11.5.08

Rodoviária Velha: Precisa ser demolida?

VERONI FRIEDRICH

Há mais de um ano opinamos acerca da demolição ou revitalização da rodoviária. Neste dia em que oficialmente Maringá completa 61 anos de história, quero aqui refletir: A demolição da rodoviária é necessária?
As razões apresentadas pelo poder público para demolir este imóvel giram em torno dos tópicos: risco de desabamento do imóvel, marginalidade social existente no local e benefícios que os novos empreendimentos representarão para a população.
No tocante ao argumento de que o imóvel encontra-se tecnicamente condenado e com riscos de desabar, hoje está comprovada a fragilidade de tal afirmativa. Laudo feito pelo engenheiro Sr. Antonio Carlos Peralta (profissional contratado pelos condôminos da rodoviária) concluiu que o imóvel apesar de necessitar de reformas, pode ser recuperado.
A argumentação quanto à marginalidade existente nos arredores da rodoviária velha é bastante problemática. É fato visível que atividades ilícitas como prostituição, drogas e roubo não são exclusivas deste espaço. Também é fácil de concluir que a demolição do prédio não resolve a situação, apenas deslocaria as pessoas em situação de marginalidade social para outros locais da cidade. Os marginalizados socialmente continuariam a existir, de modo que só na aparência a questão estaria resolvida. A questão social, não é fácil de ser encarada, mas cabe perguntar: Queremos ajudar a resolver o problema destas pessoas, ou, queremos que eles fiquem bem longe de nós, não causando mais incômodos?
Em relação ao fato de que um outro empreendimento traria mais vantagens para a população, é bom indagar: Com exceção de alguns moradores mais abastados financeiramente, os quais poderão comprar um apartamento naquele espaço, que ganhos obterá a população com a construção de um residencial de até 36 andares ali? Acho que esta é a primeira pergunta a ser feita, pois as intervenções feitas na cidade devem primeiramente ser pensadas na ótica da população.
As propostas apresentadas pelas empresas participantes do edital propõem a construção também de um hotel, salas comerciais e até mesmo de um centro cultural. No tocante à construção de um hotel, apesar de ter dúvidas quanto à necessidade de ampliação da rede hoteleira na cidade, penso que tem como fator positivo o fato de que tal empreendimento talvez futuramente possa gerar empregos de forma direta e indireta.
No tocante ao centro cultural, concordo que de fato é algo que verdadeiramente pode trazer benefícios à população.
De forma geral, penso que embora sejam discutíveis os benefícios diretos que tais empreendimentos possam trazer à maioria da população e em especial aos marginalizados da rodoviária e seus arredores, não se pode negar que há alguns pontos positivos. Entretanto, de qualquer forma as eventuais vantagens e mesmo aquelas advindas da possibilidade de um centro de cultura não superam o prejuízo histórico-cultural de uma eventual demolição da rodoviária velha. As propostas apresentadas pelas empresas, a pedido do poder público, para substituir a rodoviária por novas construções, no meu entendimento, não justificam a demolição deste imóvel, o qual tem ligações muito estreitas com a história de Maringá.
Para alguns moradores que não tem vínculos mais antigos com Maringá, ou para aqueles que por falta de oportunidade ainda não compreendem o que é o patrimônio histórico de uma cidade, ou ainda, para outros que (com razão) estão incomodados com a situação precária do prédio; o imóvel deve ser demolido a fim de solucionar os problemas sociais da cidade ou também para revitalizar o lugar.
Entretanto é preciso que na ânsia de resolver estas questões não deixemos de refletir acerca do fato de que o patrimônio histórico (formado por objetos, prédios, documentos, bens imateriais: festas, tradições, saberes, paisagem natural etc) é o documento de identidade de uma cidade. È o que mostra como uma sociedade foi se fazendo no decorrer do tempo. Há que se ter em conta que a história de um povo precisa ser apropriada e conhecida pelas futuras gerações, é um direito da população ter acesso ao conjunto de bens culturais que são portadores de suas histórias. Valorizar o patrimônio cultural é também uma ação para que se rompa com o imediatismo e a indiferença, características tão presentes no mundo moderno.
Entendo ser lastimável que num futuro bem próximo, se as coisas continuarem assim, ao caminhar pelas ruas, praças e bairros desta cidade, não tenhamos a possibilidade de nos depararmos com aqueles prédios que portam o desenrolar da história da cidade. Que história teremos para mostrar quando a cidade tiver 70, 80, 90 anos? Nossa memória e trajetória histórica somente poderão ser conhecidas nos museus, em livros ou em fotografias? Por certo estes registros são importantes, mas não são comparáveis à experiência de andar pelas ruas e conhecer a construção de uma sociedade de forma mais concreta e instigante.
