Apelação cível - Energia elétrica da Catedral
Apelação Cível nº 437180-8, de Maringá - 6ª Vara Cível
Apelante : Ministério Público do Estado do Paraná
Apelado 1 : Said Felício Ferreira
Apelado 2 : Jairo Morais Gianoto
Apelado 3 : Mitra Arquidiocesana de Maringá
Relator : Desembargador Rosene Arão de Cristo Pereira
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CUSTEIO, PELO ERÁRIO, DE GASTOS DE ENERGIA ELÉTRICA DE AGREMIAÇÃO RELIGIOSA. ATO ÍMPROBO IDENTIFICADO. PENAS APLICADAS CUMULATIVAMENTE.
1. A utilização do erário para quitar gastos de energia elétrica de entidade religiosa é contra a Constituição Federal, o que ofende, sem dúvida pelo menos os princípios da Administração Pública.
2. A ocorrência de dano, o dolo, culpa e má-fé são irrelevantes para a caracterização do ato de improbidade.
3. As penas da lei de improbidades devem ser aplicadas cumulativamente, sendo aplicável a proporcionalidade apenas na sua mensuração.
Apelação Cível provida.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e nº 437180-8, de Maringá - 6ª Vara Cível - em que figuram como Apelante Ministério Público do Estado do Paraná e Apelados Said Felício Ferreira, Jairo Morais Gianoto e Mitra Arquidiocesana de Maringá.
1. Da sentença1 proferida nos autos nº 723/2001, que repeliu os pedidos formulados pelo Ministério Público do Estado do Paraná em desfavor de Said Felício Ferreira, Jairo Morais Gianoto e Mitra Arquidiocesana de Maringá, considerando que não houve improbidade nas ações destes últimos, direcionadas ao pagamento (subvenção) das contas de energia elétrica da entidade religiosa apelada, promoveu-se Recurso de Apelação, onde se alegou (I) nulidade do processo por ausência de citação/notificação do Município de Maringá; (II) a penalização da Mitra, mesmo tendo ressarcido o dano; (III) a impossibilidade do Estado subvencionar entidades religiosas ; (IV) a necessidade de condenação dos apelados mesmo sem que tenham agido com dolo e má-fé; e (V) reforma quanto aos honorários de sucumbência. 2
Recepcionado, houve resposta ao recurso.3
A Procuradoria Geral de Justiça pediu pelo seu parcial provimento, apenas para que se exclua a condenação na verba honorária. 4
2. Saliente-se, para iniciar, os ensinamentos de Eliezer Rosa: “Falando ou escrevendo, fale pouco e diga tudo.” 5
Mais à frente em sua obra, que deveria ser de cabeceira dos julgadores, sacramentou com precisão: “Há, porem, uma qualidade em que deve o juiz pôr toda sua atenção: a brevidade. A sentença deve ser breve.” 6
Com base em tais premissas é que se julgará o contido nestes autos.
2. 1 Quanto à preliminar.
O processo não é nulo pelo fato de não ter feito parte da relação jurídica processual o Município de Maringá, como quis fazer crer o apelante ministerial.
O sistema de nulidades no processo civil vem sendo mitigado - e sabiamente - isso para que não se anulem ou nulifiquem atos que, bem ou mal, tenham atingido o fim a que se propuseram.
É o caso dos autos.
A ausência do Município de Maringá não gerou prejuízo ao resultado do processo.
Neste sentido ensinou MOACYR AMARAL SANTOS,
“o que se deve verificar é se o ato, pela forma que adotou, atingiu a sua finalidade próxima, de autenticar e fazer certa uma atividade, e remota, mas que lhe é própria, de meio para atingir a finalidade do processo. Quer dizer que o princípio da instrumentalidade das formas dos atos processuais recomenda que, ao julgar da validade ou invalidade de um ato processual, se atendam a dois elementos fundamentais: a finalidade que a lei atribui ao ato e o prejuízo que a violação da forma traria ao processo”. 7
Como disse outra renomada processualista,
“a tendência mais marcante do texto positivo (CPC) é a de evitar ao máximo que ocorram nulidades, e a tendência correlata da jurisprudência é a de acolher o mínimo possível as argüições de nulidades. O intuito do texto legal e a conduta dos magistrados é, portanto, a de preservar”8
Afasta-se, pois, preliminar de nulidade levantada.
