Acórdão - apelação cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 475.850-9, DE MARINGÁ - 4ª VARA CÍVEL.
APELANTE: JANAINA LOPES FARIAS
APELADA : TCCC - TRANSPORTE COLETIVO CIDADE CANÇÃO LTDA
RELATORA: DESª. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - DEMONSTRAÇÃO DA CULPA PELO ACIDENTE - ÔNUS DO AUTOR - ART. 333, I, DO CPC - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA JUSTIFICAR A INDENIZAÇÃO. APELO DESPROVIDO.
Sem elementos probatórios que possibilitem o alcance de um juízo seguro acerca da culpabilidade pelo evento danoso, não se pode impor à Requerida uma condenação a indenizar a Autora, a qual não se desincumbiu do ônus de comprovar suas alegações, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 475.850-9, da Comarca de Maringá, 4ª Vara Cível, em que é Apelante Janaina Lopes Farias e Apelada TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção Ltda.
Janaina Lopes Farias ajuizou Ação de indenização por Ato Ilícito com Danos Materiais c/c Danos Estéticos, Físicos, Morais e Pensão Alimentícia (autos nº. 760/2003), em face de TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção Ltda. alegando, em síntese, que sofreu acidente automobilístico provocado por ônibus de propriedade da Requerida, o qual ocorreu por negligência e imprudência do motorista, devendo a empresa responder solidariamente pelos danos causados. Ademais, teve prejuízo material na ordem de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), e lesões físicas que exigiram tratamento médico no valor de R$ 1.346,20 (Um mil, trezentos e quarenta e seis reais e vinte centavos), além de ficar incapacitada para o trabalho. Requer, assim, a condenação do Requerido ao pagamento de R$ 13.600,00 (treze mil e seiscentos reais) para ressarcir tratamento médico; R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) pela perda do veículo; valor a ser arbitrado, mas não inferior a mil salários mínimos, por danos estéticos e morais; pensão alimentícia de três salários mínimos mensais, com correção e juros e encargos de sucumbência.
O Requerido contestou às folhas 96/126.
A sentença de fls. 284/291 julgou improcedente o pedido e condenou a Autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 600,00 (seiscentos reais), sendo que a parte beneficiada pela isenção do pagamento ficará obrigada a pagar as custas.
Inconformada com a r. decisão, apela a Autora, fls. 293/309, requerendo a reforma da sentença para que se julgue procedente o pedido de indenização, condenando-se a Apelada ao pagamento dos danos morais, estéticos, físicos, materiais e outras cominações legais, além das custas e honorários.
Com as contra-razões da Apelada (fls. 314/329), vieram os autos à conclusão.
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Alega a Autora que o veículo de sua propriedade, VW/Fusca, ano 1979, foi atingido pelo veículo de propriedade da empresa Requerida - TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção, na ocasião dirigido por seu funcionário Roberto Dias da Silveira, no cruzamento da Avenida Duque de Caxias com a Rua Joubert de Carvalho, na cidade de Maringá, em torno das 23h35min do dia 26/07/2000. Atribui a causa pelo acidente ao desrespeito ao sinal vermelho do semáforo e velocidade incompatível com o local do sinistro, por parte do condutor do veículo da Apelada, quando transitava pela Rua Joubert de Carvalho.
Sustenta, ainda, a necessidade de reforma da sentença monocrática, para que seja reconhecida a responsabilidade da Apelada pelos danos materiais, estéticos, físicos e morais que teve com a colisão envolvendo seu veículo, eis que restou comprovado que o preposto da apelada dirigia com velocidade incompatível com o local, o que enseja a culpa dos Requeridos pelo acidente.
