Apromac x Sanepar
AÇÃO CIVIL PÚLBICA 153/2002
Comarca de Cianorte
Fase:31/10/2008- PREP. LISTA DIARIO
APROMAC - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DE CIANORTE, associação civil fundada em 21.09.1985, inscrita no CNPJ/MF sob nº 79.079.430/0001-09, com sede na Avenida América, nº 4.000, em Cianorte-Pr, por procurador regularmente constituído, ajuizou ação civil pública em face de SANEPAR - COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ, empresa de economia mista estadual, inscrita no CNPJ/MF sob nº 76.484.013/0001-45, com sede na Rua Engenheiro Rebouças, nº 1.376, em Curitiba-PR e INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP, autarquia estadual, inscrita no CNPJ/MF sob nº 68.596.162/0001-78, com sede na Rua Engenheiro Rebouças, nº 1.206, Curitiba-PR, objetivando: a) a declaração de nulidade das licenças expedidas pelo IAP sem a exigência do EIA/RIMA; b) condenação da Sanepar na realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental para solicitação de licença de instalação e operação de suas atividades de coleta e tratamento de efluentes domésticos do Município; c) condenação da Sanepar e IAP a indenizar dano moral ambiental em duzentos mil reais, para cada um, numerário a ser destinado ao Fundo Municipal do Meio Ambiente de Cianorte; d) condenação da Sanepar a construir tanques extravasores para a prevenção de danos e e) condenação da Sanepar a indenizar pelo dano à biota em valor a ser estimado pelo Juízo destinado, este, ao Fundo Municipal do Meio Ambiente de Cianorte (f. 112).Pediu liminar para que o IAP apresentasse os documentos faltantes e suspensão da licença concedida à Sanepar, além da efetivação de medidas que inibissem o dano ambiental futuro, com multa diária.Discorreu sobre o dano ambiental perpetrado pela Sanepar, em 10.05.01, ao deixar vazar esgoto de suas instalações para as galerias pluviais e destas para a mata do Parque Municipal do Cinturão Verde e para o Córrego São Tomé, durante oito horas, inviabilizando a utilização da água deste pela população ribeirinha, com conseqüente degradação ao meio ambiente.Alertou que o dano poderia ter sido evitado com a existência de tanque de reserva.Atribuiu à causa o valor de R$400.000,00.Pleiteou liminar com incidência de multa diária para caso de descumprimento.Na decisão inaugural o ilustre Juiz antecessor deferiu parcialmente a liminar pleiteada, determinando à Sanepar a adoção de medidas de prevenção a fim de evitar novas ocorrências (construção de reservatórios extravasores), cominando multa diária de mil reais para caso de descumprimento, além de determinar que o IAP prestasse as informações pleiteadas, sob pena de multa de quinhentos reais.Citada, a Sanepar apresentou contestação, alegando, em síntese, que a construção da Elevatória de Esgotos foi tomada em conjunto com o Município de Cianorte (Poder Executivo), em 1988. Em 1993 tal obra foi concluída e atendia a NBR 12208. Todavia, apesar do funcionamento regular da Elevatória, o sistema coletor de esgotos enfrentou alguns problemas decorrentes da inundação proveniente do mau dimensionamento da Galeria de Águas Pluviais do Município, provocando erosão nas proximidades da Elevatória, além desta estar situada num local desabitado, porém com o crescimento urbano agora é vizinha a residências.Disse que o extravasamento do esgoto se deu por defeito na bóia, ocasionando a paralisação do sistema que funcionava perfeitamente.Enfatizou que não houve dano ambiental, inexistindo mortandade de peixes e devido ao extravasamento pequeno de volume de esgoto em horário noturno.Informou que várias alternativas para solução do problema foram declinadas ao IAP, chegando-se a um consenso, razão da improcedência da pretensão.Defendeu a desnecessidade de realização de EIA/RIMA para construção de Elevatórias de Esgoto, haja vista ser projeto técnico simples cuja funcionalidade é conhecida, além da submissão à prévia aprovação do projeto por ocasião do pedido de Licença Prévia e de Instalação.Insurgiu-se contra a construção de tanques extravasores, já que a Estação Elevatória de Esgoto, segundo acordo extrajudicial, seria eliminado e substituído por emissário de esgoto.O IAP, por sua vez, contestou o pedido, aduzindo que todas as licenças foram precedidas de estudos e avaliações técnicas dos planos/projetos ambientais apresentados pela Sanepar e empreendedora.Levantou a desnecessidade de EIA/RIMA para licenciamento de Estação de Tratamentos de Esgoto - ETE.Impugnação a f. 327.Após a perícia e alegações finais, vieram os autos para julgamento.O Ministério Público opinou pela procedência da pretensão.