7.8.08

Ação popular - Sanepar

0003 . Processo/Prot: 0466525-2 Apelação Cível
. Protocolo: 2008/1847. Comarca: Maringá. Vara: 2ª Vara Cível.
Ação Originária: 2002.00000142 Ação Popular. Apelante:
Edvaldo José Trindade. Advogado: Carlos Eduardo Buchweitz.
Apelante: Ministério Público do Estado do Paraná. Apelado:
Sanepar Cia de Saneamento do Paraná. Advogado: Fernão Justen
de Oliveira, Alexandre Wagner Nester. Interessado: Município
de Maringá. Órgão Julgador: 5ª Câmara Cível. Relator:
Des. Rosene Arão de Cristo Pereira. Revisor: Des. Leonel Cunha.
Despacho:
VISTO. DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINIS-TRATIVO
E PROCESSUAL. AÇÃO POPULAR. INDEFERIMENTO DA
PETIÇÃO INICIAL POR ILEGITIMIDADE ATIVA. PRETENSA
AUSÊNCAI DE DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO.
DECISÃO EQUIVOCADA. PEDIDOS AMPLOS QUE RETIRAM
DO PROCESSADO POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO
DA TEORIA DA CAUSA MADURA. DECISÃO REFORMADA
PARA DETERMINAR O REGULAR PROCESSMENTO
DO FEITO. 1. A utilização do disposto no artigo 557 do CPCivil
tem como finalidade precípua destrancar as pautas dos tribunais,
deixando para o órgão colegiado as questões novas e
aquelas que encerram e reclamam maiores indagações. 2. O §
1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil confere ao
Relator a faculdade de proferir decisão monocrática quando
pacificada a matéria nos Tribunais Superiores. 3. A ação popular
tem espectro de atuação amplo, visando a tutela de ato lesivo
ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe,
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural. 4. A possibilidade de ter havido concessão
de serviço púbico, pelo Município à empresa, ao arrepio
do regramento jurídico, já serviu para indicar o potencial
lesivo não só ao patrimônio público, como à moralidade administrativa.
5. Decisão reformada, com determinação para que
seja a actio populii regularmente processada. Muito embora a
lei faculte o julgamento imediato em casos como tais (CPC,
Art. 515, § 3º), este somente se possibilita quando a causa está
“madura”, apta à cognição exauriente. Assim não se apresentando,
inviabiliza-se tal julgamento colegiado de mérito. Apelações
Cíveis conhecidas e providas. Sentença reformada também
em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício. 1.
Depois de proferida sentença na ação popular (autos nº 0142/
2002) proposta por Edvaldo José Trindade contra Companhia
de Saneamento do Paraná - Sanepar e o Município de Maringá,
decisão esta que reconheceu a carência da ação, por que o autor
Edvaldo Trindade não detém legitimidade para propor a
ação1, não só o autor popular como o Ministério Público apelaram.
2 A empresa apelada, Companhia de Saneamento do
Paraná - Sanepar, refutou apenas o recurso apresentado por
Edvaldo, até porque não foi instada a tanto quanto à apelação
ministerial3. Na sua resposta, destacou que o apelante teria infringido
o princípio da dialeticidade, assim como defendeu a
legalidade e higidez de sua postura junto ao Município interessado,
pugnando, ao final, pelo aumento do valor das custas processuais,
em até o décuplo. 4 O Juízo singular esqueceu-se de
remeter os autos ao reexame necessário, como determina a lex
speciallis. Recurso regularmente processado, onde a douta Procuradoria
Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento dos
apelos. 5 2. As questões postas para reexame encontram análise
imediata por parte do relator, sem necessidade de ser levado
a julgamento pelo Órgão colegiado, segundo a imperatividade
do § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil. Nesse
sentido vem o mestre NELSON NERY JÚNIOR comentar o
dispositivo em questão: “O relator pode, agora, dar provimento
ao recurso quando a decisão recorrida estiver em desacordo
com súmula ou jurisprudência dominante do próprio tribunal
ou de tribunal superior. Esse poder é faculdade conferida ao
relator, que pode, entretanto, deixar de dar provimento ao recurso,
colocando-o em mesa para julgamento pelo órgão colegiado.