Trata-se de acidente de trânsito em via urbana, controlada por sinal semafórico, cabendo à Autora provar a presença dos seguintes requisitos: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Contudo, no caso em tela, não restou comprovado que efetivamente a Apelada tenha sido a causadora do evento danoso, isto porque a Autora não logrou êxito em demonstrar que a colisão se deu por culpa da ora Recorrida. Segundo o art. 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao Autor quanto ao fato constitutivo e ao réu em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Sobre a temática, assim se pronuncia Luiz Guilherme Marinoni:
“O ônus da prova indica que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável. Ou seja, o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, num resultado desfavorável, mas no aumento do risco de um julgamento contrário.” 1
Mesmo entendimento apresenta Carlos Roberto Gonçalves:
“É de lei que o ônus da prova incumbe a quem alega (CPC, art. 333, I). Ao autor, pois, incumbe a prova, quanto ao fato constitutivo do seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (inc. II).
A vontade concreta da lei só se afirma em prol de uma das partes se demonstrado ficar que os fatos, de onde promanam os efeitos jurídicos que pretende, são verdadeiros. (...) Claro está que, não comprovados tais fatos, advirão para o interessado, em lugar da vitória, a sucumbência e o não-reconhecimento do direito pleiteado (Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, Forense, v. 3, p. 379)”.2
Feitas tais considerações, entendo que a Autora-Apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar de quem foi o comportamento culposo que culminou na colisão entre os veículos, ou seja, quem realizou a transposição do cruzamento com o semáforo fechado, incorrendo em atitude negligente ou se a velocidade do ônibus era incompatível com o local do acidente.
O Boletim de Ocorrência (fl. 53) apenas descreve o acidente:
“O V1 transitava pela Av. Joubert de Carvalho, procedente a R. Basílio Saltichuck, e seguia em dir4eção à Trav. Guilherme de Almeida; quando no cruzamento com a av. Duque de Caxias, se envolveu em um abalroamento transversal, com o V2 que transitava pela última via citada procedente da av. Tamandaré, e seguia em direção à av. Brasil. Do ocorrido o v1, sofreu avarias no pára-choque dianteiro e o V2 sofreu avarias de grande monta em todas as regiões. Saiu ferida a condutora do V2 Janaína Lopes Farias, de 22 anos, que foi socorrida pelo SIATE e encaminhada ao H.Sta Casa. O croqui foi elaborado através de informações do condutor do V1, vestígio na via com os veículos no local.(...) Via pavimentada, com semáforo ciclo visual, funcionando em 2 tempos.”
Do excerto transcrito não é possível concluir nada a respeito da culpa na configuração do evento danoso. As declarações (fls. 57/59) prestadas pelas testemunhas, são no sentido de que o ônibus não estava em alta velocidade e que o sinal semafórico era desfavorável à Apelante. Em juízo compareceram o Sr. Manoel Santander Moraes (fls. 217 - testemunha dos requeridos) relatando que a Autora desrespeitou o sinal vermelho; o cobrador do ônibus Sr. Cezar Donizete Alexandre (fls. 196) dizendo que o ônibus vinha em baixa velocidade e que passou pelo sinal verde e ainda a testemunha (fls. 195) da Autora, o policial militar Gilmar Gomes, porém este nada esclareceu sobre a dinâmica do acidente, somente se ateve a explicar sobre a elaboração do boletim de ocorrências e o local do sinistro. Embora tenha a Apelante de todas as formas tentado desacreditar as testemunhas, nada fez para provar o contrário.
A colheita da prova testemunhal não alcançou maior êxito em demonstrar as alegações da parte autora. Como bem relatou a sentença:
“8. - De sorte que, no caso em exame, atendimento à pretensão da autora dependeria da prova de que a preferência de passagem era dele, e não do ônibus. Não existe prova disso.
Trata-se de batida em cruzamento sinalizado por semáforo. É sabido que é sempre muito difícil comprovar-se, em casos assim, a qual dos envolvidos pertencia a prioridade de passagem. Ma, por mais difícil que seja a prova a respeito, o ônus de produzi-la era da autora. E ela não o cumpriu.”3
Portanto, diante da impossibilidade de se estabelecer um juízo seguro acerca da culpabilidade pela ocorrência do evento danoso, não há como se acolher a pretensão da Apelante.
