Caso Fabíula completa um ano sem solução
Data: 13/08/2004
Autor: Elaine Utsunomiya/O Diário
Fonte: O Diário do Norte do Paraná
Há exatamente um ano escrevia-se o capítulo mais violento do trânsito de Maringá dos últimos tempos. A vida de Fabíula Regina Coalio, de apenas 12 anos, foi interrompida prematuramente no dia 13 de agosto de 2003.
O sonho de ser veterinária, de constituir família e de ter filhos foi por terra abaixo, quando o Omega (placas LIT 9608) – conduzido por Marcos Jesus da Silva, 26, – que trafegava em alta velocidade e com os faróis apagados atropelou a menina na avenida Colombo. Ele sequer prestou atendimento.
O impacto foi tão forte que o corpo da estudante foi arremessado a 66 metros de distância, conforme laudo da perícia da Polícia Civil. Silva participava de um racha, com Luiz Cavicchioli Forini, 21, de Floraí, que pilotava a outra ‘máquina’, um Omega ‘turbinado’ (placas HUI 6121). Eles desafiaram a lei e a vida. Fabíula foi vítima do abuso, da estupidez e da impunidade no trânsito.
O caso chocou a cidade. Provocou comoção geral, que há muito não se via igual. Passado um ano do crime que abalou a cidade, a família Coalio e as milhares de pessoas que assinaram o abaixo-assinado (cerca de 13 mil nomes) cobrando punição dos envolvidos e mais segurança no trânsito ainda aguardam o desfecho, uma resposta da Justiça ao caso.
PROCESSO
Para dor da família Coalio, é bem possível que a sentença aos acusados da morte da estudante não saia este ano. Depois de ouvir os réus, em abril deste ano, o juiz José Cândido Sobrinho, da 4ª Vara Criminal de Maringá vai colher os depoimentos de dez testemunhas arroladas pela acusação e que presenciaram o crime, em audiência marcada para o próximo dia 25 de novembro, às 13h30.
Em seguida, abrem-se os prazos legais para apresentação de defesa e as alegações finais das partes. Só então, o juiz dará a sentença. A agenda lotada de compromissos só possibilita a realização da audiência neste semestre.
Além do mais, o juiz da 4ª Vara Criminal aguarda o posicio-namento do Tribunal de Justiça quanto ao Habeas Corpus impe-trado pela defesa de Silva contra a decisão judicial que acolheu denúncia de homicídio doloso, que prevê pena de seis a 20 anos de reclusão, contra os réus.
A defesa sustenta que o réu seja julgado por homicídio culposo (sem intenção), cuja pena prevista é de um a três anos de reclusão revertido em pagamento de cestas básicas e prestação de serviço à comunidade.
Na realidade, o recurso foi apresentado ao Tribunal de Alçadas, que se manifestou no último dia 25 de junho – atribuindo a análise do caso como sendo de competência do TJ. “Dessa forma, o Tribunal de Alçadas fez subentender que se trata de homicídio doloso, já que o TJ só analisa este tipo de caso”, considerou o advogado Israel de Moura Batista, que atua na assistência de acusação.
“E, há precedentes. O Tribunal de Justiça já confirmou a decisão de outro juiz que acatou denúncia de homicídio doloso em um crime de trânsito, que aconteceu em Curitiba”.
JÚRI POPULAR
O criminalista lembra, ainda, que um motorista já foi levado à júri popular em Maringá, pelo atropelamento de uma criança. Em maio de 94, o advogado e gerente comercial José Carlos Pinto, 38, lançou seu Escort contra uma Saveiro que trafegava pela BR 376.
A imprudência resultou na morte da menina Fernanda Massuda Mullon, de 3 anos, e feri-mentos em seus pais, o engenheiro agrônomo Antonio Carlos Mullon, 40, e em sua esposa, Cecília Kiyomi Massuda Mullon, 35. Em agosto de 2001, os jurados entenderam que o advogado agiu dolosamente e o condenaram a sete anos de reclusão. José Carlos recorreu ao Tribunal de Justiça, mas a sentença foi mantida.
