8.11.08

Acórdão - apelação cível

Acórdão
APELAÇÃO CÍVEL Nº 512.124-6, DE MARINGÁ, 3ª VARA CÍVEL.

APELANTE: IRMÃOS MUFFATO E CIA LTDA

APELADOS: ADALBERTO MARTINS E OUTROS

RELATOR : DES. RONALD SCHULMAN


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, REJEITADA - AUTORES SUSPEITOS DE PRATICAR “GOLPE” EM SUPERMERCADO - ABORDAGEM REALIZADA POR POLICIAIS, CHAMADOS PELA GERÊNCIA - ENCAMINHAMENTO DOS AUTORES À DELEGACIA DE POLÍCIA EM VIATURA POLICIAL E ALGEMADOS - SITUAÇÃO VEXATÓRIA EVIDENCIADA - EXPOSIÇÃO DESNECESSÁRIA DOS CLIENTES - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO EXTRAPOLADO - OFENSA MORAL PRESENTE - DEVER DE INDENIZAR - QUANTUM FIXADO - MANUTENÇÃO - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE - RECURSO DESPROVIDO.

Na etiologia da responsabilidade civil, três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista, devem estar conjugados, porque sem eles não emerge o dever ressarcitório: a culpa lato sensu, o dano, ou seja, a lesão provocada no patrimônio da vítima, e o nexo de causalidade entre o dano e o comportamento censurável do agente.

Se ao preposto cabia resguardar o patrimônio de seu empregador, sob suspeita de “golpe” dentro das dependências do estabelecimento comercial, circunstância, obviamente, que evidencia o regular exercício de um direito, cumpria-lhe, contudo, que tal exercício se desse dentro do limites da razoabilidade.

Todavia, se fugiu ou exorbitou, atingindo o campo do direito alheio, mediante imputação injusta e desarrazoada, tal exercício deixou de ser regular ou legítimo.

O artigo 188 do Código Civil, dispõe inexistir ato ilícito quando o agente atua exercendo direito material de que é titular. Porém, quem extrapola os limites de seu direito, mediante reação hostil e desrespeitosa contra terceiro, ocasionando sua condução coercitiva algemado à Delegacia de Polícia, não pode invocar a excludente de ilicitude prevista no dispositivo legal.



VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 512.124-6, de Maringá, 3ª Vara Cível, em que é Apelante Irmãos Muffato e Cia. Ltda. e Apelados Adalberto Martins e Outros.

Adalberto Martins, Márcia Dias Lopes Martins e José Eva Ursulino ingressaram com a presente ação de indenização por danos morais em face de Irmãos Muffato e Cia. Ltda., alegando que “no dia 27 de maio de 2003 a primeira e segundo requerentes dirigiram-se ao estabelecimento comercial da ré para efetuarem compras; que na ocasião o terceiro requerente acompanhou os dois primeiros autores em suas compras; que ao chegaram ao caixa do supermercado, o primeiro requerente Adalberto Martins foi efetuar o pagamento da compra através do cheque n. 000094, do Banco Bradesco, Agência 294, conta corrente de sua titularidade n. 000350-6, sendo que a referida cártula seria pré-datada para pagamento em trinta dias; que uma funcionária do estabelecimento comercial foi consultar o cheque; que passado certa demora, sem explicação alguma, aproximaram-se dois policiais que diante dos demais cliente determinaram que os requerentes os acompanhassem, levando-os a uma determinada sala daquele estabelecimento, e os revistaram “da cabeça aos pés”; que após a revista, nada encontrando com os requerentes, os policiais conduziram a autora Márcia, sua filha menor e Adalberto em um “camburão”, bem como o Sr. José em seu veículo à Delegacia da 9ª Subdivisão Policial; que a prisão dos requerentes foi observada por todos os clientes que se encontravam na ocasião no supermercado; que na Delegacia de Polícia foram novamente revistados, e, em seguida, os requerentes Adalberto e José foram encaminhados para detenção em uma cela, e a autora Márcia e sua filha menor ficaram trancafiadas em uma sala; que foram detidos no supermercado por volta das 21:00 horas, e somente liberados após às 01:30 horas, através de advogado; que a menor Priscila, filha da autora Márcia, passou por vários desconfortos durante a prisão dos autores, pois sentiu muito frio e fome durante a detenção, e, ainda, ficou com traumas psicológicos devido à situação ocorrida; que a ré alegou aos policiais que o emitente do cheque Sr. Adalberto Martins encontrava com seu nome inserido no SERASA; porém, a prisão de Adalberto e dos demais autores se deu pela suposta prática do crime de estelionato; que até a presente data não foi aberto inquérito policial contra os requerentes para a apuração que o supermercado alegou que estes cometeram; que o Sr. Adalberto Martins estava sim cadastrado no SERASA pelo Banco Bradesco, mas esse cadastro não era por devolução de cheque, e sim por um problema de financiamento devidamente resolvido em 26/05/2003; que ter o nome cadastrado no SERASA não constitui crime; que no dia seguinte aos fatos, o nome do autor Adalberto já não constava mais no SERASA; que os autores sofreram dano moral em virtude do vexame e humilhação experimentados no estabelecimento comercial bem como na Delegacia de Polícia; que o comportamento da ré foi exagerado, pois em razão da inscrição no SERASA, poderia simplesmente não ter liberado as compras realizadas, o que não causaria dano nenhum aos requerentes.

