Embargos infringentes - Ricardo Barros/Porpiglio
VOTO
A presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa foi julgada parcialmente procedente, condenando os réus, ora embargados, nas sanções do art. 12 da Lei nº 8.492/92, tendo sido decretada a suspensão dos direitos políticos do réu RICARDO MAGALHÃES PINTO (sic) pelo prazo de seis anos e dos réus PAULO ROBERTO PORPIGLIO e ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO pelo prazo de oito anos, bem como ao ressarcimento do dano causado à União, com a devolução dos valores recebidos indevidamente acrescidos de correção monetária e juros moratórias de 6% ao ano a contar da citação. Ao réu Ricardo foi, ainda, imposto o pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano, e aos demais réus uma vez o valor do dano, valores que deverão ser revertidos à União.
Da peça inaugural, visando melhor explicitação dos fatos, extraio, por pertinentes, os seguintes excertos:
“Busca-se com a presente ação a responsabilização dos réus RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS, PAULO ROBERTO PORPIGLIO e ROSEMEIRE BOTTUS PORPIGLIO, por ato de improbidade administrativa, consistente na nomeação “fictícia” desta última, efetivada pelo réu RICARDO JOSÉ MAGALHÂES BARROS, para ocupar cargo público comissionado de Secretária Parlamentar, dos quadros de seu Gabinete na Câmara dos Deputados, e que assim procedeu como troca de favor político ao réu PAULO ROBERTO PORPIGLIO, o qual, por exercer outro cargo público, utilizou sua cônjuge, a ré ROSEMEIRE BOTTUS PORPIGLIO, com o escopo de auferir os vencimentos, consoante ao disposto na Lei nº 8.492, de 02 de junho de 1992, em seus artigos 9º, XI; 10º, I e VII; 11º, I (Improbidade Administrativa), in verbis:
....
A presente ação civil pública originou-se do Procedimento Administrativo MPF/PRM/MARINGÀ nº 08115.300048/99-71, através do qual apurou-se irregularidades no provimento do cargo em comissão de Secretária Parlamentar, nível SP05, ocupada por ROSIMERIE BOTUS PORPIGLIO, cuja nomeação foi efetivada pelo Deputado Federal RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS para trabalhar em seu Gabinete (nº 412) na Câmara dos Deputados.
Consta que no mês de fevereiro de 1995, ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO foi nomeada funcionária da Câmara dos Deputados, no cargo de secretária parlamentar do Deputado Federal RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS, tendo permanecido até o mês de janeiro de 1997.
Todavia, restou apurado nos autos que ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO jamais desempenhou o seu mister, tratando-se de verdadeira “funcionária fantasma”, cuja nomeação como secretária parlamentar se deu como forma de RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS retribuir a colaboração despendida por PAULO ROBERTO PORPIGLIO, cônjuge daquela, na campanha eleitoral em que se elegeu deputado federal e não podendo PAULO ROBERTO PORPIGLIO acumular dois cargos públicos, uma vez que já ocupava o cargo de Chefe da Ciretran de Maringá, obtido também por intermédio do citado Parlamentar, ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO emprestou seu nome para figurar como funcionária da Câmara dos Deputados e assim receber os vencimentos, os quais eram repassados a seu esposo.
...”
O voto vencido, ao manter a douta sentença, no que tange à questão de fundo, consignou:
“...
Verificando os depoimentos prestados e os documentos constantes dos autos chego a mesma conclusão do Juiz de 1º Grau. E não firmo tal conclusão em razão das contradições constantes dos depoimentos. Antes, sim, pelo que se extrai de ambos, a saber: (i) que o réu Paulo Roberto Porpiglio prestou serviços ao Deputado Ricardo José, tendo a oferta de cargo à esposa do primeiro, Rosimeire, justificado-se em razão da combinação entre os mesmos decorrente de dívida de valor do Deputado para com Paulo Roberto, a ser saldada; (ii) que não se logrou provar que a ré Rosimeire prestou efetivamente serviços, muito embora confirme-se a contratação da mesma.
Ora, conforme constata o Juízo a quo, não houve produção de prova do trabalho de Rosimeire, ônus que cabia aos réus. Não há quaisquer documentos que comprovem a prestação de serviços por parte da mesma. Aliás, sequer há cópia do seu ato de nomeação para o cargo em comissão de Secretária Parlamentar. Não há registro de comunicação de freqüência de Rosimeire, o que caberia fazer junto à Coordenação de Apoio Parlamentar, não há nenhum relatório, nenhum documento por ela assinado, ninguém nunca a viu exercendo suas funções, ela própria registra dúvida quanto ao tempo em que teria prestado serviços. Tais elementos, penso, seriam de fácil prova para quem efetivamente laborou e auferiu remuneração por dois anos. Assim, forçoso, assentar que não houve o trabalho....”
