29.9.08

Acórdão - CPI

APELAÇÃO CÍVEL N.° 394.405-4, DE MARINGÁ - SEGUNDA VARA CÍVEL

APELANTE : PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MARINGÁ

APELADO : MARLY MARTIN SILVA

RELATOR : JUIZ. CONV. FRANCISCO CARDOZO OLIVEIRA


MANDADO DE SEGURANÇA - APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVO RETIDO - NÃO DEVE SER CONHECIDO DO AGRAVO RETIDO SEM REQUERIMENTO ESPECÍFICO PARA APRECIAÇÃO DA INSURGÊNCIA NESTA INSTÂNCIA - COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CONFIGURA-SE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A INSTALAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO NA CÂMARA MUNICIPAL SUBSCRITA POR UM TERÇO DOS VEREADORES, SEM NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DO REQUERIMENTO A DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO - NÃO PODE PREVALECER O DISPOSTO NO § 4.º DO ART. 21 DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL DE MARINGÁ QUE CONDICIONA A INSTALAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO A DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO PORQUE A EXIGÊNCIA NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - INCIDÊNCIA NA HIPÓTESE DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA NA FORMA DO ART. 58, § 3.º DA CONSTITUIÇÃO - RECURSO DE AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO E RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO MANTIDA A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO DE OFÍCIO.





VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 394.405-4, da Segunda Vara Cível da Comarca de Maringá, em que é apelante o Presidente da Câmara Municipal de Maringá e apelada Marly Martin Silva.

RELATÓRIO

1. Marly Martin Silva impetrou o Mandado de Segurança dos autos n.º 906/2005 contra ato do Presidente da Câmara de Vereadores de Maringá que impeça a criação e a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito requerida por um terço dos Vereadores da Câmara Municipal para investigação de irregularidades no processo de licitação para a compra de notebooks e outros equipamentos.
Pleiteou-se decisão liminar para permitir a imediata instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito.
O Juiz da causa deferiu medida liminar para ordenar a autoridade coatora que acolhesse o requerimento de criação e instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (fls. 202-204).
Requereu-se a suspensão da medida liminar, que na ocasião, restou indeferida por decisão do Desembargador Tadeu Marino Loyola Costa, na qualidade de Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, nos seguintes termos:
"[...] Especificamente no caso dos autos, primeiro, a requerente não diz o quanto terá de despender caso a CPI venha a ser criada e instalada, circunstância que impede qualquer conclusão segura a respeito do risco à economia pública, risco que deve ser de lesão grave, quer dizer, capaz de comprometer indevidamente o patrimônio público a ponto de desviar recursos de outras áreas essenciais. De outra parte, ao que parece existe certo exagero por parte da Câmara Municipal ao insistir na tese de que os recursos necessários serão expressivos. Ela poderá disponibilizar pessoal e equipamentos do próprio Legislativo, sem a necessidade da alocação de recursos, ou ao menos de recursos expressivos. Quanto ao cumprimento ou não da ordem judicial pelo Presidente da Câmara e o risco de ele cometer algum crime, tal matéria, embora relevante, não se subsume entre as hipóteses autorizadoras da medida presidencial da Lei 4.348, por não envolver a ordem pública, ou a econômica, ou a saúde pública etc., mas a situação pessoal de um Vereador.
3. Ante o exposto, indefiro o pedido de suspensão da medida liminar." (Suspensão de Liminar 324976-7, J. 09.01.2006).