2. 2 Sobre o núcleo central da controvérsia.
Quanto ao peno de fundo do controvertido, analisar-se-á dois enfoques: (I) a ocorrência do ato de improbidade administrativa e (II) a penalização.
No caso dos autos, não há negativa por parte dos apelados de que, de fato, houve pagamento de energia elétrica da apelada Mitra com verbas do erário, que é abastecido pelo sagrado dinheiro do contribuinte.
Dois dos apelados - Said e Jairo - não negaram a prática, apenas atestaram que não foi viciada por dolo ou má-fé.
Said, em sua defesa prévia, afirmou:
“[...]
O fato de inexistir lei específica que autoriza a manutenção desta dispensa, não caracteriza, portanto, a ilegalidade prevista no art. 10, ‘caput’, incisos IX e XI, da Lei nº 8429/92. para a apontada ilicitude civil, impõe-se verificar a concorrência de seus elementos subjetivos, consistentes na culpa ou dolo conforme expressamente previsto nho dispositivo legal.
[...]”9
Ou seja, admite que pagou contas de energia elétrica da apelada Mitra, mas entende que, por não ter havido dolo ou ma-fé, não pode ser penalizado pro ato de improbidade.
Jairo, entretanto, não confessou diretamente a prática indevida, mas a admitiu obliquamente, quando afirmou:
“[...]
Demais disso, não há como o Prefeito, pelo só fato do cargo, ser responsabilizado por atos que devem ser praticados no seio dos órgãos administrativo,s pois é humanamente impossível (omissis) [...]”10
O próprio juiz sentenciante admitiu que os réus confessaram a prática, quando sintetizou:
Said, em sua defesa previa, afirmou:
“[...]
Porem, como alegaram as doutas defesas, não houve, neste caso, má-fé. Dolo, desonestidade ou ato visando lesar o erário. Tanto é verdade que a Mitra, ao ser questionada, prontamente ressarciu os valores, integralmente. Ainda assim a ação prosseguiu.
[...]”11
Vasculhando os autos, localizou-se a comprovação da devolução da verba, isso às f. 431.
Posto isso, inegável a necessidade de reformar a sentença, posto que o ato praticado - incontroverso nos autos! - é ímprobo.
O Administrador público que, de qualquer forma, desrespeita os princípios vetores da Administração Pública viola a LIA, em seus Arts. 11, caput.
Dolo ou culpa não integram os elementos necessários para a prática de ato de improbidade, vale dizer, pouco importa se houve intenção ou não; em havendo desrespeito à LIA, pratica-se ato de improbidade.
É cediço que o administrador público deve agir sempre dentro dos limites da lei, diferente do particular, a quem é conferido fazer o que a lei permite e o que ela não proíbe. É o que a doutrina e a jurisprudência chamam de princípio da estrita legalidade.
O ato praticado pelos apelados não observou o a lei - porque lei não há que os autorizasse a pagar contas particulares de energia elétrica de entidade religiosa particular! -; ao contrário, trata-se de ato contrário à Constituição Federal, que impossibilita entes públicos de subvencionar entidades religiosas.
É evidente, pois, que o ato praticado, pelo desrespeito à CF/88, afrontou o princípio da legalidade, de observância obrigatória e norteador de todos os atos da Administração Pública.12
Também violados os princípios da moralidade e impessoalidade.
A violação da Constituição Federal é patente!
