21.8.08

Impugnação - Neusa Altoé

ACÓRDÃO Nº 1603/08 - Primeira Câmara
PROCESSO N º : 338192/01
ORIGEM : TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ
INTERESSADO : UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ - UEM
ASSUNTO : IMPUGNAÇÃO
RELATOR : CONSELHEIRO CAIO MARCIO NOGUEIRA SOARES
Impugnação de despesas. Universidade Estadual de Maringá. Concessão de
gratificações - “serviços extraordinários diurnos”, “serviços extraordinários
noturnos” e “serviços extraordinários domingos e feriados” – gratificação paga
a motoristas e tratoristas a título de manutenção e limpeza de veículos. Ofensa
ao princípio da legalidade. Procedência.
RELATÓRIO
Tratam os autos, de proposta de impugnação de despesas feita pela 4ª Inspetoria
de Controle Externo, à época, Superintendida pelo Conselheiro Artagão de
Mattos Leão, referente à realização de despesas na folha de pagamento dos
servidores da Universidade Estadual de Maringá – UEM - no primeiro
quadrimestre de 2001, a saber:
1 – pagamentos a vários servidores de gratificações a título de “serviços
extraordinários diurnos”, “serviços extraordinários noturnos” e “serviços
extraordinários domingos e feriados” em percentual acima do permitido na
legislação.
Entende a Inspetoria que a Universidade aplica de forma incorreta disposições
contidas no Estatuto dos Funcionários Civis do Paraná e na Consolidação das
Leis do Trabalho.
Incorreta porque os servidores da Instituição pertencem ao regime estatutário,
estando desta forma, sujeitos às regras contidas na lei estatutária – Lei nº 6.174/
70.
Conclui que o Estatuto não contempla serviços extraordinários desmembrados
em diurno, noturno ou domingos e feriados, mas, tão somente serviços
extraordinários e que essa gratificação não poderá exceder a 50% (cinqüenta por
cento) do vencimento mensal, acrescido dos adicionais.
2 – pagamentos de gratificação de manutenção e limpeza de veículos a
funcionários estatutários ocupantes do cargo de motorista, irregularmente, sem
previsão legal.
Alerta a Inspetoria, que esses servidores executam outros trabalhos, como
“serviços de limpeza” e “serviços de manutenção”, podendo, a qualquer
momento, acionar a Universidade no Poder Judiciário, para discutir o “desvio
e acúmulo de funções.”
Informa que as despesas irregulares detectadas no primeiro quadrimestre de 2001,
importam em R$ 76.559,97 (setenta e seis mil quinhentos e cinqüenta e nove
reais e noventa e sete centavos), relativas a gratificação para motoristas e a
gratificação “excedente” a título de serviços extraordinários, correspondente
ao valor percebido a maior do legalmente permitido, ou seja, 50% (cinqüenta por
cento) dos vencimentos, mais os adicionais.
Finalizando, apresenta a presente proposto de impugnação, para
responsabilização do ordenador das despesas, Reitora Neusa Altoé e eventual
devolução das quantias despendidas ilegalmente.
Oportunizado o contraditório, a Universidade através do Reitor, à época,
Gilberto Cezar Pavanelli, através do protocolado nº 28304-2/03-TC, de f. 038
e seguintes, apresentou sua manifestação, a qual foi ratificada integralmente pela
ex-Reitoria Neusa Altoé, conforme protocolado nº 29779-5/03-TC, de f. 154.