A norma autoriza o relator, enquanto juiz preparador do
recurso, a julgá-lo inclusive pelo mérito, em decisão singular,
monocrática, sujeita a agravo interno para o órgão colegiado
(CPC 557 §1º). A norma se aplica ao relator, de qualquer tribunal
e de qualquer recurso”. 6 A intenção do legislador foi o
desengessamento do Poder Judiciário, conferindo-lhe maior
celeridade na prestação jurisdicional, como anotou HUMBERTO
THEODORO JÚNIOR: “Se a nova sistemática de processamento
e julgamento do agravo de instrumento pelo relator
vier a ser efetivamente implantada, na praxe dos tribunais, como
se espera que ocorra, ter-se-á dado um significativo passo rumo
á desburocratização e celeridade do processo”. 7 Seguindo o
mesmo viés, NELSON LUIZ PINTO lecionou: “Em suma, pode
o relator admitir ou não o recurso, proferindo juízo negativo ou
positivo de admissibilidade, como também julgar o mérito do
recurso, para prover ou não o recurso por manifesta improcedência,
o que em tudo equivale a juízo negativo de mérito, de
não provimento do recurso.”8. Da mesma forma é o entendimento
do Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
POSSIBILIDADE DO RELATOR DAR PROVIMENTO
AO RECURSO COM BASE NO ART. 557, § 1º-A
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. [...] I - Nos termos do
artigo 557, § 1º-A, com redação que lhe foi dada pela Lei 9.756/
98: “Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com
súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento
ao recurso.” [...] IV- Agravo interno desprovido.9 Por
igual, o Tribunal Maior: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: JULGAMENTO
PELO RELATOR. CPC. § 1º-A. JULGAMENTO PELO
PLENÁRIO: ‘LEADING CASE’: POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO
IMEDIATO DE OUTRAS CAUSAS, EM QUE
VERSADO O MESMO TEMA, PELOS RELATORES OU
PELAS TURMAS. SALÁRIO EDUCAÇÃO: LEGITIMIDADE
DE SUA COBRANÇA ANTES E APÓS À CF/88. I - Legitimidade
constitucional da atribuição conferida ao Relator para
arquivar, negar seguimento a pedido ou recurso e a dar provimento
a este - RI/STF, art.21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC,
art. 557, caput, e § 1º-A - desde que, mediante recurso, possam
as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. Precedentes
do STF. [...] IV - Agravo não provido.10 Pois bem. Primeiramente,
impõe-se conhecer de ofício do Reexame Necessário.
É que, nos termos do artigo 19 da Lei 4.717/95, que regulou
a ação popular, “A sentença que concluir pela carência
ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada
pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação,
com efeito suspensivo.” Com o advento da Lei Federal nº 4.717/
95, foi criada a Ação Popular como mecanismo para que os
cidadãos pudessem “pleitear a anulação ou a declaração de
nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito
Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas,
de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas
de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes,
de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições
ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro
público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta
por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas
ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados
e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades
subvencionadas pelos cofres públicos” (art. 1º). No âmbito
constitucional, a Ação Popular se encontra prevista no art.
5º, LXXIII da Carta de 1988, que, para MARÇAL JUSTEN
FILHO “é uma ação constitucional destinada a proteger interesse
difuso e objetivo de qualquer cidadão em obter provimento
jurisdicional de anulação de ato praticado por agente
estatal ou, se privado, beneficiário de recursos públicos, lesivo
ao patrimônio, à moralidade administrativa, ao meio ambiente
e ao patrimônio histórico e cultural.”.11 Todavia, para que a
Ação Popular, erigida em status constitucional, seja capaz de
promover a anulação de determinado ato, necessário que se
demonstre sua ilegalidade ou lesividade, de modo que, para
que seja cabível, é preciso que exista um ato, legal ou ilegal,
que cause (ou não) danos a um dos bens jurídicos arrolados no
art. 5º, LXXIII, que deva ser anulado ou ter sua nulidade declarada.