Na mesma senda, é importante que se frise que ninguém pode alegar ignorância da lei para escusar-se de obedecê-la, que dirá um administrador da coisa pública - ou seu longa manus - que, com muito mais razão, deve conhecer e respeitar a legislação, já que apenas pode agir dentro e nos limites dela (princípio da estrita legalidade).
O ato controvertido nestes autos foi praticado ao arrepio da lei - a maior delas, a CF/88 - ou seja, feriu sobremaneira o princípio da legalidade, um dos norteadores da Administração Pública.
Sendo contrário à lei é ato ímprobo, mesmo que eventualmente não tenha gerado dano financeiro algum, ao contrário do que sustentaram os apelados.
Aliás, a devolução da verba recebida pela Mitra funcionou mais como uma confissão da prática indevida do que um salvo conduto para a invasão indevida dos cofres públicos.
Ora, se pensar como o fez sentença, estaria liberado o deleite dos maus políticos - que não são poucos! - bastando a eles, caso apanhados com a “mão no pote”, devolver a verba e tudo estaria resolvido. Caso não fosse pegos, maravilha...
Dolo e culpa, reprise-se, não importam, pois são desprezados para a caracterização do ato, devendo serem sopesados quando da sua penalização.
De rigor, portanto, a condenação dos apelados nas sanções previstas da LIA (Lei de Improbidade Administrativa - nº 8.429/92).
Ressalte-se que as penas previstas no Art. 12 da LIA são concorrentes, uma vez que regulamentou o dispositivo constitucional em comento (Art. 37, § 4º13), o que fez com absoluta coerência, já que trouxe, assim como o fez o legislador constituinte originário, a conjunção aditiva “e”, em vez da alternativa “ou”, anunciando, com isso, que as sanções devem ser aplicadas cumulativamente.
O parágrafo único do mencionado artigo, de fato, prestigiou a razoabilidade e a proporcionalidade na mensuração das penas, mas não permite a escolha delas por parte do julgador. Cada uma delas deve ser aplicada ao agente ímprobo, diante do caso concreto, guardando relação com a gravidade do ato praticado.
Neste sentido segue o escólio de Fábio Medina Osório:
“’A priori’, as sanções devem ser cumulativamente impostas, dada a dicção direta e inequívoca do legislador, atendo-se o intérprete aos critérios legais da fixação do ‘quantum’ da resposta estatal ao ato de improbidade. Por evidente que tal comutatividade haverá de ser atenuada à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, examinando caso a caso”14
Mais adiante continuou o mencionado doutrinador com o mesmo brilhantismo:
“Com efeito, o legislador determina a imposição cumulativa obrigatória das sanções legais, donde incabível o juiz reduzir a aplicabilidade da lei, sob pena de criar campo fértil às arbitrariedades e às desigualdades, emergindo falta de critérios na escolha das sanções incidentes nos casos concretos”.15
As penas, como acima explicitado, devem ser cumulativamente aplicadas.
Posto isso, considerando que o ato praticado pelos apelados é ímprobo, devem ser com as seguintes sanções:
(a) - os réus Said Felício Ferreira e Jairo Morais Gianoto, antigos alcaides do Município de Maringá, ficam penalizados com a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos, multa civil de 2 (duas) vezes o último subsídio que receberam quando ainda alcaides e proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos por 3 (três) anos;
(b) - a ré Mitra Arquidiocesana de Maringá, fica penalizada com a proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos por 3 (três) anos.
As penas foram encontradas no Art. 12, III, da LIA, e arbitradas no mínimo, ante o ressarcimento do dano.
Reformada a sentença, deveriam ser invertidos os honorários sucumbenciais.
Porém, em sede de ação civil pública, não há que se falar em condenação dos acionados no pagamento de honorários de sucumbência, quando procedente a ação proposta pelo Parquet.
O Ministro Luiz Fux, dissertando sobre a distribuição dos ônus sucumbenciais em sede de Ação Civil Pública, assim dissertou, citando José dos Santos Carvalhido:
“(...)Até agora, procuramos examinar a questão da sucumbência da parte autora na ação civil pública. Verifiquemos como ficam os ônus dela decorrentes no que toca à parte ré.