Requereram a procedência da ação para o fim de condenar a requerida ao pagamento de verba indenizatória a título de danos morais, no montante total de 1000 (mil) salários mínimos em favor dos autores. Requereram, ainda, os benefícios da justiça gratuita e juntaram os documentos de fls. 24/38” (fls. 172/173).

Devidamente citado (fl. 41), o requerido apresentou contestação (fls. 45/69), aduzindo que “é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação, vez que do que consta nos autos em verdade, quem procedeu toda a operação foi a autoridade policial competente, e não a requerida que não tem poderes para tal; que a requerida somente informou a autoridade policial a existência de eventual delito ocorrido pelo primeiro requerente em virtude da informação de outro comércio, via telefone, de que aquele estava cometendo alguns “golpes”, nada informando sobre os demais requerentes; que foi a pólicia quem revistou e determinou o acompanhamento dos requerentes até a delegacia, sendo que o que ocorreu posteriormente não teve o menor conhecimento; que em caso de não acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva, pugnou pela denunciação da lide ao Estado do Paraná, pois a este cabe responder pelas atitudes dos policiais; que a requerida agiu dentro do exercício regular de direito, pois acionou a polícia para apurar as informações de que o primeiro autor era estelionatário; que o primeiro autor possui inscrito no SERASA o registro de 105 (cento e cinco) cheques sem provisão de fundos entre o período de agosto de 2003 a junho de 2004, confirmando a informação que lhe foi passada; que não foi comprovado nos autos de danos morais sofridos em virtude das atitudes da ré, mas somente das atitudes dos policiais, não gerando direito à indenização; que não existe nenhuma comprovação de culpa por parte da requerida; que em momento algum houve escândalo ou alarmes com relação a suspeita da ré, e ainda em momento algum os requerentes foram algemados, simplesmente foram chamados pelos policiais para prestarem esclarecimentos; que a indenização por danos morais pretendida é extremamente fora da realidade e assim, em caso de eventual condenação que a verba seja minorada.

Requereu a extinção do processo pela ilegitimidade passiva, ou em caso de não acolhimento da referida preliminar, pela improcedência da ação. Juntou os documentos de fls. 70/77” (fls. 174).

Após a regular instrução processual, a eminente Juíza a quo julgou procedente o pedido inaugural, condenando o requerido ao pagamento de indenização por danos morais, nos valores de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao Autor Adalberto Martins, R$ 4.000,00 (quatro mil reais) à Autora Márcia Dias Lopes Martins e R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao autor José Eva Ursulino, além do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor da condenação.

Inconformado, o réu apresentou o presente recurso de Apelação, alegando sua ilegitimidade passiva sob o fundamento de que “somente informou a autoridade policial sobre a suspeita de eventual delito ocorrido, sendo que no mais foi a própria polícia que determinou o acompanhamento dos apelados até a delegacia”.

Quanto ao mérito, afirma que não restou comprovada qualquer atitude ilícita de sua parte, bem como qualquer fato que poderia ensejar reparação por danos morais.

Alega que “no momento em que presenciou um cheque em nome do primeiro Apelado, solicitou a presença de policiais, pois tinha a informação de que o Sr. Adalberto Martins estava emitindo cheques sem fundos em todo o comércio local, e, mesmo não existindo restrição à época da consulta, logo após os cheques já começaram a voltar e se transformaram e um absurdo de 105 (cento e cinco) cheques sem fundos” (fls. 188) e que “diante dessa informação e da preocupação em levar mais golpes diante da emissão de cheques sem fundos, a apelante informou a polícia dessa situação para fazer uma verificação nos endereços e emissão de cheques por parte dos apelados” (fls. 188).

Afirma que tinha fortes indícios para solicitar averiguação policial, caracterizando exercício regular de um direito o fato de comunicar a autoridade policial qualquer desconfiança na prática de crime e a apuração de fatos atribuíveis a pessoas com atitudes suspeitas ou envolvidas em situação mal esclarecida não descaracteriza o estrito cumprimento do dever legal.