Importante a menção à diferenciação entre ilícito e dano,
a divisão dos conceitos. Muito embora se admita que o dano,
na maioria das vezes, seja conseqüente de um ilícito, tal conclusão
não é absoluta e vinculante, pois pode haver ilícito sem
dano e dano sem ilícito. Neste viés, de visitação obrigatória a
obra de LUIZ GUILHERME MARINONI, que anunciou que a
doutrina italiana já previa tal diferenciação há várias décadas,
assim como a necessidade de se repensar o conceito de ilícito:
“Com efeito, para a efetividade da tutela dos novos direitos é
imprescindível a distinção entre ilícito e dano. Não importa,
para a tutela dos direitos que têm conteúdo não patrimonial, o
dano e, portanto, a tutela ressarcitória. É necessário, em muitos
casos, evitar ou remover o ilícito (compreendido como simples
ato contrário ao direito), seja porque em alguns casos ele não
tem uma identidade cronológica com o dano, seja porque o ilícito,
em outros casos, ao consolidar-se, deve ser extirpado independentemente
dos danos que já provocou ou possa ainda
provocar. Como já dissemos, é preciso deixar claro que a doutrina
brasileira nega diferença entre ilícito e dano, afirmando
que o “ilícito civil só adquire substantividade se o fato é danoso”.
12 Pela análise dos ensinamentos, fácil concluir-se que o
dano e o ilícito são situações absolutamente distintas, podendo
e devendo ser individualizadas, especificamente para a prestação
(e efetividade) da tutela. Nesta mesma linha continuou o
mesmo jurista paranaense, destacando, como premissa de toda
sua valiosa tese, o fato de que “o dano é algo absolutamente
acidental na vida do ilícito; é ele uma conseqüência meramente
eventual do ato contrário ao direito. O ato ilícito, em outras
palavras, pode não provocar um dano”. 13 FRANCISCO CAVALCANTI
PONTES DE MIRANDA, ainda quando o direito
civil se voltava exclusivamente para a esfera patrimonial, e atrelado
ao conceito de ilícito, já prenunciava a possibilidade de
um dano advir de um ato lícito, ao salientar que “há mais atos
ilícitos ou contrários ao direito que atos lícitos de que provém
obrigação de indenizar. Por outro lado, há obrigação de indenizar
sem ilicitude do ato ou da conduta”. 14 Diante disso, não se
pode indicar não ter havido violação ao patrimônio publico
porque eventualmente o ato praticado seja lícito, assim como
não se pode esquecer que a actio populi visou a tutela de direitos
não-patrimoniais, como a moralidade administrativa e o
patrimônio publico. Desta feita, não é tão simples assim extrair
de um processado onde não se percorreu a fase probatória que
a causa de pedir não envolve defesa do patrimônio publico, de
forma que Evaldo Trindade não detém legitimidade para propor
a ação. 15 “Patrimônio público” não pode ser conceituado
apenas com vistas ao erário, como parece ter pretendido o Juízo
singular. O conceito deve ser encarado de maneira lata, dando-
se a exegese ao que pretendeu o legislador constituinte originário,
quando desenhou o Art. 5º, LXXIII. Neste sentido: “[...]
