Venezuela - Um voto pela tirania
Duda Teixeira/Veja
Se a quantidade de eleições fosse a medida da democracia, a Venezuela seria uma das campeãs mundiais nesse quesito. Nos dez anos em que Hugo Chávez é presidente, foram realizados doze pleitos nacionais. Mais do que um por ano. Mas não é assim que se avalia a saúde de uma democracia. A cada plebiscito convocado pelo coronel-presidente, a Venezuela dá mais um passo em direção à Presidência vitalícia – ou à “revolução socialista”, como diz Chávez, o que, no seu entender, vem a ser a mesma coisa. No referendo de domingo 15, o presidente venezuelano recebeu o direito de disputar eleições seguidas, sem limite. A próxima será em 2012. Como o mandato presidencial na Venezuela é de seis anos, se for reeleito ele governará até 2018. Terá então completado vinte anos de poder. Se os venezuelanos ainda assim o elegerem para um novo mandato, a próxima oportunidade de mudança será em 2024. Chávez terá 70 anos e, talvez, saúde e ambição para concorrer mais uma vez. Uma geração de venezuelanos não terá conhecido outro governante exceto o coronel.
A Venezuela ainda pode ser considerada uma democracia? O voto ainda é secreto e partidos de oposição concorrem livremente, e a maioria do eleitorado votou “sim” (54%) na mudança constitucional que favoreceu Chávez. Mesmo assim, não se deve fazer confusão: democracia não é a mesma coisa que a vontade da maioria ou a frequência dos processos eleitorais. O que Chávez está fazendo é utilizar-se de instrumentos democráticos, como eleições e plebiscitos, para destruir a democracia. É um procedimento clássico de construção de ditaduras. Eleito chanceler com o voto de um terço dos alemães em 1933, Adolf Hitler lançou mão de plebiscitos para dar legitimidade à sua ditadura sanguinária. “Essas eleições abriram as portas para que Chávez fique na Presidência a vida toda”, disse a VEJA o americano Ray Walser, da Heritage Foundation, em Washington.
A história comprova que o poder vitalício é quase sempre sinônimo de abusos. Foi para conter o poder de um só homem que surgiram instituições como a separação de poderes e os mandatos, que na democracia colocam prazo na ambição dos governantes. Um sistema republicano só faz sentido quando há alternância no poder. Sem isso, não se pode falar em república ou em democracia. A separação de poderes não existe mais na Venezuela. A Justiça Eleitoral obedece inteiramente a Hugo Chávez, assim como o Poder Judiciário e o Legislativo. Os venezuelanos votam sob a pressão de uma enorme máquina de intimidação montada por um governo que utiliza descaradamente o dinheiro público para seu próprio proveito político e eleitoral. Em dezembro, empregados públicos foram instruídos a deixar de lado suas funções para se dedicar prioritariamente à aprovação da emenda. “Nunca se usou tanto a máquina estatal como na última eleição”, disse a VEJA o venezuelano Luis Vicente León, do instituto de pesquisas Datanálisis.
Por que um povo se sujeita à vontade de um único homem é um enigma desde a Antiguidade. Os latino-americanos são particularmente afeitos ao caudilho populista do tipo que dá ordem como se o país fosse uma fazenda de sua propriedade. Esse é o estilo de Chávez, cujo mandonismo se faz sentir até em desfile de miss. A Venezuela vive uma crise econômica cuja profundidade pode ser aferida pela escassez de gêneros de primeira necessidade. Todos os indicadores socioeconômicos da Venezuela pioraram nos dez anos de governo Chávez, com exceção de um: a pobreza, que diminuiu. Parece animador, mas trata-se simplesmente do resultado da distribuição de dinheiro público a pobres dispostos a demonstrar lealdade ao coronel-presidente. Ele também criou quase 1 milhão de empregos públicos, boa parte deles para gente que presta serviços nas milícias e organizações chavistas. Sem existir a correspondente prosperidade econômica ou a criação de empregos produtivos, a mobilidade social venezuelana não pode ser considerada duradoura. Se o preço do barril de petróleo não subir, a Venezuela receberá apenas 21,6 bilhões de dólares pela venda do produto neste ano, contra 93 bilhões em 2008. Sem esse dinheiro, ficará complicado manter a mesada dos pobres. O pior é que cada dia será mais difícil se livrar pacificamente do tirano e de sua ridícula boina vermelha.
Prefeito sem prefeitura
Um dos melhores nomes de que a oposição dispõe para desafiar Chávez em 2012 é Antonio Ledezma, prefeito de Caracas. Apoiado por uma coligação de pequenos partidos, ele foi eleito no fim do ano passado. Mas até agora não conseguiu entrar no prédio da prefeitura, tomado por chavistas armados. O motivo da invasão: ele recusou-se a renovar o contrato de 8 000 funcionários fantasmas. O prefeito, que governa de uma sala alugada em um prédio comercial, conversou com VEJA no saguão de um hotel.
Os partidos venezuelanos ainda têm importância? Todos eles, novos e antigos, estão sendo obrigados a se reinventar e dialogar diretamente com a sociedade civil. Se de um lado temos um governo cada vez mais autoritário, de outro temos a oposição dando um exemplo de tolerância.
O que une a oposição? Defendemos aquilo que está escrito na nossa Constituição, como a alternância de poder, a diversidade de ideias, o respeito à propriedade privada e a descentralização.
É arriscado ser da oposição na Venezuela? Qualquer opositor corre perigo, mesmo que não seja político. A questão é que não nos resta outra opção exceto lutar contra o autoritarismo de Chávez.