É o relatório. Decido.F U N D A M E N T A Ç Ã OTrata-se de ação civil pública que visa à apuração de danos ao meio ambiente provocados pelos requeridos.Da defesa do IAPA preliminar de nulidade da prova pericial argüida pelo IAP não merece prosperar.Tal se dá porque a prova é dirigida ao Juiz e este, com base no artigo 130 do CPC pode determinar a realização de qualquer prova para esclarecimento da lide. E efetivamente em casos tais não tem o Julgador conhecimento técnico para chegar a qualquer conclusão sem a perícia.Não houve apresentação de toda documentação à autora quando por ela pleiteado administrativamente.Por certo que de acordo com o artigo 8° da Lei 7.347/85 a autora tinha o direito às certidões e informações, no prazo de quinze dias, sendo que a remessa desses documentos ao Ministério Público não isenta o IAP de sua apresentação à associação autora.Tanto é verdade que em decisão liminar houve a determinação pelo Juízo de apresentação dos documentos, razão da confirmação da liminar neste tópico.Em tema de mérito, mister averbar que efetivamente não havia necessidade da exigência do EIA (Estudo de Impacto Ambiental) no caso em tela.O artigo 2° da Resolução CONAMA 001/86 preconiza que “dependerá d laboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental, a serem submetidos à aprovação do órgão ambiental estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como? (...) V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários”.Por sua vez, a Resolução SEMA 031, de 1998, artigo 56 aduz que “considerando o tipo, o porte e a localização; dependerá de elaboração de EIA/RIMA, a ser submetido à aprovação do IAP, excetuados os casos de competência federal, o licenciamento ambiental de empreendimentos, atividades ou obras consideradas de significativo impacto ambiental, tais como ? (...) IX - Troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; XVI - Estações d tratamento e disposição final de esgotos sanitários”.O artigo 12 da Resolução CONAMA-237/97 aduz que “o órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento, e ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação. §1°? Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente”.Pois bem.No caso em tela existe a Licença de Instalação e Licença Prévia para a primeira etapa do sistema de esgoto de Cianorte e datam de 1.993. As Elevatórias de Esgoto nos Rios Catingueiro e São Tomé têm Licença de Instalação, sob n° 02305 (f. 20 do laudo pericial), e somente foi exigido PCA (Plano de Controle Ambiental) e não EIA.E apesar do Ministério Público defender que o elenco de atividades potencialmente degradadoras que exigem o EIA para serem licenciadas constante da Resolução 001/86 do CONAMA não ser numerus clausus, por certo que o Poder Público tem a faculdade de não exigir o EIA em casos onde não consta tal obrigatoriedade. Isto porque age, como sabido em Direito Administrativo, segundo a lei. E por não constar tal obrigatoriedade, agiu com certa discricionariedade. Aliás, não se pode esquecer que, como bem disse o ilustre perito, as obras de saneamento e esgotos trazem mais benefícios à população do que custos ambientais, razão mesmo de não se exigir o EIA.Vale dizer: não sendo imposto pela lei como proceder, a Administração atua com maior liberdade, com maior discricionariedade.A perícia concluiu que “as licenças foram emitidas conforme as leis e normas estaduais” (f. 33).Assim, a outra solução não resta que a conclusão de não obrigatoriedade de ter o IAP exigido o EIA quando das licenças de instalação. E, portanto, não pode ser condenado solidariamente à indenização por dano ambiental por omissão do IAP. Tampouco deve ser declarada a nulidade das licenças já expedidas pelo órgão estatal.Mas, de outro lado, deve ser confirmada a liminar no que toca à apresentação dos documentos à autora, razão de ser parcialmente procedente o pedido em relação ao IAP.Da defesa da SaneparEm relação à Sanepar o pedido inicial é de obrigação de fazer relativa à construção de tanque de contenção e medidas de prevenção para evitar novos extravasamentos na sua Estação Elevatória, bem como indenização por danos ambientais e morais e na obrigatoriedade de confeccionar EIA para novas licenças.Para melhor abertura de linha de raciocínio, de rigor algumas breves considerações acerca do primordial objetivo da ação civil pública que aqui está a se tratar.O escoliasta