Em relação ao réu, faz-se aplicável a regra do art. 20 do CP Civil, uma vez que inexiste regra específica na Lei nº 7.347/85, e ainda em razão da incidência do diploma processual geral, quando não contraria suas disposições (art. 19).
Sendo procedente a ação, deve o réu, vencido na demanda, arcar com os ônus da sucumbência, cabendo-lhe, em conseqüência, pagar ao vencedor as despesas processuais e os honorários advocatícios. Como o vencedor não terá antecipado o valor das despesas processuais, o ônus se limitará ao pagamento da verba honorária. Com esse entendimento, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Ação civil pública. Ônus da sucumbência. Parte ré. Isenção.
Descabimento. Não há como estender à parte ré a norma contida no art. 18 da Lei nº 7.347/85, que isenta, de forma expressa, tão-somente a associação autora do pagamento de honorários de advogado, custas e despesas processuais.
Se tiver sido qualificado como litigante de má-fé, caber-lhe-ão, da mesma forma, os ônus decorrentes de sua responsabilidade por dano processual, tudo na forma do previsto no Código de Processo Civil.
Havendo condenação na sentença, o réu fica obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários de advogado, mesmo se veio a
cumprir suas obrigações no curso do processo. Como já decidiu o STJ, a condenação subsistiria mesmo se fosse extinto o processo sem julgamento do mérito, pois que haveria sucumbência da parte que deu causa à demanda.
No que respeita ao Ministério Público, porém, não incide tal disciplina. Como parte autora, não terá adiantado qualquer valor correspondente a despesas processuais; assim sendo, o réu nada terá a reembolsar. Por outro lado, tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizadora, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe também o ônus do pagamento de honorários.
Aliás, essa orientação tem norteado alguns dos órgãos de execução do Ministério Público do Rio de Janeiro, os quais, quando propõem a ação civil pública, limitam-se a postular a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou ao pagamento de indenização, sem formular requerimento a respeito de despesas processuais e honorários advocatícios.” (José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 6ª ed; Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2007, p. 485/486).16
As razões acima invocadas estão aptas a autorizar o provimento do Recurso de Apelação, reformando a sentença fustigada para (I) reconhecer a ocorrência da prática de ato de improbidade administrativa, assim como (II) penalizar os apelados nos termos do Art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa, tudo nos termos da fundamentação supra.
Em face do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em atribuir provimento ao recurso de apelação cível.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Ruy Fernando de Oliveira, sem voto, e dele participaram os Senhores Desembargadores Leonel Cunha e Luiz Mateus de Lima.
Curitiba, 16 de dezembro de 2008
Rosene Arão de Cristo Pereira, Relator
1 (f. 789/803)
2 (f. 805/8035)
3 (f.832; 833/845; 864/867; e 868/876)
4 (f. 894/903)
5 (ROSA, Eliezer. A Voz da Toga, 3ª Ed., Goiânia: AB Editora, 1999, pág. 13).
6 (Ibid, pág. 43)
7 (In “Nulidades Processuais” in Enciclopédia Saraiva de Direito. v. 55, pp. 165/166.)
8 (PINTO, Tereza Arruda Alvim, Nulidades da Sentença. São Paulo: RT, 1987. p. 208).
9 (f. 460, sic).
10 (f. 592, sic).
11 (f. 796, sic).
12 (CF, art. 37, caput)
13 CF/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
...
§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (destacamos)
14 (OSÓRIO. Fábio Medina, Improbidade Administrativa, 2ª Ed., Porto Alegre: Síntese, 1998, pág. 251).
15 (Ibid, pág. 254).