Segundo Moura, o advogado sabia que a perseguição colocava a vida de terceiros em risco e insistiu em levá-la à cabo. “Analise bem o caso Fabíula: os dois envolvidos no “racha” - Marcos Jesus da Silva e José Cavicchioli Fiorini (co-autor da morte) – tinham consciência de que estavam na via mais movimentada da cidade e que colocavam suas vidas e de outros em sério risco. Mesmo assim, insistiram na imprudente corrida que, infelizmente, resultou no atropelamento e morte da pequena Fabíula”.
DOLOSO
O advogado Israel Batista de Moura luta para que os réus vão a julgamento pelo Tribunal Popular, por entender que ambos sabiam do risco de trafegar em alta velocidade pela Colombo. “Ele (Silva) instigou o racha, concorreu para o crime e não prestou socorro”, comenta Moura.
“Até agora eles não sofreram nenhuma punição, nem mesmo administrativa, como multa, ou cassação de carteira, ao contrário, transitam normalmente com seus veículos pelas ruas de Maringá, enquanto que muitos cidadãos que dirigem normalmente têm sentido na carne a multa dos marronzinhos”, pondera indignado o criminalista.
A reportagem solicitou informações à direção da Ciretran, desde a última terça-feira, sobre a aplicação de penalidades administrativas aos réus e se eles dispõem da autorização para dirigir, mas a direção não repassou os dados até o fechamento da edição, ontem de noite.
O delegado José Maurício de Lima Filho, do 5º Distrito Policial, também os denunciou por crime doloso junto ao Ministério Público. A promotora Mônica Louise de Azevedo, da 4ª Vara Criminal, entretanto, entendeu que Marcos Jesus da Silva não matou a estudante intencionalmente.
CULPOSO
A promotora preferiu seguir a linha de raciocínio mais comum, ao desqualificar o crime de dolo eventual. “Há anos de estudo atrás dessa decisão. Não tomei decisão para atender ao clamor público. Para haver o dolo é preciso ter a previsão e a vontade que o evento ocorra”, justificou.
A reviravolta do caso aconteceu em março deste ano, com o aditamento de uma nova denúncia do MP. A promotora substituta Michele Nader, com o apoio dos promotores titulares Emília Ribeiro Arruda de Oliveira, Edson Aparecido Cemensati e Laércio Januário de Almeida, qualificaram o crime como homicídio doloso.
Na denúncia, acolhida pelo juiz da 4ª Vara Criminal, Mi-chele destaca que embora não querendo propriamente o evento final, ao dirigir em velocidade incompatível com à segurança do trânsito urbano, “demonstrou gosto pelo perigo, previu o resultado como possível e o admitiu como conseqüência de sua conduta, sendo para ele completamente indiferente viesse, ou não atropelar alguém”.
Ainda para promotora, Luiz Cavicchioli incentivou e encorajou Silva a “prosseguir na perigosa conduta”, e também “indiferente se viesse ou não a matar alguém”.
Um ano sem Fabíula
Fabíula não teve a chance de viver mais. Ela completaria 13 anos, no último dia 1º, se não tivesse sido atropelada naquele fatídico dia 13 de agosto. Há um ano, a família Coalio chora a perda da criança esfuziante que encheu suas vidas de alegria. A dor não diminui, ao contrário da saudade que só aumenta. Para os pais é difícil – se não desumano – confrontar-se com a realidade de que nem sempre o curso da história segue a ordem natural das coisas.
“Nenhuma palavra pode traduzir a dor e o vazio da morte da minha filha. Nenhuma palavra pode tocar aquele lugar no coração que morreu”, diz Márcia Regina Coalio, a mãe de Fabíula, que visita o túmulo da “princesa” a cada dois dias. “Sinto tanta saudade ...”, emenda ela, sem conter as lágrimas e olhando uma foto da caçula, com um infinito desejo de acariciá-la novamente.