PAULO AFFONSO LEME MACHADO aduziu que “as finalidades da ação civil pública são? cumprimento da obrigação de fazer, cumprimento da obrigação de não fazer e/ou a condenação em dinheiro. A ação visa defender o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” .Igualmente, ÉDIS MILARÉ asseverou que “a ação civil pública é arma de espectro mais amplo, posto que dirigida não só contra o Estado mas também em face dos particulares que causem danos àqueles bens ou valores. Pode, bem de ver, não só anular atos como, ainda, exigir obrigações de fazer ou de não fazer, abrindo ampla possibilidade de defesa ao patrimônio cultural” .Extrai-se, em conclusão, de tais ensinamentos que a ação civil pública tem como pedido principal uma obrigação de fazer, de não fazer e/ou condenação em dinheiro.É fato incontroverso a ocorrência do acidente no dia 10.05.01. E o perito afirmou que o projeto inicial continha falhas em desacordo com a NBR 12.208: ausência de sistema de alarme e monitoramento, inexistência de tanque extravasor e ligação com a galeria de águas pluviais, omitidas no projeto executivo.E durante as vistorias foi constatado que houve resolução dos problemas (f. 10 do laudo):”1. instalação do sistema de alarme e monitoramento através de linha telefônica que informa aos plantonistas sobre possíveis problemas operacionais na elevatória;2. Construção do tanque de extravasamento com capacidade para aproximadamente 2 (duas) horas de acumulação;3. Fechamento das tubulações que estavam em fluxo direto com as galerias de águas pluviais;4. Foi substituído o regulador de nível (bóia) por um sistema mais eficiente, o sonar;5. Foram contratados os serviços de uma empresa de autofossa para a coleta de esgoto que possam se acumular na EEE I-2 caso haja paralisação do sistema de envio;6. E uma empresa de locação de grupo gerados de energia, para possível desligamento da rede elétrica”Esclareceu a f. 23 que “o sistema de alarme foi instalado, juntamente com a construção do tanque pulmão, logo após o acontecimento de 10 de mio de 2001”.A Sanepar, assim e após o acidente de 2001, construiu o tanque extravasor, conforme informação da perícia, onde tem capacidade para 2 horas de acumulação. Igualmente outras medidas foram tomadas como acima relacionado.Todavia, tão-somente o tanque extravasor com tal capacidade não foi suficiente para evitar nova ocorrência: em dezembro de 2004 e em setembro de 2007. Veja-se que apesar da Sanepar alegar não ser sua responsabilidade, por certo que é, já que ela quem executou o projeto e o fiscaliza constantemente. A responsabilidade, em se tratando de meio ambiente, é objetiva, independente da culpa ou dolo.E na decisão liminar de f. 119 foi determinada a construção de reservatórios extravasores com capacidade para no mínimo dois dias de vazão ininterrupto, com multa diária de mil reais para caso de descumprimento. Mas a liminar, pelo que se extrai do laudo e também dos novos acidentes, não foi cumprida. Evidente que se a capacidade do tanque fosse maior, como declinado na liminar, ocorrências iguais a essa seriam quase que impossíveis, vez que a fiscalização diária da Sanepar teria tempo suficiente para comprovar a irregularidade no funcionamento do sistema. Mas não cumpriu a liminar.Consoante laudo apresentado ficou constatado verdadeiro dano ao meio ambiente, discorrendo o perito “que o acidente contaminou o Ribeirão São Tomé e provocou degradação do Parque Cinturão Verde. Ao omitir detalhes técnicos no projeto da estaco elevatória, a requerida na concessão dos serviços de gestora do sistema de esgotos na cidade de Cianorte, foi falha na prevenção de um possível acidente, como o ocorrido do dia 10 de maio de 2001. Ficou constatado que as medidas necessárias para que isso não ocorra novamente, foram tomadas e assim, caso haja problema semelhante está a elevatória, teoricamente, preparada para atender as necessidades daquela região”.Mas como o Juízo não está totalmente adstrito ao laudo e pelos quesitos e conclusões do sr. Perito, esta magistrada entende que a construção de um tanque extravasor com maior capacidade, conforme declinado na inicial, seria suficiente, juntamente já com outras soluções adotadas pela Sanepar, para amenizar ou quase que inviabilizar qualquer outro evento desse porte.Considerando, de outro vértice, que pela conclusão do perito houve completo restabelecimento do Ribeirão São Tomé, ao menos no que toca ao acidente de 2001, com exclusão de outros fatores, por certo que não se fala em dano material experimentado, até porque o meio ambiente já foi recomposto naturalmente, objetivo maior da ação civil pública. Veja-se que a condenação em dinheiro cabe somente quando não se conseguir mais recuperar o meio ambiente, não sendo o caso dos autos.Aliás, pelos pedidos de f. 18 se extrai que a autora não pediu dano material.