Alega que nenhuma das prova produzidas comprovou a culpa do apelante, ou mesmo o dano moral alegado e que o valor da indenização foi fixado em patamar excessivo, razão pela qual pugna pela sua redução, caso seja mantida a sentença.

Em sede de contra-razões, os Apelados postularam pela manutenção, in totum, da sentença guerreada.

É o relatório.

Alega, preliminarmente, o Apelante, sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da presente demanda, eis que quem efetuou a revista, encaminhamento e prisão dos Apelados foi a autoridade policial competente.

Porém, tal preliminar merece ser rejeitada, eis que, como bem decidiu a eminente Juíza a quo às fls. 176:

“Urge ressaltar que, de fato, foi a polícia quem revistou e determinou o acompanhamento dos requerentes até a delegacia, e o que ocorreu posteriormente não teve a participação da ré. Contudo, as atitudes da ré não a eximem de toda a responsabilidade civil, eis que não agiu dentro do exercício regular de um direito, excedendo-se em seu procedimento de acionar a polícia em razão da emissão de um cheque por emitente que estava inscrito no Serasa e era “suspeito” de crime de estelionato, informação essa obtida supostamente por telefone e não confirmada.

Vale destacar que a responsabilidade da ré, decorrente do acionamento da polícia e da retenção dos autores no mercado até a sua chegada e a responsabilidade do Estado do Paraná, exteriorizada nas atitudes dos policiais civis, são autônomas e não se excluem”.

Rejeita-se, portanto, a preliminar.

Quanto ao mérito, de início importa observar que na etiologia da responsabilidade civil, três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista, devem estar presentes, porque sem eles não se configura o dever indenizatório:

Em primeiro lugar, a verificação de uma conduta antijurídica, que abrange comportamento contrário ao direito, por comissão ou omissão, sem necessidade de indagar se houve ou não o propósito de malfazer.

Em segundo lugar, a existência de um dano, tomada a expressão no sentido de lesão a um bem jurídico, seja este de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não patrimonial.

E, em terceiro, o estabelecimento de um nexo de causalidade entre um e outro, de forma a se precisar que o dano decorre da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que, sem a verificação do comportamento contrário ao direito, não teria havido o atentado ao bem jurídico.

Assim, especialmente em se tratando de pedido indenizatório em que se imputa conduta contrária ao direito a outrem, coligido o conjunto probatório, cumpre ao magistrado valorar as provas, nelas perquirindo a verdade real, no intuito de formar seu livre convencimento e, conseqüentemente, dar a correta e justa solução ao pleito posto à sua apreciação e julgamento.

O magistrado deve, por conseguinte, decidir com base no que consta nos autos, convencendo-se, ou não, dos fatos aduzidos pela parte e rechaçados pela outra. Em última análise, a prova tem por finalidade levar ao espírito do juiz a certeza da existência ou inexistência dos fatos alegados pelas partes. Em outras palavras convencer o magistrado.

Sobre o Sistema da Persuasão Racional, valiosas as considerações tecidas por Arruda Alvim, em sua obra Teoria Geral do Processo, Forense, 8ª ed., 2002, p. 274:

“Segundo este sistema, o juiz forma livremente a sua convicção pela livre apreciação das provas, mas a convicção, embora livre, deve ser fundamentada.

O convencimento do juiz fica condicionado aos fatos sobre os quais se funda a controvérsia (quod non est in actis non est in mundo), as regras legais e as máximas de experiência. Convicção livre, mas motivada ou fundamentada, consoante a prova produzida no processo. O juiz pode julgar procedente uma demanda com base no depoimento de uma única testemunha, contra o depoimento de três outras, mas deve dizer porque aceitou ou recusou a versão dos fatos por elas narrados”.

Feitas essas considerações preliminares, no caso posto em julgamento, o pleito indenizatório aqui discutido tem por fundamento o constrangimento ilegal alegado pelos requerentes, traduzido no fato de terem sido abordados por policiais no supermercado réu sob a suspeita de “crime de estelionato”, encaminhados algemados em viatura policial à Delegacia onde ficaram retidos por algumas horas.

Ao exame das provas colacionadas, estou convencido de que os depoimentos trazidos aos autos, colhidos na Polícia e em Juízo, por si só, esclarecem e corroboram, satisfatoriamente, as alegações dos autores em sua peça de ingresso, segundo a qual foram injustamente acusados de estelionato pelo gerente do supermercado, que, sem qualquer prova, os apontou aos policiais como autores de ato delituoso, mandando prendê-los.