A apelação traz inúmeras tentativas de demonstrar a culpa do motorista do outro veículo no acidente, sem qualquer amparo nas provas trazidas aos autos. Não é possível basear um juízo em conjecturas, ilações acerca do caso, da forma como ocorreu ou como foi exposta. O juiz, frente à hodierna sistemática processual, apanha todo o conjunto probatório na sua globalidade para aferir seu convencimento.
Depreende-se do conjunto probatório a inexistência de provas seguras de que tenha partido da Requerida a atitude negligente que ocasionou o acidente. A prova testemunhal não conseguiu demonstrar a culpabilidade pelo evento danoso, e as alegações da Apelante não podem ser utilizadas como fundamento para eventual condenação, eis que para a responsabilidade civil é preciso que reste demonstrada de forma inequívoca a culpa alegada, ônus que nesse caso é da Autora, nos termos do artigo 333, I, do CPC.
A doutrina de Ovídio Batista, ao enfrentar a matéria do ônus probatório, foi muito feliz ao comentar:
“O princípio segundo o qual o Juiz não pode valer-se de fatos de seu conhecimento privado foi defendido calorosamente por Bentham (Tratado de las pruebas judiciales, Capítulo XVIII). Segundo o célebre jurista e filósofo inglês, o Juiz não pode pronunciar uma decisão sobre uma questão de fato que não esteja estabelecida por escrito ou provada por testemunhas, assegurado o princípio do contraditório. Há dois aforismos latinos que sustentam essa regra da necessidade de prova; uma delas afirma que o Juiz só deve decidir com base nos fatos alegados e provados pelas partes (Iudex secundum allegata et probata a partibus iudicare debet); o outro declara que o que não está no processo não está no mundo (Quod non est in actis, non est in hoc mundo).” 4
Nesse sentido alguns precedentes desta Corte de Justiça:
“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO - CICLISTA QUE ATRAVESSA RODOVIA DESCUIDADAMENTE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333, INCISO I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO. Incumbe ao autor o ônus da prova, quanto ao fato constitutivo do seu direito, ex vi do artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil.”5
“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ACIDENTE DE VEÍCULO. ALEGAÇÃO DE QUE MOTORISTA DO CAMINHÃO DE PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO FOI RESPONSÁVEL PELO ABALROAMENTO. (...) 2. ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PARA FIRMAR O CONVENCIMENTO DO JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE TESTEMUNHAS OCULARES. BOLETIM DE OCORRÊNCIA QUE NÃO CONSIGNOU A POSIÇÃO DOS VEÍCULOS NO MOMENTO DA COLISÃO OU O SENTIDO EM QUE SE ENCONTRAVAM, TENDO OS CAMINHÕES SIDO RETIRADOS DO LOCAL DO ACIDENTE ANTES DA CHEGADA DA POLÍCIA. FRAGILIDADE DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. CULPA DO RÉU E NEXO DE CAUSALIDADE NÃO-DEMONSTRADOS. SENTENÇA INCENSURÁVEL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DESCABIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. O ônus probatório é o que se espera da parte em provar o alegado. Inobservado este ônus, não pode esperar julgamento favorável.”6
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO SUMÁRIA DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - CONJUNTO PROBATÓRIO - ÔNUS DA PROVA DO APELANTE - APLICAÇÃO DO ART. 333, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO PRETENDIDO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. O conjunto probatório não permite concluir quem deu causa ao evento danoso. Cabia ao apelante provar que o apelado deu causa ao sinistro, o que não ocorreu (art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil). Não há dever de indenizar da parte quando não restou provada a culpa que lhe é atribuída em relação ao fato danoso.”7
No mesmo sentido, em julgamento recente, decidiu este Colegiado a unanimidade de votos que:
“Apelação Cível. Reparação de danos. Acidente de trânsito. Abalroamento entre um ônibus e um caminhão. Ausência de prova conclusiva acerca da culpa do motorista do caminhão. Ônus da prova que competia à autora. Inteligência do inc. I, do art.333, do CPC. Sentença mantida. Recurso desprovido.