Inicialmente, permissa venia do entendimento constante do voto vencido, tenho por irrelevante a juntada de cópia do ato de nomeação para o cargo em comissão de Secretária Parlamentar e a respectiva comunicação de freqüência da requerida Rosimeire, na medida em que esta ocupava o cargo percebendo remuneração; a discussão travada é referente tão-somente à concreta prestação de serviços. Registro, ainda, que, posteriormente, foi acostada aos autos a mencionada documentação. Neste ponto, então, a sentença é mantida pelo fato de que ausente documentação assinada pela mencionada ré, bem como, pelo fato de que ninguém nunca a viu exercendo suas funções e que, ela própria registra dúvida quanto ao tempo em que teria prestado serviços. No que tange ao primeiro aspecto, anoto sua fragilidade; a confecção de relatório ou outro documento pela requerida, a meu ver, não teria o condão de evidenciar a efetiva prestação de junto ao Gabinete do Sr. Deputado Ricardo José Magalhães Pinto.
Por outro lado, prescreve a Resolução nº 30 de 190 da Mesa da Câmara dos Deputados com as alterações pelo Ato da Mesa nº 72 de 1997:
Art. 2º Os ocupantes dos cargos em comissão de secretário parlamentar terão exercício exclusivamente nos gabinetes parlamentares em Brasília, ou em suas projeções, nos Estados, e reger-se-ão pelas normas estatutárias e disciplinares aplicáveis aos demais servidores da Câmara dos Deputados.
O fato, pois, da requerida prestar seus serviços em Maringá e não na Capital Federal seria de importância nenhuma, desde que demonstrada a realização de atividades laborativas.
Para o deslinde da contenda, tenho eu por necessário o detido exame do depoimento prestado em Juízo pela requerida Rosimeire, procedimento adotado pelo i. Juízo a quo. Da sentença colho os seguintes excertos, in verbis:
“As declarações de Rosimeire prestadas nestes autos são confusas, lacônicas e incoerentes. Disse que foi contratada pelo Deputado para prestar serviços em seu escritório em Maringá, junto à comunidade; que não tinha “ponto fixo” para trabalhar e “às vezes comparecia ao escritório”; que promovia reuniões nos bairros; que não havia controle de freqüência de trabalho; que não sabia a função dos demais servidores do escritório de Maringá, assim como não sabia quantos eram; que prestava contas do trabalho para a servidora Cleuza em Maringá, ao fim do dia; que trabalhou “uns seis meses ou um pouco mais na função”; que nunca apresentou relatório de suas atividades ao Deputado ou a outro funcionário do escritório, mas apenas verbalmente; que, na verdade, levava pessoas para serem atendidas no escritório, que fazia serviços bancários ao deputado, mas não se lembra de que tipo, pois faz tempo; e que não se lembra de ter viajado a serviço durante o período em que foi assessora.”
Do exposto, então, concluo, assim como o decreto sentencial, que efetivamente Rosimeire não desempenhou a atividade de Secretária Parlamentar. Os motivos que, a meu ver, potencializam tal raciocínio seriam (a) o desconhecimento das atividades desempenhadas no Gabinete, bem como dos demais “colegas”; (b) o fato de “não lembrar” a espécie de serviços bancários que eram de sua atribuição; (c) a total discrepância entre o período que afirma ter trabalhado (seis meses ou mais) com aquele que percebeu remuneração (dois anos).
O voto condutor do acórdão, além de entender por não provado o fato alegado, qual seja a de que a esposa do co-réu Paulo Roberto não tivesse prestado trabalho, estampa:
“...