“Há quinze dias não faço outra coisa senão chorar”, menciona a mãe que mantém intacto o quarto da filha como se ela estivesse prestes a voltar. “Tudo tem o cheiro dela”. E, por vezes, fala de Fabíula no presente. “Ela fez 13 anos no dia 1º de agosto”, comenta. “Fizemos uma grande festa no ano passado. Ela queria muito isso. Mais de 200 pessoas participaram deste momento tão feliz da vida dela. Certamente, a Fabíula ia querer mais festa neste ano”.
CEMITÉRIO
No lugar da festa, uma visita. Foi mais um dia de ida ao cemitério e mais um dia de muita tristeza para a família, que no último ano passou as datas festivas num clima de luto. “O Natal foi péssimo. Tive o pior Dia das Mães. Lembro que ela e os meus outros dois filhos subiam em cima da minha cama, de mim, ainda de manhã. Neste ano, os meus dois filhos subiram na cama, com o presente, e começaram a chorar”.
O Dia dos Pais também não foi diferente. “Em 2003, a Fabíula fez um cartão para o pai. Um coração vermelho, numa cartolina, que está no bolso dele desde o domingo”, relata Márcia. Inconformado com a perda da filha, Milton sofreu enfarte. A doença e a depressão o impedem de trabalhar. É de uma pequena lanchonete que a família tem na avenida Colombo, a poucos metros do local do acidente, que Regina tenta tirar o sustento da família.
Mas é no dia-a-dia que a ausência da pequena é mais sentida. “A vida não é mais a mesma e nunca será. Vivemos pela metade”, confessa. “Os almoços de domingo... A lazanha de frango que ela tanto gostava já não tem o mesmo sabor. É incrível que até nas reuniões familiares tudo acaba nela”.
JUSTIÇA
“Gostaríamos muito de agradecer todo o apoio prestado pela sociedade. Foi e é importante para que haja Justiça. A população está cansada da impunidade”. Márcia Regina só esboça um sorriso quando fala das manifestações de solidariedade que a família tem recebido de populares e da vivacidade de Fabíula. “Ela era cativante, carinhosa. Às vezes sinto ela me abraçar por trás, como fazia, dengosa”, diz. “Era inteligente e cuidadosa para atravessar a avenida (Colombo). Por isso, digo que não foi acidente, mas assassinato”, enfatiza.
“O motorista vinha com farol apagado, em alta velocidade. Ele nem freou e nem parou depois de atropelar minha menina. Catei ela no colo já morta, com o pescoço quebrado e com o sangue escorrendo pelos meus braços”, chora. “Queremos Justiça, que o caso vá para júri popular. Minha família foi arrasada, enquanto o motorista continua solto e dirigindo na cidade. A vida dele não mudou”.
Ela entende que a falta de uma resposta da Justiça à violência aumente a perigosa sensação de impunidade. “Outro dia, meu filho disse ‘mãe, o jacaré tem mais valor do que a minha irmã’. Ele estava falando da notícia de um homem condenado a dois anos de prisão por matar um jacaré. Ver que o caso da minha filha ainda não foi resolvido e que há possibilidade de o motorista (réu) pagar o que fez com cesta básica é repulsivo. Não é justo”. (Elaine Utsunomiya)
‘Prefiro vê-lo morto’
Em abril deste ano, Aparecida Figueiredo, 45, mãe de Marcos Jesus da Silva (foto), em entrevista ao O Diário, disse várias vezes que prefere ver o filho morto, a vê-lo atrás das grades. “Não vou suportar ver meu filho sendo algemado e levado para a cadeia”. “Ele trabalha desde os 10 anos. Não é um assassino como dizem. Desde o dia desse acidente nossa vida acabou. Nunca mais consegui dormir. Tenho pesadelo que chego a pular da cama”, diz.
Aparecida não acredita que o filho estivesse participando de um racha. “Pegaram meu filho pra Cristo. Foi uma fatalidade. Meus netos estão sofrendo tanto com tudo isso que pedem para as estrelas, para a Fabíula voltar”, completa, emocionada.
