18.9.08

Acórdão - Ricardo e Said

APELAÇÃO CÍVEL Nº 351.489-6 DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ
APELANTE 1: RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS
APELANTE 2: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELADO 1: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELADO 2: SAID FELÍCIO FERREIRA
RELATOR: DES. ANNY MARY KUSS

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO - OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 523 DO CPC - SENTENÇA EXTRA E CITRA PETITA - INOCORRÊNCIA - SUPRESSÃO DA MULTA IMPOSTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - TEMPESTIVIDADE DO RECURSO ADESIVO - CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES MUNICIPAIS SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO - NULIDADE DAS CONTRATAÇÕES - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONFIGURADA - VIOLAÇÃO DO ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 11 DA LEI 8.429/92 - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO - RECURSO ADESIVO CONHECIDO E PROVIDO.
O fundamento jurídico da decisão singular, diverso daquele deduzido na inicial, não importa na nulidade do ato jurisdicional, haja vista que, a qualificação jurídica dada aos fatos, narrados pelo autor, não é essencial para o sucesso da ação, tanto que o juiz pode conferir-lhes qualificação jurídica diversa sem que, tal implique em decisão extra-petita, prestigiados os princípios do jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus.
O dispositivo da sentença, efetivamente foi omisso com relação ao segundo requerido, sendo correta a postura do apelante, em ver sanada a omissão por meio dos embargos de declaração propostos, não podendo ser tida sua pretensão como meramente protelatória da ação.
Nos termos do art. 500, inciso I do CPC, o recurso adesivo deve ser interposto no prazo de que a parte dispõe para responder ao recurso de apelação.
O art. 37, II da Constituição Federal exige, para a investidura de cargo ou emprego público a aprovação prévia em concurso público, e, sendo preceito obrigatório, é irrelevante que os serviços foram efetivamente prestados para o Município.
Diante da nulidade das contratações, resta configurada a improbidade administrativa e o dever de restituir aos cofres públicos os valores gastos com as remunerações dos servidores contratados sem a realização de prévio concurso público.






Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 351.489-6 da 2ª VARA CÍVEL da Comarca de MARINGÁ em que são apelantes RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e apelados MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ E SAID FELÍCIO FERREIRA.
RELATÓRIO:
Inconformados com a decisão singular, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado nesta Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra Ricardo José Magalhães Barros e Said Felício Ferreira, o autor e o primeiro requerido recorrem.
Na sentença recorrida, o pedido inicial foi julgado, parcialmente procedente para declarar a nulidade das contratações de 13 dos servidores, descritos na inicial, com exceção dos contratos celebrados com Aparecido Laurindo e Antonio Prainha de Assis, sendo os respectivos contratos considerados de natureza civil, isentando da condenação o requerido Said Felício Ferreira, e condenando o requerido Ricardo José Magalhães Barros a restituir aos cofres públicos, as despesas salariais e respectivas despesas indenizatórias suportadas pelo erário, com os servidores Edson de Abreu Guitti e Marcos Roberto Bergamasso.
Interpostos embargos de declaração por Ricardo José Magalhães Barros, os mesmos foram rejeitados pela decisão de fls. 1792, da qual o requerido interpôs novos embargos de declaração, os quais não foram conhecidos pela decisão de fls. 1801 e verso, sendo ainda reconhecida a litigância de má-fé e aplicada multa de 1% do valor da causa.
Em suas razões recursais, Ricardo José Magalhães Barros alega, em síntese, que houve julgamento extra petita, pois, ao declarar a nulidade da contratação de Edson de Abreu Guitti e Marcos Roberto Bergamasso, em razão de que a municipalidade não dispunha de cargo para tal contratação, o julgador apresenta inovação vedada pelo ordenamento jurídico, introduzindo matéria diversa da pleiteada e contestada.
Afirma que, houve julgamento citra petita pela ausência de manifestação sobre o demandado Said Ferreira, o que é motivo, mais que suficiente para o manuseio do recurso de embargos de declaração, não se admitindo a tese de litigância de má-fé com as penas a ela inerentes, impostas ao recorrente.
Insurge-se contra a fixação dos ônus de sucumbência, aduzindo que, o autor derrotado parcialmente, deve arcar com os ônus da sucumbência na parte em que foi vencido.