Para que a sentença possa ser categórica quanto à culpa, é necessária a produção de prova robusta nesse sentido. Havendo, como no caso em tela, contradição na prova coligida, impõe-se a improcedência do pedido inicial, considerando-se que o ônus da prova constitutiva de seu direito incumbe ao autor (art. 333, I, do CPC) (TJPR - 4ª C.Cível - AC 0387305-8 - Rel.: Desª Anny Mary Kuss).”8
Diante do exposto, não havendo prova robusta de que a colisão tenha sido causada por culpa da Requerida TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção Ltda., nega-se provimento ao recurso de apelação, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido por esta Relatora, e dele participaram os Senhores Desembargador JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO e Juiz Convocado SÉRGIO LUIZ PATITUCCI.
Curitiba, 02 de outubro de 2008.
ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN
Desembargadora Relatora
1 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: teoria geral do processo. v. 1 - 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 328.
2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 914.
3 Sentença (fls. 289/290).
4 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 300-301.
5 TJPR - AC 350.045-0, Ac 8713, Oitava Câmara Cível, Rel. Macedo Pacheco, Julgamento: 06.09.2007.
6 TJPR - AC 362.591-8, Ac 28013, Quarta Câmara Cível, Rel. Marcos de Luca Fanchin, Julgamento: 12.06.2007.
7 TJPR - AC 389.348-1, Ac 16794, Quinta Câmara Cível, Rel. Luiz Mateus de Lima, Julgamento: 16.01.2007.
8 TJPR - AC 480.395-6, Nona Câmara Cível, Rel. Dês. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima, Julgamento: 12.06.2008.
APELANTE: JANAINA LOPES FARIAS
APELADA : TCCC - TRANSPORTE COLETIVO CIDADE CANÇÃO LTDA
RELATORA: DESª. ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - DEMONSTRAÇÃO DA CULPA PELO ACIDENTE - ÔNUS DO AUTOR - ART. 333, I, DO CPC - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS PARA JUSTIFICAR A INDENIZAÇÃO. APELO DESPROVIDO.
Sem elementos probatórios que possibilitem o alcance de um juízo seguro acerca da culpabilidade pelo evento danoso, não se pode impor à Requerida uma condenação a indenizar a Autora, a qual não se desincumbiu do ônus de comprovar suas alegações, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 475.850-9, da Comarca de Maringá, 4ª Vara Cível, em que é Apelante Janaina Lopes Farias e Apelada TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção Ltda.
Janaina Lopes Farias ajuizou Ação de indenização por Ato Ilícito com Danos Materiais c/c Danos Estéticos, Físicos, Morais e Pensão Alimentícia (autos nº. 760/2003), em face de TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção Ltda. alegando, em síntese, que sofreu acidente automobilístico provocado por ônibus de propriedade da Requerida, o qual ocorreu por negligência e imprudência do motorista, devendo a empresa responder solidariamente pelos danos causados. Ademais, teve prejuízo material na ordem de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), e lesões físicas que exigiram tratamento médico no valor de R$ 1.346,20 (Um mil, trezentos e quarenta e seis reais e vinte centavos), além de ficar incapacitada para o trabalho. Requer, assim, a condenação do Requerido ao pagamento de R$ 13.600,00 (treze mil e seiscentos reais) para ressarcir tratamento médico; R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) pela perda do veículo; valor a ser arbitrado, mas não inferior a mil salários mínimos, por danos estéticos e morais; pensão alimentícia de três salários mínimos mensais, com correção e juros e encargos de sucumbência.
O Requerido contestou às folhas 96/126.
A sentença de fls. 284/291 julgou improcedente o pedido e condenou a Autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 600,00 (seiscentos reais), sendo que a parte beneficiada pela isenção do pagamento ficará obrigada a pagar as custas.