16Stj, REsp 845339 / TORECURSO ESPECIAL2006/0093791-0, 1ª t., Ministro LUIZ FUX, DJ 15.10.2007 p. 237) sublinhamos
Apelante : Ministério Público do Estado do Paraná
Apelado 1 : Said Felício Ferreira
Apelado 2 : Jairo Morais Gianoto
Apelado 3 : Mitra Arquidiocesana de Maringá
Relator : Desembargador Rosene Arão de Cristo Pereira
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CUSTEIO, PELO ERÁRIO, DE GASTOS DE ENERGIA ELÉTRICA DE AGREMIAÇÃO RELIGIOSA. ATO ÍMPROBO IDENTIFICADO. PENAS APLICADAS CUMULATIVAMENTE.
1. A utilização do erário para quitar gastos de energia elétrica de entidade religiosa é contra a Constituição Federal, o que ofende, sem dúvida pelo menos os princípios da Administração Pública.
2. A ocorrência de dano, o dolo, culpa e má-fé são irrelevantes para a caracterização do ato de improbidade.
3. As penas da lei de improbidades devem ser aplicadas cumulativamente, sendo aplicável a proporcionalidade apenas na sua mensuração.
Apelação Cível provida.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e nº 437180-8, de Maringá - 6ª Vara Cível - em que figuram como Apelante Ministério Público do Estado do Paraná e Apelados Said Felício Ferreira, Jairo Morais Gianoto e Mitra Arquidiocesana de Maringá.
1. Da sentença1 proferida nos autos nº 723/2001, que repeliu os pedidos formulados pelo Ministério Público do Estado do Paraná em desfavor de Said Felício Ferreira, Jairo Morais Gianoto e Mitra Arquidiocesana de Maringá, considerando que não houve improbidade nas ações destes últimos, direcionadas ao pagamento (subvenção) das contas de energia elétrica da entidade religiosa apelada, promoveu-se Recurso de Apelação, onde se alegou (I) nulidade do processo por ausência de citação/notificação do Município de Maringá; (II) a penalização da Mitra, mesmo tendo ressarcido o dano; (III) a impossibilidade do Estado subvencionar entidades religiosas ; (IV) a necessidade de condenação dos apelados mesmo sem que tenham agido com dolo e má-fé; e (V) reforma quanto aos honorários de sucumbência. 2
Recepcionado, houve resposta ao recurso.3
A Procuradoria Geral de Justiça pediu pelo seu parcial provimento, apenas para que se exclua a condenação na verba honorária. 4
2. Saliente-se, para iniciar, os ensinamentos de Eliezer Rosa: “Falando ou escrevendo, fale pouco e diga tudo.” 5
Mais à frente em sua obra, que deveria ser de cabeceira dos julgadores, sacramentou com precisão: “Há, porem, uma qualidade em que deve o juiz pôr toda sua atenção: a brevidade. A sentença deve ser breve.” 6
Com base em tais premissas é que se julgará o contido nestes autos.
2. 1 Quanto à preliminar.
O processo não é nulo pelo fato de não ter feito parte da relação jurídica processual o Município de Maringá, como quis fazer crer o apelante ministerial.
O sistema de nulidades no processo civil vem sendo mitigado - e sabiamente - isso para que não se anulem ou nulifiquem atos que, bem ou mal, tenham atingido o fim a que se propuseram.
É o caso dos autos.
A ausência do Município de Maringá não gerou prejuízo ao resultado do processo.
Neste sentido ensinou MOACYR AMARAL SANTOS,
“o que se deve verificar é se o ato, pela forma que adotou, atingiu a sua finalidade próxima, de autenticar e fazer certa uma atividade, e remota, mas que lhe é própria, de meio para atingir a finalidade do processo. Quer dizer que o princípio da instrumentalidade das formas dos atos processuais recomenda que, ao julgar da validade ou invalidade de um ato processual, se atendam a dois elementos fundamentais: a finalidade que a lei atribui ao ato e o prejuízo que a violação da forma traria ao processo”. 7
Como disse outra renomada processualista,
“a tendência mais marcante do texto positivo (CPC) é a de evitar ao máximo que ocorram nulidades, e a tendência correlata da jurisprudência é a de acolher o mínimo possível as argüições de nulidades. O intuito do texto legal e a conduta dos magistrados é, portanto, a de preservar”8
Afasta-se, pois, preliminar de nulidade levantada.