Alega dissonância entre a fundamentação e a parte dispositiva da sentença, sustentando que, as jurisprudências colacionadas na decisão consagram a tese de não ocorrência de qualquer ato que venha a caracterizar improbidade administrativa. Todavia, mesmo diante dos dois embargos de declaração, a decisão continua dissonante, quando em cotejo com a parte dispositiva com a destinada à fundamentação.
Afirma que, as razões que o levaram a pleitear os efeitos infringentes, modificativos, na via de embargos de declaração, são mais do que suficientes para a procedência do recurso proposto. Todavia, da forma como lhe foi imposta a pena de litigância de má-fé, conceituando como sendo protelatória sua pretensão recursal, não está a assistir razão alguma a tal decisão, não merendo reprimenda àquele que busca a integralização do pólo passivo da decisão recorrida, ante a ausência verificada, e não merece qualquer correção a atitude do recorrente em buscar, de todas as formas processuais, a correlação entre a parte dispositiva e a parte da fundamentação da decisão.
Sustenta a não caracterização de atos de improbidade administrativa, ressaltando que, não havendo enriquecimento ilícito, nem prejuízo ao erário municipal, não cabem as punições previstas na Lei 8.429/92.
Enfatiza que, não houve qualquer prejuízo aos cofres públicos, ou mesmo enriquecimento indevido do demandado, levando-se em consideração que, todos os contratados, efetivamente trabalharam para a municipalidade, e os seus vencimentos foram efetivamente pagos.
Argumenta que, em sendo mantida sua condenação em ressarcir os cofres públicos, o Município enriquece indevidamente, em razão de que teve seu patrimônio aumentado pelos serviços prestados pelos servidores contratados, em detrimento do recorrente.
Destaca que, em nenhuma oportunidade se verificou nos autos, a menção da ocorrência da prática de improbidade administrativa por parte do autor, ou seja, os recursos foram aplicados de forma totalmente regular, devendo ser considerado, ainda, que as contratações ocorreram logo após a edição da nova carta constitucional, ou seja, diante de grande incerteza geral.
Requer o provimento do recurso, anulando-se a decisão impugnada por “error in procedendo”, impondo à sentença recorrida os seguintes comandos: reformar a decisão de fls. 1801 e 1802, que impôs ao recorrente a pena por litigância de má-fé, bem como reformar a parte condenatória da decisão proferida, julgando-se procedentes as razões recursais diante da não ocorrência de qualquer prática de ato de improbidade administrativa por parte do recorrente, que seja apta a dar sustentação a decreto condenatório diante da ausência de dolo em sua conduta, pela presença, sempre constante, do princípio da boa-fé no trato das questões de ordem coletiva e pública.
Por sua vez, o Ministério Público do Estado do Paraná, em seu recurso aduziu, em síntese, que: o magistrado “a quo” não nega a irregularidade das contratações dos servidores mencionados, mas, em face da vigência da então novel Constituição Federal, que havia sido aprovada a menos de cinco meses do início das contratações, estaria o apelado Ricardo Barros isento da responsabilidade das irregularidades, porque não agiu com dolo atinente a espécie.
Todavia, tem que, essa não é a melhor interpretação porque, a responsabilidade do administrador público pode resultar de condutas dolosas e culposas que, sendo lesivas ao patrimônio público, devem ser responsabilizadas na forma da lei, inclusive no que tange ao ressarcimento de valores.
Sustenta que, as contratações dos servidores mencionados foram declaradas irregulares pela Justiça do Trabalho, pela ausência de concurso público, solidificando a pretensão do autor para buscar junto ao Poder Público o ressarcimento dos valores ao erário público, ora atribuído aos apelados Ricardo e Said, este último em razão da continuidade das contratações irregulares perdurarem até a gestão administrativa seguinte.
Insurge-se contra o afastamento da responsabilidade do apelado Said Felício Ferreira, aduzindo não ser verdadeiro que, o apelado não tenha identificado as contratações irregulares, e que a complexidade de uma administração como a de Maringá, não seria óbice para tanto.
Afirma ser incompreensível o veredicto singular da presente demanda que, reconhecendo a irregularidade das contratações dos servidores, pela ausência de concurso público, e não sendo o caso de contratação temporária, excepcional, feito pelo primeiro apelado, perdurando até a gestão do segundo apelado, lesivas ao erário público, elas devem ser decretadas nulas, e ser promovido o ressarcimento dos valores por ambos.
Alega ainda que, devem ser ressarcidos ao erário público os valores correspondentes às indenizações trabalhistas pagas aos servidores, porquanto resultam das contratações irregulares permitidas e aquiescidas pelos apelados.