É cabível dano moral ambiental.O ilustre Juiz de Direito, hoje da 8ª Vara Cível de Londrina, JOSÉ RICARDO ALVAREZ VIANNA discorre com propriedade sobre o tema:”A despeito das discussões desse porte, resta esclarecer? há danos morais em sede de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente? A resposta é, seguramente, afirmativa.Primeiro, deve-se lembrar que o meio ambiente é bem e uso comum - res communes omnium -. É bem difuso, interessa a todos os membros da sociedae. Ofendido o bem ambiental, ofendidos estarão todos os membros da sociedade.(...)É, pois, com base nessa trilha que já existem leis admitindo, expressamente, a indenizabilidade dos danos morais quando agredido o meio ambiente. Exemplo disso, extrai-se do disposto na Lei 7.347, de 24.07.1985, com nov redação dada pela Lei 8.884, de 11.07.1994, a saber?Art. 1°. Regem-se pelas disposições desta lei, se prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados?II - ao meio ambiente(...)”.E continua:”O dano moral ambiental, dessa forma, irá se contrapor ao dano moral ambiental material. Este afeta, por exemplo, a própria paisagem natural, ao passo que aquele se apresentará como um sentimento psicológico negativo junto à comunidade respectiva. Nessas condições, o dano material ambiental poderão ou não ensejar um dano moral ambiental. Dependerá de como tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o bem ambiental afetado. Se gerar um sentimento de comoção social negativo, de intranqüilidade, de desgosto, haverá também um dano moral ambiental” (in Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente - Juruá Editora - pág. 135/136 - 2006).E pelo dano ambiental ocorrido com poluição do Ribeirão São Tomé restou caracterizada a repercussão negativa na sociedade, inclusive sendo objeto da perícia, devendo, então, a Sanepar suportar indenização por abalo moral à sociedade no valor de R$200.000,00, em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente de Cianorte, sem prejuízo da multa diária por não ter cumprido a liminar e que será objeto de execução de sentença. Nesta oportunidade o Julgador poderá reduzir a multa caso a entenda elevada.O valor elevado teve como parâmetro os acidentes ocorridos desde 2001 e após o ajuizamento da ação civil pública.A procedência parcial da pretensão, pois, se impõe.D I S P O S I T I V ODiante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos contidos na Ação Civil Pública promovida por APROMAC - Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte em face de Sanepar - Companhia de Saneamento do Paraná, para o fim de: 1) condenar a parte ré em obrigação de fazer, consistente na construção de tanque extravasor com capacidade para dois dias de acumulação, confirmando-se a liminar outrora concedida e já passado o prazo de conclusão da obra, com multa diária de mil reais a partir do descumprimento da liminar; b) condenar a ré nos danos morais ambientais no valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais) a ser pago ao Fundo Municipal de Meio Ambiente, acrescido de correção monetária pelo INPC a partir do evento danoso (maio de 2001) e juros de mora de 1% ao mês, estes a partir da citação, o que faço com esteio no artigo 269, I, do CPC.Em atenção ao artigo 20 e 21 do Código Processual Civil, condeno ainda a parte ré no pagamento das custas, inclusive do laudo pericial, e 70% dos honorários de sucumbência, os quais, nos termos do artigo 20, § 3o , do mesmo diploma legal, fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valorados o zelo profissional, a complexidade da causa e ainda o tempo despendido para a prestação jurisdicional definitiva. Deixo de condenar a autora na sucumbência parcial porque não obrou de má-fé (artigo 18 da LACP).Julgo parcialmente procedente o pedido contido nesta ação em face de IAP, para o fim de tão-somente reconhecer que não houve entrega dos documentos à associação autora no prazo pleiteado, confirmando-se a liminar outra concedida, o que faço com esteio no artigo 269,1, do CPC.Sm honorários devidos pela autora.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Comunique-se ao Fundo Municipal do Meio Ambiente.Ciência ao Ministério Público.
