29.6.08

Os partidos, as eleições de outubro e o mapa político do Brasil

RUDÁ RICCI

Já se disse muito sobre a quantidade de partidos brasileiros. A crítica à quantidade baseia-se na falta de projeto próprio, possibilitando que muitos partidos se limitassem a ser linhas auxiliares. Com efeito, o país caminha rapidamente para uma estrutura bipolarizada, entre PSDB e PT, mas nem todos os outros partidos que gravitam ao redor destes dois hegemônicos ou dominantes são simplesmente auxiliares. A intenção deste artigo é sugerir que vai se consolidando algo além de partidos dominantes e seus auxiliares. Temos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 27 partidos políticos registrados no país. São eles: PMDB, PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, PSB, PSDB, PTC, PSC, PMN, PRP, PPS, PV, PTdoB, PP, PSTU, PCB, PRTB, PHS, PSDC, PCO, PTN, PSL, PRB, PSOL, e PR.
O IBGE oferece uma listagem de prefeitos e seus partidos de origem, de 2004. É fato que muitos deles já não estão mais nos partidos pelos quais foram eleitos. Mas temos a partir daí uma base de análise. O PMDB era o partido com mais prefeitos eleitos, 1.132, totalizando 20% dos municípios brasileiros. Em seguida, despontava o PSDB, com 1.098 prefeitos (19,7%). O então PFL (hoje, DEM) tinha eleito 959 prefeitos, totalizando 17% dos prefeitos. Esta é a maior distorção do dado do IBGE já que este partido sofreu uma contínua defecção de prefeitos obrigando-o, inclusive, a alterar seu nome. Em seguida, surgiam PP, PTB, PL e PDT, oscilando entre 10% e 4% do total de prefeitos eleitos no país. PT tinha, neste período, eleito 217 prefeitos (4%), PPS possuía 213 (3,8%) e PSB havia eleito 135 prefeitos (2,4%).
A mudança neste panorama foi resultado da ofensiva do Palácio do Planalto, tendo Lula à frente. PSDB, DEM e PPS deixaram de controlar 50% das prefeituras de grandes cidades conquistadas em 2004. Tendo por base as 100 maiores cidades do país, a base governista governava, em 2004, 54 cidades e, hoje, governa 76. Os maior beneficiado foi o PMDB (de 12 para 18), seguido pelo PSB (de 8 para 11) e PP (de 2 para 4). PSDB perdeu 3 das 21 prefeituras que comandava; DEM perdeu uma prefeitura e PPS perdeu 7, sendo o maior prejudicado até então.
É comum se afirmar, entre analistas políticos tupiniquins, que as eleições municipais não possuem nenhuma relação com a agenda nacional. O eleitor estaria totalmente focado no líder e agenda local, até mesmo nas relações pessoais estabelecidas com cada candidato. Não deixa de ser uma verdade, mas muito simplória. Isto porque desconhece o poder e arranjos políticos que os governos estaduais e federal operaram no período anterior às eleições municipais e mesmo nas convenções partidárias. O caso mais evidente é a aliança do PT com PSDB na capital mineira. Mas não só. Em 2004 os dois partidos fizeram aliança eleitoral em 121 cidades (pequenos municípios, em sua maioria) e ganharam as eleições em 44% dos casos. Já estão previstas alianças eleitorais entre os dois partidos em 200 municípios. E não são alianças sem vínculo algum com desejos dos caciques estaduais ou nacionais.
Contudo, a possível aliança entre os dois partidos dominantes do Brasil será obra de uma ou duas eleições adiante. Trata-se de uma aproximação, um teste inicial, nas eleições de outubro deste ano. Ocorrerão acomodações internas, nos dois partidos, e a militância se acostumará lentamente à este novo mapa partidário.
Assim, as eleições de outubro continuarão medindo força entre até aqui situacionistas e oposicionistas (ao governo federal). Em outras palavras, temos um jogo de xadrez onde partidos com perfil programático ou ideológico que aproxime os dois pólos (PSDB e PT) podem ganhar alguma projeção.
PT já caminha para o centro, ao menos o PT governista. A agenda do governo federal é social-liberal, alguns ministérios mais focados na agenda social, outros na agenda de mercado. PSDB, que já tinha adotado esta referência programática, procura atualizar ainda seu discurso e projeto, mas sua novas lideranças (como o governador Aécio Neves) já iniciam movimentos ousados de aproximação.
A questão que fica, então, é se haveria algum partido neste espectro que seria o fiel deste casamento entre partidos dominantes. Pelo movimento dos últimos meses, o PSB é o candidato mais nítido a este posto. Não menosprezando o peso político do “partido mosaico” que é o PMDB. Não por outro motivo, foram os dois partidos que ganharam o espólio de PSDB, DEM e PPS a partir da ofensiva do Palácio do Planalto.
Se esta hipótese se confirmar, PPS, DEM e PV (este último, enfrentando grave crise de identidade) ficarão sem o lugar de destaque que até agora tinham adquirido. Serão “partidos do passado” justamente porque não conseguiram ler a mudança do mapa eleitoral que se configurava.
Trata-se de uma hipótese, mas plausível, e que pode auxiliar na leitura do resultado das eleições de outubro.
Para finalizar, uma última palavra a respeito da lógica territorial. Segundo estudos do IBAM, os prefeitos que mais se reelegem no segundo turno eleitoral do país são os do norte e nordeste do país, principalmente em municípios grandes, com mais de 200 mil habitantes. E quase 30% dos ex-prefeitos que estavam afastados do cargo por um ou dois mandatos, retornaram ao cargo na última eleição. Para o coordenador da articulação político institucional do IBAM, François Bremaeker, o fenômeno estaria vinculado à segurança dos eleitores. Poderíamos, assim, afirmar que o eleitorado local tende a uma postura mais conservadora e desconfia das ousadias ou mudanças bruscas. Nordeste volta a emergir como a região com mais número de reeleitos ou reconduzidos ao cargo (superior a 48%). No sudeste, o índice ficou próximo de 34%.
Este é o motivo de Lula e Aécio investirem tanto no nordeste, nos últimos tempos. A aliança em Belo Horizonte tem por base o apoio de Ciro Gomes. Neste sentido, as eleições de outubro, no nordeste, podem selar o futuro do mapa partidário e eleitoral do país. E, assim, consolidariam o fortalecimento do centro social-liberal do espectro partidário nacional: pouco ousado, enraizado na cultura local e fortemente manipulado pelos governos estaduais e federal.

Rudá Ricci
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Diretor Geral do Instituto Cultiva