Viva a inocência
JANIO DE FREITAS/Folha de S. Paulo 10-8-2008
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Considerar que o condenado em primeira instância suscita ainda presunção de inocência soa como um contra-senso
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A CULPA e a inocência deram largos passos, nos últimos dias, para aumentar a fraternidade que as une e confunde no Brasil. E nos confunde e desune.
O movimento de juízes que enfrentam dia-a-dia a realidade bruta dos casos e processos, e não as filigranas dos debates nas cortes supremas, frustrou-se no seu propósito de reduzir a degradação progressiva da vida política, como anseia a sociedade. Nove dos onze votos do Supremo Tribunal Federal proibiram a recusa de candidaturas a réus de processos em curso, mesmo que já condenados, mas ainda com possibilidade de recorrer a instância superior. Sob formas e ênfase diferentes, os vitoriosos firmaram-se na tese de que a presunção de inocência deve sobrepor-se, apesar dos riscos para a sociedade e a administração pública, ao risco de negar a um inocente o direito de candidatar-se.
O prejuízo reparável a inocentes processados, se existirem entre os não-inocentes barrados, não se compara, na prática, ao prejuízo geral com a eleição, por falta de defesa da sociedade, de mais degradadores da administração pública e dos legislativos. O balanço antecipado dessas perdas, no entanto, seria apenas especulativo.
Direitos são direitos, mas o que os define são palavras e conceitos, por isso igualmente valiosos. E complicadores. Considerar que o condenado em primeira instância suscita ainda presunção de inocência soa como contra-senso. Se há condenação, o que a magistratura suscita é a presunção de culpa, explicitada em sentença. A prevalecer a presunção de inocência depois da condenação em primeira instância, é desacreditar na capacidade ou na idoneidade do juiz daquela instância. Como, então, lhe está entregue o direito de julgar pessoas e decidir destinos?
Negar direitos não é solução. Negar à população o direito de ser protegida pelas instituições que existem para fazê-lo não é solução para preservar direito individual. E iguala honrados e incorretos. Seria o caso, talvez, de estabelecer distinções entre tipos de precedentes dos suspeitos e acusados, procedência dos seus processos, graus de comprometimento da idoneidade, e outras aferições. Complexo e trabalhoso, sim. Ou, do contrário, é deixar o assunto de lado, até que alguém proponha candidaturas de presidiários. Por presunção de inocência, já que julgamentos de recurso final também são passíveis de erro.
Na reunião, bastante tranqüila, destinada no Clube Militar à defesa da anistia para culpados de assassinato, tortura e desaparecimento de presos da ditadura, um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Waldemar Zveiter, lançou um argumento perturbador. Muito aplaudido, exceto quando disse não haver ato mais abominável do que a tortura, o ex-ministro considera inválida a priori qualquer ação contra os torturadores militares, porque ao tempo de sua prática a tortura não estava tipificada entre os crimes. Nem era ou é indispensável. Entre as várias hipóteses, tortura é lesão corporal com sadismo, em vítima indefesa, ameaçada e sob a guarda do Estado. Precisaria de mais para ser crime comum?
A reunião teve mais méritos do que outra vez igualar, agora em solenidade, os homicidas/torturadores e os oficiais que conduziram inquéritos sem desrespeitar as convenções internacionais de conduta militar e tratados de que o Brasil é signatário. Esses oficiais, por sinal, foram reformados antes de alcançar o generalato. Em seus livros sobre a ditadura, Elio Gaspari documentou comprometimentos, em níveis altos da hierarquia militar e do governo, na existência de tortura e assassinato em quartéis. Com a presença de ex-ministros militares e até de representantes do atual Alto Comando, além dos cerca de 600 oficiais superiores reformados, a reunião demonstrou que a tortura, o assassinato e o desaparecimento não eram “excessos de alguns”. Eram, mais do que método, uma política das Forças Armadas na ditadura.
Chefe dos torturadores e homicidas do DOI-Codi em São Paulo, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recusou a dizer aos repórteres, nas inúmeras vezes em que foi solicitado, mais do que “nada a declarar”. Estava certo: seu ramo nunca foi o palavrório, era militar de execução.