Comarca de Cianorte
Fase:31/10/2008- PREP. LISTA DIARIO
APROMAC - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DE CIANORTE, associação civil fundada em 21.09.1985, inscrita no CNPJ/MF sob nº 79.079.430/0001-09, com sede na Avenida América, nº 4.000, em Cianorte-Pr, por procurador regularmente constituído, ajuizou ação civil pública em face de SANEPAR - COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ, empresa de economia mista estadual, inscrita no CNPJ/MF sob nº 76.484.013/0001-45, com sede na Rua Engenheiro Rebouças, nº 1.376, em Curitiba-PR e INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP, autarquia estadual, inscrita no CNPJ/MF sob nº 68.596.162/0001-78, com sede na Rua Engenheiro Rebouças, nº 1.206, Curitiba-PR, objetivando: a) a declaração de nulidade das licenças expedidas pelo IAP sem a exigência do EIA/RIMA; b) condenação da Sanepar na realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental para solicitação de licença de instalação e operação de suas atividades de coleta e tratamento de efluentes domésticos do Município; c) condenação da Sanepar e IAP a indenizar dano moral ambiental em duzentos mil reais, para cada um, numerário a ser destinado ao Fundo Municipal do Meio Ambiente de Cianorte; d) condenação da Sanepar a construir tanques extravasores para a prevenção de danos e e) condenação da Sanepar a indenizar pelo dano à biota em valor a ser estimado pelo Juízo destinado, este, ao Fundo Municipal do Meio Ambiente de Cianorte (f. 112).Pediu liminar para que o IAP apresentasse os documentos faltantes e suspensão da licença concedida à Sanepar, além da efetivação de medidas que inibissem o dano ambiental futuro, com multa diária.Discorreu sobre o dano ambiental perpetrado pela Sanepar, em 10.05.01, ao deixar vazar esgoto de suas instalações para as galerias pluviais e destas para a mata do Parque Municipal do Cinturão Verde e para o Córrego São Tomé, durante oito horas, inviabilizando a utilização da água deste pela população ribeirinha, com conseqüente degradação ao meio ambiente.Alertou que o dano poderia ter sido evitado com a existência de tanque de reserva.Atribuiu à causa o valor de R$400.000,00.Pleiteou liminar com incidência de multa diária para caso de descumprimento.Na decisão inaugural o ilustre Juiz antecessor deferiu parcialmente a liminar pleiteada, determinando à Sanepar a adoção de medidas de prevenção a fim de evitar novas ocorrências (construção de reservatórios extravasores), cominando multa diária de mil reais para caso de descumprimento, além de determinar que o IAP prestasse as informações pleiteadas, sob pena de multa de quinhentos reais.Citada, a Sanepar apresentou contestação, alegando, em síntese, que a construção da Elevatória de Esgotos foi tomada em conjunto com o Município de Cianorte (Poder Executivo), em 1988. Em 1993 tal obra foi concluída e atendia a NBR 12208. Todavia, apesar do funcionamento regular da Elevatória, o sistema coletor de esgotos enfrentou alguns problemas decorrentes da inundação proveniente do mau dimensionamento da Galeria de Águas Pluviais do Município, provocando erosão nas proximidades da Elevatória, além desta estar situada num local desabitado, porém com o crescimento urbano agora é vizinha a residências.Disse que o extravasamento do esgoto se deu por defeito na bóia, ocasionando a paralisação do sistema que funcionava perfeitamente.Enfatizou que não houve dano ambiental, inexistindo mortandade de peixes e devido ao extravasamento pequeno de volume de esgoto em horário noturno.Informou que várias alternativas para solução do problema foram declinadas ao IAP, chegando-se a um consenso, razão da improcedência da pretensão.Defendeu a desnecessidade de realização de EIA/RIMA para construção de Elevatórias de Esgoto, haja vista ser projeto técnico simples cuja funcionalidade é conhecida, além da submissão à prévia aprovação do projeto por ocasião do pedido de Licença Prévia e de Instalação.Insurgiu-se contra a construção de tanques extravasores, já que a Estação Elevatória de Esgoto, segundo acordo extrajudicial, seria eliminado e substituído por emissário de esgoto.O IAP, por sua vez, contestou o pedido, aduzindo que todas as licenças foram precedidas de estudos e avaliações técnicas dos planos/projetos ambientais apresentados pela Sanepar e empreendedora.Levantou a desnecessidade de EIA/RIMA para licenciamento de Estação de Tratamentos de Esgoto - ETE.Impugnação a f. 327.Após a perícia e alegações finais, vieram os autos para julgamento.O Ministério Público opinou pela procedência da pretensão.