O Juiz da causa julgou procedente a demanda para conceder em definitivo a segurança nos termos da decisão liminar (fls. 386-394).
O Presidente da Câmara Municipal de Maringá interpôs recurso de apelação da sentença para alegar, em síntese, o seguinte: (a) que de acordo com a Lei Orgânica do Município e o Regimento Interno da Câmara, a propositura de CPI é admitida se subscrita por um terço dos Vereadores e aprovada por maioria simples em deliberação plenária (fl. 468); (b) o Vereador Valter Viana, um dos signatários do requerimento, retirou assinatura de apoio o que teria comprometido o número mínimo de assinaturas necessárias (fl. 470); (c) que o Presidente da Câmara não tem poderes para cumprir a decisão judicial que determinou a instalação da Comissão porque o requerimento de criação acabou rejeitado pelo Plenário que é órgão soberano do Poder Legislativo; (d) no caso em tela não poderia ser aplicado o alegado princípio da simetria, uma vez que a Constituição estabelece que o Município é entidade autônoma da Federação, e como tal, tem poder para legislar em assunto de interesse local (fl. 479); e) a impetrante não poderia buscar tutela jurisdicional sem antes ter esgotados os recursos administrativos, já que a Comissão Parlamentar de Inquérito constitui espécie de procedimento administrativo (fls. 476); f) não existiria óbice a retirada de assinatura do requerimento a partir do disposto no art. 207 do Regimento Interno da Câmara (fls. 477).
Requereu-se, por fim, o provimento do recurso para julgar improcedente o Mandado de Segurança.
Recebido o recurso apenas no efeito devolutivo (fls. 533), o Juiz da causa impôs multa diária de R$ 1.000,00 para assegurar o cumprimento do contido na sentença (fls 563/566).
A impetrante não respondeu ao recurso, conforme certidão de fls. 652.
Nesta instância, a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer subscrito pelo Procurador de Justiça Ervin Fernando Zeidler, pronunciou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 672-680).

ADMISSIBILIDADE


2. O recurso deve ser conhecido porque tempestivo, conforme o que se observa da certidão de fl. 427 em cotejo com o protocolo de fl. 465; os demais pressupostos recursais - objetivos e subjetivos - encontram-se presentes.
Como se trata de sentença concessiva de segurança, embora o Juiz da causa não tenha feito referência na decisão, o julgado deve ser submetido a reexame necessário, de ofício.

VOTO

3. Trata-se de recurso de apelação cível, e de reexame necessário de ofício, em que é apelante o Presidente da Câmara Municipal de Maringá e apelada Marly Martin Silva.
O Mandado de Segurança tem por assegurar a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito requerida por um terço dos Vereadores da Câmara Municipal de Maringá.
Preliminarmente, não deve ser conhecido do Agravo Retido n.º 0325809-5, apenso, por falta de requerimento de apreciação, no recurso de apelação, ao modelo do regrado no § 1.º do art. 523, do CPC.
Consta que a impetrante juntamente com os vereadores Humberto Becker, Humberto José Henrique, Valter Viana e Mário Verri requereram a criação e instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito para a apuração de suspeitas de irregularidades na licitação promovida pela Câmara Municipal de Vereadores de Maringá para a aquisição de 20 notebooks e dois tripés, entre outros itens.
No que diz respeito ao alcance do controle pelo Poder Judiciário da regularidade legal das Comissões Parlamentares de Inquérito, cumpre acentuar que no julgamento do Mandado de Segurança n° 23.452/RJ, em que Relator o Min. Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal deixou assentado entendimento no sentido de que "os atos das Comissões Parlamentares de Inquérito são passíveis de controle jurisdicional, sempre que, de seu eventual exercício abusivo, derivarem injustas lesões ao regime das liberdades públicas e à integridade dos direitos e garantias individuais".
No mesmo sentido, conforme o ressaltado na Suspensão de Liminar n.º 366373-6 o mesmo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança n.º 24831-9-DF, que tratava de questão relacionada à Comissão Parlamentar de Inquérito reafirmou que, não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam suas atribuições institucionais com ofensa a direitos.
Segundo Gilvan Correia de Queiroz Filho o Supremo Tribunal Federal vem restringindo a esfera de limitação do controle jurisdicional de atos interna corporis das casas legislativas; nesse sentido ele ressalta que "Essa linha mais agressiva utiliza como fundamentos os princípios constitucionais do devido processo legal e da impossibilidade de eximir qualquer lesão de direito individual do controle do Poder Judiciário (CF, art. 5.º, XXXV), e possui como um de seus expoentes Celso Antonio Bandeira de Mello, para quem todos os parlamentares têm direito ao cumprimento, pela sua respectiva Câmara, do due processo of law, na elaboração legislativa, e que se o Supremo Tribunal Federal não pudesse apreciar a conformidade do desenvolvimento dos seus trâmites aos ditames constitucionais e regimentais, uns e outros não teriam valor, não seriam regras jurídicas." (O Controle Judicial de Atos do Poder Legislativo, Brasília, Brasília Jurídica, 2001, pág. 77).
No mesmo sentido Luis Roberto Barroso ao prefaciar o livro Comissões Parlamentares de Inquérito: princípios, poderes e limites (Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2000), de Manoel Messias Peixinho e Ricardo Guanabara, deixou assentado que já não pode haver dúvida razoável de que os atos relativos a Comissões Parlamentares de Inquérito são passiveis de controle judicial (Temas de Direito Constitucional II, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 651-654).

