29.6.08

Entre megeras e Cinderelas

MARIA NEWNUM

Acabo de regressar de uma estadia de seis meses nos Estados Unidos. Pude acompanhar de perto a disputa entre os democratas Hillary Clinton e Barack Obama. Também assisti as “Soap Operas”, as novelas america-nas; com fins de melhorar o inglês. Nego que gosto de novelas.
Semelhante ao Brasil, as no-velas americanas apresentam dois tipos de mulheres: as “bitches”, literalmente “vacas”, nossas populares “megeras” e as “santinhas”; nossas “donzelas” sofredoras. Lá e cá, não há meio termos para as personagens femininas.
No folhetim político a im-prensa norte americana logo tratou de colocar Hillary Clinton no seu devido lugar: “Sim, ela é bitch, mas eu adoro as bitches”, brincou a atriz do Saturday Night Live; o programa humorístico de maior expressão norte americana.
De fato não adiantou Hillary ensaiar um choro, encomendado por sua equipe. No imaginário americano prevaleceu a lógica inculcada pelos folhetins: Só há dois tipos de mulheres as megeras e as cinderelas e nenhuma das duas serve para conduzir a Casa Branca.
Antes do choro Hillary era a megera, depois do choro, era a Cinderela a espera de um “cavaleiro” para resgatá-la. Bill bem que tentou. “Não tenho dúvidas que ela será melhor presidente que eu fui...” Foi como se dissesse: “ela detesta charuto...” Ou seja, apesar de ter deixado o país num azul reluzente, sua imagem ficou associada a outra “bitch”, de nome Mônica.
Nos muitos encontros que tive com mulheres norte ame-ricanas tratei, sempre que possível, tratei do referencial relegado a nós mulheres. Somos peças de um grotesco folhetim e, sem perceber, taxamos de “bitches” as personagens que se atrevem a alçar posições de relevo na sociedade. Somos as maiores algozes de nossos pares.
Quando uma ou outra chega ao topo, mui frequentemente, é porque se utilizou da posi-ção de “Cinderela” de voz chorosa, conseguindo a “piedade” de alguns homens. Sim, alguns podem ser generosos, se não forem ameaçados pela altivez das megeras ou das mulheres “normais”. Vale dizer que as últimas assustam mais; especialmente as mulheres.
Hillary Clinton num dia normal, tomou cerveja e depois virou uma dose de vodka, e nem engasgou; num lance de igual para igual com homens num bar. Os homens a aplaudiram, as mulheres se escandalizaram e a imprensa reprisou seguidamente a cena, como se dissessem: “Bitch, bitch, bitch...” Onde já se viu? Se fosse uma tacinha de champagne, vá lá...
Ela também mostrou seu lado materno, sua competência administrativa e força como senadora... Não convenceu. Sim Hillary tem defeitos. Mas os defeitos dela sãos mais “de-feituosos” que os de Barack Obama e John McCain. Essa foi a mensagem enviada nas preliminares dos Estados Unidos. É a mensagem enviada eleições após eleições em quase todo o mundo.
No Brasil, com um mapa eleitoral composto de maioria feminina, nenhuma mulher de expressão disputará o cargo presidencial em 2010. Como nos Estados Unidos, as brasileiras mais uma vez dizem que não há uma mulher “normal” que as possa re-presentar. Ou são Cinderelas ou...?

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Maria Newnum é pedagoga, mestre em teologia prática, foi vice-presidente do Movimento Ecumênico de Maringá e Coordena o Café Teológico de Maringá. Para comentar ou ler outros artigos acesse: http://br.groups.yahoo.com/group/LittleThinks/