco para abrir a boca e contar um segredo, como ocorreu, em 2006, na entrevista do ex-deputado federal Roberto Jefferson à Folha de S.Paulo. Ali, o mensalão foi descortinado.
No livro Por trás da entrevista, a escritora Carla Mühlhaus conversa com 10 jornalistas sobre o ato de perguntar. Um deles, Carlos Heitor Cony, afirma: “A entrevista é um depoimento, ninguém é obrigado a dizer a verdade”. Se as entrevistas com autoridades públicas são exercícios de esconde-esconde, o mesmo não se pode dizer das reportagens tendo políticos como personagens principais. Perfis jornalísticos ainda são a melhor forma de retratar e humanizar um político. Um repórter com tempo de observação quase sempre tem em mãos um bom material jornalístico.
A última edição da revista Piuaí é um exemplo de como o investimento em reportagens pode trazer a alma de um entrevistado, no caso a do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu. Ali, no texto, o petista, entre as cidades de São Paulo, Lisboa, Madri e Santo Domingo, revela-se. É um resignado, ao aceitar xingamentos em aeroportos e restaurantes. Um fanfarrão, ao citar que, se absolvido fosse pela Câmara, poderia chegar à Presidência. Um atirador, ao revelar que a esquerda do PT pedia até R$ 1 milhão ao ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e que a sede do PT em Porto Alegre foi construída com caixa 2. Um sórdido, ao acusar a ex-companheira de partido Heloísa Helena de ter votado contra a cassação do ex-senador Luiz Estevão por “motivos impublicáveis”.
Uma das funções do jornalismo é desmitificar políticos. Explorar contradições, revelar preconceitos e até citar gestos e atos nobres, como qualquer ser humano pode um dia ter. Só assim políticos podem ser de fato avaliados. A partir de entrevistas clássicas e enfadonhas, com simples perguntas e respostas, os políticos tentarão representar o papel de heróis. O risco é que tal encenação seja aceita pelo eleitor.
Correio Braziliense Opinião 06/01/08
leonardo.cavalcanti@correioweb.com.br
Desconfie de entrevistas com políticos. Elas pouco revelam da alma de um personagem. Homens públicos quase sempre representam e mentem. Assim, a tarefa do repórter de arrancar alguma verdade de um político é árdua. Revelações só ocorrem a partir de descuidos — um momento de arrogância ou vaidade numa resposta, por exemplo — ou quando alguém, por qualquer motivo, está louco para abrir a boca e contar um segredo, como ocorreu, em 2006, na entrevista do ex-deputado federal Roberto Jefferson à Folha de S.Paulo. Ali, o mensalão foi descortinado.
No livro Por trás da entrevista, a escritora Carla Mühlhaus conversa com 10 jornalistas sobre o ato de perguntar. Um deles, Carlos Heitor Cony, afirma: “A entrevista é um depoimento, ninguém é obrigado a dizer a verdade”. Se as entrevistas com autoridades públicas são exercícios de esconde-esconde, o mesmo não se pode dizer das reportagens tendo políticos como personagens principais. Perfis jornalísticos ainda são a melhor forma de retratar e humanizar um político. Um repórter com tempo de observação quase sempre tem em mãos um bom material jornalístico.
A última edição da revista Piuaí é um exemplo de como o investimento em reportagens pode trazer a alma de um entrevistado, no caso a do ex-ministro e ex-deputado José Dirceu. Ali, no texto, o petista, entre as cidades de São Paulo, Lisboa, Madri e Santo Domingo, revela-se. É um resignado, ao aceitar xingamentos em aeroportos e restaurantes. Um fanfarrão, ao citar que, se absolvido fosse pela Câmara, poderia chegar à Presidência. Um atirador, ao revelar que a esquerda do PT pedia até R$ 1 milhão ao ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e que a sede do PT em Porto Alegre foi construída com caixa 2. Um sórdido, ao acusar a ex-companheira de partido Heloísa Helena de ter votado contra a cassação do ex-senador Luiz Estevão por “motivos impublicáveis”.
Uma das funções do jornalismo é desmitificar políticos. Explorar contradições, revelar preconceitos e até citar gestos e atos nobres, como qualquer ser humano pode um dia ter. Só assim políticos podem ser de fato avaliados. A partir de entrevistas clássicas e enfadonhas, com simples perguntas e respostas, os políticos tentarão representar o papel de heróis. O risco é que tal encenação seja aceita pelo eleitor.
Correio Braziliense Opinião 06/01/08
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