Logo, sempre que estiver em causa lesão a direitos ou garantias, como não poderia deixar de ser, está autorizado o controle jurisdicional de atos do Poder Legislativo relativos a Comissões Parlamentares de Inquérito.
Para melhor elucidar a questão debatida no caso concreto, transcreve-se os artigos 21, § 4.º da Lei Orgânica Municipal e 82 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Maringá diretamente relacionados à controvérsia.
"LOM - Art. 21. A Câmara terá comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento interno ou no ato de que resultar sua criação.
§ 4.º. As comissões parlamentares de inquérito, criadas por deliberação do plenário, mediante requerimento subscrito por um terço dos Vereadores, terão amplos poderes de investigação e serão destinadas à apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Poder Executivo e ao Ministério Público, para que se promova a responsabilidade civil e/ou criminal dos indiciados." (grifamos).

"RI - Art. 82. Ressalvadas as previsões legais e regimentais em contrário, as Comissões Temporárias serão criadas mediante requerimento de um terço dos Vereadores, aprovado por maioria simples, indicando a finalidade prevista, o número de membros e o prazo de funcionamento, que poderá ser prorrogado." (grifamos).

Consoante se verifica, o § 4.º do art. 21 da Lei Orgânica do Município de Maringá (fls. 161) condiciona a criação e a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito a deliberação do plenário, o que, conforme assinalado na sentença apelada, exige aprovação por maioria simples.
É necessário verificar, desse modo, se a exigência da Lei Orgânica de Maringá de deliberação do plenário para criação e instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito está de acordo com a ordem constitucional reguladora da matéria.
No que diz respeito a Comissões Parlamentares de Inquérito o artigo 58, § 3.º da Constituição da República prescreve o seguinte:

"Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 3.º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."