Em síntese justifica: Serviços extraordinários - que os pagamentos foram legais,
mormente por tratar-se de Universidade Pública, cuja peculiaridade exige
tratamento diferenciado e em especial no tocante a sua autonomia didáticocientífica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial; - valores pagos
dizem respeito às horas de trabalho extraordinário efetivamente executadas pelos
servidores na consecução de serviços que não comportam adiamento, sem afrontar
a norma legal; - a Constituição Federal, em seu art. 7º, dispõe acerca de horas
extraordinárias aos trabalhadores e estendidas aos servidores públicos, por força
do art. 39; - tais dispositivos autorizam o pagamento do serviço extraordinário
superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal, sem a vinculação ao
limite de vencimentos do trabalhador; - tais dispositivos se sobrepujam às
disposições da Lei nº 6.174/70, que instituiu o regime estatutário dos servidores
estaduais, por tratar-se de norma de hierarquia superior, além de edição superior;
- visando o racionamento do custeio das despesas institucionais, o Conselho de
Administração editou em 1999, Resolução estabelecendo entre outras medidas,
a compensação das horas extras trabalhadas, sendo editada em 2001 a Resolução
nº 219/2001-CAD, por prazo indeterminado; certos setores necessitam de labor
extra, principalmente no Hospital Universitário, Setor da Vigilância da Prefeitura
do Campus e Fazenda Experimental, que são os locais de maior ocorrência de
jornada extraordinária; quanto à nomenclatura dos serviços, esta é decorrente da
identificação do adicional de acordo com o horário laborado pelo servidor, sendo
que a hora noturna possui um acréscimo respectivo, por imperativo legal; - boa
fé dos servidores que perceberam referidos valores, pois os serviços foram
prestados em prol do serviço público. Gratificação a motoristas e tratoristas a
título de manutenção e limpeza de veículos - o referido adicional foi concedido
em decorrência da Resolução nº 146/94-CAD e 247/94-CAD, com supedâneo
no então vigente acordo coletivo da categoria, que assentava no tocante ao
tratamento isonômico, a extensão de eventuais benefícios concedidos em acordos
coletivos ou através de atos administrativos a servidores de Instituições de
Ensino Superior abrangidos por outros Sindicatos, na esfera estadual; - com
supedâneo na concessão da referida gratificação aos servidores motoristas da
Universidade Estadual de Ponta Grossa, foi concedido o benefício aos
servidores; - não há previsão para repasse de recursos aos motoristas para reparos
de eventuais avarias ocorridas nas viagens, como desgastes de pneus e câmaras
de ar, além das multas e manutenção das ferramentas e acessórios, que em caso de
extravio são de responsabilidade do motorista; - tais despesas eram suportadas
pelos motoristas com os valores das diárias recebidas por ocasião das viagens,
até determinado período; - a gratificação foi implantada, sob pena de inviabilizar
o exercício das funções do cargo de motorista, pois com os parcos vencimentos
percebidos pelos mesmos não havia como custear despesas decorrentes das
viagens; as Universidades contam com o reconhecimento judicial de sua
autonomia de gestão administrativa e financeira, conforme mandado de segurança
confirmado pelo Tribunal de Justiça.
A Diretoria Jurídica corrobora com o entendimento da 4ª Inspetoria de Controle
Externo, uma vez que a presente proposta encontra-se embasada na legislação
pertinente,opinando pelo seu acatamento.
Da mesma forma se manifesta o Ministério Público junto a este Tribunal.
ne:VOTO
Merece acolhimento a proposta de impugnação apresentada pela zelosa Inspetoria
de Controle Externo.
Ficaram claramente evidenciadas nos autos as ilegalidades praticadas pela
Universidade Estadual de Maringá, tanto quanto à fixação de percentual acima
de 50% (cinqüenta por cento) na gratificação de serviços extraordinários, como
na instituição de gratificação a motoristas e tratoristas sem previsão legal, através
de Resolução.
Atualmente, conforme a doutrina e a jurisprudência dominantes, não prosperam
quaisquer discussões que envolvam a concessão de vantagens pecuniárias a
servidores públicos, que não seja através de lei específica.
Essa exigência está estabelecida no artigo 37, X, da Constituição Federal, a
saber:
“Art. 37. ....
X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art.
39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a
iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral, sempre na mesma
data e sem distinção de índices;”
Dessa forma, o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado do Paraná
– Lei nº 6.174/70 – ao qual estão submetidos os servidores da UEM e, que
entendo foi recepcionado pela nova Constituição Federal, ao tratar da gratificação
de serviço extraordinário, dispõe em seu artigo 176, § 1º:
“Art. 176. A gratificação pela prestação de serviço extraordinário deverá ser:
I - ...
II - ...
§ 1º. A gratificação a que se refere este artigo não poderá exceder a cinqüenta por
cento (50%) do vencimento mensal do funcionário, acrescido dos adicionais
que estiver percebendo.”
Por outro lado, são totalmente improcedentes as justificativas apresentadas para
a concessão da gratificação aos ocupantes do cargo de motorista e, algumas, até
ilegais.
Dessa forma, agindo o ordenador da despesa sem respaldo na lei, não atendeu ao
princípio da legalidade, constante do art. 37, da Constituição Federal, ao qual
está obrigado a obedecer.
Conforme ensinam os doutrinadores pátrios, “A legalidade, como princípio de
administração, significa que o administrador público está, em toda a sua atividade
funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e
deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e exporse
à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento
da lei.
Na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração
Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular, significa
“pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.
