Acórdão - honorários
APELAÇÃO CÍVEL N° 356.441-6, DE MARINGÁ - 2ª VARA CÍVEL
APELANTE 1: MUNICÍPIO DE MARINGÁ
APELANTE 2: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELADOS: OS MESMOS
RELATORA: DESª REGINA AFONSO PORTES
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS PELOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ
1) RECURSO DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ -PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL AFASTADAS - EXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO CONFIGURADO - INAPLICABILIDADE DO ESTATUTO DA ADVOCACIA AOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO FACE AO ARTIGO 4º DA LEI N.º 9.527/97 - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL N.º 6.385/2003 - RECURSO DESPROVIDO.
2) RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - EFEITOS EX TUNC DA DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE - RECURSO PROVIDO
Os honorários advocatícios de ente estatal, decorrentes da sucumbência, não pertencem ao Procurador, pertencem ao Estado, numa nítida recomposição do patrimônio do ente público que, por imposição legal, mensalmente, remunera o seu servidor, independente do sucesso ou fracasso das demandas em que ele intervém.
No controle de constitucionalidade pela via de exceção ou incidenter tantum, a declaração de inconstitucionalidade atinge as partes que figuram no processo e os efeitos da sentença devem ser aplicados retroativamente para resguardar os direitos atingidos.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 356.441-6, de Maringá - 2ª Vara Cível, em que é Apelante 1 MUNICÍPIO DE MARINGÁ; Apelante 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ; e Apelados OS MESMOS.
Tratam os autos de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Paraná em face do Município de Maringá, através da qual o Ministério Público alega que, após a entrada em vigor da Lei Municipal n.º 6.385/2003, parte dos honorários advocatícios arrecadados nas ações judiciais ou em outras causa em que o Município figura como parte, passaram a ser distribuídos, de forma igualitária, entre os 22 advogados e assessores jurídicos municipais. Afirma que tal situação é ilegal, porque a Lei Federal n.º 9.527/97, veda a concessão de honorários aos advogados empregados da administração pública, e que a Lei Municipal nº 6.395/2003 é inconstitucional, por não seguir as diretrizes da Constituição, quanto à remuneração dos servidores públicos das três esferas da federação. Requereu a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 6.385/2003; a declaração de ilegalidade do repasse aos procuradores e assessores jurídicos; a condenação do Requerido à obrigação de fazer consistente no recolhimento dessas verbas aos cofres do município, e à obrigação de fazer, consistente na cessação do repasse desses mesmos honorários.
Devidamente citado, o Requerido apresentou contestação, (fls. 490/554) alegando em preliminar a ilegitimidade ativa do Ministério Público, a falta de interesse processual por inexistência de dano ao Erário, e o descabimento da medida liminar pleiteada pelo autor. No mérito alega a inexistência de dano; a aplicação do Estatuto da Advocacia aos causídicos públicos; a legalidade do recebimento dos honorários advocatícios por parte dos procuradores municipais; que o artigo 4º da Lei 9.527/97 viola o princípio federativo e da isonomia; que há lei municipal específica, destinando parte dos honorários advocatícios aos procuradores municipais; que não há inconstitucionalidade na lei municipal 6385/2003; que a lei municipal 6385/2003 não viola o artigo 37, XI e 39, §5º da Constituição Federal; que os procuradores municipais sujeitam-se ao teto remuneratório estabelecido pelo texto constitucional.
Sentenciando, o juiz monocrático (fls. 574/582), julgou procedente o pedido, declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 6.385/2003 e declarou a ilegalidade do repasse aos procuradores e assessores jurídicos do município réu, dos honorários advocatícios arrecadados nas causas, postas em juízo ou não, nas quais este figure como parte ou interessado. Condenou o requerido a cumprir obrigação de fazer, consistente no recolhimento dessas verbas aos cofres do município, e na cessação desse repasse, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada mês de atraso no cumprimento das medidas, mesmo que parcial. Condenou o requerido ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 20, §4º do Código de Processo Civil.
O Município de Maringá opôs Embargos de Declaração às fls. 585/602, os quais foram rejeitados (fls. 604), por constituírem matéria a ser discutida em sede de apelação.
O Ministério Público opôs embargos de declaração às fls. 680/681, alegando a omissão acerca de um pedido.
Às fls. 684, o d. juiz monocrático acolheu os Embargos de Declaração do Ministério Público, e incluiu na sentença a rejeição do pedido de condenação do réu, a adotar as medidas necessárias para a cobrança, administrativa ou judicial, das verbas pagas aos procuradores do município a título de honorários advocatícios, em razão de que a proclamação da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6385/2003, tem efeito somente a partir da sentença.
