14.11.08

Acórdão - 2003

Apelação Cível nº 131.164-4
3ª Vara Cível da Comarca de Maringá
Apelante: Ricardo José Magalhães de Barros e outros
Rec. Ades.: José Antonio Francisco de Oliveira
Apelados: os mesmos
Relator: Juiz Péricles B. de Batista Pereira.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. JULGAMENTO ANTECIPADO. MATÉRIA DE DIREITO. POSSIBILIDADE. AGRAVO RETIDO. APRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. DESISTÊNCIA FORMULADA PELO AGRAVANTE. JUNTADA DE DOCUMENTOS. NÃO INTIMAÇÃO DA PARTE CONTRÁRIA. IRRELEVÂNCIA PARA O JULGAMENTO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA “ULTRA PETITA” INOCORRÊNCIA. EXECUTIVO MUNICIPAL REMISSÃO PARCIAL DE TRIBUTOS DESCONTOS EM DESCONFORMIDADE COM A LEI ESPECÍFICA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 150, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O ERÁRIO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO ADESIVO. FIXAÇÃO DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ART. 20, § 3º, DO CPC. APELAÇÃO DOS RÉUS IMPROVIDA. RECURSO ADESIVO PROVIDO.
1. O agravo retido só pode ser conhecido se expressamente requerida sua apreciação pelo agravante, faculdade que não pode ser exercida pela parte contrária.
2. Se não houver necessidade de produção de outras provas, além da documental já constante dos autos, é possível o julgamento antecipado da ação popular, sem a intimação das partes para apresentação de alegações finais.
3. A oportunidade de manifestação somente do Ministério Público antes da sentença não fere o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois, no caso, o órgão atua como fiscal da lei na ação popular.
4. A juntada de documento inócuo, que não teve qualquer influência no julgamento não impõe a necessidade de intimação da parte adversa para manifestação.
5. Não configura julgamento ‘ultra petita’ o reconhecimento de que dispositivo de lei municipal não foi recepcionado pela Constituição Federal, não pedido expressamente na inicial, pois trata-se de matéria de direito, cabendo ao juiz a sua apreciação, independentemente de provocação.
6. A concessão de remissão tributária fora dos limites impostos por lei específica e exclusiva para a matéria, nos termos do art. 150, § 6º, da Constituição Federal, constitui ato ilegal e lesivo ao erário público, impondo-se a condenação dos responsáveis ao ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres do Município.
7. Sobre o valor da condenação incide correção monetária e juros legais.
8. Tratando-se de sentença condenatória, os honorários advocatícios devem ser fixados com base no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil.
Relatório
O MM. Juízo da 3ª Vara Cível de Maringá julgou procedente ação popular ajuizada por José Antonio Francisco de Oliveira contra Ricardo José de Magalhães Barros, João Celso Sordi, Tércio Hilário de Oliveira, Álvaro Aparecido Monteschio e Município de Maringá, e decretou a nulidade dos atos de concessão de remissão tributária considerados ilegais, condenando os réus a ressarcir os prejuízos causados aos cofres públicos, bem como, declarou a inconstitucionalidade do artigo 257 do Código Tributário do Município de Maringá. Por fim, condenou os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% do valor da causa, com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, onde suscitam, inicialmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa sob os seguintes argumentos: a) em atendimento ao despacho de especificação de provas, foi pedida a produção de prova testemunhal, contudo, o juiz acolheu a cota ministerial em sentido contrário e indeferiu a oitiva de testemunhas, sem intimar as partes da sua decisão; b) as partes não foram intimadas para apresentação das alegações finais, cuja oportunidade só foi oferecida ao Ministério Público; c) foram juntados documentos novos, inclusive pelo Ministério Público, com suas alegações finais, sem que fosse concedida aos réus a oportunidade de se manifestar sobre o conteúdo dos referidos documentos.
Aduzem, ainda, que a sentença é ultra petita, e pedem a apreciação do agravo retido que teria sido interposto contra decisão que excluiu da lide os contribuintes beneficiados.
No mérito, sustentam a legalidade dos atos praticados e a ausência de lesividade ao erário, uma vez que a remissão tributária foi concedida em conformidade com o que dispõe o Código Tributário do Município de Maringá, que foi recepcionado pela Lei Orgânica do Município, nos mesmos moldes da Constituição Federal.