O disposto no artigo 58, § 3.º da Constituição condiciona o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Casas Legislativas dos Estados e também dos Municípios, por força do princípio da simetria, ao preenchimento de três requisitos para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito: (a) subscrição do requerimento de constituição por um terço dos membros da Casa Legislativa; (b) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração; e, (c) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança n.º 24831-9-DF, em que Rel. o Min. Celso de Mello, já mencionado, deixou assentado o seguinte:
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - DIREITO DE OPOSIÇÃO - PRERROGATIVA DAS MINORIAS PARLAMENTARES - EXPRESSÃO DO POSTULADO DEMOCRÁTICO - DIREITO IMPREGNADO DE ESTATURA CONSTITUCIONAL - INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PARLAMENTAR E COMPOSIÇÃO DA RESPECTIVA CPI - TEMA QUE EXTRAVASA OS LIMITES "INTERNA CORPORIS" DAS CASAS LEGISLATIVAS - VIABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - IMPOSSIBILIDADE DE A MAIORIA PARLAMENTAR FRUSTRAR, NO ÂMBITO DO CONGRESSO NACIONAL, O EXERCÍCIO, PELAS MINORIAS LEGISLATIVAS, DO DIREITO CONSTITUCIONAL À INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR (CF, ART. 58, § 3º) - MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO. CRIAÇÃO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO: REQUISITOS CONSTITUCIONAIS. - O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal. - O direito de investigar - que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) - tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar. - A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. - Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 - RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS PARLAMENTARES: A PARTICIPAÇÃO ATIVA, NO CONGRESSO NACIONAL, DOS GRUPOS MINORITÁRIOS, A QUEM ASSISTE O DIREITO DE FISCALIZAR O EXERCÍCIO DO PODER. - A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. - Existe, no sistema político-jurídico brasileiro, um verdadeiro estatuto constitucional das minorias parlamentares, cujas prerrogativas - notadamente aquelas pertinentes ao direito de investigar - devem ser preservadas pelo Poder Judiciário, a quem incumbe proclamar o alto significado que assume, para o regime democrático, a essencialidade da proteção jurisdicional a ser dispensada ao direito de oposição, analisado na perspectiva da prática republicana das instituições parlamentares. - A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO REFLETE UMA REALIDADE DENSA DE SIGNIFICAÇÃO E PLENA DE POTENCIALIDADE CONCRETIZADORA DOS DIREITOS E DAS LIBERDADES PÚBLICAS. - O Estado de Direito, concebido e estruturado em bases democráticas, mais do que simples figura conceitual ou mera proposição doutrinária, reflete, em nosso sistema jurídico, uma realidade constitucional densa de significação e plena de potencialidade concretizadora dos direitos e das liberdades públicas. - A opção do legislador constituinte pela concepção democrática do Estado de Direito não pode esgotar-se numa simples proclamação retórica. A opção pelo Estado democrático de direito, por isso mesmo, há de ter conseqüências efetivas no plano de nossa organização política, na esfera das relações institucionais entre os poderes da República e no âmbito da formulação de uma teoria das liberdades públicas e do próprio regime democrático. Em uma palavra: ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. - O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa promessa constitucional inconseqüente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta. - A maioria legislativa, mediante deliberada inércia de seus líderes na indicação de membros para compor determinada Comissão Parlamentar de Inquérito, não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo art. 58, § 3º, da Constituição e que lhes confere a prerrogativa de ver efetivamente instaurada a investigação parlamentar em torno de fato determinado e por período certo. O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS PARLAMENTARES: POSSIBILIDADE, DESDE QUE HAJA ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO A DIREITOS E/OU GARANTIAS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. - O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República, ainda que essa atuação institucional se projete na esfera orgânica do Poder Legislativo. - Não obstante o caráter político dos atos parlamentares, revela-se legítima a intervenção jurisdicional, sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional. Questões políticas. Doutrina. Precedentes. - A ocorrência de desvios jurídico-constitucionais nos quais incida uma Comissão Parlamentar de Inquérito justifica, plenamente, o exercício, pelo Judiciário, da atividade de controle jurisdicional sobre eventuais abusos legislativos (RTJ 173/805-810, 806), sem que isso caracterize situação de ilegítima interferência na esfera orgânica de outro Poder da República. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO PRESIDENTE DO SENADO FEDERAL - AUTORIDADE DOTADA DE PODERES PARA VIABILIZAR A COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - O mandado de segurança há de ser impetrado em face de órgão ou agente público investido de competência para praticar o ato cuja implementação se busca. - Incumbe, em conseqüência, não aos Líderes partidários, mas, sim, ao Presidente da Casa Legislativa (o Senado Federal, no caso), em sua condição de órgão dirigente da respectiva Mesa, o poder de viabilizar a composição e a organização das comissões parlamentares de inquérito.