Irresignado contra os termos da sentença, o Município de Maringá interpôs recurso de apelação às fls. 606/655, alegando preliminarmente a ilegitimidade ativa do Ministério Público e a falta de interesse processual. No mérito, alega a inexistência de dano ao Erário; a aplicação do Estatuto da Advocacia aos causídicos públicos; a constitucionalidade da Lei Municipal n.º 6385/2003; a inconstitucionalidade do art. 4º da lei nº 9527/97; a autonomia administrativa do município para reger a matéria, e a existência de norma municipal específica; que não são devidos honorários ao Ministério Público. Caso seja confirmada a decisão pelo tribunal, requer que a decisão tenha efeitos ex nunc. Contra a decisão dos embargos de declaração, o Município apelou às fls. 686/695, requerendo que a decisão a respeito da declaração de inconstitucionalidade da lei municipal, tenha efeitos a partir da prolação da decisão do Tribunal, com efeitos ex nunc. Requereu o provimento do recurso.
O Ministério Público também interpôs recurso de apelação às fls. 733/743, alegando que a declaração de inconstitucionalidade de lei tem efeitos ex tunc, e que o Município deve ser condenado em obrigação de fazer, consistente em adotar, em prazo a ser fixado, sob pena de multa diária e pessoal não inferior a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), as providências necessárias para a cobrança, administrativa ou judicial, das verbas que foram ilegalmente apropriadas pelos procuradores. Requereu o provimento do recurso.
Contra razões apresentadas pelo Ministério Público às fls. 697/732 e, pelo Município de Maringá às fls. 746/758.
Parecer da Procuradoria Geral de Justiça (fls. 769/780), opinando pelo desprovimento do recurso do Município de Maringá e pelo provimento parcial do recurso de apelação do Ministério Público.
É, em síntese, o relatório.
DECIDO
Preenchidos todos os pressupostos legais de admissibilidade, os recursos merecem conhecimento.
1) DO APELO DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ
Preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público
Alega o Apelante que o Ministério Público é parte ilegítima, pois sendo a pretensão inaugural a reparação de dano ao Erário, o Apelado não poderia se valer da ação civil pública.
Não assiste razão o Apelante.
Verifica-se que o objeto da presente ação civil pública, é a proteção ao patrimônio público, ou seja, a defesa de um interesse indisponível.
Cumpre destacar que as verbas sucumbenciais devidas ao Município, devem ser recolhidas aos seus cofres, pois são verbas públicas com uma destinação pública. Assim, como estas verbas não estavam tendo a devida destinação, é evidente que o patrimônio público estava sendo lesado.
O patrimônio público é interesse difuso e, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses públicos, de acordo com o art. 1º da Lei nº 7.347/85.
Ademais, nos termos do artigo 129, III da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses difusos e coletivos:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”
Corroborando este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça recentemente editou a súmula 329, a qual dispõe: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.”
Desta forma, reconheço a legitimidade ativa do Ministério Público na presente ação civil pública, e afasto a preliminar argüida.
Preliminar de falta de interesse processual
Sustenta o Apelante que não há interesse processual, por inexistir dano ao Erário, eis que a verba honorária não constitui bem ou receita pública.
Não obstante os argumentos do Apelante, os honorários sucumbenciais destinados ao Município, quando vencedor em demandas, são verbas públicas, pertencentes à Municipalidade. “Diversamente do demandante privado vencedor, quando os honorários profissionais, de regra, constituem direito patrimonial do advogado, tratando-se de ente estatal não pertencem ao seu procurador ou representante judicial. Os honorários advenientes integram o patrimônio público. Diferente a destinação patrimonial, sendo indisponível o direito aos honorários em favor da Fazenda Pública, vencido o litigante privado, mesmo sem a apresentação de contestação, decorrente da sucumbência, é impositiva a condenação em honorários advocatícios, fixados conforme os critérios objetivos estabelecidos expressamente (art. 20 e §§ 1º e 3º, CPC) (...)” (STJ, RESP 147221/RS, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, publicado em 11/6/2001)
Como estas verbas estavam sendo divididas entre os procuradores e assessores, em detrimento dos cofres públicos do Município, é evidente que houve dano ao Erário.
Conforme bem mencionou o d. Procurador de Justiça às fls. 772/773:
“(...) uma vez apurado lesão ao erário ou mesmo ameaça ou receio de lesão em razão de atos ilegais, como em tese é o caso dos autos, há uma necessidade concreta de invocar a prestação jurisdicional configurando, destarte o interesse de agir. (...)
Debate-se o Município de Maringá na desnecessária tentativa de demonstrar que não houve prejuízo ao erário. Sublinhe-se, desde logo, que defesa do patrimônio público não significa inexoravelmente a existência de prejuízo concreto já causado. Como se disse linhas acima, o justo receio de que o patrimônio público venha a ser afetado, seja por desfalque ou por abdicação fortuita de receber receita eventual, como é o caso sob exame, justifica-se o manejo da ação civil pública.” (grifos no original)
Desta forma, resta caracterizado o interesse processual do Ministério Público em promover a presente ação civil pública.
Mérito
O Apelante afirma que inexiste dano ao Erário, uma vez que as verbas honorárias não constituem bem ou receita pública.
Conforme supramencionado neste acórdão, está caracterizado dano ao Erário, uma vez que os honorários sucumbenciais são verbas públicas, e estavam tendo uma destinação diferente da prevista em lei.
Alega o Município que as disposições do Estatuto da Advocacia, são aplicáveis aos causídicos públicos.