Por seu turno, o autor popular recorreu adesivamente pleiteando a reforma da sentença para que, na condenação, seja contemplada a correção monetária e juros legais, bem como, visando a elevação dos honorários advocatícios, que devem ser calculados sobre o valor da condenação e não no valor da causa, como estabelecido na sentença.
Respondidos os recursos, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação dos réus e pelo provimento do recurso do autor popular.
Voto
1) Da apelação dos réus
Antes de ingressar na análise da apelação, cumpre examinar o pedido de apreciação do agravo retido formulado pelos réus.
Conforme se extrai dos autos, a sentença anteriormente proferida foi anulada pelo acórdão nº 14.735 desta Câmara (fls. 462/465), para que fosse apreciado o pedido formulado pelo autor popular no sentido de se excluir da lide os beneficiários dos atos inquinados de ilegais.
Com o retorno dos autos à Comarca de origem, o ilustre juiz singular proferiu a seguinte decisão:
“Como bem ponderou o MP, a citação pessoal de todos os contribuintes beneficiados certamente inviabilizaria o procedimento. Ademais, na hipótese de procedência, terão os réus direito regressivo, a ser discutido em feito próprio.
Por isso, defiro o pedido de fls. 324/331, para excluir da lide os contribuintes beneficiados, prosseguindo o processo em relação aos réus certos e nominados.” (fls. 477).
Dessa decisão as partes foram intimadas e não se insurgiram por meio do recurso apropriado (fls. 478), diante do que, o juiz determinou a intimação pessoal dos procuradores para manifestarem-se sobre a decisão (fls. 479).
Os réus, então, apresentaram o petitório de fls. 485, onde tão somente manifestam discordância com a exclusão dos beneficiários. Porém, mais uma vez não recorreram da decisão.
O autor popular, por seu turno, irresignado com a nova intimação (pessoal dos procuradores), alegando a ocorrência de preclusão para efeito de recurso, ingressou com agravo retido (fls. 487/488).
E é este o agravo que os apelantes, equivocadamente, pretendem seja apreciado.
Ora, ao contrário do que alegam, está muito claro nos autos que a petição de fls. 485 não foi recebida como agravo retido, e nem poderia, já que nela não há qualquer menção ao recurso em questão.
O agravo retido refere-se, como já foi dito, à irresignação do autor popular, ora apelado, em relação à determinação de nova intimação dos procuradores dos réus para se manifestarem sobre a decisão de exclusão da lide dos beneficiários, decisão que não foi atacada por recurso, operando-se a preclusão.
Portanto, não existe agravo retido sobre a decisão apontada pelos apelantes. Mas, ainda que o agravo retido tivesse sido interposto da decisão que excluiu os beneficiários o que não ocorreu , só poderia ser apreciado se houvesse pedido expresso do agravante, no caso, o autor popular, o que também não ocorreu, mesmo porque, houve expressa desistência do referido recurso, como informa o petitório de fls. 491.
Mesmo que se queira mencionar o caráter público da questão, de forma a ser permitida a invocação de irregularidade processual a qualquer tempo, melhor sorte não é reservada aos apelantes, porquanto a decisão de não se admitir na lide os beneficiários diretos é amparada pelo disposto no artigo 6°, parágrafo 1° da Lei 4.717/65.
Para o caso tais beneficiários são indeterminados, sendo inviável juridicamente a determinação nesta fase processual, ainda mais quando se nota que a obrigação exigida na demanda é de responsabilidade solidária, fato que descaracteriza o litisconsórcio necessário.
Sustentam, ainda, os apelantes, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, mas também aqui não lhes assiste razão.
Muito embora uma interpretação apressada do disposto no artigo 7º, inciso V, da Lei nº 4.717/65 possa levar ao entendimento da obrigatoriedade de abertura de vista às partes para as alegações finais, não é essa a melhor exegese do texto legal, mesmo porque, na parte final do referido dispositivo está dito que: “havendo requerimento de produção de prova, o processo tomará o rito ordinário”.
No caso dos autos houve requerimento de produção de provas, consideradas desnecessárias pelo julgador singular, diante do que, em conformidade com o que é previsto no procedimento ordinário (CPC, art. 330, I), o feito foi julgado antecipadamente sem que daí se possa vislumbrar qualquer prejuízo para a defesa dos réus.
Veja-se, a propósito, a jurisprudência do STJ sobre o tema:
“Ação Popular Vista às partes Nulidade. Ausência de prejuízo Cerceamento de defesa. a falta de concessão de vista às partes não acarreta nulidade, não trazendo prejuízo aos litigantes. (...) (STJ REsp 78.926-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 09.03.1998).