Assim, quando presentes os requisitos exigidos pela Constituição a CPI deve ser prontamente instalada.
Cumpre ressaltar que, no ato da apresentação do requerimento de criação da CPI ao Presidente do Senado, da Câmara dos Deputados, da Assembléia Legislativa ou da Câmara de Vereadores - frise-se, independentemente de deliberação plenária e desde que acompanhada pelo número de assinaturas exigido pela Constituição da República -, tem-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (STF, Representação n.º 1183-6, Rel. Ministro Moreira Alves).
De acordo com Plínio Salgado a vontade de uma terça parte dos componentes de cada Câmara do Congresso é suficiente para determinar a criação automática de Comissão Parlamentar de Inquérito (Comissões Parlamentares de Inquérito, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, p. 55).
Destarte, no caso em julgamento, caberia ao Presidente da Câmara Municipal de Maringá, receber o requerimento e determinar a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito.
Deve-se ter em conta, na linha do deduzido no recurso, que a aplicação do princípio de simetria não está obstado pelo disposto no art. 30. I, da Constituição, uma vez considerado que a autorização para o Município legislar sobre matéria de interesse local não chega a atingir a regulação do procedimento de Comissão Parlamentar de Inquérito, com a ampliação de requisitos para além do previsto no próprio texto constitucional.
A competência para o Município legislar sobre matéria de interesse local diz respeito a bens e direitos restritos a esfera municipal, o que não é o caso da Comissão Parlamentar de Inquérito que tem caráter institucional de garantia dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Segundo o que consta dos documentos de fls. 16/25 o protocolo do requerimento de instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito ocorreu em 24 de novembro de 2005, enquanto que, segundo o contido no documento de fls. 279 o Vereador Valter Vianna retirou a assinatura do requerimento em 09 de dezembro de 2005.
O requerimento n.º 2593/2005 entrou na pauta da sessão ordinária da Câmara Municipal de Maringá do dia 29 de novembro de 2005 (fls. 195/197).
Deve-se considerar que o protocolo do requerimento, com as assinaturas necessárias, praticamente viabilizou a criação e a instalação da CPI, na esteira do regulado no artigo 58 da Constituição.
Nesse sentido, a retirada de assinatura do Vereador Valter Vianna, em momento ulterior à criação, não tem força para impedir o prosseguimento dos trabalhos porquanto já efetivada a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito.
É preciso considerar, conforme o ressaltado pelo Juiz da causa na sentença, que o Vereador Valter Viana assinou o requerimento de CPI na condição de autor e não de apoiador o que, na forma dos § 2.º e 4.º do art. 148 do Regimento Interno da Câmara Municipal não poderia ser retirada de modo a impedir a instalação do procedimento e o início dos trabalhos investigatórios.
De acordo com o que consta do recurso, a retirada de assinatura do requerimento estava autorizada pelo art. 207 do Regimento Interno da Câmara Municipal que, segundo o que consta das razões, dispõe o seguinte:

"Salvo o disposto na alínea "f" do inciso II, do artigo 16, o autor poderá solicitar, em qualquer fase da elaboração legislativa, a retirada de pauta da proposição, importando em arquivamento."
A regra em questão, ao que parece, diz respeito ao processo legislativo, porque se refere a fase de elaboração legislativa, e não ao procedimento de Comissão Parlamentar de Inquérito. Por conseguinte, a princípio, não pode ser invocada para legitimar o ato de retirada de assinatura do requerimento de CPI, pelo Vereador Valter Viana. E mesmo que estivesse justificada a retirada de assinatura pelas regras do Regimento Interno quando praticado o ato ele já não tinha força para impedir a instalação da investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito.
A norma prevista no artigo 21, § 4.º da Lei Orgânica Municipal, ao exigir a criação de comissão parlamentar de inquérito por deliberação do Plenário contraria o disposto na Constituição Federal e, por isso, não pode ser esgrimida para impedir o funcionamento da CPI.
Não se pode olvidar, ainda, que a sujeição da instalação da CPI a deliberação em plenário - como prevista no artigo 21, § 4º da Lei Orgânica Municipal -, bem como a criação por maioria simples dos membros - regrado no artigo 82 do Regimento Interno da Casa Legislativa - restringe a atividade da minoria, já que os requisitos para a constituição desta comissão estão dispostos, expressamente, no artigo 58 da Constituição.
Sob tal aspecto, conforme o que consta do pronunciamento da Douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 672/680) o Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da simetria em caso que envolvia Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, conforme o que se observa do seguinte julgado:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 34, § 1º, E 170, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. CRIAÇÃO. DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. REQUISITO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. SIMETRIA. OBSERVÂNCIA COMPULSÓRIA PELOS ESTADOS-MEMBROS. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 58, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porém ao próprio parlamento o seu destino. 2. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais --- garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. 3. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes. 4. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. 5. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho "só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e", constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo." (STF, ADI n.º 3619/SP, Rel. Ministro EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJ 20-04-2007 P. 78).