As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública, e seus preceitos não
podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus
aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres,
irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função
pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar
os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos
à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade,
não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador, sem ofensa ao
bem-comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa.”
(Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles).
Também, Diógenes Gasparini, ao abordar esse princípio em sua obra “Curso de
Direito Administrativo”, discorre:
“O princípio da legalidade, resumido na proposição suporta a lei que fizeste,
significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos
mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato
e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente
calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se
à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De
fato, este pode fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não proíbe; aquela só
pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. A esse
princípio também se submete o agente público. Com efeito, o agente da
Administração Pública está preso à lei, e qualquer desvio de suas imposições
pode nulificar o ato e tornar o seu autor responsável, conforme o caso, disciplinar,
civil e criminalmente.”
Desobedeceu, ainda, o ordenador da despesa, a norma do art. 4º, da Lei Federal
nº 8.429, de 02 de junho de 1992 (Lei de improbidade administrativa), que diz:
“Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar
pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos”.
Diante do exposto e, também, com base nos Pareceres da Diretoria Jurídica e do
Ministério Público junto a este Tribunal, voto pela procedência da presente
proposta de impugnação de despesas feita pela 4ª Inspetoria de Controle
Externo, à época, devendo o atual ordenador da despesa da Autarquia, na fixação
do percentual da gratificação do serviço extraordinário, não exceder a 50%
(cinqüenta por cento) do vencimento mensal do funcionário, acrescido dos
adicionais que estiver percebendo, na forma do § 1º, do art. 176, da Lei nº 6.174/
70, bem como cessar imediatamente o pagamento aos ocupantes dos cargos de
motorista e tratorista, da gratificação de manutenção e limpeza de veículos, uma
vez que é nula sua concessão por Resolução, em completa violação à Constituição
Federal, art. 37 caput e inciso X, devendo, ainda, comunicar a este Tribunal, no
prazo de 30 (trinta) dias, as providências adotadas, sob pena de aplicação ao
ordenador da despesa, de restituição de valores e multa proporcional ao dano,
no percentual de 10% (dez por cento), com fundamento nos arts. 85, III e IV, VIII
e parágrafo único, 89, § 1º, I, V e § 2º, da Lei Complementar Estadual nº 113, de
15 de dezembro de 2005, bem como o encaminhamento de cópia do processo ao
Ministério Público Estadual, para adoção das medidas que entender cabíveis
no âmbito de sua competência.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de IMPUGNAÇÃO protocolados
sob nº 338192/01,
ACORDAM
Os membros da Primeira Câmara do TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO
PARANÁ, nos termos do voto do Relator, Conselheiro CAIO MARCIO
NOGUEIRA SOARES, por unanimidade em:
I - Julgar procedente a presente proposta de impugnação de despesas feita pela
4ª Inspetoria de Controle Externo, à época;
II - Determinar ao atual ordenador da despesa da Autarquia, do dever de, na
fixação do percentual da gratificação do serviço extraordinário, não exceder a
50% (cinqüenta por cento) do vencimento mensal do funcionário, acrescido dos
adicionais que estiver percebendo, na forma do § 1º, do art. 176, da Lei nº 6.174/
70, bem como de cessar imediatamente o pagamento aos ocupantes dos cargos de
motorista e tratorista, da gratificação de manutenção e limpeza de veículos, uma
vez que é nula sua concessão por Resolução, em completa violação à Constituição
Federal, art. 37 caput e inciso X;
II - Determinar, ainda, que deve comunicar a este Tribunal, no prazo de 30 (trinta)
dias, as providências adotadas, sob pena de aplicação ao ordenador da despesa,
de restituição de valores e multa proporcional ao dano, no percentual de 10%
(dez por cento), com fundamento nos arts. 85, III e IV, VIII e parágrafo único, 89,
§ 1º, I, V e § 2º, da Lei Complementar Estadual nº 113, de 15 de dezembro de
2005;
III - Encaminhar cópia do processo ao Ministério Público Estadual, para adoção
das medidas que entender cabíveis no âmbito de sua competência.
Votaram, nos termos acima, os Conselheiros CAIO MARCIO NOGUEIRA
SOARES, HEINZ GEORG HERWIG e HERMAS EURIDES BRANDÃO.
Presente o Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas
FLÁVIO DE AZAMBUJA BERTI.
Sala das Sessões, 5 de agosto de 2008 – Sessão nº 29.
CAIO MARCIO NOGUEIRA SOARES
Presidente