13.2.09

Acórdão - Reparação de danos

APELAÇÃO CÍVEL Nº 496.508-0 DA 2. VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ

APELANTE: MAICO RODRIGO SOARES

APELADO: MUNICÍPIO DE MARINGÁ

RELATORA: JOSÉLY DITTRICH RIBAS



APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - PRELIMINAR REJEITADA - ACIDENTE DE VEÍCULOS - QUEDA DE MOTOCICLETA - ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO - DEVER DE INDENIZAR - NEXO CAUSAL DEMONSTRADO - AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À CULPA DA VÍTIMA - ÔNUS QUE INCUMBIA AO RÉU - DANOS MATERIAIS NÃO IMPUGNADOS - CONSIDERADO OS ORÇAMENTOS DE MENOR VALOR - DANO MORAL NÃO EVIDENCIADO - JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA - INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL - IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MA-FÉ - REFORMA DA SENTENÇA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Tem o Município a obrigação legal de conservar em perfeito estado de conservação as vias públicas e o seu descumprimento configura ato omissivo do Município, despontando como evidente a sua responsabilidade pelos danos suportados pela vítima, em razão do acidente ocorrido.



RELATÓRIO

Diante da sentença proferida nos autos de Ação de Reparação de Danos, em que o MM. Juiz singular julgou improcedente o pedido formulado na inicial, o apelante interpõe o presente recurso alegando:

Que sofreu acidente automobilístico em face das imperfeições (buracos) existentes na via pública em função da falta de conservação do pavimento e da falta de sinalização pelo ente municipal.

As questões consideradas pelo magistrado no momento da sentença não foram argüidas objetivamente pelo réu, tampouco foram produzidas provas ou questionados os documentos, depoimentos e demais atos do processo, não tendo sequer comparecido à audiência, o que contraria o disposto nos artigos 128 e 131 do CPC.

Não há provas quanto aos fatos elencados pelo magistrado singular, de que o apelante deixou de transitar de forma segura ou agiu de forma a causar o acidente, inexistindo, inclusive, multas ou infrações de trânsito contra ele, pelo que se faz forte e hígido os pedidos lançados na inicial.

Por sua vez, o pedido de confissão ficta apresentado em alegações finais pode e dever ser conhecido, inclusive nessa apelação, em consonância com os arts. 456, 515 e 516 do CPC, vez que o Município de Maringá foi devidamente intimado para a audiência, sob pena de confesso, plenamente aplicável ao caso.

A conservação das vias públicas incumbe à Administração, assim, havendo deficiência na sua prestação, impossibilitando o uso e gozo pelo administrado, ou ainda, se lhe causar prejuízos, deve o ente público responder pela falha ou defeito na prestação de sua obrigação.

Em face dos fatos ocorridos, o apelante teve que realizar soroterapia e se submeter a exames médicos e outros procedimentos, trazendo uma gama de sofrimento, dúvida e insegurança, e que não podem ser comparados a meros dissabores.

O depoimento da testemunha, policial militar com vasta experiência em acidentes, além de confirmar os fatos apresentados, esclareceu acerca da rodovia e do acidente, restando demonstrado o nexo de causalidade entre o evento danoso e os danos suportados pelo autor, pelo que, inconteste a responsabilidade do Município, independente de dolo ou culpa da Administração.

Ademais, os danos materiais e morais alegados ou os orçamentos e demais documentos apresentados, não foram contestados pelo Município, que não pugnou sequer pela perícia do veículo ou a degravação do CD.

O recorrido afirma, genericamente, a culpa exclusiva do apelante, sem especificar ao menos um ato objetivo nesse sentido, ou então de culpa concorrente, em face da falta de atenção. Também não alega responsabilidade de terceiros pelo evento ou pelo buraco e nem faz menção há fato impeditivo ou impossibilidade de realizar adequada e obrigatória manutenção da via pública.

Todas as provas produzidas confirmam os fatos narrados pelo apelante, quanto aos buracos e a falta de conservação da via pública e da inexistência de sinalização específica no local, mas apenas convencional.

Alega a existência de dano moral; que os juros de mora devem fluir a partir do evento danoso, nos casos de responsabilidade extracontratual; e que os honorários advocatícios podem ser fixados em percentual superior a 20%.

Se assente a ocorrência de freqüentes acidentes no local, bem como do conhecimento da situação pelo Município, que considerou o local como crítico, mas sem a adoção de qualquer medida, é evidente a sua omissão, dando ensejo ao acidente.

Além disso, busca por diversas vezes inverter a verdade dos fatos, agindo de má-fé, como, por exemplo, ao afirmar que o Boletim de Ocorrência foi elaborado com as informações prestadas pelo recorrente quando este não estava no local, ou ainda, quando diz que não se pode afirmar que não tenham sido feitos reparos no asfalto, quando a própria municipalidade considerou o local crítico, iniciando a operação “tapa buracos” somente após o evento.

Na responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco administrativo, abre-se a possibilidade de contraprova fundada em fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior ou fato de terceiro, excluindo o nexo causal.