“Processo Civil. Agravo regimental. Negativa de seguimento ao recurso especial (art. 557 do CPC) Ação popular Julgamento antecipado Violação ao art. 7º, V da Lei n. 4.717/65 não configurada Agravo improvido. 1. Improsperável o agravo regimental se, em suas razões, o agravante não logra infirmar os fundamentos da decisão agravada, de que na hipótese o julgamento antecipado da lide não configurou ofensa ao art. 7º, V da Lei n. 4.717/65 e a aferição da necessidade de dilação probatória acarretaria incursão pela matéria de fato e de prova. 2. agravo regimental improvido.” (STJ AGRESP 107.854-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 19.06.2000).
“Ação popular Valores ilegalmente recebidos Devolução Julgamento antecipado. Pode haver o julgamento antecipado da ação popular, desde que obedecidas as condições exigidas pelo art. 330, inc. I do CPC. Recurso improvido.” (STJ REsp 97.308-MT, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 20.04.1998).
Claro está, portanto, que o julgamento antecipado, sem a oportunidade de oferecimento das alegações finais, por si só, não vicia a sentença. Somente haveria nulidade se comprovado o prejuízo daí originado, o que não ocorreu, uma vez que a prova pretendida se revela desnecessária e inútil para o deslinde da causa.
Para justificar a produção da prova testemunhal, dizem os apelantes que os servidores que trabalhavam na Secretaria de Fazenda do Município certamente comprovariam que os descontos no imposto foram efetuados de acordo com a lei.
Trata-se, todavia, de matéria unicamente de direito, e de nada adiantaria a opinião dos servidores a respeito da interpretação da lei. Esta é tarefa exclusiva do juiz no ato de sentenciar. As testemunhas depõem e prestam esclarecimentos sobre matéria de fato, não de direito.
Por outro lado, dizer que “As testemunhas comprovariam que os documentos juntados aos autos foram produzidos unilateralmente, não correspondendo a realidade do momento, muito menos ao que a lei estava autorizando” (fls. 549), não tem a menor relevância, pois, como se vê, não se está pondo em dúvida a autenticidade dos documentos. E, se eles são autênticos, cabe ao julgador apreciá-los e confrontá-los com a norma legal, revelando-se absolutamente inútil o auxílio de testemunhas nesse mister.
Também não se vislumbra qualquer nulidade ou mesmo irregularidade no fato de ter sido intimado somente o Ministério Público para manifestar-se antes da prolação da sentença, pois sua atuação no presente feito é de fiscal da lei e não de parte.
Desta forma, a manifestação do órgão ministerial não significa privilégio ou disparidade de tratamento, mas simples cumprimento da norma prevista no artigo 127 da Constituição Federal, assegurando-lhe o exercício pleno da defesa da ordem jurídica e do interesse público.
Não há aí qualquer violação ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal, como alegam os recorrentes, nem ao princípio da igualdade das partes, que no caso em exame foram tratadas isonomicamente.
Ainda no campo das nulidades, insurgem-se os apelantes contra a juntada de documentos novos (do Tribunal de Contas e pelo Ministério Público), sem que tivessem tido a oportunidade de manifestação, o que teria gerado cerceamento de defesa, ante a impossibilidade de se contrapor ao conteúdo dos documentos apresentados.
Neste passo é importante destacar que a exigência de se abrir vista à parte contrária para falar sobre os documento juntados, está diretamente vinculada à relevância do documento para o deslinde da causa. Se o documento não contribuiu para fundamentar a decisão, não representou surpresa para a parte adversa, se sua impugnação seria inócua para mudar o curso da análise feita pelo juiz, não há que se falar em nulidade, mas em mera formalidade descumprida, que não pode ter o condão de contaminar o processo.
No caso dos autos, o documento encaminhado pelo Tribunal de Contas (fls. 513) constitui-se em simples ofício dando conta de que não houve qualquer procedimento naquela Corte a respeito dos fatos noticiados na presente ação. Ou seja, em última análise, o documento não traz aos réus qualquer gravame, mas, ao contrário, até os favorece, ao demonstrar que não houve qualquer repercussão a respeito das irregularidades apontadas no Tribunal de Contas do Estado do Paraná.