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Considerar que o condenado em primeira instância suscita ainda presunção de inocência soa como um contra-senso
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A CULPA e a inocência deram largos passos, nos últimos dias, para aumentar a fraternidade que as une e confunde no Brasil. E nos confunde e desune.
O movimento de juízes que enfrentam dia-a-dia a realidade bruta dos casos e processos, e não as filigranas dos debates nas cortes supremas, frustrou-se no seu propósito de reduzir a degradação progressiva da vida política, como anseia a sociedade. Nove dos onze votos do Supremo Tribunal Federal proibiram a recusa de candidaturas a réus de processos em curso, mesmo que já condenados, mas ainda com possibilidade de recorrer a instância superior. Sob formas e ênfase diferentes, os vitoriosos firmaram-se na tese de que a presunção de inocência deve sobrepor-se, apesar dos riscos para a sociedade e a administração pública, ao risco de negar a um inocente o direito de candidatar-se.
O prejuízo reparável a inocentes processados, se existirem entre os não-inocentes barrados, não se compara, na prática, ao prejuízo geral com a eleição, por falta de defesa da sociedade, de mais degradadores da administração pública e dos legislativos. O balanço antecipado dessas perdas, no entanto, seria apenas especulativo.
Direitos são direitos, mas o que os define são palavras e conceitos, por isso igualmente valiosos. E complicadores. Considerar que o condenado em primeira instância suscita ainda presunção de inocência soa como contra-senso. Se há condenação, o que a magistratura suscita é a presunção de culpa, explicitada em sentença. A prevalecer a presunção de inocência depois da condenação em primeira instância, é desacreditar na capacidade ou na idoneidade do juiz daquela instância. Como, então, lhe está entregue o direito de julgar pessoas e decidir destinos?
Negar direitos não é solução. Negar à população o direito de ser protegida pelas instituições que existem para fazê-lo não é solução para preservar direito individual. E iguala honrados e incorretos. Seria o caso, talvez, de estabelecer distinções entre tipos de precedentes dos suspeitos e acusados, procedência dos seus processos, graus de comprometimento da idoneidade, e outras aferições. Complexo e trabalhoso, sim. Ou, do contrário, é deixar o assunto de lado, até que alguém proponha candidaturas de presidiários. Por presunção de inocência, já que julgamentos de recurso final também são passíveis de erro.
Na reunião, bastante tranqüila, destinada no Clube Militar à defesa da anistia para culpados de assassinato, tortura e desaparecimento de presos da ditadura, um ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Waldemar Zveiter, lançou um argumento perturbador. Muito aplaudido, exceto quando disse não haver ato mais abominável do que a tortura, o ex-ministro considera inválida a priori qualquer ação contra os torturadores militares, porque ao tempo de sua prática a tortura não estava tipificada entre os crimes. Nem era ou é indispensável. Entre as várias hipóteses, tortura é lesão corporal com sadismo, em vítima indefesa, ameaçada e sob a guarda do Estado. Precisaria de mais para ser crime comum?
A reunião teve mais méritos do que outra vez igualar, agora em solenidade, os homicidas/torturadores e os oficiais que conduziram inquéritos sem desrespeitar as convenções internacionais de conduta militar e tratados de que o Brasil é signatário. Esses oficiais, por sinal, foram reformados antes de alcançar o generalato. Em seus livros sobre a ditadura, Elio Gaspari documentou comprometimentos, em níveis altos da hierarquia militar e do governo, na existência de tortura e assassinato em quartéis. Com a presença de ex-ministros militares e até de representantes do atual Alto Comando, além dos cerca de 600 oficiais superiores reformados, a reunião demonstrou que a tortura, o assassinato e o desaparecimento não eram “excessos de alguns”. Eram, mais do que método, uma política das Forças Armadas na ditadura.
Chefe dos torturadores e homicidas do DOI-Codi em São Paulo, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra recusou a dizer aos repórteres, nas inúmeras vezes em que foi solicitado, mais do que “nada a declarar”. Estava certo: seu ramo nunca foi o palavrório, era militar de execução.
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