Autor: Elaine Utsunomiya/O Diário
Fonte: O Diário do Norte do Paraná
Há exatamente um ano escrevia-se o capítulo mais violento do trânsito de Maringá dos últimos tempos. A vida de Fabíula Regina Coalio, de apenas 12 anos, foi interrompida prematuramente no dia 13 de agosto de 2003.
O sonho de ser veterinária, de constituir família e de ter filhos foi por terra abaixo, quando o Omega (placas LIT 9608) – conduzido por Marcos Jesus da Silva, 26, – que trafegava em alta velocidade e com os faróis apagados atropelou a menina na avenida Colombo. Ele sequer prestou atendimento.
O impacto foi tão forte que o corpo da estudante foi arremessado a 66 metros de distância, conforme laudo da perícia da Polícia Civil. Silva participava de um racha, com Luiz Cavicchioli Forini, 21, de Floraí, que pilotava a outra ‘máquina’, um Omega ‘turbinado’ (placas HUI 6121). Eles desafiaram a lei e a vida. Fabíula foi vítima do abuso, da estupidez e da impunidade no trânsito.
O caso chocou a cidade. Provocou comoção geral, que há muito não se via igual. Passado um ano do crime que abalou a cidade, a família Coalio e as milhares de pessoas que assinaram o abaixo-assinado (cerca de 13 mil nomes) cobrando punição dos envolvidos e mais segurança no trânsito ainda aguardam o desfecho, uma resposta da Justiça ao caso.
PROCESSO
Para dor da família Coalio, é bem possível que a sentença aos acusados da morte da estudante não saia este ano. Depois de ouvir os réus, em abril deste ano, o juiz José Cândido Sobrinho, da 4ª Vara Criminal de Maringá vai colher os depoimentos de dez testemunhas arroladas pela acusação e que presenciaram o crime, em audiência marcada para o próximo dia 25 de novembro, às 13h30.
Em seguida, abrem-se os prazos legais para apresentação de defesa e as alegações finais das partes. Só então, o juiz dará a sentença. A agenda lotada de compromissos só possibilita a realização da audiência neste semestre.
Além do mais, o juiz da 4ª Vara Criminal aguarda o posicio-namento do Tribunal de Justiça quanto ao Habeas Corpus impe-trado pela defesa de Silva contra a decisão judicial que acolheu denúncia de homicídio doloso, que prevê pena de seis a 20 anos de reclusão, contra os réus.
A defesa sustenta que o réu seja julgado por homicídio culposo (sem intenção), cuja pena prevista é de um a três anos de reclusão revertido em pagamento de cestas básicas e prestação de serviço à comunidade.
Na realidade, o recurso foi apresentado ao Tribunal de Alçadas, que se manifestou no último dia 25 de junho – atribuindo a análise do caso como sendo de competência do TJ. “Dessa forma, o Tribunal de Alçadas fez subentender que se trata de homicídio doloso, já que o TJ só analisa este tipo de caso”, considerou o advogado Israel de Moura Batista, que atua na assistência de acusação.
“E, há precedentes. O Tribunal de Justiça já confirmou a decisão de outro juiz que acatou denúncia de homicídio doloso em um crime de trânsito, que aconteceu em Curitiba”.
JÚRI POPULAR
O criminalista lembra, ainda, que um motorista já foi levado à júri popular em Maringá, pelo atropelamento de uma criança. Em maio de 94, o advogado e gerente comercial José Carlos Pinto, 38, lançou seu Escort contra uma Saveiro que trafegava pela BR 376.
A imprudência resultou na morte da menina Fernanda Massuda Mullon, de 3 anos, e feri-mentos em seus pais, o engenheiro agrônomo Antonio Carlos Mullon, 40, e em sua esposa, Cecília Kiyomi Massuda Mullon, 35. Em agosto de 2001, os jurados entenderam que o advogado agiu dolosamente e o condenaram a sete anos de reclusão. José Carlos recorreu ao Tribunal de Justiça, mas a sentença foi mantida.