Já os documentos apresentados pelo Ministério Público (fls. 529 e 530), nada têm de novo, já que são simples detalhamentos de informações contidas nos autos, oferecidas a título de exemplificação, que bem poderiam estar contidas nas alegações. O fato de tais demonstrativos terem sido apresentados em peças apartadas não lhes dá a natureza de documento novo, de modo que pudesse causar prejuízo à defesa dos réus.
Com isso se conclui que os tais documentos não tiveram qualquer influência no julgamento da causa, o primeiro por ser absolutamente irrelevante e os outros por se tratarem de simples demonstrativos a título de exemplo da extensão dos prejuízos causados ao erário, extraídos de documentos constantes dos autos e já conhecidos dos réus.
Sobre o tema veja-se o entendimento do STJ:
“Processual civil Medida cautelar preparatória de seqüestro Juntada de documentos novos que, no entanto, não influíram no julgamento Ausência de violação ao art. 398 do CPC. (...) Não há que falar em nulidade do julgamento, por ausência de manifestação de uma das partes, quanto aos documentos juntados pela outra, se tais foram desinfluentes ao deslinde da controvérsia, não servindo de fundamento para a decisão (...)” (STJ - REsp 142.434/ES, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 29.03.99, p. 163).
Inexiste, pois, a apontada nulidade.
Finalmente, ainda como questão processual, sustentam os apelantes a nulidade da sentença por tratar-se de decisão ultra petita, isso porque a declaração de inconstitucionalidade do artigo 257 do Código Tributário do Município proclamada na sentença não teria constado do pedido inicial.
Há aqui, porém, um notório equívoco dos apelantes, pois é sabido que o pedido versa sobre fatos e cabe ao juiz aplicar o direito. Se determinado dispositivo de lei municipal que serviu para amparar a conduta dos administradores não foi recepcionado pela vigente Constituição, cumpre ao julgador reconhecer a tal fato, independentemente de provocação. Isso nada mais é que o resultado da aplicação da lei ao caso concreto.
Desta forma, absolutamente dispensável que o pedido inicial se reportasse à inconstitucionalidade do artigo 257 do Código Tributário do Município, mesmo porque, quem invocou o aludido dispositivo para justificar os descontos concedidos aos contribuintes além do que permitia a Lei Municipal nº 3.222/92 foram os próprios apelantes, isso sem contar que a não recepção do dispositivo pela Constituição foi levantada pelo Ministério Público.
Afastadas, assim, as questões preliminares suscitadas pelos apelantes, impõe-se a análise do mérito da ação.
A ação visa a apuração de irregularidades e ressarcimento dos prejuízos causados pela concessão de remissão e descontos de tributos municipais efetuados pelos réus, ora apelantes, durante a administração do réu Ricardo José Magalhães Barros como Prefeito do Município de Maringá.
Os atos lesivos foram assim sintetizados na sentença:
1) as remissões concedidas com fundamento no artigo 257, inciso I, do Código Tributário Municipal são nulas, pois foram concedidas com base em artigo que contraria preceito constitucional;
2) as remissões concedidas com base na Lei 3.222/92, no período compreendido entre 07.07.92 e 08.09.92, que ultrapassaram o limite de 30% previsto, são ilegais, devendo, portanto, serem desconstituídas e ressarcidas ao erário público;
3. as remissões concedidas após a data de 08.09.92, ou seja, após a vigência da Lei nº 3.222/92, também são nulas, posto que não havia lei específica autorizando o perdão da dívida, seja total ou parcial. Ademais, não há falar que essas remissões foram concedidas com base no artigo 257, inciso I, do CTM, a fim de justificar a concessão sem lei específica. Já fora mencionado que referido artigo é inconstitucional.” (fls. 540).
O art. 150, § 6º, da Constituição Federal dispõe:
“Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”.
Diante da clareza do texto constitucional não é preciso especial conhecimento jurídico para se perceber que a concessão dos benefícios elencados, entre eles a remissão de tributos, depende da edição de lei específica, e que se dirija exclusivamente a regular a situação especial.
E tanto é clara a norma constitucional que os apelantes não a desconheciam, daí porque, para atingir o objetivo de favorecer alguns contribuintes, fizeram editar a Lei Municipal nº 3.222/92, sancionada pelo apelante Ricardo José Magalhães Barros, prevendo a possibilidade de concessão de descontos de até 30% sobre o montante dos tributos, desde a data da publicação da lei (07.07.1992), até 08.09.1992.