Cheguei à conclusão de que se falha, se alguma falha pode existir, essa falha rigorosamente é do sistema. A falha não está na gestão dessa verba, mas antes está na existência da própria verba, existência essa que não é posta à responsabilidade dos requeridos. No caso, a Câmara dos Deputados tem a verba de gabinete dada a todos e a cada um de seus parlamentares. Essa verba é dada à gestão do próprio parlamentar. Não há parâmetros para a avaliação dessa gestão. Até seria questionável... Por isso digo que o defeito é da própria verba em si, é defeito da própria verba no sistema. Ela, na realidade, é dada a serviço pessoal do parlamentar, no interesse pessoal do parlamentar, e não no interesse público. Vejam V. Exas. que na normatização da verba não há uma definição de a quantos servidores poderá ser repassada essa verba de gabinete. Não há uma definição pela Casa Legislativa a respeito de como o parlamentar, endereçatário primeiro da verba, deverá aplicá-la. Ele vai aplicar na sua assessoria pessoal, e, nessa assessoria pessoal, o que se verifica rigorosamente é uma assessoria de conotação até eleitoral, porque, ausentes parâmetros estabelecidos, quase que - permitam-me figurar V. Exas. -, ao parlamentar é dado, e isso é praticado até tendo verba repassada a cabos eleitorais. Mas isso é o sistema que estabelece, isso é o sistema. A assessoria do parlamentar - e falo do parlamentar federal - factível de ser realizada na localidade que ele indicar... E isso diz um ato da própria Casa: o parlamentar indicará inclusive a localidade em que sua assessoria será instalada. Ora isso rigorosamente não é assessoria parlamentar. Isso é assessoria eleitoral.
...
Agora, se o parlamentar, por outro lado, que tem potencialmente a seu socorro verba para a sua assessoria, se ele administra bem o seu gabinete, ou se não administra, isso é um problema realmente pessoal dele. Se ele contrata bons funcionários, ou se não contrata bons funcionários, se exige prestação de contas do serviço prestado por esses funcionários, ou não, isso é coisa que refoge de um exame exterior.
Então, por esses motivos, eminente Relator, com a máxima vênia, sem embargo ao brilho do respeitável voto de V. Exa., sem embargo à diligência do douto órgão do Ministério Público, e até na qualidade de parte que promoveu a ação, quer-me parecer que não há uma tipificação para a responsabilidade dos requeridos, e especialmente do parlamentar por ato de improbidade administrativa. Nesse contexto, o que vejo sim, é que é uma atipicidade de conduta punível. Por esse motivo, dou provimento às apelações.
...”
O princípio da moralidade é previsto constitucionalmente (art. 37, caput), merecendo, pois, ser resguardado pela Administração e seus agentes. Com efeito, a legalidade, que é o cerne de todos os demais princípios constitucionais, deve ser compreendida como legalidade ética, isto é legalidade sempre associada a moral na gestão pública, sendo assim, a legalidade desprovida de conteúdo ético constitui insuportável distanciamento entre direito e justiça e, por isto, não legitima a conduta pública (Marino Pazzaglini Filho, in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, ed. Atlas, 2002).
Leciona José Afonso da Silva, na obra Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ªed., in verbis:
“A moralidade é definida como um dos princípios da Administração Pública (art. 37). Já discutimos o tema quando tratamos da ação popular, e vimos que a Constituição quer que a imoralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato viciado. A idéia subjacente ao princípio é a de que a moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Essa consideração não significa necessariamente que o ato legal seja honesto. Significa, como disse Hauriou, que a moralidade administrativa consiste no “conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina da Administração”.
Pode-se pensar na dificuldade que será desfazer um ato produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, p. ex., com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.
A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queria favorecer”. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.”
Já Alexandre de Moraes, in Direito Constitucional, 6ª ed., pondera:
“Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública. Como ressalta Hely Lopes Meirelles,
“não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.
Ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferido; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade.”
...
A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação da administração pública, igualmente consagrou a necessidade de proteção à moralidade e responsabilização do administrador público amoral ou imoral. Anota Manoel de Oliveira Franco Sobrinho,
“Difícil de saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas. Por que somente a proteção da legalidade e não da moralidade também? A resposta negativa só pode interessar aos administradores ímprobos. Não à Administração, nem à ordem jurídica. O contrário seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar a exação no cumprimento do dever funcional”.
Dessa forma, deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas, sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.
O princípio da moralidade está intimamente ligado com a idéia de probidade, dever inerente do administrador público. Como recorda Maurício Ribeiro Lopes,
“O velho e esquecido conceito do probus e do improbus administrador público está presente na Constituição da República que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais.
A conduta do administrador público em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa enquadra-se nos denominados atos de improbidade, previstos pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e sancionados com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo ao Ministério Público a propositura de ação civil pública por ato de improbidade, com base na Lei nº 8.429/92 para que o Poder Judiciário exerça o controle jurisdicional sobre lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público.”
