19.3.09

Agravo de instrumento - José Furlan

Processo/Prot: 0567487-3 Agravo de Instrumento
. Protocolo: 2009/47381. Comarca: Maringá. Vara: 3ª Vara Cível. Ação Originária:
2008.00001610 Obrigação de Fazer. Agravante: Município de Maringá - Pr.
Advogado: Thiago Paiva dos Santos, Laércio Fondazzi, Lidia Bettinardi Zechetto.
Agravado: José Furlan. Advogado: Helder Cury Ricciardi, Júlio Eduardo Ricciardi,
Erika Fernandes Romani. Órgão Julgador: 5ª Câmara Cível. Relator: Des. Leonel
Cunha. Despacho: Descrição: Despachos Decisórios
Vistos 1) JOSÉ FURLAN ajuizou “Ação de Obrigação de Fazer com Antecipação
de Tutela” em face do MUNICÍPIO DE MARINGÁ, a fim de que lhe fosse fornecido
o medicamento Spiriva 18 mcg, por ser portador de Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica. 2) Em decisão de fls. 68/69, o Juízo a quo deferiu o pedido de antecipação
de tutela, “determinando que a requerida passe imediatamente a fornecer o
medicamento em foco ao requerente, mensalmente, na dosagem e durante o
período indicado por sua médica, até ulterior deliberação”. 3) Contra essa decisão
o MUNICÍPIO DE MARINGÁ agravou de instrumento (fls. 02/22), requerendo a
atribuição do efeito suspensivo ao recurso e, ao final, a reforma da decisão agravada.
Para tanto, alegou que: a) o Autor carece de interesse de agir, porque não comprovou
ter formulado pedido administrativo à Secretaria Municipal de Saúde, nem que essa
tenha se negado a fornecer o remédio, tampouco ter se submetido à consulta em
Unidade Básica de Saúde; b) o Município de Maringá é parte ilegítima para figurar
no pólo passivo da lide. Assim como afirmou o próprio Agravado, a responsabilidade
pelas ações de saúde é solidária dos entes políticos, cabendo aos Municípios atuar
de modo subsidiário e na medida de sua disponibilidade orçamentária; c) o pedido
formulado pelo Agravado é impossível, pois não é dado ao Poder Judiciário invadir
a esfera administrativa e impor ao Poder Executivo o modo de gerir as Políticas
Públicas. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO O Agravante não tem razão. a) Do
Interesse de Agir do Autor-Agravado O Município-Agravante alega carência de ação
decorrente da falta de interesse de agir do Agravado, porque não houve formulação
de pedido administrativo do qual pudesse gerar negativa de fornecimento do remédio,
assim como não há prova de que o doente se submeteu aos cuidados de Unidade
Básica de Saúde daquele Município. Sem razão. O interesse de agir decorre da
conjugação do trinômio necessidade, utilidade e adequação da medida proposta,
sendo possível verificar estas três circunstâncias no presente caso, pois está
pautado na necessidade, utilidade e adequação do Agravado obter, gratuitamente,
medicamento hábil a conter os efeitos da moléstia da qual é portador. Para que possa
buscar a satisfação de sua pretensão, não é necessário que o Agravado formule
pedido administrativo ao órgão competente, mas que demonstre existir resistência
ao atendimento de sua necessidade. Visando atender tal exigência, o Agravado
juntou aos autos declaração subscrita por ele e outras duas testemunhas (f. 67),
que atestam ter havido negativa verbal, por parte da Secretaria Municipal de Saúde,
ao pedido de entrega do remédio Spiriva do qual, comprovadamente, necessita (cf.
atestados, receituários e exames médicos de fls. 26 e 54/57). A prova da necessidade
e utilidade da medida pretendida pelo Agravado independe de ter previamente se
submetido aos cuidados de Unidade de Saúde do Município-Agravado, eis que o
atestado de médico responsável pelo seu tratamento, conveniando ou não ao SUS,
basta para tal desiderato. Não bastasse isso, a existência do interesse de agir do
Agravado resulta, também, das próprias razões recursais do Município, na medida
em que afirma não ser sua a responsabilidade de fornecer o medicamento pleiteado.