Ainda temos tempo de romper com esta noção limitada e superada de se conservar a história. O fato de Maringá ser jovem deveria ser aproveitado por nossos governantes, isto no sentido proteger o patrimônio histórico enquanto é possível, enquanto ele está aí. Cidades mais antigas do Brasil despertaram para a preservação quando muitos registros da história não mais existiam. A cidade não tem que ter 100 ou 200 anos para que comece a pensar na conservação do seu legado histórico.
Importa também dizer que não importa se eu acho feio ou se o outro acha a rodoviária bonita. Esses critérios servem bem para a gente comprar um sofá, uma casa, um vestido, um carro etc. Mas a história, ou antes, o patrimônio histórico não é necessário de ser preservado por ser belo ou feio, moderno ou antigo; mas sim porque neles há vida, há cheiro de gente, há alegrias, há tristezas, há erros e acertos, ou seja, pelo fato de que há história em meio à sua constituição. Por trás das paredes, vigas e do concreto da rodoviária velha estão vivências e experiências significativas, feitas no desenrolar da história.
Já em seu nome “Terminal Américo Dias Ferraz” denota-se sua função de símbolo, sua capacidade de evocar a história política da cidade. É sem dúvida o imóvel que evoca a paisagem urbana da Maringá dos anos 60, 70, 80.
È um marco que representa a chegada de homens e mulheres que foram atraídos para cá em busca de consolidar uma nova vida e também a saída daqueles que não tendo tanto êxito partiram em busca de outras oportunidades e experiências, reconstruindo novos sonhos. Um marco do desenvolvimento econômico rápido de Maringá, esta rodoviária começou a ser construída em 1959, quando a cidade ainda tinha apenas 12 anos de fundação. Um prédio que foi motivo para postais, revistas, souvenirs e também um ponto de encontro, um espaço de socialização.
Vale lembrar que a rodoviária já foi alvo de estudos criteriosos, feitos por profissionais e técnicos em patrimônio histórico, que são comprometidos exclusivamente com a questão da preservação da memória maringaense. Tais profissionais atestaram a sua importância de ser preservada enquanto bem histórico-cultural da cidade. Importância esta que lhe dá a necessidade de ser revitalizada e não demolida.
Quando falamos da rodoviária precisamos também ter capacidade de percepção. A nossa temporalidade não deve fazer com que sejamos anacrônicos, isto é, que olhemos a rodoviária a partir dos olhos de hoje e dos conceitos do que hoje é moderno. Certa vez ouvi alguém dizer que não fazia sentido manter a rodoviária, pois “hoje podemos construir coisas muito melhores, a rodoviária não passa de um caixote”. Isto é um equívoco! O patrimônio histórico precisa ser pensado por outros critérios e não estes de estética e capacidade tecnológica.
Penso que fazer as intervenções que a dinâmica urbana atual requer não significa um agir que descarte os símbolos identificadores da cidade. Muito pelo contrário, por isto mesmo no plano diretor de Maringá está estabelecido que as intervenções no espaço urbano sejam feitas em acordo com a manutenção de prédios e edifícios vinculados à história da cidade.
Assim, cabe a pergunta: Se a população precisa de mais um grande hotel, de salas comerciais, de residenciais ou mesmo um centro cultural, não tem a prefeitura a capacidade de viabilizar outros espaços para concluir estes projetos? Não é possível que tais empreendimentos sejam feitos em outros lugares, evitando a demolição daquilo que é patrimônio histórico? Por qual motivo estes novos edifícios precisam ser construídos justamente naquela quadra?
È fato que a história caminha. Que sejam bem vindos os arranha-céus, os hotéis, shoppings, salas comerciais etc! Contudo, que eles sejam construídos em sintonia com os marcos históricos da cidade, que são antes de tudo registros da história daqueles que por aqui já passaram e até mesmo já se foram.
Por fim termino minhas reflexões dizendo que seria bom que o poder público fosse além da exaltação da figura do pioneiro e da bela cidade que ele construiu. Isto, sem dúvida é relevante, mas, em minha opinião, fundamental é que ações mais concretas sejam tomadas para verdadeiramente valorizar a história de Maringá, Afinal de contas se nossa história é tão significativa, por qual motivo não considerar e proteger o patrimônio histórico de Maringá? Um bom presente à cidade neste seu 61º aniversário, seria a formulação de uma política cultural em prol do patrimônio histórico, a começar pela rodoviária.