O ato ora sub judice, qual seja, a inexistência do exercício de cargo público por quem nomeado, está eivado de imoralidade; há enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atenta contra os princípios da Administração Pública.
As condutas dos réus, a meu sentir, foram bem tipificadas pelo douto Julgador a quo, merecendo ser mantida a sentença quanto ao tópico, conforme se vê do trecho abaixo transcrito:
“Dispõe a Lei 8.429/92:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
...
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
Dispõe a lei de forma categórica em relação a quem não é agente público:
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Com isso a conduta do réu Ricardo J. M. Barros é tipificada no art. 10 , I, da Lei nº 8.492/92, porquanto não se beneficiou diretamente dos vencimentos recebidos pela ré Rosimeire, não ingressando em seu patrimônio, de modo que a ele não causou enriquecimento ilícito. Sua conduta está em concorrer para que valores do Erário Federal fossem indevidamente incorporados ao patrimônio particular dos réus Paulo Roberto e Rosimeire, marido e mulher. Pelo princípio da tipicidade, sua conduta só pode ser enquadrada neste dispositivo.
Já os réus Paulo Roberto e Rosimeire incorreram na forma descrita no art. 9º, inciso XI, da Lei 8.429/92, pois auferiram vantagem patrimonial indevida através da conduta do réu Ricardo J. M. Barros, em razão do cargo público, incorporando valores do Erário Federal. Estas pessoas tiveram enriquecimento ilícito, pois receberam vencimentos sem a contraprestação do serviço no cargo de Secretario Parlamentar.
Não há se cominar às condutas dos réus a infringência do art. 11 da Lei. Pelo princípio da tipicidade, da especialidade e do non bis in idem, fica afastada a sanção do dispositivo se a conduta já caracteriza uma forma mais grave de improbidade. Assim, só seria cabível a adequação se a conduta dos réus não causasse enriquecimento ilícito ou dano ao erário.
A conduta foi à evidência, dolosa. Todos os réus tinham pleno conhecimento dos fatos e o praticarem livre e deliberadamente.
Merece reparos, contudo, a meu sentir, a dosimetria das cominações impostas aos requeridos.
Na hipótese, em observância ao princípio da proporcionalidade, tenho eu, deve o julgador valer-se de bom senso e razoabilidade, atendendo às peculiaridades do caso; há que se temperar para tanto as particularidades de cada situação abordada, suas conseqüências e seus efeitos. Deve-se, então, agir com cautela, fazendo com que a sanção puna na medida certa aquele responsável pelo ato ímprobo. Diz, quanto ao tema, Marcelo Figueiredo, na obra Probidade Administrativa, 4ª ed., 2000:
“Ainda aqui, mostra-se adequado o estudo a respeito do princípio da proporcionalidade, a fim de verificarmos a relação de adequação entre a conduta do agente e sua penalização. É dizer, ante a ausência de dispositivo expresso que determine o abrandamento ou a escolha das penas qualitativa e quantitativamente aferidas, recorre-se ao princípio geral da razoabilidade, ínsito à jurisdição (acesso à Justiça e seus corolários). Deve o Judiciário, chamado a aplicar a lei, analisar amplamente a conduta do agente público em face da lei e verificar qual das penas é a mais “adequada” em face do caso concreto. Não se trata de escolha arbitrária, porém legal. Assim, parece demasia e arbítrio aplicar-se a pena de perda de função pública ao servidor que culposamente dispensar indevidamente dada licitação (art. 10, VIII, última parte, da lei). Fere a lógica jurídica e a razoabilidade punir-se com a perda de cargo, suspensão de direitos políticos de 5 a 10 anos, servidor que, mediante conduta culposa (v.g., erro materal involuntário comprovado), conclui indevido o processo licitatório. Poder-se-ia cogitar de eventual ressarcimento de dano (se houver) e multa, nada mais.”
Cumpre cuidar que fatos como o presente refletem negativamente sobre a credibilidade das instituições. Tenho, no entanto, que excessiva a cominação da suspensão de direitos políticos dos requeridos fixada pela douta sentença, devendo, pois, esta ser extirpada.
No que pertine à devolução dos valores recebidos indevidamente, condeno todos os requeridos ao ressarcimento do dano causado à União no valor do dano, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 6% ao ano
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento aos embargos infringentes.