2. 2 Sobre o núcleo central da controvérsia.
Quanto ao peno de fundo do controvertido, analisar-se-á dois enfoques: (I) a ocorrência do ato de improbidade administrativa e (II) a penalização.
No caso dos autos, não há negativa por parte dos apelados de que, de fato, houve pagamento de energia elétrica da apelada Mitra com verbas do erário, que é abastecido pelo sagrado dinheiro do contribuinte.
Dois dos apelados - Said e Jairo - não negaram a prática, apenas atestaram que não foi viciada por dolo ou má-fé.
Said, em sua defesa prévia, afirmou:
“[...]
O fato de inexistir lei específica que autoriza a manutenção desta dispensa, não caracteriza, portanto, a ilegalidade prevista no art. 10, ‘caput’, incisos IX e XI, da Lei nº 8429/92. para a apontada ilicitude civil, impõe-se verificar a concorrência de seus elementos subjetivos, consistentes na culpa ou dolo conforme expressamente previsto nho dispositivo legal.
[...]”9
Ou seja, admite que pagou contas de energia elétrica da apelada Mitra, mas entende que, por não ter havido dolo ou ma-fé, não pode ser penalizado pro ato de improbidade.
Jairo, entretanto, não confessou diretamente a prática indevida, mas a admitiu obliquamente, quando afirmou:
“[...]
Demais disso, não há como o Prefeito, pelo só fato do cargo, ser responsabilizado por atos que devem ser praticados no seio dos órgãos administrativo,s pois é humanamente impossível (omissis) [...]”10
O próprio juiz sentenciante admitiu que os réus confessaram a prática, quando sintetizou:
Said, em sua defesa previa, afirmou:
“[...]
Porem, como alegaram as doutas defesas, não houve, neste caso, má-fé. Dolo, desonestidade ou ato visando lesar o erário. Tanto é verdade que a Mitra, ao ser questionada, prontamente ressarciu os valores, integralmente. Ainda assim a ação prosseguiu.
[...]”11
Vasculhando os autos, localizou-se a comprovação da devolução da verba, isso às f. 431.
Posto isso, inegável a necessidade de reformar a sentença, posto que o ato praticado - incontroverso nos autos! - é ímprobo.
O Administrador público que, de qualquer forma, desrespeita os princípios vetores da Administração Pública viola a LIA, em seus Arts. 11, caput.
Dolo ou culpa não integram os elementos necessários para a prática de ato de improbidade, vale dizer, pouco importa se houve intenção ou não; em havendo desrespeito à LIA, pratica-se ato de improbidade.
É cediço que o administrador público deve agir sempre dentro dos limites da lei, diferente do particular, a quem é conferido fazer o que a lei permite e o que ela não proíbe. É o que a doutrina e a jurisprudência chamam de princípio da estrita legalidade.
O ato praticado pelos apelados não observou o a lei - porque lei não há que os autorizasse a pagar contas particulares de energia elétrica de entidade religiosa particular! -; ao contrário, trata-se de ato contrário à Constituição Federal, que impossibilita entes públicos de subvencionar entidades religiosas.
É evidente, pois, que o ato praticado, pelo desrespeito à CF/88, afrontou o princípio da legalidade, de observância obrigatória e norteador de todos os atos da Administração Pública.12
Também violados os princípios da moralidade e impessoalidade.
A violação da Constituição Federal é patente!
Na mesma senda, é importante que se frise que ninguém pode alegar ignorância da lei para escusar-se de obedecê-la, que dirá um administrador da coisa pública - ou seu longa manus - que, com muito mais razão, deve conhecer e respeitar a legislação, já que apenas pode agir dentro e nos limites dela (princípio da estrita legalidade).