Inconformada com a r. decisão, apela a Autora, fls. 293/309, requerendo a reforma da sentença para que se julgue procedente o pedido de indenização, condenando-se a Apelada ao pagamento dos danos morais, estéticos, físicos, materiais e outras cominações legais, além das custas e honorários.
Com as contra-razões da Apelada (fls. 314/329), vieram os autos à conclusão.
É o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Alega a Autora que o veículo de sua propriedade, VW/Fusca, ano 1979, foi atingido pelo veículo de propriedade da empresa Requerida - TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção, na ocasião dirigido por seu funcionário Roberto Dias da Silveira, no cruzamento da Avenida Duque de Caxias com a Rua Joubert de Carvalho, na cidade de Maringá, em torno das 23h35min do dia 26/07/2000. Atribui a causa pelo acidente ao desrespeito ao sinal vermelho do semáforo e velocidade incompatível com o local do sinistro, por parte do condutor do veículo da Apelada, quando transitava pela Rua Joubert de Carvalho.
Sustenta, ainda, a necessidade de reforma da sentença monocrática, para que seja reconhecida a responsabilidade da Apelada pelos danos materiais, estéticos, físicos e morais que teve com a colisão envolvendo seu veículo, eis que restou comprovado que o preposto da apelada dirigia com velocidade incompatível com o local, o que enseja a culpa dos Requeridos pelo acidente.
Trata-se de acidente de trânsito em via urbana, controlada por sinal semafórico, cabendo à Autora provar a presença dos seguintes requisitos: o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Contudo, no caso em tela, não restou comprovado que efetivamente a Apelada tenha sido a causadora do evento danoso, isto porque a Autora não logrou êxito em demonstrar que a colisão se deu por culpa da ora Recorrida. Segundo o art. 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe ao Autor quanto ao fato constitutivo e ao réu em relação à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Sobre a temática, assim se pronuncia Luiz Guilherme Marinoni:
“O ônus da prova indica que a parte que não produzir prova se sujeitará ao risco de um resultado desfavorável. Ou seja, o descumprimento desse ônus não implica, necessariamente, num resultado desfavorável, mas no aumento do risco de um julgamento contrário.” 1
Mesmo entendimento apresenta Carlos Roberto Gonçalves:
“É de lei que o ônus da prova incumbe a quem alega (CPC, art. 333, I). Ao autor, pois, incumbe a prova, quanto ao fato constitutivo do seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (inc. II).
A vontade concreta da lei só se afirma em prol de uma das partes se demonstrado ficar que os fatos, de onde promanam os efeitos jurídicos que pretende, são verdadeiros. (...) Claro está que, não comprovados tais fatos, advirão para o interessado, em lugar da vitória, a sucumbência e o não-reconhecimento do direito pleiteado (Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, Forense, v. 3, p. 379)”.2
Feitas tais considerações, entendo que a Autora-Apelante não se desincumbiu do ônus de comprovar de quem foi o comportamento culposo que culminou na colisão entre os veículos, ou seja, quem realizou a transposição do cruzamento com o semáforo fechado, incorrendo em atitude negligente ou se a velocidade do ônibus era incompatível com o local do acidente.
O Boletim de Ocorrência (fl. 53) apenas descreve o acidente:
“O V1 transitava pela Av. Joubert de Carvalho, procedente a R. Basílio Saltichuck, e seguia em dir4eção à Trav. Guilherme de Almeida; quando no cruzamento com a av. Duque de Caxias, se envolveu em um abalroamento transversal, com o V2 que transitava pela última via citada procedente da av. Tamandaré, e seguia em direção à av. Brasil. Do ocorrido o v1, sofreu avarias no pára-choque dianteiro e o V2 sofreu avarias de grande monta em todas as regiões. Saiu ferida a condutora do V2 Janaína Lopes Farias, de 22 anos, que foi socorrida pelo SIATE e encaminhada ao H.Sta Casa. O croqui foi elaborado através de informações do condutor do V1, vestígio na via com os veículos no local.(...) Via pavimentada, com semáforo ciclo visual, funcionando em 2 tempos.”