Não lhe assiste razão contudo.
O Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/94, no artigo 23,1 define que da condenação surgem dois títulos judiciais, um em favor da parte e outro em favor do advogado, no que diz respeito aos honorários.
Já o artigo 21 do Estatuto da Advocacia2 que prevê honorários devidos a advogados empregados, vinha sendo aplicado aos procuradores públicos. Porém, com a edição da Lei Federal nº 9.527/97 mudou-se o entendimento. Dispõe o artigo 4º da Lei 9.527/97:
“Art. 4º. As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público.”
Desta forma, firmou-se o entendimento de que aos procuradores da administração pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das autarquias e fundações não são mais devidos honorários sucumbenciais.
O Superior Tribunal de Justiça assim vem decidindo:
PROCESSUAL CIVIL. PROCURADOR AUTÁRQUICO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PATRIMÔNIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 21 DO ESTATUTO DA OAB. ART. 4º DA LEI N. 9527/97.
(...)
III - Em princípio, os honorários reclamados, in casu, seriam devidos ao recorrente, segundo norma contida no art. 21 do Estatuto da OAB. Todavia, a Lei n. 9527/94, em seu art. 4º, estabeleceu que: “As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista”. Noutras palavras, o advogado que atua, enquanto servidor público, não faz jus aos honorários de sucumbência, os quais não lhe pertencem, mas à própria Administração Pública.
IV- Precedentes citados: STJ - REsp n. 147221/RS, in DJ de 31/8/1998; STF - RE n. 205787, in DJ de 23/8/2003.
V - Recurso especial conhecido em parte, porém desprovido.
(REsp 623.038/MG, Rel. MIN. FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, julg. em 18.11.2005, DJ 19.12.2005 p. 217) (Destacou-se)
Assim, por força da Lei Federal n.º 9.527/97, aos Procuradores Municipais não são aplicáveis as disposições do Estatuto da Advocacia.
Sustenta o Apelante a inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Federal n.º 9527/97, por ofensa ao princípio federativo, malversação à liberdade profissional e ao princípio da isonomia.
Não vislumbro, no entanto no artigo 4º da Lei Federal n.º 9527/97, nenhuma ofensa ao princípio federativo.
A liberdade profissional também não é atingida pelo teor deste artigo, uma vez que os procuradores são servidores públicos e, estes têm disposições específicas acerca de suas carreiras e remunerações na Constituição Federal (artigos 37 e 39, §§ 4º, 5º, 6º e 8º).
Deste modo, também não há ofensa alguma ao princípio da isonomia, uma vez que os procuradores públicos têm um tratamento diferenciado em relação aos advogados, em razão do cargo público que ocupam.
Sustenta também o Apelante a constitucionalidade da lei municipal n.º 6385/2003.
Denota-se que a Lei Municipal nº 6385/2003 (fls. 24/26), afronta o sistema remuneratório concernente ao servidor público, contrariando expressamente o disposto no artigo 4º da Lei Federal n.º 9.527/97,e o sistema remuneratório previsto na Constituição Federal (artigo 39 e parágrafos).
Importante destacar que a Lei orgânica do Município de Maringá (fls. 252), também não conferiu aos procuradores a possibilidade de percepção das verbas honorárias.
Conforme mencionado no parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça às fls. 778: “o recebimento suplementar de honorários, se constitui em ilegal auferimento de remuneração suplementar, com suporte em lei municipal inconstitucional.”
Como a Lei Municipal n.º 6385/2003 versou em sentido contrário àquestão já disciplinada na Lei Federal (Lei n.º 9.527/97), criando uma situação de privilégio que a Constituição Federal não prevê em seu contexto, a declaração de inconstitucionalidade deve ser mantida.
No que tange ao argumento de autonomia do Município para reger a matéria, há que se destacar que o Município pode editar leis regulamentando a carreira de procurador, vez que nos termos do artigo 30 da Constituição Federal,possui autonomia legislativa e administrativa. No entanto, as leis editadas pelo Município, devem seguir os preceitos legais e constitucionais, sob pena de serem declaradas inconstitucionais, como no caso sub judice.
Aduz o Município Apelante, que não são devidos honorários ao Ministério Público.
Não procedem os argumentos deduzidos, em torno da impossibilidade de recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público, haja vista a previsão na Constituição Estadual, em seu artigo 118, inciso II, alínea “a”, e Lei Estadual nº 12.241/98, que criou o Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná.
Com efeito, tal verba não é recebida pelo Promotor de Justiça, autor da ação civil pública e, sim, recolhida ao Estado, como renda eventual, à conta da Procuradoria Geral da Justiça, para o aperfeiçoamento de seus equipamentos e integrantes.
Esta Corte de Justiça, neste sentido já decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE - RESIDÊNCIA EDIFICADA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - INFRINGÊNCIA AO CÓDIGO FLORESTAL - COMPROVAÇÃO - PROVA DE ILEGALIDADE -AUTO DE INFRAÇÃO.
(...)
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - LEI 12.241/1998 - FUNDO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - FIXAÇÃO - CRITÉRIOS - SENTENÇA - REFORMA PARCIAL.