Requer a reforma da sentença de primeiro grau para declarar totalmente procedente a presente ação, e, de conseqüência, condenar os apelados nas restituições dos valores apontados na inicial aos cofres públicos do Município de Maringá.
Recebidos os recursos, foram contra-arrazoados e pelo improvimento.
A douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer retro, opinou pelo provimento tão só do recurso manejado pelo segundo apelante.
É o relatório.
VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO:
Presentes os requisitos recursais intrínsecos e extrínsecos impõe-se o conhecimento de ambos os apelos.
Trata-se de Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra Ricardo José Magalhães Barros e Said Felício Ferreira, pretendendo o reconhecimento da nulidade das contratações realizadas sem concurso público, bem como, que os requeridos sejam condenados ao ressarcimento aos cofres públicos dos valores pagos aos servidores contratados irregularmente.
Na sentença recorrida houve por bem o douto Juiz monocrático em julgar, parcialmente procedente o pedido inicial para declarar: a nulidade das contratações de 13 dos servidores descritos na inicial, com exceção dos contratos celebrados com Aparecido Laurindo, e Antonio Prainha de Assis, sendo os respectivos contratos com eles firmados considerados de natureza civil, isentando da condenação o requerido Said Felício Ferreira, e condenando o requerido Ricardo José Magalhães Barros a restituir, aos cofres públicos, as despesas salariais e respectivas despesas indenizatórias suportadas pelo erário com os servidores Edson de Abreu Guitti e Marcos Roberto Bergamasso, considerando que os cargos por eles ocupados não existiam no serviço público municipal.
Primeiramente não há como conhecer o Agravo Retido de fls. 1.623/1628, interposto por Said Felício Ferreira, por ofensa ao disposto no art. 523 do CPC, que dispõe:”Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.”
Nas contra-razões apresentadas por Said, não houve sequer menção ao Agravo Retido anteriormente interposto, razão pela qual o mesmo não pode ser conhecido.
No recurso interposto por Ricardo José Magalhães Barros entende dito apelante que, a sentença atacada extrapolou os limites postos pelo autor na exordial, ao declarar a nulidade da contratação de Edson de Abreu Guitti e Marcos Roberto Bergamasso, em razão de que, a Municipalidade não dispunha de cargo para tais contratações, quando o pedido inicial estava fundamentado na nulidade das contratações feitas, em ofensa ao art. 37, II da CF, ou seja, pela ausência de concurso público.
Equivoca-se o recorrente, na medida em que a prestação jurisdicional de primeiro grau foi devidamente motivada, e decidiu o pedido formulado pela parte, não transcendendo a objetos não postos na demanda.
O pedido formulado pelo autor consiste na declaração de nulidade da contratação não só dos servidores acima mencionados, mas de todos os relacionados na peça inicial que foram admitidos irregularmente pelo Município.
A prestação concedida não foi diversa da pleiteada, não se distanciou do exposto e requerido na inicial, havendo perfeita harmonia entre a sentença proferida e os limites traçados quando da propositura da ação, sem quebra da inafastável correlação entre a causa de pedir e o fundamento da decisão.
O que se infere, pois, e contra o que se insurge dito recorrente, é que, o fundamento jurídico da decisão é diverso daquele deduzido pelo autor na inicial, porém isto não importa na nulidade do ato jurisdicional, haja vista que, a qualificação jurídica dada aos fatos narrados pelo autor não é essencial para o sucesso da ação, tanto que o juiz pode conferir-lhes qualificação jurídica diversa, sem que tal implique em decisão extra-petita, prestigiados os princípios do jura novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus.
Por outro lado, também não se verifica que, o julgamento tenha sido citra petita. Ao contrário do alegado pelo recorrente, o juiz não deixou de se manifestar sobre o segundo demandado. Nos fundamentos da decisão se vê que o Juiz de primeiro grau reconheceu a ausência de responsabilidade do requerido Said Felício Ferreira.
Não obstante o dispositivo da sentença seja omisso em relação ao segundo requerido, no corpo da decisão se vê, a partir das fls. 1.766, no tópico 07, especificamente, a análise sobre a responsabilidade do réu Said Felício Ferreira, concluindo o magistrado de primeiro grau que a condenação não deve subsistir em relação a ele.
Por fim, também não se verifica nenhuma dissonância entre a fundamentação e a parte dispositiva da sentença, sendo que as jurisprudências colacionadas consagram, sim, a tese da nulidade das contratações realizadas sem o devido concurso público, por vício de forma; todavia, afastam o dever de ressarcir as despesas com a remuneração do pessoal contratado.