Apesar de alegada a culpa exclusiva do autor, não fez prova de suas alegações, como lhe competia, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC. E as circunstancias que envolvem o caso não induzem que o condutor do veículo estivesse trafegando e alta velocidade ou de forma descuidada.

Requer a reforma do decisum pra que sejam acolhidos os pedidos lançados na inicial, ensejando a reparação dos danos materiais e morais, a conseqüente inversão dos ônus da sucumbência e a condenação por litigância de má-fé.

Foram apresentadas as contra-razões pelo desprovimento do apelo (fls. 137-144).

É o relatório.

VOTO.

Presentes os requisitos recursais intrínsecos e extrínsecos, impõe-se o conhecimento do apelo.

Em se tratando de ato omissivo, como na espécie, há divergência na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza da responsabilidade do Estado, se objetiva ou subjetiva.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ao diferenciar as duas espécies de responsabilidade, afirma que:

“Há responsabilidade objetiva quando basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido.”1

O citado autor entende ser subjetiva a responsabilidade do Estado, em caso de omissão, esclarecendo que:

“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo”.2


Na hipótese em análise, ainda que se adote a teoria subjetiva, resulta evidente o dever de indenizar, uma vez que demonstrado que o acidente ocorreu em virtude da omissão culposa do Município apelado.

Da leitura dos autos, extrai-se que o apelante ao transitar pelas ruas do Município apelado, conduzindo uma motocicleta, sofreu acidente ao passar por buraco existe na via.

Os documentos acostados aos autos confirmam a existência de inúmeros buracos na via pública (fls. 29 e 52/56), bem como indicam que os trabalhos de “tapa buracos” foram realizados somente após a ocorrência do evento (fls. 49 a 51).

Do depoimento do policial militar que elaborou o Boletim de Ocorrência, extrai-se que “os buracos não foram medidos, mas foram reproduzidos de forma proporcional às dimensões da via no croqui de f. 29; Que o depoente reproduziu apenas os dois buracos maiores, pois haviam outros menores; Que os buracos conferiam com o que se encontra reproduzidos nas fotografias de f. 52/56; Que quando o depoente chegou ao local o autor já havia sido removido; (...) Que além das crateras haviam fragmentos soltos do que restou do pavimento, que foi o que provavelmente contribuiu para a desestabilização da motocicleta; (...) Que não havia nenhum sinalização específica alertando os transeuntes sobre as más condições do pavimento” (fl. 98).

É dever do Município conservar as vias públicas, de forma a preservar a integridade física das pessoas. Também é seu dever sinalizar as vias públicas, indicando, inclusive, eventuais defeitos no pavimento, de modo a evitar acidentes.

Sobre a questão, preleciona YUSSEF SAID CAHALI:

“A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis, cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que transitam pelas mesmas; a omissão no cumprimento desse dever jurídico, quando razoavelmente exigível, e identificada como causa do evento danoso sofrido pelo particular, induz, em princípio, a responsabilidade indenizatória do Estado.” 3

De tal modo, resta demonstrado que o apelado descumpriu o dever de conservar a via pública, bem como o de impedir a consumação do dano, ao deixar de sinalizar o local que não permitia o trânsito de veículos em condições de segurança. Mostra-se, portanto, evidente a omissão do Município em não promover as medidas necessárias para possibilitar o tráfego de veículos com segurança. Isso, por sua vez, acarreta a necessidade de responsabilizar a Administração, pelos danos suportados pela vítima, em razão do acidente ocorrido.

Releva destacar que não houve culpa exclusiva ou concorrente da vítima, vez que a causa primária do acidente está calcada na má conservação da via pública, sem que ao menos fosse sinalizado o local alertando acerca dos buracos existentes, como antes destacado.

Inexiste nos autos prova ou ao menos indícios acerca da culpa do autor, em qualquer de suas modalidades, tampouco pugnou a municipalidade pela produção de provas nesse sentido. O apelado apenas alegou, genericamente, que o autor não tomou as precauções cabíveis ou prestou atenção ao transitar no local do evento danoso (fl. 79).

O apelante se desincumbiu do ônus que lhe cabia quanto à prova de culpa do Município de Maringá, eis que manifestamente demonstrada nos autos a negligência do réu e os danos experimentados pelo autor, surgindo daí o dever de indenizar.

O juízo singular entendeu pela improcedência do pedido inicial, com fundamento nas atitudes que supostamente deveriam ser tomadas pelos condutores de motocicletas, presumindo que, se ocorreu o acidente, elas não foram observadas.

Da sentença, extrai-se o seguinte excerto:

“...por mais que a aderência do piso esteja comprometida, o motociclista médio que opera com ampla margem de segurança sempre terá uma reserva em caso de imprevisto. Demais disso, o condutor cuidadoso sempre procura olhar com antecedência o estado do pavimento à frente. Se o autor transitava com freqüência pelo local, deveria ser sabedor das imperfeições que o asfalto tinha no local. Se o local lhe era absolutamente estranho, deveria redobrar os cuidados.” ( fl. 119)

Essa conclusão, contudo, com o devido respeito pelo entendimento do ilustre magistrado sentenciante, não há como prevalecer.