Tratando-se de causa de valor inestimável, a verba honorária deve ser fixada com espeque no par. 4º do art.20 do CPC. Recurso. Provimento parcial.
(Apelação Cível Nº 83.321-0, de Loanda - Vara Única - Relator Des.Altair Patitucci).
Por fim, às fls. 686/695 sustenta o Apelante que caso seja mantida a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal, os seus efeitos deveram fluir a partir da prolação da decisão do Tribunal, com efeitos ex nunc.
No que tange aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a sentença merece reforma, pois os efeitos devem ser ex tunc e não ex nunc a partir da prolação da decisão do Tribunal. Esta questão será tratada neste acórdão quando for analisado o recurso de apelação do Ministério Público, por constituir a única matéria objeto do seu recurso.
Deste modo, nego provimento ao recurso de apelação do Município de Maringá.
2) DO APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público sustenta que a sentença deve ser reformada, no tocante aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei. Afirma que a declaração de inconstitucionalidade de lei, alcança os atos pretéritos praticados com base nela, ou seja, deve ter efeitos ex tunc.
A constituição vigente, permite a realização de duas formas de controle de constitucionalidade, o preventivo e o repressivo. O primeiro é localizável quando se pensa em controle lato da constitucionalidade, destinando-se a impedir o ingresso no sistema, de normas que revelam desconformidade com a CF. Este controle é exercido tanto pelo legislativo quanto pelo executivo.
Já o controle repressivo, é viabilizado por dois meios distintos: a via de exceção e a via de ação, ambos exercitados pelo judiciário.
A via de exceção ou defesa, tem as seguintes peculiaridades conforme ensina Michel Temer:
“a) só é exercitável à vista de caso concreto, de litígio posto em juízo; b) o juiz singular poderá declarar a inconstitucionalidade de ato normativo ao solucionar o litígio entre as partes; c) não é declaração de inconstitucionalidade de lei e tese, mas exigência imposta para a solução do caso concreto; d) a declaração portanto, não é objetivo principal da lide, mas incidente, conseqüência”. (in Elementos de Direito Constitucional. 15ª ed. fls. 43).
Por esta via, também chamada incidenter tantum, a declaração de inconstitucionalidade atinge apenas as partes que figuram no processo. Deste modo, os efeitos da sentença devem ser aplicados retroativamente, para resguardar os direitos atingidos.
O artigo 27 da Lei n.º 9.868/99 (Lei que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), autoriza expressamente o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, a restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para que esta tenha eficácia a partir do trânsito em julgado da decisão.
Deste modo, não pode o juiz de primeira instância ou este Tribunal, estabelecer a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei face à Constituição Federal, uma vez que se trata de controle incidental. E ainda que se admitida esta técnica no controle difuso, somente o Supremo Tribunal Federal, por quorum qualificado, poderia aplicá-la.
O Supremo Tribunal Federal sobre a modulação dos efeitos, vem decidindo neste sentido:
“Em princípio, a técnica da modulação temporal dos efeitos de decisão reserva-se ao controle concentrado de constitucionalidade, em razão de disposição legal expressa. Não obstante, e embora em pelo menos duas oportunidades o Supremo Tribunal Federal tenha aplicado a técnica da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso da constitucionalidade das leis, é imperioso ter-se presente que a Corte o fez em situações extremas, caracterizadas inequivocamente pelo risco à segurança jurídica ou ao interesse social”. (STF - RE 382519/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.04.2006, p. 00082).
Assim, a sentença monocrática merece ser reformada, para que a declaração de inconstitucionalidade da lei municipal tenha efeitos ex tunc.
Ademais, é devida a cobrança das verbas honorárias ilegalmente apropriadas pelos procuradores e assessores, sob pena dos mesmos estarem incorrendo em enriquecimento sem causa.
Desta forma o recurso de apelação merece provimento, a fim de que o Município de Maringá seja condenado em obrigação de fazer, consistente na adoção das providências necessárias para cobrar as verbas relacionadas aos honorários advocatícios, de ações judiciais vencidas pelo ente público e que ilegalmente foram apropriadas pelos Procuradores Municipais, nos termos do artigo 3º da Lei Nº 7.347/85.3
Sendo assim, fica o Município de Maringá condenado em obrigação de fazer, consistente no recolhimento dos valores correspondentes aos honorários advocatícios aos cofres públicos em relação às ações judiciais patrocinadas e vencidas pelo mesmo e, também, para que adote as providências necessárias no sentido de cobrar as verbas honorárias que foram ilegalmente apropriadas por seus procuradores.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação do Município de Maringá e dar provimento ao recurso de apelação do Ministério Público.
Participaram do julgamento presidido pela Excelentíssima Desembargadora REGINA AFONSO PORTES (Relatora), os Excelentíssimos Senhores Desembargadores ANNY MARY KUSS e ABRAHAM LINCOLN CALIXTO.
Curitiba, 10 de julho de 2007.
DESª REGINA AFONSO PORTES
Presidente e Relatora
1 Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
2 Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.
Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.