Do excerto transcrito não é possível concluir nada a respeito da culpa na configuração do evento danoso. As declarações (fls. 57/59) prestadas pelas testemunhas, são no sentido de que o ônibus não estava em alta velocidade e que o sinal semafórico era desfavorável à Apelante. Em juízo compareceram o Sr. Manoel Santander Moraes (fls. 217 - testemunha dos requeridos) relatando que a Autora desrespeitou o sinal vermelho; o cobrador do ônibus Sr. Cezar Donizete Alexandre (fls. 196) dizendo que o ônibus vinha em baixa velocidade e que passou pelo sinal verde e ainda a testemunha (fls. 195) da Autora, o policial militar Gilmar Gomes, porém este nada esclareceu sobre a dinâmica do acidente, somente se ateve a explicar sobre a elaboração do boletim de ocorrências e o local do sinistro. Embora tenha a Apelante de todas as formas tentado desacreditar as testemunhas, nada fez para provar o contrário.
A colheita da prova testemunhal não alcançou maior êxito em demonstrar as alegações da parte autora. Como bem relatou a sentença:
“8. - De sorte que, no caso em exame, atendimento à pretensão da autora dependeria da prova de que a preferência de passagem era dele, e não do ônibus. Não existe prova disso.
Trata-se de batida em cruzamento sinalizado por semáforo. É sabido que é sempre muito difícil comprovar-se, em casos assim, a qual dos envolvidos pertencia a prioridade de passagem. Ma, por mais difícil que seja a prova a respeito, o ônus de produzi-la era da autora. E ela não o cumpriu.”3
Portanto, diante da impossibilidade de se estabelecer um juízo seguro acerca da culpabilidade pela ocorrência do evento danoso, não há como se acolher a pretensão da Apelante.
A apelação traz inúmeras tentativas de demonstrar a culpa do motorista do outro veículo no acidente, sem qualquer amparo nas provas trazidas aos autos. Não é possível basear um juízo em conjecturas, ilações acerca do caso, da forma como ocorreu ou como foi exposta. O juiz, frente à hodierna sistemática processual, apanha todo o conjunto probatório na sua globalidade para aferir seu convencimento.
Depreende-se do conjunto probatório a inexistência de provas seguras de que tenha partido da Requerida a atitude negligente que ocasionou o acidente. A prova testemunhal não conseguiu demonstrar a culpabilidade pelo evento danoso, e as alegações da Apelante não podem ser utilizadas como fundamento para eventual condenação, eis que para a responsabilidade civil é preciso que reste demonstrada de forma inequívoca a culpa alegada, ônus que nesse caso é da Autora, nos termos do artigo 333, I, do CPC.