Deste modo, as preliminares em relação as nulidade da sentença não merecem prosperar.
Por outro lado, no que se refere à multa imposta ao recorrente por litigância de má-fé, na ocasião da interposição de embargos de declaração, razão assiste a dito apelante.
Conforme acima mencionado, o dispositivo da sentença, efetivamente foi omisso com relação ao segundo requerido, sendo correta a postura do apelante, em ver sanada a omissão por meio dos embargos de declaração propostos, não podendo ser tida sua pretensão como meramente protelatória da ação.
Assim, deve ser reformada a decisão de fls. 1801 e verso, suprimindo-se a parte em que condenou o embargante, ora apelante, por litigância de má-fé.
Quanto ao recurso do Ministério Público, mister se faz consignar que, ao contrário do alegado pelo recorrido Said Felício Ferreira, o apelo não é intempestivo.
É que, se trata de recurso adesivo, o qual, nos termos do art. 500, inciso I do CPC, deve ser interposto no prazo de que a parte dispõe para responder ao recurso de apelação.
O prazo para a apresentação das contra-razões ao recurso interposto pelo Ministério Público se iniciou em 21/11/2005, considerando que foi aberto vista dos autos em 18/11/2005, uma sexta-feira (fls. 1848-v°), findando-se o prazo no dia 05/12/2005. As contra-razões e o recurso adesivo foram interpostos no dia 30/11/2005, portanto, dentro do prazo legal.
No mérito, é fato incontroverso que, os servidores relacionados na inicial (fl. 3 a 5) foram contratados pelo Município de Maringá, e receberam remuneração durante todo o período em que prestaram serviços ao Município, sem que tenham prestado concurso público.
O vínculo empregatício de alguns dos servidores, que ingressaram com ação trabalhista, foi reconhecido pela Justiça Laboral, além de ter sido reconhecida também a nulidade das contratações pela ausência de concurso público, tanto que o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região ordenou que, fossem remetidas cópias das peças processuais ao Ministério Público para as providências cabíveis, o que ocasionou a abertura do Inquérito Civil Público, como se vê às fls. 31 e seguintes.
Portanto, analisando os documentos contidos nos autos, a conclusão a que se chega é que, as pessoas relacionadas na inicial ocuparam cargos que, só poderiam ser preenchidos com a prévia realização de concurso público, sendo nulas as contratações realizadas em desconformidade com o art. 37, II da Constituição Federal.
Não há como sustentar o fundamento utilizado na sentença, no sentido de que as contratações ocorreram pouco tempo depois da promulgação da Constituição de 1988, num cenário novo criado pela Constituição, isentando o requerido Ricardo Barros da responsabilidade pelas irregularidades porque não agiu com dolo.
É inconcebível que, um Prefeito Municipal descumpra dispositivos constitucionais sob a alegação de que, as novas disposições ainda não tinham sido bem “digeridas”. É evidente que o Município de Maringá dispõe de corpo jurídico para auxiliar seu representante na interpretação das normas jurídicas vigentes.
Desta forma, a única conclusão que é possível se chegar é que, as contratações em análise atentaram contra os princípios da Administração Pública.
O princípio da probidade administrativa é corolário do princípio da moralidade, sendo esta, segundo Maurice Hariou, que foi o sistematizador do conceito, não se constitui na moral comum, mas na moral jurídica, entendida como “o conjunto de regras de condutas tiradas da disciplina interior da administração” (apud MEIRELLES, Hely Lopes, Direito administrativo brasileiro, 18ª ed. p. 83). Explica o administrativista francês que, o agente público, de acordo com o ordenamento jurídico, deve distinguir entre o lícito e o ilícito, o legal e o ilegal, o justo e o injusto.
Hodiernamente, tem-se que, o ato administrativo para ser considerado em harmonia com a moralidade jurídica deve estar de acordo com a lei, e não ofender a moral pública, os princípios de justiça e eqüidade.
A Constituição Federal vigente, em seu art. 37, caput, elegeu o princípio da moralidade como uma das regras gerais norteadoras da Administração Pública brasileira, e, para dar efetividade ao princípio ético, o seu § 4° consagra o princípio da probidade administrativa.