A condução de veículos em velocidade compatível é regra de trânsito. Não há dúvida. Porém, não há elementos nos autos que permitam concluir que o apelante transitava em velocidade excessiva para o local. Noutro ponto, somente a conduta inferior aos padrões normais de diligência configuram culpa. De tal modo, sem a análise de outros dados fáticos, como velocidade, distância que se poderia avistar os buracos, visibilidade, condições climáticas e do trânsito etc., não se pode dizer que o apelante tenha faltado com o dever de cuidado.

Ademais, ainda que fosse possível considerar a existência de buracos na via pública como evento previsível, isso não se pode dizer em relação à ausência de sinalização indicativa da existência de defeitos.

Assim, não há como se reconhecer que o recorrente tenha agido com culpa exclusiva, ou mesmo concorrente.

Diante desse contexto, verificada a conduta omissiva do apelado, impõe-se reconhecer o dever de indenizar.

Quanto aos danos materiais, não restaram impugnados os orçamentos apresentados com a inicial, devendo, portanto, ser considerado aquele de menor valor, juntado às fl. 45 e 48 dos autos, perfazendo o montante de R$ 1.605,00 (hum mil seiscentos e cinco reais), corrigidos monetariamente pelo INPC desde a data dos orçamentos considerados e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso.

Por outro lado, não cabe a condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais.

O recorrente alega na inicial que o acidente lhe causou “...grande constrangimento, vergonha e medo, tendo tal situação a que o mesmo foi submetido causando-lhe vexame e estado de humilhação.” (fl. 04)

Todavia, além de não ter sido produzida qualquer prova para demonstrar o alegado abalo moral, não há como se presumir que possa ter o acidente causado constrangimento, medo, vergonha, vexame e humilhação. O argumento apresentado nas razões do recurso, ou seja, o sofrimento, dúvida e insegurança causados por ter se submetido a soroterapia, exames médicos e outros procedimentos, não podem ser considerados, por implicar em inovação em sede recursal.

Releva notar, ademais, que eventual aborrecimento e susto, em decorrência do acidente de trânsito, não conduzem, por si só, à ocorrência de dano moral, conforme entendimento jurisprudencial:

Apelação Cível. Acidente de trânsito. Danos Morais não configurados. Frenagem de 40 metros. Indícios de Velocidade excessiva. Colisão na traseira. Culpa caracterizada. Culpa Concorrente. Impossibilidade. Recursos desprovidos. I - Mero dissabor, aborrecimento, mágoa ou irritação não pode ser alçado ao patamar de dano moral, mas somente àquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. II - Longos sinais de frenagem, caracterizam o excesso de velocidade. III - A colisão na traseira atribui ao condutor do veículo culpa presumida, afastada somente com a comprovação de ocorrência de fato extraordinário, capaz de eximir a responsabilidade em indenizar os danos ocorridos. IV - Recursos desprovidos.4

Assim sendo, é incabível a condenação em dano moral.

Diante da reforma da sentença, impõe-se a modificação do ônus de sucumbência.

Considerando-se que o apelante saiu-se vencedor em um dos dois pleitos, decaindo, portanto, os litigantes em partes iguais, houve sucumbência recíproca, na proporção de 50%. Assim, impõe-se o rateio das custas e dos honorários advocatícios que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais) considerando o tempo despendido no acompanhamento do processo até a solução da lide, a pouca complexidade da causa, a realização de apenas uma audiência, com oitiva de uma testemunha e a interposição de um recurso. Os honorários devidos dem ser compensados de acordo com os termos do artigo 21 do Código de Processo Civil e Súmula 306 do STJ.

Por fim, o apelante requer a condenação do requerido por litigância de má-fé, deixando, todavia, de indicar quais fatos ensejariam sua aplicação, É, portanto, impossível acatar tal pedido, não bastando o pedido genérico lançado no apelo.

“A imposição de pena de litigância de má-fé não dispensa a indicação precisa dos fatos concretos que a motivaram, não sendo suficiente a simples afirmação genérica de que houve resistência injustificada” (RSTJ 134/325).

Além disso, “para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 17 do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF, art. 5º, LV); e que da sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa” (RSTJ 135/87, 146/136), o que não se verificou in casu, não prosperando o apelo apenas nesse ponto.

Pelo exposto, voto pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, reconhecendo a responsabilidade do apelado pelo evento danoso, devendo ressarcir os prejuízos materiais no montante de R$, 1.605,00 (hum mil seiscentos e cinco reais)

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso de apelação cível, nos termos do voto da Relatora.

Participaram do julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima, Presidente com voto, e o Excelentíssimo Senhor Juiz Substituto Eduardo Sarrão.


Curitiba, 20 de janeiro de 2009.


JOSÉLY DITTRICH RIBAS
Juíza Convocada




1 Curso de Direito Administrativo, 18. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pág. 929.

2 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Editora Malheiros, 2005, p. 936/937.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, Editora Malheiros, 1996, p. 300.
4 Apelação Cível nº 391.891-8. 9ª Câmara Cível. Rel. Tufi Maron Filho. J. em 10.05.2007.