É o relatório. Decido.F U N D A M E N T A Ç Ã OTrata-se de ação civil pública que visa à apuração de danos ao meio ambiente provocados pelos requeridos.Da defesa do IAPA preliminar de nulidade da prova pericial argüida pelo IAP não merece prosperar.Tal se dá porque a prova é dirigida ao Juiz e este, com base no artigo 130 do CPC pode determinar a realização de qualquer prova para esclarecimento da lide. E efetivamente em casos tais não tem o Julgador conhecimento técnico para chegar a qualquer conclusão sem a perícia.Não houve apresentação de toda documentação à autora quando por ela pleiteado administrativamente.Por certo que de acordo com o artigo 8° da Lei 7.347/85 a autora tinha o direito às certidões e informações, no prazo de quinze dias, sendo que a remessa desses documentos ao Ministério Público não isenta o IAP de sua apresentação à associação autora.Tanto é verdade que em decisão liminar houve a determinação pelo Juízo de apresentação dos documentos, razão da confirmação da liminar neste tópico.Em tema de mérito, mister averbar que efetivamente não havia necessidade da exigência do EIA (Estudo de Impacto Ambiental) no caso em tela.O artigo 2° da Resolução CONAMA 001/86 preconiza que “dependerá d laboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental, a serem submetidos à aprovação do órgão ambiental estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como? (...) V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários”.Por sua vez, a Resolução SEMA 031, de 1998, artigo 56 aduz que “considerando o tipo, o porte e a localização; dependerá de elaboração de EIA/RIMA, a ser submetido à aprovação do IAP, excetuados os casos de competência federal, o licenciamento ambiental de empreendimentos, atividades ou obras consideradas de significativo impacto ambiental, tais como ? (...) IX - Troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; XVI - Estações d tratamento e disposição final de esgotos sanitários”.O artigo 12 da Resolução CONAMA-237/97 aduz que “o órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento, e ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação. §1°? Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente”.Pois bem.No caso em tela existe a Licença de Instalação e Licença Prévia para a primeira etapa do sistema de esgoto de Cianorte e datam de 1.993. As Elevatórias de Esgoto nos Rios Catingueiro e São Tomé têm Licença de Instalação, sob n° 02305 (f. 20 do laudo pericial), e somente foi exigido PCA (Plano de Controle Ambiental) e não EIA.E apesar do Ministério Público defender que o elenco de atividades potencialmente degradadoras que exigem o EIA para serem licenciadas constante da Resolução 001/86 do CONAMA não ser numerus clausus, por certo que o Poder Público tem a faculdade de não exigir o EIA em casos onde não consta tal obrigatoriedade. Isto porque age, como sabido em Direito Administrativo, segundo a lei. E por não constar tal obrigatoriedade, agiu com certa discricionariedade. Aliás, não se pode esquecer que, como bem disse o ilustre perito, as obras de saneamento e esgotos trazem mais benefícios à população do que custos ambientais, razão mesmo de não se exigir o EIA.Vale dizer: não sendo imposto pela lei como proceder, a Administração atua com maior liberdade, com maior discricionariedade.A perícia concluiu que “as licenças foram emitidas conforme as leis e normas estaduais” (f. 33).Assim, a outra solução não resta que a conclusão de não obrigatoriedade de ter o IAP exigido o EIA quando das licenças de instalação. E, portanto, não pode ser condenado solidariamente à indenização por dano ambiental por omissão do IAP. Tampouco deve ser declarada a nulidade das licenças já expedidas pelo órgão estatal.Mas, de outro lado, deve ser confirmada a liminar no que toca à apresentação dos documentos à autora, razão de ser parcialmente procedente o pedido em relação ao IAP.Da defesa da SaneparEm relação à Sanepar o pedido inicial é de obrigação de fazer relativa à construção de tanque de contenção e medidas de prevenção para evitar novos extravasamentos na sua Estação Elevatória, bem como indenização por danos ambientais e morais e na obrigatoriedade de confeccionar EIA para novas licenças.Para melhor abertura de linha de raciocínio, de rigor algumas breves considerações acerca do primordial objetivo da ação civil pública que aqui está a se tratar.O escoliasta PAULO AFFONSO LEME MACHADO aduziu que “as finalidades da ação