Segundo Moura, o advogado sabia que a perseguição colocava a vida de terceiros em risco e insistiu em levá-la à cabo. “Analise bem o caso Fabíula: os dois envolvidos no “racha” - Marcos Jesus da Silva e José Cavicchioli Fiorini (co-autor da morte) – tinham consciência de que estavam na via mais movimentada da cidade e que colocavam suas vidas e de outros em sério risco. Mesmo assim, insistiram na imprudente corrida que, infelizmente, resultou no atropelamento e morte da pequena Fabíula”.
DOLOSO
O advogado Israel Batista de Moura luta para que os réus vão a julgamento pelo Tribunal Popular, por entender que ambos sabiam do risco de trafegar em alta velocidade pela Colombo. “Ele (Silva) instigou o racha, concorreu para o crime e não prestou socorro”, comenta Moura.
“Até agora eles não sofreram nenhuma punição, nem mesmo administrativa, como multa, ou cassação de carteira, ao contrário, transitam normalmente com seus veículos pelas ruas de Maringá, enquanto que muitos cidadãos que dirigem normalmente têm sentido na carne a multa dos marronzinhos”, pondera indignado o criminalista.
A reportagem solicitou informações à direção da Ciretran, desde a última terça-feira, sobre a aplicação de penalidades administrativas aos réus e se eles dispõem da autorização para dirigir, mas a direção não repassou os dados até o fechamento da edição, ontem de noite.
O delegado José Maurício de Lima Filho, do 5º Distrito Policial, também os denunciou por crime doloso junto ao Ministério Público. A promotora Mônica Louise de Azevedo, da 4ª Vara Criminal, entretanto, entendeu que Marcos Jesus da Silva não matou a estudante intencionalmente.
CULPOSO
A promotora preferiu seguir a linha de raciocínio mais comum, ao desqualificar o crime de dolo eventual. “Há anos de estudo atrás dessa decisão. Não tomei decisão para atender ao clamor público. Para haver o dolo é preciso ter a previsão e a vontade que o evento ocorra”, justificou.
A reviravolta do caso aconteceu em março deste ano, com o aditamento de uma nova denúncia do MP. A promotora substituta Michele Nader, com o apoio dos promotores titulares Emília Ribeiro Arruda de Oliveira, Edson Aparecido Cemensati e Laércio Januário de Almeida, qualificaram o crime como homicídio doloso.
Na denúncia, acolhida pelo juiz da 4ª Vara Criminal, Mi-chele destaca que embora não querendo propriamente o evento final, ao dirigir em velocidade incompatível com à segurança do trânsito urbano, “demonstrou gosto pelo perigo, previu o resultado como possível e o admitiu como conseqüência de sua conduta, sendo para ele completamente indiferente viesse, ou não atropelar alguém”.
Ainda para promotora, Luiz Cavicchioli incentivou e encorajou Silva a “prosseguir na perigosa conduta”, e também “indiferente se viesse ou não a matar alguém”.
Um ano sem Fabíula
Fabíula não teve a chance de viver mais. Ela completaria 13 anos, no último dia 1º, se não tivesse sido atropelada naquele fatídico dia 13 de agosto. Há um ano, a família Coalio chora a perda da criança esfuziante que encheu suas vidas de alegria. A dor não diminui, ao contrário da saudade que só aumenta. Para os pais é difícil – se não desumano – confrontar-se com a realidade de que nem sempre o curso da história segue a ordem natural das coisas.
“Nenhuma palavra pode traduzir a dor e o vazio da morte da minha filha. Nenhuma palavra pode tocar aquele lugar no coração que morreu”, diz Márcia Regina Coalio, a mãe de Fabíula, que visita o túmulo da “princesa” a cada dois dias. “Sinto tanta saudade ...”, emenda ela, sem conter as lágrimas e olhando uma foto da caçula, com um infinito desejo de acariciá-la novamente.