Contudo, os apelantes desrespeitaram tanto o limite do percentual de descontos, como o limite temporal impostos pela Lei nº 3.222/92. E invocaram, para justificar os benefícios concedidos ao arrepio da referida lei, o Código Tributário Municipal (Lei nº 1.354/79), que estabelece:
“Art. 257 Fica o Poder Executivo autorizado a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:
I à situação econômica do sujeito passivo;
(...)”
Trata-se, como se vê, de norma genérica, incluída na Lei nº 1.354/79, que dispõe sobre o Sistema Tributário do Município, em nítido confronto com a regra do artigo 150, § 6º, da Constituição Federal, que exige lei específica e que regule exclusivamente a matéria referente aos benefícios que concede.
Não existe, pois, qualquer dúvida que o dispositivo municipal não foi recepcionado pela nova ordem constitucional, o que afasta a legalidade dos atos concessivos das remissões parciais nos tributos, praticados pelos réus e deixa claro a lesividade aos cofres do Município.
E como se trata de não recepção da norma anterior pela Constituição Federal, desnecessária seria o procedimento visando a formal declaração de inconstitucionalidade, previsto no art. 480 do CPC, conforme entendimento do STF (RE 250.545 Agr/SP).
Já o Decreto nº 480/92 (fls. 104), que instituiu o programa especial de trabalho para trato de assuntos tributários, também invocado pelos apelantes para justificar os atos combatidos pela presente ação, não serve, evidentemente, para conferir legalidade às remissões concedidas.
É interessante observar que o referido ato normativo foi editado no mesmo dia em que foi sancionada a Lei 3.222/92, mas, ao contrário do que seria de se esperar, não faz qualquer referência à aludida lei, como bem ressaltou a ilustre agente ministerial de primeiro grau:
“No mesmo dia, os réus Ricardo José Magalhães Barros, João Celso Sordi e Tércio Hilário de Oliveira editam o decreto 480/92, instituindo um programa especial de trabalho para o trato de assuntos tributários, onde estava previsto a concessão de remissão do crédito tributário, mas inexplicavelmente deixaram de mencionar que tais benefícios fiscais seriam concedidos de acordo com a lei específica que haviam sancionado, a de nº 3.322/92 (refere-se à Lei 3.222/92) (que autorizava o Executivo a conceder benefícios fiscais nas condições por ela estipulada). Talvez porque eles já pretendiam ir além do que podiam. Aliás, como o fizeram! Concederam remissão do crédito tributário ao arrepio da lei 3.222, descumprindo-a integralmente pois não só deram descontos superiores ao permitido por ela, como também fora do prazo fixado nela. Esta quebra de princípios contamina todas as condutas em enfoque.” (fls. 599).
Quanto às provas dos fatos, os apelantes chegam a admitir que concederam remissões de tributos fora dos limites permitidos pela lei específica (Lei 3.222), tanto é que invocam o Código Tributário Municipal, que traz uma autorização genérica para a concessão de remissão tributária, norma esta, que como já se afirmou, não foi recepcionada pela Constituição de 1988.
Por outro lado, segundo a certidão de fls. 309, foram formados autos apartados (60 volumes) com a documentação completa a respeito dos fatos, e, embora tais volumes de documentos não tenham acompanhado os autos principais, os elementos de provas constantes dos autos são suficientes para se constatar as irregularidades. Os demais documentos serão necessários na fase da liquidação de sentença.
Entre os documentos apresentados pelo Município de Maringá, está a cópia do processo nº 022/93 (fls. 77/138), da Comissão Permanente de Sindicância, criada para apurar as irregularidades na administração dos apelantes, que bem demonstra a disparidade entre os descontos de IPTU efetivamente concedidos e os limites previstos na Lei nº 3.222/92.
O limite, como já se disse, foi estabelecido em 30%, mas basta analisar os documentos para se perceber que não houve qualquer observância ao que autorizou a lei específica.
A título de exemplificação, veja-se: contribuinte Edmundo de Queiroz Albuquerque: desconto de 97,78% (fls. 80); contribuinte João Luiz Larente de Araujo: desconto de 91,79% (fls. 82); contribuinte Salim Haddad: desconto de 89,84% (fls. 86); contribuinte Orbis Construções e Emp. Ltda.: desconto de 70% (fls. 93); contribuinte Geraldo Carraro: desconto de 64,22% (fls. 113); contribuinte Evaristo Puerta: desconto de 86,33% (fls. 122), e assim por diante.
Os referidos documentos também demonstram que a concessão dos descontos não respeitou o período estabelecido pela Lei nº 3.222/92, de 07 de julho de 1992, até 08 de setembro de 1992 (e não agosto, como afirmaram os apelantes fls. 554).