Como bem asseverou o Ministro Eros Grau, no voto da ADI supracitada, em fórmula sintética; "o requerimento de um terço dos seus membros é bastante e suficiente à instauração da comissão", uma vez que o exercício democrático confere à maioria no parlamento o mando e à minoria o controle e a fiscalização dos atos parlamentares.
Na doutrina, Luis Carlos dos Santos Gonçalves afirma que a possibilidade de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito, em nosso direito, sem a necessidade de deliberação plenária, faz dela instrumento útil para o exercício do controle dos atos do Poder Executivo (Comissões Parlamentares de Inquérito - Poderes de Investigação, São Paulo, Editora Joarez de Oliveira, 2001, p. 42).
Não resta dúvida, portanto, que a norma contida da Lei Orgânica Municipal de Maringá e no Regimento Interno cria obstáculos indevidos ao exercício do direito constitucional da minoria parlamentar, ao condicionar a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito, no âmbito do Município, municipal à aprovação do plenário da casa legislativa, isto é, condicioná-la pura e simplesmente à vontade da maioria parlamentar.
Não é o caso, portanto, de considerar, consoante o deduzido no recurso, que a matéria submetida a deliberação do Plenário da Câmara Municipal restou rejeitada com o que não havia mais necessidade de cumprimento da ordem judicial de segurança liminar. A deliberação do Plenário pela rejeição não tem força para sobrepor-se ao que determina a Constituição, no sentido de que para a criação e instalação de CPI basta o requerimento com um termo de assinaturas.
A tutela jurisdicional na situação configurada não caracteriza espécie de intromissão nos atos legislativos. O que está em causa é o exame da legalidade e da constitucionalidade dos atos dos membros do Poder Legislativo, assim como da conformidade deles com as regras do Regimento Interno da casa legislativa, que não podem ficar a salvo de controle jurisdicional, na linha do que vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal Federal. Examina-se a constitucionalidade de disposições da Lei Orgânica e da conformidade dos atos da autoridade legislativa com o disposto no Regimento Interno. É preciso enfatizar que a tutela jurisdicional em torno do cumprimento das disposições do Regimento Interno não alcança as deliberações dos vereadores, com o que não ocorre espécie de interferência do Poder Judiciário na esfera política do Poder Legislativo. O objetivo é preservar a normatividade do Regimento Interno em vista de possível violação na prática de atos legislativos.
Não se trata de declarar a inconstitucionalidade de regra da Lei Orgânica Municipal, mas de fazer incidir norma constitucional plena de eficácia.
Neste aspecto é necessário enfatizar que não está em causa mero procedimento administrativo, consoante o deduzido no recurso, restrito ao controle dos membros da Câmara. O procedimento relativo às Comissões Parlamentares diz respeito ao exercício do poder parlamentar e, como tal, deve ser compreendido na esfera de procedimentalidade específica do discurso democrático, tomado no sentido habermasiano, que assegura os postulados do Estado Democrático de Direito e a construção do espaço público republicano.

Assim, quando a autoridade legislativa impede a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito que reúne os requisitos exigidos pela Constituição atenta de forma direta contra os princípios democráticos reguladores da vida republicana o que justifica a intervenção do Poder Judiciário para restabelecer a discursividade da democracia.

Não se trata, obviamente, de espécie de judicialização da política que esteja a solapar a intersubjetividade típica do sistema político. A tutela jurisdicional, na espécie, não tem a pretensão de substituir a política e o espaço público do jogo democrático. A tutela jurisdicional se justifica no caso no escopo de assegurar a normatividade concreta dos direitos e garantias protegidos na Constituição, tomada no sentido do pensamento de Konrad Hesse; nesse aspect