3 Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
APELANTE 1: MUNICÍPIO DE MARINGÁ
APELANTE 2: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELADOS: OS MESMOS
RELATORA: DESª REGINA AFONSO PORTES
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS PELOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ
1) RECURSO DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ -PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL AFASTADAS - EXISTÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO CONFIGURADO - INAPLICABILIDADE DO ESTATUTO DA ADVOCACIA AOS PROCURADORES DO MUNICÍPIO FACE AO ARTIGO 4º DA LEI N.º 9.527/97 - INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI MUNICIPAL N.º 6.385/2003 - RECURSO DESPROVIDO.
2) RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - EFEITOS EX TUNC DA DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE - RECURSO PROVIDO
Os honorários advocatícios de ente estatal, decorrentes da sucumbência, não pertencem ao Procurador, pertencem ao Estado, numa nítida recomposição do patrimônio do ente público que, por imposição legal, mensalmente, remunera o seu servidor, independente do sucesso ou fracasso das demandas em que ele intervém.
No controle de constitucionalidade pela via de exceção ou incidenter tantum, a declaração de inconstitucionalidade atinge as partes que figuram no processo e os efeitos da sentença devem ser aplicados retroativamente para resguardar os direitos atingidos.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 356.441-6, de Maringá - 2ª Vara Cível, em que é Apelante 1 MUNICÍPIO DE MARINGÁ; Apelante 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ; e Apelados OS MESMOS.
Tratam os autos de Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público do Paraná em face do Município de Maringá, através da qual o Ministério Público alega que, após a entrada em vigor da Lei Municipal n.º 6.385/2003, parte dos honorários advocatícios arrecadados nas ações judiciais ou em outras causa em que o Município figura como parte, passaram a ser distribuídos, de forma igualitária, entre os 22 advogados e assessores jurídicos municipais. Afirma que tal situação é ilegal, porque a Lei Federal n.º 9.527/97, veda a concessão de honorários aos advogados empregados da administração pública, e que a Lei Municipal nº 6.395/2003 é inconstitucional, por não seguir as diretrizes da Constituição, quanto à remuneração dos servidores públicos das três esferas da federação. Requereu a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 6.385/2003; a declaração de ilegalidade do repasse aos procuradores e assessores jurídicos; a condenação do Requerido à obrigação de fazer consistente no recolhimento dessas verbas aos cofres do município, e à obrigação de fazer, consistente na cessação do repasse desses mesmos honorários.
Devidamente citado, o Requerido apresentou contestação, (fls. 490/554) alegando em preliminar a ilegitimidade ativa do Ministério Público, a falta de interesse processual por inexistência de dano ao Erário, e o descabimento da medida liminar pleiteada pelo autor. No mérito alega a inexistência de dano; a aplicação do Estatuto da Advocacia aos causídicos públicos; a legalidade do recebimento dos honorários advocatícios por parte dos procuradores municipais; que o artigo 4º da Lei 9.527/97 viola o princípio federativo e da isonomia; que há lei municipal específica, destinando parte dos honorários advocatícios aos procuradores municipais; que não há inconstitucionalidade na lei municipal 6385/2003; que a lei municipal 6385/2003 não viola o artigo 37, XI e 39, §5º da Constituição Federal; que os procuradores municipais sujeitam-se ao teto remuneratório estabelecido pelo texto constitucional.
Sentenciando, o juiz monocrático (fls. 574/582), julgou procedente o pedido, declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 6.385/2003 e declarou a ilegalidade do repasse aos procuradores e assessores jurídicos do município réu, dos honorários advocatícios arrecadados nas causas, postas em juízo ou não, nas quais este figure como parte ou interessado. Condenou o requerido a cumprir obrigação de fazer, consistente no recolhimento dessas verbas aos cofres do município, e na cessação desse repasse, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada mês de atraso no cumprimento das medidas, mesmo que parcial. Condenou o requerido ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 20, §4º do Código de Processo Civil.
O Município de Maringá opôs Embargos de Declaração às fls. 585/602, os quais foram rejeitados (fls. 604), por constituírem matéria a ser discutida em sede de apelação.
O Ministério Público opôs embargos de declaração às fls. 680/681, alegando a omissão acerca de um pedido.
Às fls. 684, o d. juiz monocrático acolheu os Embargos de Declaração do Ministério Público, e incluiu na sentença a rejeição do pedido de condenação do réu, a adotar as medidas necessárias para a cobrança, administrativa ou judicial, das verbas pagas aos procuradores do município a título de honorários advocatícios, em razão de que a proclamação da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6385/2003, tem efeito somente a partir da sentença.
Irresignado contra os termos da sentença, o Município de Maringá interpôs recurso de apelação às fls. 606/655, alegando preliminarmente a ilegitimidade ativa do Ministério Público e a falta de interesse processual. No mérito, alega a inexistência de dano ao Erário; a aplicação do Estatuto da Advocacia aos causídicos públicos; a constitucionalidade da Lei Municipal n.º 6385/2003; a inconstitucionalidade do art. 4º da lei nº 9527/97; a autonomia administrativa do município para reger a matéria, e a existência de norma municipal específica; que não são devidos honorários ao Ministério Público. Caso seja confirmada a decisão pelo tribunal, requer que a decisão tenha efeitos ex nunc. Contra a decisão dos embargos de declaração, o Município apelou às fls. 686/695, requerendo que a decisão a respeito da declaração de inconstitucionalidade da lei municipal, tenha efeitos a partir da prolação da decisão do Tribunal, com efeitos ex nunc. Requereu o provimento do recurso.