civil pública são? cumprimento da obrigação de fazer, cumprimento da obrigação de não fazer e/ou a condenação em dinheiro. A ação visa defender o meio ambiente, o consumidor, os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico” .Igualmente, ÉDIS MILARÉ asseverou que “a ação civil pública é arma de espectro mais amplo, posto que dirigida não só contra o Estado mas também em face dos particulares que causem danos àqueles bens ou valores. Pode, bem de ver, não só anular atos como, ainda, exigir obrigações de fazer ou de não fazer, abrindo ampla possibilidade de defesa ao patrimônio cultural” .Extrai-se, em conclusão, de tais ensinamentos que a ação civil pública tem como pedido principal uma obrigação de fazer, de não fazer e/ou condenação em dinheiro.É fato incontroverso a ocorrência do acidente no dia 10.05.01. E o perito afirmou que o projeto inicial continha falhas em desacordo com a NBR 12.208: ausência de sistema de alarme e monitoramento, inexistência de tanque extravasor e ligação com a galeria de águas pluviais, omitidas no projeto executivo.E durante as vistorias foi constatado que houve resolução dos problemas (f. 10 do laudo):”1. instalação do sistema de alarme e monitoramento através de linha telefônica que informa aos plantonistas sobre possíveis problemas operacionais na elevatória;2. Construção do tanque de extravasamento com capacidade para aproximadamente 2 (duas) horas de acumulação;3. Fechamento das tubulações que estavam em fluxo direto com as galerias de águas pluviais;4. Foi substituído o regulador de nível (bóia) por um sistema mais eficiente, o sonar;5. Foram contratados os serviços de uma empresa de autofossa para a coleta de esgoto que possam se acumular na EEE I-2 caso haja paralisação do sistema de envio;6. E uma empresa de locação de grupo gerados de energia, para possível desligamento da rede elétrica”Esclareceu a f. 23 que “o sistema de alarme foi instalado, juntamente com a construção do tanque pulmão, logo após o acontecimento de 10 de mio de 2001”.A Sanepar, assim e após o acidente de 2001, construiu o tanque extravasor, conforme informação da perícia, onde tem capacidade para 2 horas de acumulação. Igualmente outras medidas foram tomadas como acima relacionado.Todavia, tão-somente o tanque extravasor com tal capacidade não foi suficiente para evitar nova ocorrência: em dezembro de 2004 e em setembro de 2007. Veja-se que apesar da Sanepar alegar não ser sua responsabilidade, por certo que é, já que ela quem executou o projeto e o fiscaliza constantemente. A responsabilidade, em se tratando de meio ambiente, é objetiva, independente da culpa ou dolo.E na decisão liminar de f. 119 foi determinada a construção de reservatórios extravasores com capacidade para no mínimo dois dias de vazão ininterrupto, com multa diária de mil reais para caso de descumprimento. Mas a liminar, pelo que se extrai do laudo e também dos novos acidentes, não foi cumprida. Evidente que se a capacidade do tanque fosse maior, como declinado na liminar, ocorrências iguais a essa seriam quase que impossíveis, vez que a fiscalização diária da Sanepar teria tempo suficiente para comprovar a irregularidade no funcionamento do sistema. Mas não cumpriu a liminar.Consoante laudo apresentado ficou constatado verdadeiro dano ao meio ambiente, discorrendo o perito “que o acidente contaminou o Ribeirão São Tomé e provocou degradação do Parque Cinturão Verde. Ao omitir detalhes técnicos no projeto da estaco elevatória, a requerida na concessão dos serviços de gestora do sistema de esgotos na cidade de Cianorte, foi falha na prevenção de um possível acidente, como o ocorrido do dia 10 de maio de 2001. Ficou constatado que as medidas necessárias para que isso não ocorra novamente, foram tomadas e assim, caso haja problema semelhante está a elevatória, teoricamente, preparada para atender as necessidades daquela região”.Mas como o Juízo não está totalmente adstrito ao laudo e pelos quesitos e conclusões do sr. Perito, esta magistrada entende que a construção de um tanque extravasor com maior capacidade, conforme declinado na inicial, seria suficiente, juntamente já com outras soluções adotadas pela Sanepar, para amenizar ou quase que inviabilizar qualquer outro evento desse porte.Considerando, de outro vértice, que pela conclusão do perito houve completo restabelecimento do Ribeirão São Tomé, ao menos no que toca ao acidente de 2001, com exclusão de outros fatores, por certo que não se fala em dano material experimentado, até porque o meio ambiente já foi recomposto naturalmente, objetivo maior da ação civil pública. Veja-se que a condenação em dinheiro cabe somente quando não se conseguir mais recuperar o meio ambiente, não sendo o caso dos autos.Aliás, pelos pedidos de f. 18 se extrai que a autora não pediu dano material.