ERA DE OURO - Artistas do rádio povoam memória caipira
DONIZETE OLIVEIRA/Especial para Folha de Londrina
Numa época em que a televisão não havia se firmado, locutores e artistas da voz dominavam o imaginário coletivo
Nas décadas de 50 e 60, os radialistas Nhô Quinca e Coronel do Rancho reuniam multidões nos festivais de violeiros e nos estúdios das rádios Cultura e Difusora de Maringá para vê-los ao vivo. A cidade servia de base para a maioria das duplas caipiras que faziam sucesso na época. Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Pedro Bento e Zé da Estrada, Zé Carreiro e Carreirinho, entre outros, se hospedavam no antigo Hotel Paulistano, de onde partiam para apresentações nos circos da região.
Amaro Ferigato, paulista de Presidente Prudente, é o Nhô Quinca, apelido que o consagrou no meio artístico. Em 1950, mudou-se para Mandaguari e começou a fazer o programa ‘’Bom Dia Lavrador’’, na Rádio Guairacá. Ele apresentava também a novela ‘’Os milagres de Nossa Senhora Aparecida’’. As cenas eram ao vivo, e a audiência, garantida. ‘’Quando você saía na rua, as pessoas te cercavam pra perguntar sobre os próximos capítulos’’, lembra. ‘’Era uma curiosidade enorme’’.
Depois de 10 anos na Guairacá de Mandaguari, ele recebeu convite para trabalhar na Rádio Difusora de Maringá. O salário e as condições contratuais o fizeram aceitar de imediato. ‘’Uma das vantagens daquela época era essa’’, comenta. ‘’Se você fosse bom profissional, as rádios pagavam bem’’.
Na Difusora, apresentava três programas. De manhã: ‘’Alvorada Sertaneja’’ e ‘’Nossa Terra, Nossa Gente’’; à tarde: ‘’Poente Sertanejo’’ e, à noite: ‘’Luar do Sertão’’. De lá, ele foi para a Rádio Cultura e teve rápida passagem pela Auriverde, de Londrina. Voltou à Difusora, onde permaneceu por mais alguns anos e trabalhou ainda numa emissora de Nova Esperança e na Atalaia, de Maringá.
Quinca perdeu a conta, mas ficou mais de 30 anos no rádio. Um programa que fez sucesso na Difusora foi o ‘’Sertão contra Cidade’’ apresentado com o radialista João Vrena. Era uma espécie de desafio entre ele - que defendia o sertão - e Vrena - ‘’advogado’’ da cidade. ‘’Essa atração caiu tanto no gosto do público que o estúdio da rádio ficava cheio de gente se espremendo para assistir ao embate’’, conta, acrescentando que recebia milhares de cartas.
Apesar de um problema nas cordas vocais, consequência dos dez copos de uísque sem gelo que bebia por dia e, talvez, do exagero no cigarro, Quinca se diz ‘’em forma’’ e só não volta à ativa por falta de oportunidade. ‘’Se bem que hoje o rádio AM perdeu o elo com o ouvinte’’, finaliza, observando fotos amareladas pelo tempo, recordações dos anos em que era artista do rádio.
Zé Botão
Ouvinte do Repórter Esso, Orlando João Zenaro Manin, 68, o Coronel do Rancho, paulista da região de Bauru, chegou a Maringá com 11 anos, logo depois da fatídica derrota do Brasil para o Uruguai, na Copa do Mundo de 1950. Engraxate, projetor de cinema e locutor de alto-falante foram alguns de seus ofícios antes de começar a trabalhar na Rádio Cultura AM, em 1954. Embora tivesse talento para locução, iniciou-se na técnica de som, como se chamava a função naquela época.
Seu nome artístico não era dos melhores, chamavam-no de Zé Botão. Um amigo sugeriu-lhe Coronel do Rancho. De pronto, aceitou e logo começou a apresentar seu primeiro programa na Cultura: ‘’Alegria no Sertão’’, das 5h às 8h. Em 1956, já comandava, na mesma emissora, ‘’Rancho do Coronel’’ e ‘’Você Aponta o Sucesso’’. Um dos quadros de maior sucesso era o ‘’correio sentimental’’ que foi responsável pelo namoro e casamento de muita gente.
Coronel se diz criador dos festivais de música caipira, pois garante que a novidade deu-se no seu programa em Maringá. Em seguida, outras emissoras adotaram-na. ‘’Inclusive, quem ganhou o primeiro evento desse gênero na Rádio Nacional, de São Paulo, foi o Du Gracial’’, conta ele, acrescentando que chegava a reunir cerca de 1.500 pessoas no auditório da Rádio Cultura em cada apresentação das duplas.
E todas elas apresentavam-se ao vivo nos programas que Coronel comandava na emissora. Um exemplo é o violeiro Tião Carreiro, que cantava com Pardinho. Ele criou o pagode de viola numa salinha nos fundos da Rádio Cultura (leia nesta página). ‘’Naquele tempo, não havia os recursos que há hoje, era tudo ao vivo, portanto, ninguém podia errar’’, recorda-se Coronel, que hoje vive aposentado em Maringá.
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