É de se destacar que o Apelante não nega o fato, limitando-se a afirmar que “cumpriu com sua obrigação de informar as autoridades competentes eventual situação que poderia se configurar em crime” (fls. 187).

Ora, é incontroverso que o fato repercutiu de maneira negativa na vida dos autores.

A Autora Márcia Dias Lopes Martins afirmou em seu depoimento que “várias pessoas viram quando a depoente, sua filha e Adalberto entraram na viatura de polícia pois haviam várias pessoas chegando ao mercado”... “que sentiu-se mal e constrangida com os fatos ocorridos pois diversas pessoas estranhas assistiram a sua prisão e riram da situação; que nunca pretende voltar ao mercado réu” (fls. 121).

O Autor José Eva Ursulino também ressaltou em seu depoimento pessoal sobre o encaminhamento a uma sala do supermercado para revista pessoal, bem como sobre o vexame decorrente da prisão e condução perante a presença dos demais clientes à Delegacia de Polícia (fls. 122/123).

Adalberto Martins, aduz que além de ter sido revistado na sala existente no estabelecimento comercial da ré, foi algemado e levado à Delegacia de Polícia, sendo que posteriormente não foi indiciado e nem responde a processo criminal em razão dos fatos alegados na inicial. Acrescentou ainda que sua sobrinha, filha da primeira requerente, ficou traumatizada, tendo medo de carros de polícia (fls. 129).

A testemunha Daniel Inácio Pereira, policial civil que atendeu a ocorrência, disse que “foi chamado para comparecer ao mercado Supermuffato no novo centro onde algumas pessoas estavam tentando aplicar um golpe”... “que ao comparecerem no mercado encontraram um grande tumulto; que dois homens e uma mulher, salvo engano, estavam detidos por funcionários do mercado; que os carrinhos com as compras estavam ao lado e eles estavam sendo “guardados” pelos funcionários do mercado; que o local estava cheio e a situação estava causando tumulto pois outras pessoas estavam querendo passar as compras pelo caixa mas não podiam até que fosse resolvida a questão do cheque”... “que as pessoas, dois homens e uma mulher foram levados para uma delegacia; que os homens foram algemados; que um homem e uma mulher foram levados na viatura e o outro foi com o outro policial no veículo deles mesmos”.

Da mesma forma, não socorre ao Apelante a alegação de que, ao chamar a polícia, apenas estava no exercício regular de um direito.

Ora, um episódio que gerou intervenção policial, em que os Apelados foram diretamente acusados, algemados e conduzidos presos, sem nenhuma prova concreta de que tivessem praticado o ato, não pode ser explicado com a cândida afirmação do agente responsável de “que atuou no exercício regular de seu direito”.

Em verdade, ressai nitidamente que os Apelados foram acusados e submetidos a situação constrangedora e humilhante, sem qualquer comprovação ou chance de defesa, isso porque o Apelante teria recebido uma suposta ligação telefônica, não confirmada em momento algum nos autos, por seu emissor, portanto sem respaldo concreto, em total afronta aos direitos da pessoa humana.

Não há como negar que cabia ao preposto ou empregado do Apelante providenciar as diligências necessárias para a averiguação da aventada denúncia telefônica, procedendo à consulta do cheque e, se fosse o caso, rejeitando aquela forma de pagamento, a fim de evitar a injusta acusação de pessoas inocentes.

Nesse contexto, impõe-se reconhecer a existência da culpa, magistralmente definida por Aguiar Dias como:

“...a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com o resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude” (Da Responsabilidade Civil, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p.127).

Por conseguinte, caracterizada a culpa do gerente do supermercado “pela falta de diligência na observância da norma de conduta”, fato que, por si só, basta para a condenação do Apelante, que é responsável pelos atos praticados por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião dele.

E nem se diga ter agido aquele no regular exercício de um direito, ao acionar a Polícia para apurar fato delituoso nas dependências do estabelecimento, já que esta foi acionada não para apurar os fatos, mas para prender os Apelados, sob a implacável acusação de crime de estelionato.

Realmente, o artigo 188 do Código Civil, dispõe inexistir ato ilícito quando o agente atua exercendo direito material de que é titular.

Conforme ensina Aparecida Amarante (Excludentes de ilicitude civil, Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 68), encontra-se no exercício regular de um direito o titular que não exorbita a área específica do mesmo direito:

“Cada direito tem seu raio de ação e seu exercício; só é legítimo quando se move dentro da área fixada na lei. Fugindo de sua órbita, ainda que originariamente tenha sido exercitado nos seus limites, atingirá o campo do direito alheio, surgindo o conflito.