É cabível dano moral ambiental.O ilustre Juiz de Direito, hoje da 8ª Vara Cível de Londrina, JOSÉ RICARDO ALVAREZ VIANNA discorre com propriedade sobre o tema:”A despeito das discussões desse porte, resta esclarecer? há danos morais em sede de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente? A resposta é, seguramente, afirmativa.Primeiro, deve-se lembrar que o meio ambiente é bem e uso comum - res communes omnium -. É bem difuso, interessa a todos os membros da sociedae. Ofendido o bem ambiental, ofendidos estarão todos os membros da sociedade.(...)É, pois, com base nessa trilha que já existem leis admitindo, expressamente, a indenizabilidade dos danos morais quando agredido o meio ambiente. Exemplo disso, extrai-se do disposto na Lei 7.347, de 24.07.1985, com nov redação dada pela Lei 8.884, de 11.07.1994, a saber?Art. 1°. Regem-se pelas disposições desta lei, se prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados?II - ao meio ambiente(...)”.E continua:”O dano moral ambiental, dessa forma, irá se contrapor ao dano moral ambiental material. Este afeta, por exemplo, a própria paisagem natural, ao passo que aquele se apresentará como um sentimento psicológico negativo junto à comunidade respectiva. Nessas condições, o dano material ambiental poderão ou não ensejar um dano moral ambiental. Dependerá de como tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o bem ambiental afetado. Se gerar um sentimento de comoção social negativo, de intranqüilidade, de desgosto, haverá também um dano moral ambiental” (in Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente - Juruá Editora - pág. 135/136 - 2006).E pelo dano ambiental ocorrido com poluição do Ribeirão São Tomé restou caracterizada a repercussão negativa na sociedade, inclusive sendo objeto da perícia, devendo, então, a Sanepar suportar indenização por abalo moral à sociedade no valor de R$200.000,00, em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente de Cianorte, sem prejuízo da multa diária por não ter cumprido a liminar e que será objeto de execução de sentença. Nesta oportunidade o Julgador poderá reduzir a multa caso a entenda elevada.O valor elevado teve como parâmetro os acidentes ocorridos desde 2001 e após o ajuizamento da ação civil pública.A procedência parcial da pretensão, pois, se impõe.D I S P O S I T I V ODiante do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos contidos na Ação Civil Pública promovida por APROMAC - Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte em face de Sanepar - Companhia de Saneamento do Paraná, para o fim de: 1) condenar a parte ré em obrigação de fazer, consistente na construção de tanque extravasor com capacidade para dois dias de acumulação, confirmando-se a liminar outrora concedida e já passado o prazo de conclusão da obra, com multa diária de mil reais a partir do descumprimento da liminar; b) condenar a ré nos danos morais ambientais no valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais) a ser pago ao Fundo Municipal de Meio Ambiente, acrescido de correção monetária pelo INPC a partir do evento danoso (maio de 2001) e juros de mora de 1% ao mês, estes a partir da citação, o que faço com esteio no artigo 269, I, do CPC.Em atenção ao artigo 20 e 21 do Código Processual Civil, condeno ainda a parte ré no pagamento das custas, inclusive do laudo pericial, e 70% dos honorários de sucumbência, os quais, nos termos do artigo 20, § 3o , do mesmo diploma legal, fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valorados o zelo profissional, a complexidade da causa e ainda o tempo despendido para a prestação jurisdicional definitiva. Deixo de condenar a autora na sucumbência parcial porque não obrou de má-fé (artigo 18 da LACP).Julgo parcialmente procedente o pedido contido nesta ação em face de IAP, para o fim de tão-somente reconhecer que não houve entrega dos documentos à associação autora no prazo pleiteado, confirmando-se a liminar outra concedida, o que faço com esteio no artigo 269,1, do CPC.Sm honorários devidos pela autora.Publique-se. Registre-se. Intimem-se.Comunique-se ao Fundo Municipal do Meio Ambiente.Ciência ao Ministério Público.
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