O ato controvertido nestes autos foi praticado ao arrepio da lei - a maior delas, a CF/88 - ou seja, feriu sobremaneira o princípio da legalidade, um dos norteadores da Administração Pública.
Sendo contrário à lei é ato ímprobo, mesmo que eventualmente não tenha gerado dano financeiro algum, ao contrário do que sustentaram os apelados.
Aliás, a devolução da verba recebida pela Mitra funcionou mais como uma confissão da prática indevida do que um salvo conduto para a invasão indevida dos cofres públicos.
Ora, se pensar como o fez sentença, estaria liberado o deleite dos maus políticos - que não são poucos! - bastando a eles, caso apanhados com a “mão no pote”, devolver a verba e tudo estaria resolvido. Caso não fosse pegos, maravilha...
Dolo e culpa, reprise-se, não importam, pois são desprezados para a caracterização do ato, devendo serem sopesados quando da sua penalização.
De rigor, portanto, a condenação dos apelados nas sanções previstas da LIA (Lei de Improbidade Administrativa - nº 8.429/92).
Ressalte-se que as penas previstas no Art. 12 da LIA são concorrentes, uma vez que regulamentou o dispositivo constitucional em comento (Art. 37, § 4º13), o que fez com absoluta coerência, já que trouxe, assim como o fez o legislador constituinte originário, a conjunção aditiva “e”, em vez da alternativa “ou”, anunciando, com isso, que as sanções devem ser aplicadas cumulativamente.
O parágrafo único do mencionado artigo, de fato, prestigiou a razoabilidade e a proporcionalidade na mensuração das penas, mas não permite a escolha delas por parte do julgador. Cada uma delas deve ser aplicada ao agente ímprobo, diante do caso concreto, guardando relação com a gravidade do ato praticado.
Neste sentido segue o escólio de Fábio Medina Osório:
“’A priori’, as sanções devem ser cumulativamente impostas, dada a dicção direta e inequívoca do legislador, atendo-se o intérprete aos critérios legais da fixação do ‘quantum’ da resposta estatal ao ato de improbidade. Por evidente que tal comutatividade haverá de ser atenuada à luz do princípio constitucional da proporcionalidade, examinando caso a caso”14
Mais adiante continuou o mencionado doutrinador com o mesmo brilhantismo:
“Com efeito, o legislador determina a imposição cumulativa obrigatória das sanções legais, donde incabível o juiz reduzir a aplicabilidade da lei, sob pena de criar campo fértil às arbitrariedades e às desigualdades, emergindo falta de critérios na escolha das sanções incidentes nos casos concretos”.15
As penas, como acima explicitado, devem ser cumulativamente aplicadas.
Posto isso, considerando que o ato praticado pelos apelados é ímprobo, devem ser com as seguintes sanções:
(a) - os réus Said Felício Ferreira e Jairo Morais Gianoto, antigos alcaides do Município de Maringá, ficam penalizados com a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos, multa civil de 2 (duas) vezes o último subsídio que receberam quando ainda alcaides e proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos por 3 (três) anos;
(b) - a ré Mitra Arquidiocesana de Maringá, fica penalizada com a proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos por 3 (três) anos.
As penas foram encontradas no Art. 12, III, da LIA, e arbitradas no mínimo, ante o ressarcimento do dano.
Reformada a sentença, deveriam ser invertidos os honorários sucumbenciais.
Porém, em sede de ação civil pública, não há que se falar em condenação dos acionados no pagamento de honorários de sucumbência, quando procedente a ação proposta pelo Parquet.
O Ministro Luiz Fux, dissertando sobre a distribuição dos ônus sucumbenciais em sede de Ação Civil Pública, assim dissertou, citando José dos Santos Carvalhido:
“(...)Até agora, procuramos examinar a questão da sucumbência da parte autora na ação civil pública. Verifiquemos como ficam os ônus dela decorrentes no que toca à parte ré.