“Há quinze dias não faço outra coisa senão chorar”, menciona a mãe que mantém intacto o quarto da filha como se ela estivesse prestes a voltar. “Tudo tem o cheiro dela”. E, por vezes, fala de Fabíula no presente. “Ela fez 13 anos no dia 1º de agosto”, comenta. “Fizemos uma grande festa no ano passado. Ela queria muito isso. Mais de 200 pessoas participaram deste momento tão feliz da vida dela. Certamente, a Fabíula ia querer mais festa neste ano”.
CEMITÉRIO
No lugar da festa, uma visita. Foi mais um dia de ida ao cemitério e mais um dia de muita tristeza para a família, que no último ano passou as datas festivas num clima de luto. “O Natal foi péssimo. Tive o pior Dia das Mães. Lembro que ela e os meus outros dois filhos subiam em cima da minha cama, de mim, ainda de manhã. Neste ano, os meus dois filhos subiram na cama, com o presente, e começaram a chorar”.
O Dia dos Pais também não foi diferente. “Em 2003, a Fabíula fez um cartão para o pai. Um coração vermelho, numa cartolina, que está no bolso dele desde o domingo”, relata Márcia. Inconformado com a perda da filha, Milton sofreu enfarte. A doença e a depressão o impedem de trabalhar. É de uma pequena lanchonete que a família tem na avenida Colombo, a poucos metros do local do acidente, que Regina tenta tirar o sustento da família.
Mas é no dia-a-dia que a ausência da pequena é mais sentida. “A vida não é mais a mesma e nunca será. Vivemos pela metade”, confessa. “Os almoços de domingo... A lazanha de frango que ela tanto gostava já não tem o mesmo sabor. É incrível que até nas reuniões familiares tudo acaba nela”.
JUSTIÇA
“Gostaríamos muito de agradecer todo o apoio prestado pela sociedade. Foi e é importante para que haja Justiça. A população está cansada da impunidade”. Márcia Regina só esboça um sorriso quando fala das manifestações de solidariedade que a família tem recebido de populares e da vivacidade de Fabíula. “Ela era cativante, carinhosa. Às vezes sinto ela me abraçar por trás, como fazia, dengosa”, diz. “Era inteligente e cuidadosa para atravessar a avenida (Colombo). Por isso, digo que não foi acidente, mas assassinato”, enfatiza.
“O motorista vinha com farol apagado, em alta velocidade. Ele nem freou e nem parou depois de atropelar minha menina. Catei ela no colo já morta, com o pescoço quebrado e com o sangue escorrendo pelos meus braços”, chora. “Queremos Justiça, que o caso vá para júri popular. Minha família foi arrasada, enquanto o motorista continua solto e dirigindo na cidade. A vida dele não mudou”.
Ela entende que a falta de uma resposta da Justiça à violência aumente a perigosa sensação de impunidade. “Outro dia, meu filho disse ‘mãe, o jacaré tem mais valor do que a minha irmã’. Ele estava falando da notícia de um homem condenado a dois anos de prisão por matar um jacaré. Ver que o caso da minha filha ainda não foi resolvido e que há possibilidade de o motorista (réu) pagar o que fez com cesta básica é repulsivo. Não é justo”. (Elaine Utsunomiya)
‘Prefiro vê-lo morto’
Em abril deste ano, Aparecida Figueiredo, 45, mãe de Marcos Jesus da Silva (foto), em entrevista ao O Diário, disse várias vezes que prefere ver o filho morto, a vê-lo atrás das grades. “Não vou suportar ver meu filho sendo algemado e levado para a cadeia”. “Ele trabalha desde os 10 anos. Não é um assassino como dizem. Desde o dia desse acidente nossa vida acabou. Nunca mais consegui dormir. Tenho pesadelo que chego a pular da cama”, diz.
Aparecida não acredita que o filho estivesse participando de um racha. “Pegaram meu filho pra Cristo. Foi uma fatalidade. Meus netos estão sofrendo tanto com tudo isso que pedem para as estrelas, para a Fabíula voltar”, completa, emocionada.
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