É o voto.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Relator
A presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa foi julgada parcialmente procedente, condenando os réus, ora embargados, nas sanções do art. 12 da Lei nº 8.492/92, tendo sido decretada a suspensão dos direitos políticos do réu RICARDO MAGALHÃES PINTO (sic) pelo prazo de seis anos e dos réus PAULO ROBERTO PORPIGLIO e ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO pelo prazo de oito anos, bem como ao ressarcimento do dano causado à União, com a devolução dos valores recebidos indevidamente acrescidos de correção monetária e juros moratórias de 6% ao ano a contar da citação. Ao réu Ricardo foi, ainda, imposto o pagamento de multa civil de duas vezes o valor do dano, e aos demais réus uma vez o valor do dano, valores que deverão ser revertidos à União.
Da peça inaugural, visando melhor explicitação dos fatos, extraio, por pertinentes, os seguintes excertos:
“Busca-se com a presente ação a responsabilização dos réus RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS, PAULO ROBERTO PORPIGLIO e ROSEMEIRE BOTTUS PORPIGLIO, por ato de improbidade administrativa, consistente na nomeação “fictícia” desta última, efetivada pelo réu RICARDO JOSÉ MAGALHÂES BARROS, para ocupar cargo público comissionado de Secretária Parlamentar, dos quadros de seu Gabinete na Câmara dos Deputados, e que assim procedeu como troca de favor político ao réu PAULO ROBERTO PORPIGLIO, o qual, por exercer outro cargo público, utilizou sua cônjuge, a ré ROSEMEIRE BOTTUS PORPIGLIO, com o escopo de auferir os vencimentos, consoante ao disposto na Lei nº 8.492, de 02 de junho de 1992, em seus artigos 9º, XI; 10º, I e VII; 11º, I (Improbidade Administrativa), in verbis:
....
A presente ação civil pública originou-se do Procedimento Administrativo MPF/PRM/MARINGÀ nº 08115.300048/99-71, através do qual apurou-se irregularidades no provimento do cargo em comissão de Secretária Parlamentar, nível SP05, ocupada por ROSIMERIE BOTUS PORPIGLIO, cuja nomeação foi efetivada pelo Deputado Federal RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS para trabalhar em seu Gabinete (nº 412) na Câmara dos Deputados.
Consta que no mês de fevereiro de 1995, ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO foi nomeada funcionária da Câmara dos Deputados, no cargo de secretária parlamentar do Deputado Federal RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS, tendo permanecido até o mês de janeiro de 1997.
Todavia, restou apurado nos autos que ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO jamais desempenhou o seu mister, tratando-se de verdadeira “funcionária fantasma”, cuja nomeação como secretária parlamentar se deu como forma de RICARDO JOSÉ MAGALHÃES BARROS retribuir a colaboração despendida por PAULO ROBERTO PORPIGLIO, cônjuge daquela, na campanha eleitoral em que se elegeu deputado federal e não podendo PAULO ROBERTO PORPIGLIO acumular dois cargos públicos, uma vez que já ocupava o cargo de Chefe da Ciretran de Maringá, obtido também por intermédio do citado Parlamentar, ROSIMEIRE BOTTUS PORPIGLIO emprestou seu nome para figurar como funcionária da Câmara dos Deputados e assim receber os vencimentos, os quais eram repassados a seu esposo.
...”
O voto vencido, ao manter a douta sentença, no que tange à questão de fundo, consignou:
“...
Verificando os depoimentos prestados e os documentos constantes dos autos chego a mesma conclusão do Juiz de 1º Grau. E não firmo tal conclusão em razão das contradições constantes dos depoimentos. Antes, sim, pelo que se extrai de ambos, a saber: (i) que o réu Paulo Roberto Porpiglio prestou serviços ao Deputado Ricardo José, tendo a oferta de cargo à esposa do primeiro, Rosimeire, justificado-se em razão da combinação entre os mesmos decorrente de dívida de valor do Deputado para com Paulo Roberto, a ser saldada; (ii) que não se logrou provar que a ré Rosimeire prestou efetivamente serviços, muito embora confirme-se a contratação da mesma.
Ora, conforme constata o Juízo a quo, não houve produção de prova do trabalho de Rosimeire, ônus que cabia aos réus. Não há quaisquer documentos que comprovem a prestação de serviços por parte da mesma. Aliás, sequer há cópia do seu ato de nomeação para o cargo em comissão de Secretária Parlamentar. Não há registro de comunicação de freqüência de Rosimeire, o que caberia fazer junto à Coordenação de Apoio Parlamentar, não há nenhum relatório, nenhum documento por ela assinado, ninguém nunca a viu exercendo suas funções, ela própria registra dúvida quanto ao tempo em que teria prestado serviços. Tais elementos, penso, seriam de fácil prova para quem efetivamente laborou e auferiu remuneração por dois anos. Assim, forçoso, assentar que não houve o trabalho....”