Pode ocorrer que a colisão se dê em virtude de exercício simultâneo dos titulares do direito, como também pelo ato de um deles, prejudicando o outro que se limita a manter o gozo de seu direito. O exercício do direito implica a obrigação correlata de não ultrapassar a área delimitada, seja com o próprio fato de seu exercício, seja pelas conseqüências que podem do exercício derivar”.

Repita-se, se ao empregado cabia resguardar o patrimônio do Apelante, sob suspeita de estelionato dentro de suas dependências, circunstância, obviamente, que evidencia o regular exercício de um direito, cumpria-lhe, contudo, que tal exercício se desse dentro do limites da razoabilidade.

Segundo a lição acima transcrita, se fugiu ou exorbitou de sua órbita, ainda que originariamente tenha sido exercitado nos seus limites, atingindo o campo do direito alheio, mediante um confronto perfeitamente evitável, tal exercício deixou de ser regular ou legítimo.

Sob outra ótica, como bem destacou a eminente Juíza a quo às fls. 180:

“Nem se diga que não haveria obrigatoriedade em reparar os danos sofridos em razão da exposição dos autores antes da prisão, perante o olhar dos demais clientes da loja por ter o autor Adalberto anotações perante o SERASA de 105 (cento e cinco) cheques sem provisão de fundos entre o período de agosto de 2003 a junho de 2004, confirmando a informação de que teria lhe sido passada. Ora, na data dos fatos somente existia uma anotação perante o SERASA, referente à pendência financeira com o Banco Bradesco, mas esse cadastro não era por devolução de cheque, e sim por um problema de financiamento devidamente resolvido em 26/05/2003, e conforme se observa pelo documento de fls. 38, no dia seguinte aos fatos o nome do primeiro autor estava sem nenhuma restrição”.

E conclui:

“Em caso da inscrição existente no momento da consulta do cheque emitido pelo autor no Serasa, a conduta mais indicada seria a de somente não receber pelo pagamento das compras efetuados com o cheque do autor, retendo as mercadorias, ou simplesmente sugerindo outra forma de pagamento à vista (em dinheiro), ou através de débito via cartão de crédito. Ademais, a própria lei que regula a emissão de cheques descreve que o comerciante não é obrigado a aceitar o pagamento por cheque, e tão pouco está a receber o pagamento em data “pós-datada””.

Assim, resta extreme de dúvida que a conduta do Apelante ultrapassou a razoabilidade, motivo pelo qual escorreita a decisão no que pertine ao dever de reparar os danos pelos Autores experimentados.

DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

Não assiste melhor sorte ao apelante no tocante ao quantum indenizatório fixado.

Para fixação dos danos morais, deve-se levar em consideração as circunstâncias de cada caso concreto, tais como a natureza da lesão, as conseqüências do ato, o grau de culpa, as condições financeiras das partes, e mais, deve-se estar atento a sua dúplice finalidade, ou seja, meio de punição e forma de compensação aos prejuízos sofridos pela vítima, mas sem, contudo, permitir o enriquecimento da parte.

Saliente-se que para a fixação do quantum é necessário analisar a repercussão que o fato gerou, a situação econômica das partes e os prejuízos suportados pela vítima. Não há critério científico a ser seguido para fixação do valor da indenização por danos morais, devendo ser analisado caso a caso.

Assim, embora presumido o dano moral, o valor da indenização deverá atender ao princípio da razoabilidade.

Caio Mário da Silva Pereira ensina que:

“Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: caráter punitivo, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o caráter compensatório para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.”.(In: RUI STOCO Tratado de Responsabilidade Civil 5ªed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 1397).

No caso concreto o requerido é empresa de grande porte, com estabelecimentos em todo território paranaense, enquanto que os autores são trabalhadores de baixa renda, motivo pelo qual, o valor da indenização deve atender ao caráter punitivo da condenação sem, contudo, ocasionar o enriquecimento sem susta causa.

Portanto, os valores fixados, R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao Autor Adalberto Martins, R$ 4.000,00 (quatro mil reais) à Autora Márcia Dias Lopes Martins e R$ 4.000,00 (quatro mil reais) ao autor José Eva Ursulino, atendem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e estão em consonância com o que esta Câmara vem decidindo em casos análogos, devendo ser mantidos.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.

ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso interposto, nos termos do voto do Relator.

O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Ronald Schulman e dele participaram o Senhor Desembargador Arquelau Araujo Ribas e o Senhor Juiz Convocado Vitor Roberto Silva.

Curitiba, 16 de outubro de 2008.


Desembargador RONALD SCHULMAN
Relator