Conclui-se, pois, que os apelantes efetivamente praticaram os atos ilegais e lesivos apontados na inicial, causando sérios prejuízos ao erário, impondo-se, destarte, a manutenção da sentença que os condenou a ressarcirem aos cofres públicos todas as diferenças das isenções concedidas sem apoio na Lei nº 3.222/92.
Cabe, ainda, mencionar que a escusa dada pelos apelantes em memoriais e na Tribuna, por ocasião do presente julgamento, de que a remissão era necessária por questão de justiça social (desonerar os antigos proprietários de imóveis centrais que valorizaram muito rapidamente com o crescimento da cidade) pode até servir para a compreensão dos atos, mas não para sua legalidade.
Por mais justa que seja a intenção do administrador, não pode ele, jamais, se afastar dos limites impostos pela lei, a fim de prevalecer a harmônica e integrativa ação dos Poderes.
Também o fato do prefeito posterior ter concedido descontos até maiores para os pagamentos de tributo não têm relevância para o presente julgamento, devendo eventual ilegalidade ser aferida em processo próprio.
2) Do recurso adesivo
Pretende o autor popular a reforma parcial da sentença para que seja prevista a incidência da correção monetária e dos juros legais, não estipulados pelo julgador singular, bem como, a majoração dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor atualizado da causa.
Em sua resposta os apelados pedem a manutenção da sentença, argumentando que em relação aos juros e correção monetária, a omissão somente poderia ser suprida por meio de embargos de declaração.
Inicialmente, não assiste razão aos apelados, pois a não interposição dos embargos de declaração para suprir omissão existente na sentença não impede que a matéria seja resolvida em sede de apelação, como ensina Manoel Caetano Ferreira Filho:
“Portanto, os defeitos corrigíveis através dos embargos de declaração poderão ser alegados diretamente no recurso cabível da decisão viciada, sem que se possa falar em preclusão por não terem eles sido opostos.
É por isso que o ônus de opor os embargos de declaração não se caracteriza como um ônus perfeito: mesmo quando não cumprido, a parte ainda poderá obter a situação de vantagem, ou evitar o prejuízo, mediante a interposição do recurso previsto na legislação processual para impugnação da decisão não embargada.” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 7, RT, 2001, p. 315).
Viável, pois, a análise das referidas questões.
A correção monetária, como se sabe, nada acrescenta ao valor originário da dívida. Apenas mantém o valor da moeda, tratando-se se simples reposição das perdas acarretadas pela inflação. Desta forma, em atenção ao comando do artigo 1º da Lei nº 6.899/81, deverá incidir sobre o valor da condenação a atualização monetária, pelos índices usuais, a partir do momento de cada remissão tributária irregular concedida pelos réus, ora apelados.
Quanto aos juros legais, há que se observar o teor da Súmula nº 254 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação”.
Assim, incidem os juros legais a partir da citação (CPC, art. 219 e Súmula 163/STF).
Finalmente, também merece reparo a sentença no tocante aos honorários advocatícios.
Com efeito, não é o caso, como adotado na sentença, de se aplicar o disposto no § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil, pois trata-se de sentença preponderantemente condenatória e não incide nenhuma das circunstâncias previstas no mencionado dispositivo, mesmo porque, embora o Município de Maringá tenha inicialmente figurado como réu, optou por posicionar-se ao lado do autor popular, conforme permite o § 3º do art. 6º, da Lei nº 4.717/65, e assim, não pode ser considerado sucumbente.
Destarte, nenhuma dúvida subsiste que os honorários advocatícios, no caso em exame, devem ser fixados tendo por base o valor da condenação (art. 20, § 3º, CPC). Partindo daí, afigura-se justo e razoável fixá-los em 10% sobre o valor da condenação, atualizada monetariamente.
Nestas condições, nego provimento ao recurso dos réus, e dou provimento ao recurso do autor popular, para fazer incidir nos valores da condenação a correção monetária e juros legais e, ainda, para estabelecer os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Decisão
ACORDAM os integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação dos réus e dar provimento ao recurso do autor popular, nos termos do voto do relator.
Participaram do julgamento o Desembargador Ulysses Lopes e o Juiz Roberto de Vicente.
Curitiba, 16 de setembro de 2003 (data do julgamento)

Péricles Bellusci de Batista Pereira
Juiz Relator