Inicialmente, permissa venia do entendimento constante do voto vencido, tenho por irrelevante a juntada de cópia do ato de nomeação para o cargo em comissão de Secretária Parlamentar e a respectiva comunicação de freqüência da requerida Rosimeire, na medida em que esta ocupava o cargo percebendo remuneração; a discussão travada é referente tão-somente à concreta prestação de serviços. Registro, ainda, que, posteriormente, foi acostada aos autos a mencionada documentação. Neste ponto, então, a sentença é mantida pelo fato de que ausente documentação assinada pela mencionada ré, bem como, pelo fato de que ninguém nunca a viu exercendo suas funções e que, ela própria registra dúvida quanto ao tempo em que teria prestado serviços. No que tange ao primeiro aspecto, anoto sua fragilidade; a confecção de relatório ou outro documento pela requerida, a meu ver, não teria o condão de evidenciar a efetiva prestação de junto ao Gabinete do Sr. Deputado Ricardo José Magalhães Pinto.
Por outro lado, prescreve a Resolução nº 30 de 190 da Mesa da Câmara dos Deputados com as alterações pelo Ato da Mesa nº 72 de 1997:
Art. 2º Os ocupantes dos cargos em comissão de secretário parlamentar terão exercício exclusivamente nos gabinetes parlamentares em Brasília, ou em suas projeções, nos Estados, e reger-se-ão pelas normas estatutárias e disciplinares aplicáveis aos demais servidores da Câmara dos Deputados.
O fato, pois, da requerida prestar seus serviços em Maringá e não na Capital Federal seria de importância nenhuma, desde que demonstrada a realização de atividades laborativas.
Para o deslinde da contenda, tenho eu por necessário o detido exame do depoimento prestado em Juízo pela requerida Rosimeire, procedimento adotado pelo i. Juízo a quo. Da sentença colho os seguintes excertos, in verbis:
“As declarações de Rosimeire prestadas nestes autos são confusas, lacônicas e incoerentes. Disse que foi contratada pelo Deputado para prestar serviços em seu escritório em Maringá, junto à comunidade; que não tinha “ponto fixo” para trabalhar e “às vezes comparecia ao escritório”; que promovia reuniões nos bairros; que não havia controle de freqüência de trabalho; que não sabia a função dos demais servidores do escritório de Maringá, assim como não sabia quantos eram; que prestava contas do trabalho para a servidora Cleuza em Maringá, ao fim do dia; que trabalhou “uns seis meses ou um pouco mais na função”; que nunca apresentou relatório de suas atividades ao Deputado ou a outro funcionário do escritório, mas apenas verbalmente; que, na verdade, levava pessoas para serem atendidas no escritório, que fazia serviços bancários ao deputado, mas não se lembra de que tipo, pois faz tempo; e que não se lembra de ter viajado a serviço durante o período em que foi assessora.”
Do exposto, então, concluo, assim como o decreto sentencial, que efetivamente Rosimeire não desempenhou a atividade de Secretária Parlamentar. Os motivos que, a meu ver, potencializam tal raciocínio seriam (a) o desconhecimento das atividades desempenhadas no Gabinete, bem como dos demais “colegas”; (b) o fato de “não lembrar” a espécie de serviços bancários que eram de sua atribuição; (c) a total discrepância entre o período que afirma ter trabalhado (seis meses ou mais) com aquele que percebeu remuneração (dois anos).
O voto condutor do acórdão, além de entender por não provado o fato alegado, qual seja a de que a esposa do co-réu Paulo Roberto não tivesse prestado trabalho, estampa:
“...