Os atos de improbidade administrativa têm sanções previstas na Constituição Federal, e são de ordem política, administrativa e patrimonial (art. 37, § 4°), contudo é com a Lei n.° 8.429/1992, que o direito brasileiro veio conhecer a sistematização jurídica sobre improbidade administrativa. A citada Lei classifica e define três espécies de atos de improbidade: os que importam em enriquecimento ilícito (art. 9°); os que causam prejuízo ao erário (art. 10); e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11), esta última que tratam os autos.
Nesta terceira classe, a improbidade corresponde aos atos que atentam contra os princípios da administração pública. O artigo 11 da Lei em apreço estatui que, constitui improbidade atentatória contra os princípios reitores da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade ao interesse público.
O provimento do cargo público é informado pelo princípio da igualdade, eis que todos são iguais perante a autoridade que vai prover o cargo.
A “aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos” é o pressuposto jurídico exigido pela Constituição Federal vigente (art. 37, II).
Segundo o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 24ª ed., p. 387): “O concurso é o meio posto à disposição da Administração Pública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos”.
Temos, pois, que o preceito constitucional exige para a investidura de cargo ou emprego público a aprovação prévia em concurso público, e sendo preceito obrigatório, é irrelevante se os serviços foram, efetivamente, prestados para o Município. A questão é que, não houve a realização de concurso público, somente dispensável na hipótese de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração e as contratações por prazo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, o que não se verifica no caso em análise.
O que se conclui é que, as contratações não estão amparadas pela legalidade, e sim, de forma contrária ao princípio constitucional que dispõe sobre a obrigatoriedade do concurso público.
A Lei de Improbidade sistematiza a punição do ato improbo de forma independente da ocorrência efetiva de dano material. Sobre o tema, o precedente do Superior Tribunal de Justiça:
“A ação civil pública, ao coibir dano moral ou patrimonial, é própria para censura a ato de improbidade, mesmo que não haja lesão aos cofres públicos.” (REsp 261691 - MG; Rel. Min. ELIANA CALMON; DJU de 05.08.2002)
No caso, o tipo administrativo de improbidade está por terem os requeridos atentado contra os princípios da Administração Pública; o primeiro por ter realizado as contratações, e o segundo porque, as contratações perduraram na sua administração.
Segundo Lucia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz, com muito acerto, afirmam que, a despesa pública contrária à lei é ato lesivo que enseja o ressarcimento do dano provocado aos cofres públicos ( Dispensa e inexigibilidade de licitação, p: 93).
Se, da ilegalidade ou imoralidade decorre lesividade, caracterizando a despesa pública como irregular, implicará em ressarcimento do dano.
Especificamente, em relação aos funcionários Aparecido Laurindo e Antonio Prainha de Assis, não há como sustentar a tese exposta na sentença de que os contratos com eles celebrados eram de prestação de serviços e em conseqüência de natureza civil.
A própria Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício existente entre o Município e Antonio Prainha de Assis, tendo reconhecido também a nulidade da contratação de Aparecido Laurindo, o qual, apesar de não ter tido êxito em sua ação trabalhista, recebeu os salários no período de 01.03.89 a 26.06.95, conforme se vê nos documentos de fls. 1571/1634.
Desta forma, a sentença deve ser reformada na parte em que reconheceu a natureza civil dos contratos celebrados com referidos funcionários, devendo ser reconhecida a irregularidade, também, na contratação de Antonio Prainha de Assis e Aparecido Laurindo, sem a realização do devido concurso público.
No que se refere ao servidor Ronildo de Souza Coelho, corretamente ressalvou o douto Juiz monocrático o período de abril a agosto de 1992, época em que o servidor ocupou cargo em comissão, subsistindo a ilegalidade de sua contratação nos períodos antecedentes, subseqüentes ao mencionado.
Quanto aos demais servidores relacionados na inicial, se constata a nulidade dos contratos com eles celebrados diante da ausência de concurso público, sendo irrelevante se, as contratações serviram para preenchimento de cargos existentes, ou não, no serviço público municipal, diante da irregularidade constatada.
Também é irrelevante para se apurar a responsabilidade pelas contratações o fato de, o primeiro apelante não ter agido com dolo, posto que a lei não cogita deste requisito.
Considerando-se nulas as contratações, mesmo que os serviços tenham sido efetivamente prestados, estará o Município se locupleteando, o que repugna ao direito.
Conforme consignado pelo MM. Juiz monocrático, a jurisprudência não é unânime no que se refere à condenação do Prefeito a restituir aos cofres públicos os salários recebidos por servidor contratado irregularmente, inclusive citando um julgado de minha relatoria (fl. 1758), sendo que nesta, se decidiu pelo ressarcimento.