O patrimônio público, analisado sob a ótica da ação popular,
deve ser encarado de maneira lata, ampla, uma vez que encarálo
de maneira restrita é depor contra o próprio intuito da ação
popular. Importa então dizer que o patrimônio público não se
limita apenas ao dinheiro público, aos bens de valor que o ente
possui, que possam ser mensurados monetariamente. Muitos
outros valores imateriais podem ser elencados dentro do rol de
patrimônio público. Talvez o medo de uma interpretação restritiva,
tenha sido o motivo que induziu o legislador constituinte
a introduzir no dispositivo o meio ambiente e o patrimônio histórico
e cultural, que muitas vezes não se limitam apenas a
serem matérias de cunho nacional, mas também mundial, patrimônio
de toda humanidade. Assim, não só os bens mensuráveis
financeiramente devem ser considerados patrimônio público,
mas também bens imateriais, ou seja, este patrimônio deve ser
encarado de maneira lata, não restrita. [...].16 Logo, a possibilidade
de ter havido uma concessão de serviço publico, outorgada
pelo Município de Maringá em favor da Companhia de
Saneamento do Paraná - Sanepar evidenciou translúcido potencial
lesivo ao patrimônio público, senão material, imaterial.
Assim sendo, de rigor o conhecimento de ambos os recursos de
apelação, inclusive o apresentado pelo autor popular, que não
apresentou peça estritamente tautológica, mas refutou pontos
da sentença, tudo para, reconhecendo o equivoco da decisão
singular, pois o apelante popular não é carecedor da ação, por
ilegitimidade ativa, de modo que fica anulada a decisão de f.
781/784, com determinação para que se processe regulamente
a actio populi, julgando-a em seu mérito. Destaca-se não escapar
a este Desembargador a possibilidade de prolação de julgamento
meritório diretamente pelo Colegiado, em casos como
tais (CPC, Art. 515, § 3º). Todavia, não nos escapa também que
tal somente é possível quando a causa está madura, apta à prolação
de decisão exauriente. Neste sentido: “Estando a causa
efetivamente apta para o julgamento, sem necessidade de dilação
probatória, o que a doutrina denominou ‘causa madura’,
impõe-se o seu pronto julgamento pelo Tribunal.”17 Como o
caso dos autos, aos nosso olhos, não fornece elementos que
permitem uma cognição exauriente, de rigor a sua baixa do à
instância singular, para que lá, sejam colhidos tais elementos e
proferida decisão de mérito. Apelações Cíveis providas. Sentença
anulada também em sede de sede de Reexame Necessário,
que foi conhecido de ofício, tudo para se determinar a baixa
dos autos à origem, a fim de que seja regularmente processado,
instruído e proferida decisão meritória. Intimem-se. Curitiba,
31 de julho de 2008. Des. Rosene Arão de Cristo Pereira,
Relator. 1 (f. 780/784, sic) 2 (f. 787/789; 803/821) 3 (f. 821,
vº) 4 (f. 792/801) 5 (f. 832/840) 6 (in CPC Comentado - Ed. RT
- 8ª edição - 2004 - pág. 1042). 7 (THEODORO JUNIOR,
Humberto, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 44ª ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 656 ). 8 (in CPC Interpretado
- Nelson Luiz Pinto - Ed. ATLAS - 2ª edição - 2002005 - pág.
1720). 9 (STJ - Ag.Rg. no REsp 554268/RS - Rel. Min. Gilson
Dipp - Decisão Monocrática proferida em 16 de março de 2004)
10 (STF - AgRgRE 293970/DF - Rel. Min. Carlos Velloso - J.
em 06.08.2002) 11 (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito
Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 776/777). 12
(MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica (arts. 461, CPC
e 84, CDC). São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23). 13 (Idem, p.
25). 14 (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes. Tratado de
direito privado. Campinas: Brokseller, 2000, t. 2, p. 241) 15 (f.
783, sic) 16 (CASTELLI, Rodrigo. Tutela Específica da Moralidade
Administrativa Via Ação Popular. Dissertação de Conclusão
de Mestrado. Bauru: Instituição Toledo de Ensino, 2005,
pags. 32/33). 17 (REsp 252.187/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli
Netto, v. u., DJ 19.05.03. No mesmo rumo: TA/MG, Apelação
358.385-1, 6ª Câmara, Rel. Juiz Domingos Coelho, RT
811/408).