Cheguei à conclusão de que se falha, se alguma falha pode existir, essa falha rigorosamente é do sistema. A falha não está na gestão dessa verba, mas antes está na existência da própria verba, existência essa que não é posta à responsabilidade dos requeridos. No caso, a Câmara dos Deputados tem a verba de gabinete dada a todos e a cada um de seus parlamentares. Essa verba é dada à gestão do próprio parlamentar. Não há parâmetros para a avaliação dessa gestão. Até seria questionável... Por isso digo que o defeito é da própria verba em si, é defeito da própria verba no sistema. Ela, na realidade, é dada a serviço pessoal do parlamentar, no interesse pessoal do parlamentar, e não no interesse público. Vejam V. Exas. que na normatização da verba não há uma definição de a quantos servidores poderá ser repassada essa verba de gabinete. Não há uma definição pela Casa Legislativa a respeito de como o parlamentar, endereçatário primeiro da verba, deverá aplicá-la. Ele vai aplicar na sua assessoria pessoal, e, nessa assessoria pessoal, o que se verifica rigorosamente é uma assessoria de conotação até eleitoral, porque, ausentes parâmetros estabelecidos, quase que - permitam-me figurar V. Exas. -, ao parlamentar é dado, e isso é praticado até tendo verba repassada a cabos eleitorais. Mas isso é o sistema que estabelece, isso é o sistema. A assessoria do parlamentar - e falo do parlamentar federal - factível de ser realizada na localidade que ele indicar... E isso diz um ato da própria Casa: o parlamentar indicará inclusive a localidade em que sua assessoria será instalada. Ora isso rigorosamente não é assessoria parlamentar. Isso é assessoria eleitoral.
...
Agora, se o parlamentar, por outro lado, que tem potencialmente a seu socorro verba para a sua assessoria, se ele administra bem o seu gabinete, ou se não administra, isso é um problema realmente pessoal dele. Se ele contrata bons funcionários, ou se não contrata bons funcionários, se exige prestação de contas do serviço prestado por esses funcionários, ou não, isso é coisa que refoge de um exame exterior.
Então, por esses motivos, eminente Relator, com a máxima vênia, sem embargo ao brilho do respeitável voto de V. Exa., sem embargo à diligência do douto órgão do Ministério Público, e até na qualidade de parte que promoveu a ação, quer-me parecer que não há uma tipificação para a responsabilidade dos requeridos, e especialmente do parlamentar por ato de improbidade administrativa. Nesse contexto, o que vejo sim, é que é uma atipicidade de conduta punível. Por esse motivo, dou provimento às apelações.
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O princípio da moralidade é previsto constitucionalmente (art. 37, caput), merecendo, pois, ser resguardado pela Administração e seus agentes. Com efeito, a legalidade, que é o cerne de todos os demais princípios constitucionais, deve ser compreendida como legalidade ética, isto é legalidade sempre associada a moral na gestão pública, sendo assim, a legalidade desprovida de conteúdo ético constitui insuportável distanciamento entre direito e justiça e, por isto, não legitima a conduta pública (Marino Pazzaglini Filho, in Lei de Improbidade Administrativa Comentada, ed. Atlas, 2002).
Leciona José Afonso da Silva, na obra Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ªed., in verbis:
“A moralidade é definida como um dos princípios da Administração Pública (art. 37). Já discutimos o tema quando tratamos da ação popular, e vimos que a Constituição quer que a imoralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato viciado. A idéia subjacente ao princípio é a de que a moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Essa consideração não significa necessariamente que o ato legal seja honesto. Significa, como disse Hauriou, que a moralidade administrativa consiste no “conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina da Administração”.
Pode-se pensar na dificuldade que será desfazer um ato produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, p. ex., com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.
A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, § 4º). A probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queria favorecer”. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.”
Já Alexandre de Moraes, in Direito Constitucional, 6ª ed., pondera:
“Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública. Como ressalta Hely Lopes Meirelles,
“não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.
Ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:
“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferido; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar despesas desse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade.”
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A Constituição Federal, ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação da administração pública, igualmente consagrou a necessidade de proteção à moralidade e responsabilização do administrador público amoral ou imoral. Anota Manoel de Oliveira Franco Sobrinho,
“Difícil de saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas. Por que somente a proteção da legalidade e não da moralidade também? A resposta negativa só pode interessar aos administradores ímprobos. Não à Administração, nem à ordem jurídica. O contrário seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar a exação no cumprimento do dever funcional”.
Dessa forma, deve o Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringir ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, mas, sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.
O princípio da moralidade está intimamente ligado com a idéia de probidade, dever inerente do administrador público. Como recorda Maurício Ribeiro Lopes,
“O velho e esquecido conceito do probus e do improbus administrador público está presente na Constituição da República que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais.
A conduta do administrador público em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa enquadra-se nos denominados atos de improbidade, previstos pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e sancionados com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo ao Ministério Público a propositura de ação civil pública por ato de improbidade, com base na Lei nº 8.429/92 para que o Poder Judiciário exerça o controle jurisdicional sobre lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público.”