b) Da Legitimidade Passiva do Município de Maringá O Agravante pleiteia a extinção
do processo sem julgamento de mérito, em razão de sua ilegitimidade passiva. Afirma
que compete à União Federal financiar e manter os programas de dispensação
de medicamentos excepcionais, ao passo que a responsabilidade dos Municípios
tem caráter subsidiário em relação aos governos federal e estadual, desde que
existam recursos financeiros disponíveis. Sem razão. Esta Corte tem reiteradamente
rechaçado tais alegações, porque o art. 196 da Constituição Federal, ao dispor que
“A saúde é direito de todos e dever do Estado” não delimita atribuições aos entes
federados. A expressão Estado deve ser interpretado de maneira ampla, entendida
como os Municípios, União, Estados e Distrito Federal. O art. 23, inciso II, da
Constituição Federal determina que: “É competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da
proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. O texto constitucional
é amplo no que tange aos direitos sociais, sendo dever de todos os entes federais
assegurá-los. Assim, sendo a saúde um direito universal e não havendo distinção
entre nenhuma das esferas de Governo quanto à diferenciação entre esta ou
aquela função, denota-se terem todos os órgãos do Governo igual responsabilidade,
sendo facultado ao pacientes exercer sua pretensão resistida contra quaisquer
deles. Nesse sentido já julgou o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. (...) MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOA
DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO GRATUITO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO
FEDERAL E MUNICÍPIOS. (...) 5. A Lei 8.080/90, com fundamento na Constituição
da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 6.
É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios)
assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação
ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades,
sobretudo as mais graves. 7. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros
e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva
de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 8. Recurso especial conhecido
em parte e improvido.” (STJ, REsp 719716 / SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA.
Segunda Turma, DJ. 07/06/2005). Cumpre frisar que as questões administrativas
inerentes ao financiamento das ações de governo nada tem a ver com a delimitação
das competências pela Constituição Federal, muito menos quando visam a limitar
direitos fundamentais, razão pela qual devem ser dirimidas no plano executivo. c) Da
Possibilidade Jurídica do Pedido Em suas razões recursais, o Município de Maringá
pleiteia a extinção do processo sem julgamento do mérito, em razão da suposta
impossibilidade jurídica do pedido. Para tanto, afirma que “não cabe ao Judiciário,
a pretexto da inafastabilidade do controle judicial e da salvaguarda do bem maio
vida, invadir a esfera administrativa para impor ao Executivo que aplique esta ou
aquela medida no que tange às políticas públicas na área da saúde (...) o que implica
em ferir o Princípio da Separação dos Poderes da República” (f. 12). Não merece
acolhida a preliminar. A Constituição Federal consagra o direito à saúde (arts. 6º
e 196), impondo ao Poder Judiciário intervir quando provocado, para afastar lesão
a direito individual, ainda que para isso determine o cumprimento de obrigação de
fazer, com inafastável repercussão na esfera orçamentária. O Superior Tribunal de
Justiça, em casos análogos, já entendeu que “A determinação judicial desse dever
pelo Estado não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração.
Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados,
quiçá constitucionalmente. Nesse ponto a atividade é vinculada sem admissão de
qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. (...). Ressoa evidente que toda
imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que
isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado
de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada,
assim, a ingerência entre os três poderes, o judiciário, alegado o malfazimento
da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização da promessa
constitucional” (1ª Turma, REsp 575280/SP, Min. Rel. LUIZ FUX, DJ 02/09/2004).
Destarte, em casos como o presente, o Poder Judiciário não está administrando
os recursos financeiros nem tampouco desempenhando funções típicas do Poder
Executivo, mas, antes de tudo, está primando pela obediência à Constituição Federal,
norma máxima, que, por óbvio, prevalece sobre quaisquer outros atos normativos
(primários e secundários). ANTE O EXPOSTO, com base no art. 557, caput do
Código de Processo Civil, nego seguimento ao presente Agravo de Instrumento tendo
em vista sua manifesta improcedência, e, ainda, por confrontar com a jurisprudência
desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Publique-se. Intimem-se. CURITIBA,
09 de março de 2009. Desembargador LEONEL CUNHA. Relator