Em relação ao réu, faz-se aplicável a regra do art. 20 do CP Civil, uma vez que inexiste regra específica na Lei nº 7.347/85, e ainda em razão da incidência do diploma processual geral, quando não contraria suas disposições (art. 19).
Sendo procedente a ação, deve o réu, vencido na demanda, arcar com os ônus da sucumbência, cabendo-lhe, em conseqüência, pagar ao vencedor as despesas processuais e os honorários advocatícios. Como o vencedor não terá antecipado o valor das despesas processuais, o ônus se limitará ao pagamento da verba honorária. Com esse entendimento, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Ação civil pública. Ônus da sucumbência. Parte ré. Isenção.
Descabimento. Não há como estender à parte ré a norma contida no art. 18 da Lei nº 7.347/85, que isenta, de forma expressa, tão-somente a associação autora do pagamento de honorários de advogado, custas e despesas processuais.
Se tiver sido qualificado como litigante de má-fé, caber-lhe-ão, da mesma forma, os ônus decorrentes de sua responsabilidade por dano processual, tudo na forma do previsto no Código de Processo Civil.
Havendo condenação na sentença, o réu fica obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários de advogado, mesmo se veio a
cumprir suas obrigações no curso do processo. Como já decidiu o STJ, a condenação subsistiria mesmo se fosse extinto o processo sem julgamento do mérito, pois que haveria sucumbência da parte que deu causa à demanda.
No que respeita ao Ministério Público, porém, não incide tal disciplina. Como parte autora, não terá adiantado qualquer valor correspondente a despesas processuais; assim sendo, o réu nada terá a reembolsar. Por outro lado, tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizadora, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe também o ônus do pagamento de honorários.
Aliás, essa orientação tem norteado alguns dos órgãos de execução do Ministério Público do Rio de Janeiro, os quais, quando propõem a ação civil pública, limitam-se a postular a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou ao pagamento de indenização, sem formular requerimento a respeito de despesas processuais e honorários advocatícios.” (José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 6ª ed; Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2007, p. 485/486).16
As razões acima invocadas estão aptas a autorizar o provimento do Recurso de Apelação, reformando a sentença fustigada para (I) reconhecer a ocorrência da prática de ato de improbidade administrativa, assim como (II) penalizar os apelados nos termos do Art. 12, III, da Lei de Improbidade Administrativa, tudo nos termos da fundamentação supra.
Em face do exposto, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em atribuir provimento ao recurso de apelação cível.
O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador Ruy Fernando de Oliveira, sem voto, e dele participaram os Senhores Desembargadores Leonel Cunha e Luiz Mateus de Lima.
Curitiba, 16 de dezembro de 2008
Rosene Arão de Cristo Pereira, Relator
1 (f. 789/803)
2 (f. 805/8035)
3 (f.832; 833/845; 864/867; e 868/876)
4 (f. 894/903)
5 (ROSA, Eliezer. A Voz da Toga, 3ª Ed., Goiânia: AB Editora, 1999, pág. 13).
6 (Ibid, pág. 43)
7 (In “Nulidades Processuais” in Enciclopédia Saraiva de Direito. v. 55, pp. 165/166.)
8 (PINTO, Tereza Arruda Alvim, Nulidades da Sentença. São Paulo: RT, 1987. p. 208).
9 (f. 460, sic).
10 (f. 592, sic).
11 (f. 796, sic).
12 (CF, art. 37, caput)
13 CF/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
...
§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (destacamos)
14 (OSÓRIO. Fábio Medina, Improbidade Administrativa, 2ª Ed., Porto Alegre: Síntese, 1998, pág. 251).
15 (Ibid, pág. 254).
16Stj, REsp 845339 / TORECURSO ESPECIAL2006/0093791-0, 1ª t., Ministro LUIZ FUX, DJ 15.10.2007 p. 237) sublinhamos
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