O ato ora sub judice, qual seja, a inexistência do exercício de cargo público por quem nomeado, está eivado de imoralidade; há enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atenta contra os princípios da Administração Pública.
As condutas dos réus, a meu sentir, foram bem tipificadas pelo douto Julgador a quo, merecendo ser mantida a sentença quanto ao tópico, conforme se vê do trecho abaixo transcrito:
“Dispõe a Lei 8.429/92:
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
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XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
Dispõe a lei de forma categórica em relação a quem não é agente público:
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Com isso a conduta do réu Ricardo J. M. Barros é tipificada no art. 10 , I, da Lei nº 8.492/92, porquanto não se beneficiou diretamente dos vencimentos recebidos pela ré Rosimeire, não ingressando em seu patrimônio, de modo que a ele não causou enriquecimento ilícito. Sua conduta está em concorrer para que valores do Erário Federal fossem indevidamente incorporados ao patrimônio particular dos réus Paulo Roberto e Rosimeire, marido e mulher. Pelo princípio da tipicidade, sua conduta só pode ser enquadrada neste dispositivo.
Já os réus Paulo Roberto e Rosimeire incorreram na forma descrita no art. 9º, inciso XI, da Lei 8.429/92, pois auferiram vantagem patrimonial indevida através da conduta do réu Ricardo J. M. Barros, em razão do cargo público, incorporando valores do Erário Federal. Estas pessoas tiveram enriquecimento ilícito, pois receberam vencimentos sem a contraprestação do serviço no cargo de Secretario Parlamentar.
Não há se cominar às condutas dos réus a infringência do art. 11 da Lei. Pelo princípio da tipicidade, da especialidade e do non bis in idem, fica afastada a sanção do dispositivo se a conduta já caracteriza uma forma mais grave de improbidade. Assim, só seria cabível a adequação se a conduta dos réus não causasse enriquecimento ilícito ou dano ao erário.
A conduta foi à evidência, dolosa. Todos os réus tinham pleno conhecimento dos fatos e o praticarem livre e deliberadamente.
Merece reparos, contudo, a meu sentir, a dosimetria das cominações impostas aos requeridos.
Na hipótese, em observância ao princípio da proporcionalidade, tenho eu, deve o julgador valer-se de bom senso e razoabilidade, atendendo às peculiaridades do caso; há que se temperar para tanto as particularidades de cada situação abordada, suas conseqüências e seus efeitos. Deve-se, então, agir com cautela, fazendo com que a sanção puna na medida certa aquele responsável pelo ato ímprobo. Diz, quanto ao tema, Marcelo Figueiredo, na obra Probidade Administrativa, 4ª ed., 2000:
“Ainda aqui, mostra-se adequado o estudo a respeito do princípio da proporcionalidade, a fim de verificarmos a relação de adequação entre a conduta do agente e sua penalização. É dizer, ante a ausência de dispositivo expresso que determine o abrandamento ou a escolha das penas qualitativa e quantitativamente aferidas, recorre-se ao princípio geral da razoabilidade, ínsito à jurisdição (acesso à Justiça e seus corolários). Deve o Judiciário, chamado a aplicar a lei, analisar amplamente a conduta do agente público em face da lei e verificar qual das penas é a mais “adequada” em face do caso concreto. Não se trata de escolha arbitrária, porém legal. Assim, parece demasia e arbítrio aplicar-se a pena de perda de função pública ao servidor que culposamente dispensar indevidamente dada licitação (art. 10, VIII, última parte, da lei). Fere a lógica jurídica e a razoabilidade punir-se com a perda de cargo, suspensão de direitos políticos de 5 a 10 anos, servidor que, mediante conduta culposa (v.g., erro materal involuntário comprovado), conclui indevido o processo licitatório. Poder-se-ia cogitar de eventual ressarcimento de dano (se houver) e multa, nada mais.”
Cumpre cuidar que fatos como o presente refletem negativamente sobre a credibilidade das instituições. Tenho, no entanto, que excessiva a cominação da suspensão de direitos políticos dos requeridos fixada pela douta sentença, devendo, pois, esta ser extirpada.
No que pertine à devolução dos valores recebidos indevidamente, condeno todos os requeridos ao ressarcimento do dano causado à União no valor do dano, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 6% ao ano
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento aos embargos infringentes.
É o voto.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Relator
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