O Ministério Público também interpôs recurso de apelação às fls. 733/743, alegando que a declaração de inconstitucionalidade de lei tem efeitos ex tunc, e que o Município deve ser condenado em obrigação de fazer, consistente em adotar, em prazo a ser fixado, sob pena de multa diária e pessoal não inferior a R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), as providências necessárias para a cobrança, administrativa ou judicial, das verbas que foram ilegalmente apropriadas pelos procuradores. Requereu o provimento do recurso.
Contra razões apresentadas pelo Ministério Público às fls. 697/732 e, pelo Município de Maringá às fls. 746/758.
Parecer da Procuradoria Geral de Justiça (fls. 769/780), opinando pelo desprovimento do recurso do Município de Maringá e pelo provimento parcial do recurso de apelação do Ministério Público.
É, em síntese, o relatório.
DECIDO
Preenchidos todos os pressupostos legais de admissibilidade, os recursos merecem conhecimento.
1) DO APELO DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ
Preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público
Alega o Apelante que o Ministério Público é parte ilegítima, pois sendo a pretensão inaugural a reparação de dano ao Erário, o Apelado não poderia se valer da ação civil pública.
Não assiste razão o Apelante.
Verifica-se que o objeto da presente ação civil pública, é a proteção ao patrimônio público, ou seja, a defesa de um interesse indisponível.
Cumpre destacar que as verbas sucumbenciais devidas ao Município, devem ser recolhidas aos seus cofres, pois são verbas públicas com uma destinação pública. Assim, como estas verbas não estavam tendo a devida destinação, é evidente que o patrimônio público estava sendo lesado.
O patrimônio público é interesse difuso e, o Ministério Público está legitimado a defender os interesses públicos, de acordo com o art. 1º da Lei nº 7.347/85.
Ademais, nos termos do artigo 129, III da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses difusos e coletivos:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”
Corroborando este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça recentemente editou a súmula 329, a qual dispõe: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.”
Desta forma, reconheço a legitimidade ativa do Ministério Público na presente ação civil pública, e afasto a preliminar argüida.
Preliminar de falta de interesse processual
Sustenta o Apelante que não há interesse processual, por inexistir dano ao Erário, eis que a verba honorária não constitui bem ou receita pública.
Não obstante os argumentos do Apelante, os honorários sucumbenciais destinados ao Município, quando vencedor em demandas, são verbas públicas, pertencentes à Municipalidade. “Diversamente do demandante privado vencedor, quando os honorários profissionais, de regra, constituem direito patrimonial do advogado, tratando-se de ente estatal não pertencem ao seu procurador ou representante judicial. Os honorários advenientes integram o patrimônio público. Diferente a destinação patrimonial, sendo indisponível o direito aos honorários em favor da Fazenda Pública, vencido o litigante privado, mesmo sem a apresentação de contestação, decorrente da sucumbência, é impositiva a condenação em honorários advocatícios, fixados conforme os critérios objetivos estabelecidos expressamente (art. 20 e §§ 1º e 3º, CPC) (...)” (STJ, RESP 147221/RS, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, publicado em 11/6/2001)
Como estas verbas estavam sendo divididas entre os procuradores e assessores, em detrimento dos cofres públicos do Município, é evidente que houve dano ao Erário.
Conforme bem mencionou o d. Procurador de Justiça às fls. 772/773:
“(...) uma vez apurado lesão ao erário ou mesmo ameaça ou receio de lesão em razão de atos ilegais, como em tese é o caso dos autos, há uma necessidade concreta de invocar a prestação jurisdicional configurando, destarte o interesse de agir. (...)
Debate-se o Município de Maringá na desnecessária tentativa de demonstrar que não houve prejuízo ao erário. Sublinhe-se, desde logo, que defesa do patrimônio público não significa inexoravelmente a existência de prejuízo concreto já causado. Como se disse linhas acima, o justo receio de que o patrimônio público venha a ser afetado, seja por desfalque ou por abdicação fortuita de receber receita eventual, como é o caso sob exame, justifica-se o manejo da ação civil pública.” (grifos no original)
Desta forma, resta caracterizado o interesse processual do Ministério Público em promover a presente ação civil pública.
Mérito
O Apelante afirma que inexiste dano ao Erário, uma vez que as verbas honorárias não constituem bem ou receita pública.
Conforme supramencionado neste acórdão, está caracterizado dano ao Erário, uma vez que os honorários sucumbenciais são verbas públicas, e estavam tendo uma destinação diferente da prevista em lei.
Alega o Município que as disposições do Estatuto da Advocacia, são aplicáveis aos causídicos públicos.
Não lhe assiste razão contudo.
O Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/94, no artigo 23,1 define que da condenação surgem dois títulos judiciais, um em favor da parte e outro em favor do advogado, no que diz respeito aos honorários.
Já o artigo 21 do Estatuto da Advocacia2 que prevê honorários devidos a advogados empregados, vinha sendo aplicado aos procuradores públicos. Porém, com a edição da Lei Federal nº 9.527/97 mudou-se o entendimento. Dispõe o artigo 4º da Lei 9.527/97:
“Art. 4º. As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público.”
Desta forma, firmou-se o entendimento de que aos procuradores da administração pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das autarquias e fundações não são mais devidos honorários sucumbenciais.
O Superior Tribunal de Justiça assim vem decidindo:
PROCESSUAL CIVIL. PROCURADOR AUTÁRQUICO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PATRIMÔNIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INAPLICABILIDADE DO ART. 21 DO ESTATUTO DA OAB. ART. 4º DA LEI N. 9527/97.
(...)
III - Em princípio, os honorários reclamados, in casu, seriam devidos ao recorrente, segundo norma contida no art. 21 do Estatuto da OAB. Todavia, a Lei n. 9527/94, em seu art. 4º, estabeleceu que: “As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista”. Noutras palavras, o advogado que atua, enquanto servidor público, não faz jus aos honorários de sucumbência, os quais não lhe pertencem, mas à própria Administração Pública.
IV- Precedentes citados: STJ - REsp n. 147221/RS, in DJ de 31/8/1998; STF - RE n. 205787, in DJ de 23/8/2003.
V - Recurso especial conhecido em parte, porém desprovido.
(REsp 623.038/MG, Rel. MIN. FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, julg. em 18.11.2005, DJ 19.12.2005 p. 217) (Destacou-se)
Assim, por força da Lei Federal n.º 9.527/97, aos Procuradores Municipais não são aplicáveis as disposições do Estatuto da Advocacia.
Sustenta o Apelante a inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Federal n.º 9527/97, por ofensa ao princípio federativo, malversação à liberdade profissional e ao princípio da isonomia.
Não vislumbro, no entanto no artigo 4º da Lei Federal n.º 9527/97, nenhuma ofensa ao princípio federativo.
A liberdade profissional também não é atingida pelo teor deste artigo, uma vez que os procuradores são servidores públicos e, estes têm disposições específicas acerca de suas carreiras e remunerações na Constituição Federal (artigos 37 e 39, §§ 4º, 5º, 6º e 8º).
Deste modo, também não há ofensa alguma ao princípio da isonomia, uma vez que os procuradores públicos têm um tratamento diferenciado em relação aos advogados, em razão do cargo público que ocupam.
Sustenta também o Apelante a constitucionalidade da lei municipal n.º 6385/2003.
Denota-se que a Lei Municipal nº 6385/2003 (fls. 24/26), afronta o sistema remuneratório concernente ao servidor público, contrariando expressamente o disposto no artigo 4º da Lei Federal n.º 9.527/97,e o sistema remuneratório previsto na Constituição Federal (artigo 39 e parágrafos).
Importante destacar que a Lei orgânica do Município de Maringá (fls. 252), também não conferiu aos procuradores a possibilidade de percepção das verbas honorárias.
Conforme mencionado no parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça às fls. 778: “o recebimento suplementar de honorários, se constitui em ilegal auferimento de remuneração suplementar, com suporte em lei municipal inconstitucional.”
Como a Lei Municipal n.º 6385/2003 versou em sentido contrário àquestão já disciplinada na Lei Federal (Lei n.º 9.527/97), criando uma situação de privilégio que a Constituição Federal não prevê em seu contexto, a declaração de inconstitucionalidade deve ser mantida.
No que tange ao argumento de autonomia do Município para reger a matéria, há que se destacar que o Município pode editar leis regulamentando a carreira de procurador, vez que nos termos do artigo 30 da Constituição Federal,possui autonomia legislativa e administrativa. No entanto, as leis editadas pelo Município, devem seguir os preceitos legais e constitucionais, sob pena de serem declaradas inconstitucionais, como no caso sub judice.
Aduz o Município Apelante, que não são devidos honorários ao Ministério Público.
Não procedem os argumentos deduzidos, em torno da impossibilidade de recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público, haja vista a previsão na Constituição Estadual, em seu artigo 118, inciso II, alínea “a”, e Lei Estadual nº 12.241/98, que criou o Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná.
Com efeito, tal verba não é recebida pelo Promotor de Justiça, autor da ação civil pública e, sim, recolhida ao Estado, como renda eventual, à conta da Procuradoria Geral da Justiça, para o aperfeiçoamento de seus equipamentos e integrantes.
Esta Corte de Justiça, neste sentido já decidiu:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE - RESIDÊNCIA EDIFICADA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL - INFRINGÊNCIA AO CÓDIGO FLORESTAL - COMPROVAÇÃO - PROVA DE ILEGALIDADE -AUTO DE INFRAÇÃO.
(...)
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - LEI 12.241/1998 - FUNDO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO - FIXAÇÃO - CRITÉRIOS - SENTENÇA - REFORMA PARCIAL.