A doutrina de Ovídio Batista, ao enfrentar a matéria do ônus probatório, foi muito feliz ao comentar:
“O princípio segundo o qual o Juiz não pode valer-se de fatos de seu conhecimento privado foi defendido calorosamente por Bentham (Tratado de las pruebas judiciales, Capítulo XVIII). Segundo o célebre jurista e filósofo inglês, o Juiz não pode pronunciar uma decisão sobre uma questão de fato que não esteja estabelecida por escrito ou provada por testemunhas, assegurado o princípio do contraditório. Há dois aforismos latinos que sustentam essa regra da necessidade de prova; uma delas afirma que o Juiz só deve decidir com base nos fatos alegados e provados pelas partes (Iudex secundum allegata et probata a partibus iudicare debet); o outro declara que o que não está no processo não está no mundo (Quod non est in actis, non est in hoc mundo).” 4
Nesse sentido alguns precedentes desta Corte de Justiça:
“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO - CICLISTA QUE ATRAVESSA RODOVIA DESCUIDADAMENTE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DOS FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 333, INCISO I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO. Incumbe ao autor o ônus da prova, quanto ao fato constitutivo do seu direito, ex vi do artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil.”5
“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. ACIDENTE DE VEÍCULO. ALEGAÇÃO DE QUE MOTORISTA DO CAMINHÃO DE PROPRIEDADE DO MUNICÍPIO FOI RESPONSÁVEL PELO ABALROAMENTO. (...) 2. ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PARA FIRMAR O CONVENCIMENTO DO JUÍZO. INEXISTÊNCIA DE TESTEMUNHAS OCULARES. BOLETIM DE OCORRÊNCIA QUE NÃO CONSIGNOU A POSIÇÃO DOS VEÍCULOS NO MOMENTO DA COLISÃO OU O SENTIDO EM QUE SE ENCONTRAVAM, TENDO OS CAMINHÕES SIDO RETIRADOS DO LOCAL DO ACIDENTE ANTES DA CHEGADA DA POLÍCIA. FRAGILIDADE DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. CULPA DO RÉU E NEXO DE CAUSALIDADE NÃO-DEMONSTRADOS. SENTENÇA INCENSURÁVEL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DESCABIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. O ônus probatório é o que se espera da parte em provar o alegado. Inobservado este ônus, não pode esperar julgamento favorável.”6
“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO SUMÁRIA DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - CONJUNTO PROBATÓRIO - ÔNUS DA PROVA DO APELANTE - APLICAÇÃO DO ART. 333, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO PRETENDIDO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. O conjunto probatório não permite concluir quem deu causa ao evento danoso. Cabia ao apelante provar que o apelado deu causa ao sinistro, o que não ocorreu (art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil). Não há dever de indenizar da parte quando não restou provada a culpa que lhe é atribuída em relação ao fato danoso.”7
No mesmo sentido, em julgamento recente, decidiu este Colegiado a unanimidade de votos que:
“Apelação Cível. Reparação de danos. Acidente de trânsito. Abalroamento entre um ônibus e um caminhão. Ausência de prova conclusiva acerca da culpa do motorista do caminhão. Ônus da prova que competia à autora. Inteligência do inc. I, do art.333, do CPC. Sentença mantida. Recurso desprovido.
Para que a sentença possa ser categórica quanto à culpa, é necessária a produção de prova robusta nesse sentido. Havendo, como no caso em tela, contradição na prova coligida, impõe-se a improcedência do pedido inicial, considerando-se que o ônus da prova constitutiva de seu direito incumbe ao autor (art. 333, I, do CPC) (TJPR - 4ª C.Cível - AC 0387305-8 - Rel.: Desª Anny Mary Kuss).”8
Diante do exposto, não havendo prova robusta de que a colisão tenha sido causada por culpa da Requerida TCCC - Transporte Coletivo Cidade Canção Ltda., nega-se provimento ao recurso de apelação, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto acima relatado.
O julgamento foi presidido por esta Relatora, e dele participaram os Senhores Desembargador JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO e Juiz Convocado SÉRGIO LUIZ PATITUCCI.
Curitiba, 02 de outubro de 2008.
ROSANA AMARA GIRARDI FACHIN
Desembargadora Relatora
1 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil: teoria geral do processo. v. 1 - 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 328.
2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 914.
3 Sentença (fls. 289/290).
4 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 300-301.
5 TJPR - AC 350.045-0, Ac 8713, Oitava Câmara Cível, Rel. Macedo Pacheco, Julgamento: 06.09.2007.
6 TJPR - AC 362.591-8, Ac 28013, Quarta Câmara Cível, Rel. Marcos de Luca Fanchin, Julgamento: 12.06.2007.
7 TJPR - AC 389.348-1, Ac 16794, Quinta Câmara Cível, Rel. Luiz Mateus de Lima, Julgamento: 16.01.2007.
8 TJPR - AC 480.395-6, Nona Câmara Cível, Rel. Dês. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima, Julgamento: 12.06.2008.
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