Se a quantidade de eleições fosse a medida da democracia, a Venezuela seria uma das campeãs mundiais nesse quesito. Nos dez anos em que Hugo Chávez é presidente, foram realizados doze pleitos nacionais. Mais do que um por ano. Mas não é assim que se avalia a saúde de uma democracia. A cada plebiscito convocado pelo coronel-presidente, a Venezuela dá mais um passo em direção à Presidência vitalícia – ou à “revolução socialista”, como diz Chávez, o que, no seu entender, vem a ser a mesma coisa. No referendo de domingo 15, o presidente venezuelano recebeu o direito de disputar eleições seguidas, sem limite. A próxima será em 2012. Como o mandato presidencial na Venezuela é de seis anos, se for reeleito ele governará até 2018. Terá então completado vinte anos de poder. Se os venezuelanos ainda assim o elegerem para um novo mandato, a próxima oportunidade de mudança será em 2024. Chávez terá 70 anos e, talvez, saúde e ambição para concorrer mais uma vez. Uma geração de venezuelanos não terá conhecido outro governante exceto o coronel.
A Venezuela ainda pode ser considerada uma democracia? O voto ainda é secreto e partidos de oposição concorrem livremente, e a maioria do eleitorado votou “sim” (54%) na mudança constitucional que favoreceu Chávez. Mesmo assim, não se deve fazer confusão: democracia não é a mesma coisa que a vontade da maioria ou a frequência dos processos eleitorais. O que Chávez está fazendo é utilizar-se de instrumentos democráticos, como eleições e plebiscitos, para destruir a democracia. É um procedimento clássico de construção de ditaduras. Eleito chanceler com o voto de um terço dos alemães em 1933, Adolf Hitler lançou mão de plebiscitos para dar legitimidade à sua ditadura sanguinária. “Essas eleições abriram as portas para que Chávez fique na Presidência a vida toda”, disse a VEJA o americano Ray Walser, da Heritage Foundation, em Washington.
A história comprova que o poder vitalício é quase sempre sinônimo de abusos. Foi para conter o poder de um só homem que surgiram instituições como a separação de poderes e os mandatos, que na democracia colocam prazo na ambição dos governantes. Um sistema republicano só faz sentido quando há alternância no poder. Sem isso, não se pode falar em república ou em democracia. A separação de poderes não existe mais na Venezuela. A Justiça Eleitoral obedece inteiramente a Hugo Chávez, assim como o Poder Judiciário e o Legislativo. Os venezuelanos votam sob a pressão de uma enorme máquina de intimidação montada por um governo que utiliza descaradamente o dinheiro público para seu próprio proveito político e eleitoral. Em dezembro, empregados públicos foram instruídos a deixar de lado suas funções para se dedicar prioritariamente à aprovação da emenda. “Nunca se usou tanto a máquina estatal como na última eleição”, disse a VEJA o venezuelano Luis Vicente León, do instituto de pesquisas Datanálisis.
Por que um povo se sujeita à vontade de um único homem é um enigma desde a Antiguidade. Os latino-americanos são particularmente afeitos ao caudilho populista do tipo que dá ordem como se o país fosse uma fazenda de sua propriedade. Esse é o estilo de Chávez, cujo mandonismo se faz sentir até em desfile de miss. A Venezuela vive uma crise econômica cuja profundidade pode ser aferida pela escassez de gêneros de primeira necessidade. Todos os indicadores socioeconômicos da Venezuela pioraram nos dez anos de governo Chávez, com exceção de um: a pobreza, que diminuiu. Parece animador, mas trata-se simplesmente do resultado da distribuição de dinheiro público a pobres dispostos a demonstrar lealdade ao coronel-presidente. Ele também criou quase 1 milhão de empregos públicos, boa parte deles para gente que presta serviços nas milícias e organizações chavistas. Sem existir a correspondente prosperidade econômica ou a criação de empregos produtivos, a mobilidade social venezuelana não pode ser considerada duradoura. Se o preço do barril de petróleo não subir, a Venezuela receberá apenas 21,6 bilhões de dólares pela venda do produto neste ano, contra 93 bilhões em 2008. Sem esse dinheiro, ficará complicado manter a mesada dos pobres. O pior é que cada dia será mais difícil se livrar pacificamente do tirano e de sua ridícula boina vermelha.
Prefeito sem prefeitura
Um dos melhores nomes de que a oposição dispõe para desafiar Chávez em 2012 é Antonio Ledezma, prefeito de Caracas. Apoiado por uma coligação de pequenos partidos, ele foi eleito no fim do ano passado. Mas até agora não conseguiu entrar no prédio da prefeitura, tomado por chavistas armados. O motivo da invasão: ele recusou-se a renovar o contrato de 8 000 funcionários fantasmas. O prefeito, que governa de uma sala alugada em um prédio comercial, conversou com VEJA no saguão de um hotel.
Os partidos venezuelanos ainda têm importância? Todos eles, novos e antigos, estão sendo obrigados a se reinventar e dialogar diretamente com a sociedade civil. Se de um lado temos um governo cada vez mais autoritário, de outro temos a oposição dando um exemplo de tolerância.
O que une a oposição? Defendemos aquilo que está escrito na nossa Constituição, como a alternância de poder, a diversidade de ideias, o respeito à propriedade privada e a descentralização.
É arriscado ser da oposição na Venezuela? Qualquer opositor corre perigo, mesmo que não seja político. A questão é que não nos resta outra opção exceto lutar contra o autoritarismo de Chávez.
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