Tratando-se de causa de valor inestimável, a verba honorária deve ser fixada com espeque no par. 4º do art.20 do CPC. Recurso. Provimento parcial.
(Apelação Cível Nº 83.321-0, de Loanda - Vara Única - Relator Des.Altair Patitucci).
Por fim, às fls. 686/695 sustenta o Apelante que caso seja mantida a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal, os seus efeitos deveram fluir a partir da prolação da decisão do Tribunal, com efeitos ex nunc.
No que tange aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a sentença merece reforma, pois os efeitos devem ser ex tunc e não ex nunc a partir da prolação da decisão do Tribunal. Esta questão será tratada neste acórdão quando for analisado o recurso de apelação do Ministério Público, por constituir a única matéria objeto do seu recurso.
Deste modo, nego provimento ao recurso de apelação do Município de Maringá.
2) DO APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público sustenta que a sentença deve ser reformada, no tocante aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei. Afirma que a declaração de inconstitucionalidade de lei, alcança os atos pretéritos praticados com base nela, ou seja, deve ter efeitos ex tunc.
A constituição vigente, permite a realização de duas formas de controle de constitucionalidade, o preventivo e o repressivo. O primeiro é localizável quando se pensa em controle lato da constitucionalidade, destinando-se a impedir o ingresso no sistema, de normas que revelam desconformidade com a CF. Este controle é exercido tanto pelo legislativo quanto pelo executivo.
Já o controle repressivo, é viabilizado por dois meios distintos: a via de exceção e a via de ação, ambos exercitados pelo judiciário.
A via de exceção ou defesa, tem as seguintes peculiaridades conforme ensina Michel Temer:
“a) só é exercitável à vista de caso concreto, de litígio posto em juízo; b) o juiz singular poderá declarar a inconstitucionalidade de ato normativo ao solucionar o litígio entre as partes; c) não é declaração de inconstitucionalidade de lei e tese, mas exigência imposta para a solução do caso concreto; d) a declaração portanto, não é objetivo principal da lide, mas incidente, conseqüência”. (in Elementos de Direito Constitucional. 15ª ed. fls. 43).
Por esta via, também chamada incidenter tantum, a declaração de inconstitucionalidade atinge apenas as partes que figuram no processo. Deste modo, os efeitos da sentença devem ser aplicados retroativamente, para resguardar os direitos atingidos.
O artigo 27 da Lei n.º 9.868/99 (Lei que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), autoriza expressamente o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, a restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para que esta tenha eficácia a partir do trânsito em julgado da decisão.
Deste modo, não pode o juiz de primeira instância ou este Tribunal, estabelecer a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei face à Constituição Federal, uma vez que se trata de controle incidental. E ainda que se admitida esta técnica no controle difuso, somente o Supremo Tribunal Federal, por quorum qualificado, poderia aplicá-la.
O Supremo Tribunal Federal sobre a modulação dos efeitos, vem decidindo neste sentido:
“Em princípio, a técnica da modulação temporal dos efeitos de decisão reserva-se ao controle concentrado de constitucionalidade, em razão de disposição legal expressa. Não obstante, e embora em pelo menos duas oportunidades o Supremo Tribunal Federal tenha aplicado a técnica da modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso da constitucionalidade das leis, é imperioso ter-se presente que a Corte o fez em situações extremas, caracterizadas inequivocamente pelo risco à segurança jurídica ou ao interesse social”. (STF - RE 382519/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 18.04.2006, p. 00082).
Assim, a sentença monocrática merece ser reformada, para que a declaração de inconstitucionalidade da lei municipal tenha efeitos ex tunc.
Ademais, é devida a cobrança das verbas honorárias ilegalmente apropriadas pelos procuradores e assessores, sob pena dos mesmos estarem incorrendo em enriquecimento sem causa.
Desta forma o recurso de apelação merece provimento, a fim de que o Município de Maringá seja condenado em obrigação de fazer, consistente na adoção das providências necessárias para cobrar as verbas relacionadas aos honorários advocatícios, de ações judiciais vencidas pelo ente público e que ilegalmente foram apropriadas pelos Procuradores Municipais, nos termos do artigo 3º da Lei Nº 7.347/85.3
Sendo assim, fica o Município de Maringá condenado em obrigação de fazer, consistente no recolhimento dos valores correspondentes aos honorários advocatícios aos cofres públicos em relação às ações judiciais patrocinadas e vencidas pelo mesmo e, também, para que adote as providências necessárias no sentido de cobrar as verbas honorárias que foram ilegalmente apropriadas por seus procuradores.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação do Município de Maringá e dar provimento ao recurso de apelação do Ministério Público.
Participaram do julgamento presidido pela Excelentíssima Desembargadora REGINA AFONSO PORTES (Relatora), os Excelentíssimos Senhores Desembargadores ANNY MARY KUSS e ABRAHAM LINCOLN CALIXTO.
Curitiba, 10 de julho de 2007.
DESª REGINA AFONSO PORTES
Presidente e Relatora
1 Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.
2 Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.
Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.
3 Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
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