Nos termos do contido no artigo 37, § 2°, da Constituição Federal, a não observância do disposto em seu inciso II, implica em nulidade do ato, e a punição da autoridade responsável, nos termos de lei; e, sendo objeto desta ação o retorno aos cofres da municipalidade dos numerários utilizados para viabilizar os atos inquinados de nulos, não há como se aceitar a alegação de que, destes atos não advieram prejuízos pela desnecessidade de tais contratações, cujos valores pagos a título de contraprestação pelo trabalho desenvolvido, saíram dos cofres públicos, o que não deveria ter ocorrido, demonstrando-se com isto, o efetivo prejuízo.
“Os atos de improbidade administrativa definidos nos arts. 9°, 10°, e 11, da Lei n.°8.429/92, acarretam a imposição de sanções previstas no art. 12, do mesmo diploma legal, às quais são aplicadas independentemente das sanções penais, civis e administrativas” ( STJ, Resp 150329/RS, Rel. Min. Vicente Leal, DJ 05.04.1999, p. 156).
Combater a improbidade administrativa é tarefa necessária para resgatar a essência da moralidade pública, bem como dos demais atributos que deve ter o bom administrador público, evitando que o cargo seja usado apenas para fins pessoais e eleitorais.
Sobre o tema, destacam-se os seguintes julgados desta Corte:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE SERVIDORES - CONTRATOS VERBAIS - ILEGALIDADE CONFIGURADA - VIOLAÇÃO DO ART. 37, CAPUT E INC. II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É ilegal a admissão de servidores públicos, sem concurso público ou prévia justificativa capaz de autorizar a contratação temporária, no caso dos autos estando configurados os atos de improbidade por afronta aos princípios da moralidade e impessoalidade da administração pública. A tipificação de ato de improbidade administrativa não se resume aos casos onde ocorre prejuízo ao patrimônio público, podendo o agente responder por ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade, ou por lesões outras. Apesar de inexistir prejuízo ao patrimônio público, identificou-se a improbidade pela lesão resultante do desvio de verbas na irregular contratação de servidores. Recurso não provido” (TJPR, 2ª Câm. Cível, Ap. Cível 173276-9, acórdão nº 26103, Relator Péricles Bellusci de Batista Pereira, julg. 21/02/2006).
“DIREITO ADMINISTRATIVO AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE FUNCIONÁRIOS TEMPORARIOS, SEM TESTE SELETIVO OU SEM CONCURSO IRRELEVÂNCIA DA EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS DESATENDIMENTO DO ARTIGO 37 II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATO NULO VIOLAÇÃO DOS DEVERES DO AGENTE PÚBLICO INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 4º, DA LEI 8429/92 PENALIDADES PERTINENTES PERDA DE DIREITOS POLÍTICOS, REPARAÇÃO DO DANO, PAGAMENTO DE MULTA E PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS NÃO PROVIDOS”(TJPR, 7ª Câm. Cível, Ap. Cível 0138769-7, acórdão nº 3627, Relator Mário Helton Jorge, julg. 01/12/2004).
Desta forma, diante da nulidade das contratações, resta configurada a improbidade administrativa e o dever de restituir aos cofres públicos os valores gastos com as remunerações dos servidores contratados sem a realização de prévio concurso público.

Em face do exposto, nosso voto é pelo conhecimento e provimento parcial do recurso apresentado por Ricardo José Magalhães Barros, tão somente para afastar sua condenação na multa imposta por litigância de má-fé, e pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado, para modificar a decisão de primeiro grau, condenando ambos os requeridos, proporcionalmente ao período em que estiveram à frente da Administração Municipal, nas restituições dos valores gastos com as remunerações dos servidores contratados irregularmente, inclusive em relação ao despendido com as indenizações trabalhistas pagas aos servidores, ressalvado o período de abril a agosto de 1992, em relação ao servidor Ronildo de Souza Coelho, período em que aludido servidor ocupou cargo de provimento em comissão.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso de Ricardo José Magalhães Barros e dar provimento ao apelo do Ministério Público.
Participaram do julgamento a eminente Desembargadora REGINA AFONSO PORTES, Presidente sem voto, e os Juízes Convocados LUIS ESPÍNDOLA, e RUI PORTUGAL BACELLAR FILHO.
Curitiba, 27 de fevereiro de 2007.


ANNY MARY KUSS
Relator