10.1.09

Laptops - Declaração de Voto - Lilian Romero

Declaração de Voto - Lilian Romero
Apelação Criminal n° 415.952-0, da 4ª Vara Criminal da Comarca de Maringá
Apelantes:
OSÉ WANDERLEY DOMINGUES
BENEDITO BARBOSA E OUTROS
pelado:
INISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ


Declaração de Voto Vencido

Divergi da Douta Maioria, exclusivamente no tocante à manutenção da condenação do apelante João Alves Corrêa, como incurso no art. 299, §1º do CP, por entender que no presente caso caberia a sua absolvição por insuficiência de provas.
Justifico.
A denúncia narra que, em 14.02.2005, o apelante João Alves Corrêa, que exercia o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Maringá, autorizou a abertura de procedimento licitatório, visando à aquisição de 20 notebooks, dentre outros equipamentos1 e suprimentos.
Venceu o certame a empresa Informar Assistência Técnica Ltda, de propriedade do co-réu José Wanderley Domingues. Tal empresa deveria entregar as mercadorias e então, no prazo de 10 dias, receberia o valor correspondente a elas.
É fato incontroverso que em 17.02.2005, a empresa emitiu duas notas fiscais (nºs 6590 e 6591), nos valores de R$ 234.586,00 R$ 1.656,00, relacionando os bens licitados, como se os estivesse entregando desde logo à Câmara Municipal de Maringá. No mesmo dia, foram confeccionados os empenhos (nºs 202 e 204), autorizando o pagamento da licitação, o que foi efetivado através de TED (transferência eletrônica de fundos), no dia seguinte (18.02.2005).
A Comissão Especial Permanente, composta pelos réus Adilson de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos Barbosa, nomeados pela Portaria nº 209/2003, lavrou dois termos atestando o recebimento de todas as mercadorias licitadas.
Todavia - e isto também é incontroverso - o réu José Wanderley Domingues não efetivou a entrega de todas mercadorias em 17 ou 18 de fevereiro de 2005, porque não as tinha em estoque, nem tinha numerário para adquiri-las. Tanto isto é verdade que adquiriu o restante delas em datas posteriores: (a) em 25.02.2005, adquiriu 2 tripés da empresa AA Mattedi Usinagem Ltda; (b) em 28.02.2005, adquiriu os 19 notebooks restantes da empresa Itautec S.A. Por isso, a totalidade das mercadorias somente foi entregue em 1º de março de 2005.
Em conseqüência de tais fatos, a denúncia imputou aos denunciados o cometimento do crime de falsidade ideológica, na forma simples e qualificada, capitulado no art. 299 do CP e que assim dispõe:

“Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.”

É indiscutível que o proprietário da empresa vencedora da licitação - o réu José Wanderley Domingues - praticou o crime, ao emitir as notas fiscais, simulando a entrega das mercadorias todas já no dia 18.02.2005, à Câmara Municipal.
Também é inequívoco que os integrantes da Comissão Especial Permanente - Adilson de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos Barbosa - praticaram o delito, ao firmar o termo atestando o recebimento dos 20 notebooks, 2 tripés, fitas e pilhas, quando na realidade esta mercadoria toda não tinha sido entregue.
O mesmo não se dá, contudo, com relação ao apelante João Alves Correa.
Era ele o Presidente da Câmara de Vereadores e, segundo a acusação, o mentor dos fatos, tendo combinado com o co-réu José Wanderley Domingues2, e também agiu junto aos demais co-réus, prevalecendo-se do cargo para que atestassem a entrega e recebimento de todas as mercadorias3.
O Juiz singular absolveu o apelante João Alves Correa, com relação ao primeiro crime de falsidade ideológica - pretensamente cometido em conluio com José Wanderley Domingues (f. 1050).
Resta, então, aferir se a ele pode ser imputado o segundo fato delituoso narrado na denúncia, qual seja, a falsidade ideológica consistente na falsa declaração, no documento denominado “Termo de Recebimento de Materiais e Serviços” (f. 147), de que todas as mercadorias licitadas e correspondentes às notas fiscais, tinham sido entregues na Câmara de Vereadores em 18.02.2005.
Tal documento foi assinado apenas pelos co-réus Adilson de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos Barbosa. Não foi assinado pelo presidente da Câmara.
Logo, a única forma de responsabilizar o apelante João Alves Correa seria através da demonstração de que ele influiu no ânimo dos integrantes da Comissão Especial, para que atestassem falsamente o recebimento de todas as mercadorias além de ter conhecimento da inocorrência de tal entrega.
Na sentença, para fundamentar a condenação do apelante João Alves Correa, o juiz singular aduziu que:

“O acusado João Alves Correa, por sua vez, concorreu diretamente para a prática do ilícito, uma vez que na condição de Presidente da Câmara Municipal, aquiesceu com a expedição do Termo de Recebimento, cujas informações sabidamente não correspondiam com a verdade dos fatos, e assinou as notas de empenho (...)
Assevere-se que a intenção de todos os agentes, durante o cometimento do ilícito, estava voltada para o mesmo fim, qual seja, o de permitir o pagamento antecipado do valor da licitação, finalidade esta que logrou ter êxito em razão da falsificação do conteúdo do documento de folhas 147 e das demais condutas concorrentes, dentre elas, e com especial importância, o procedimento adotado pelo acusado João Alves Correa que, no uso de suas atribuições, concordou com a falsa lavratura do Termo de Recebimento e desembaraçou, por conseguinte, o desfecho da conduta ilícita, assinando notas de empenho...(...)
Deve ser ressaltado que as alegações no sentido de que João Alves Correa não tinha ciência de que os bens não haviam sido entregues na data constante do Termo não podem prosperar, uma vez que, na condição de Presidente da Câmara de Vereadores, são de sua plena responsabilidade as conseqüências dos atos que pratica, não sendo razoável ponderar-se que a pessoa investida nesse cargo, cujas atribuições abrangem fiscalizar a aplicação do dinheiro público, possa determinar a liberação de valores expressivos sem ao menos proceder a uma diligente conferência, principalmente quando se trata de uma licitação de valor superior a duzentos mil reais...” (fs. 1062/1063)

Contudo, tais assertivas não se fundamentam em nenhuma prova ou indício concretamente produzido nos autos. Nenhum dos réus integrantes da Comissão Especial fez qualquer menção à atuação do apelante João Alves, seja influenciando-os, seja pedindo-lhes ou ordenando-lhes que firmassem o termo de recebimento falsamente ou sem conferir as mercadorias:

“...que nunca recebeu nenhuma ordem superior para assinar documentos, por exemplo, sem ter recebido a mercadoria....” (réu Luiz Carlos Barbosa, f. 779)
“...que eu na verdade não sei quem me nomeou para fazer parte da comissão de recebimento, deve ser a diretoria da Câmara; ....; que ‘nós só contamos as caixas e só abrimos uma, porque tudo estava certinho...” (réu Adilson de Oliveira Corsi, f. 781)
“...que somente uma caixa foi aberta para fazer a conferência dos produtos recebidos; que havia um notebook na caixa que foi aberta na presença do interrogado; ...; que como membro da comissão, nunca recebeu ordens superiores para praticar condutas indevidas; que as comissões tinham liberdade de atuação dentro do lícito...” (réu Benedito Barbosa, f. 784)

Vale destacar que não consta dos termos de interrogatórios dos réus acima a efetivação de qualquer questionamento quanto à atuação do co-réu João Alves de modo a demonstrar que ele tinha conhecimento da não entrega das mercadorias - especialmente dos notebooks - e assim saberia que o termo de recebimento não retratava a verdade, nem de que tenha de qualquer forma, ainda que indireta, contribuído para a formação do documento.
Diante deste quadro probatório, que não demonstrou nem o vínculo e conluio do apelante João Alves com o co-réu José Wanderley (tanto que ele foi absolvido do crime de falsidade imputado em concurso com este réu), nem o conhecimento da não entrega dos notebooks, nem a intenção de simular a entrega dos equipamentos, nem o exercício de qualquer influência sobre os integrantes da Comissão Especial, não há, no entendimento desta Magistrada, como estender a ele o crime de falsidade ideológica.
O argumento de que ele deveria diligenciar no sentido de conferir a entrega não procede, uma vez que presumidamente tal função era dos integrantes da Comissão Especial Permanente.
Por todo o exposto, especialmente porque não vislumbrei prova concreta, mas apenas suposições, de que o apelante João Alves Correa sabia da não entrega da integralidade dos equipamentos e aderiu à conduta dos membros da Comissão Especial Permanente ou influiu no ânimo deles para que não conferissem as mercadorias e firmassem o termo de recebimento, concluo que o recurso manejado por tal réu procede, devendo ele ser absolvido por insuficiência de provas (art. 386, VI do CPP).
Por isso, votei no sentido de absolver o réu João Alves Correa, divergindo da Douta Maioria neste aspecto específico, mas acompanhando-a nos demais tópicos.
Curitiba, 14 de fevereiro de 2008.

LILIAN ROMERO
Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau


1 A saber: 2 tripés, 30 fitas de video modl. SV, 60 fitas de video modelo VHS e 120 pilhas modelo AAA.
2 Segundo a denúncia, “em data de 17.02.05, o denunciado José Wanderley Domingues, combinado com o denunciado João Alves Correa, atual Presidente da Câmara Municipal, apresentou as notas fiscais ns. 6590 e 6591...” (f. 3), e também “tinha plena ciência que as declarações contidas nas notas fiscais eram falsas, mas mesmo assim assentiu que as mesmas fossem processadas pela Câmara Municipal para possibilitar o pagamento...” (f. 5).
3 Conforme a denúncia, “valendo-se das condições de presidente da Câmara Municipal de Maringá, inclusive prevalecendo de referido cargo, tendo pleno ciência que os produtos acima não tinham sido entregues, mas para cumprir os demais atos decorrentes da suposta entrega, determinou o encaminhamento das notas fiscais n. 6590 e 6591, datadas de 17/02/05, à Comissão Especial Permanente, composta pelos denunciados Adilson de Oliveira Corsi, Benedito Barbosa e Luiz Carlos Barbosa para realizar os termos de recebimentos dos supostos materiais, os quais aderindo a vontade e os propósitos do referido presidente, cientes que os produtos não haviam sido entregues naquela data, também prevalecendo-se dos cargos acima nominados, inseriram declaração falsa e diversa daquela que deveria ser escrita, em documento público, com o fim de criar suposta obrigação de registro no patrimônio da Câmara Municipal, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante” (fs. 5/6).