Apelação cível - John Alves
APELAÇÃO CÍVEL N° 484.496-4, DE MARINGÁ - 4ª VARA CÍVEL
APELANTE 1: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELANTE 2: JOÃO ALVES CORREA
APELADO: OS MESMOS
RELATORA: DESª REGINA AFONSO PORTES
RECURSO 1 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL - DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE TODAS AS SANÇÕES PREVISTAS EM LEI - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - AGRAVAMENTO DAS PENALIDADES - DESCABIMENTO - RECURSO DESPROVIDO.
RECURSO 2 - ATO DE IMPROBIDADE CARACTERIZADO - RECURSO DESPROVIDO.
1. Para fixar as sanções no caso de improbidade administrativa deve o julgador se pautar no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando também a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente.
2. A improbidade é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, reveste-se de ilicitude grave e exige, ao ato ímprobo, requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 484.496-4, de Maringá - 4ª Vara Cível, em que é Apelante 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e Apelante 2 JOÃO ALVES CORREA e Apelados OS MESMOS.
Tratam os autos de Recursos de Apelação interpostos contra os termos da r. sentença de fls. 380/395, proferida em Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público em face de João Alves da Silva, que julgou parcialmente procedente os pedidos formulados, para condenar o réu ao pagamento de multa civil e, proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Diante da sucumbência, condenou o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das condenações pecuniárias impostas.
Em suas razões recursais, o Ministério Público do Estado do Paraná, (fls. 396/408), alega ser obrigatória a aplicação de todas as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, razão pela qual requer a reforma da sentença, para que também sejam impostas ao réu a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, bem como sejam mantidas as penalidades aplicadas.
Contra-razões apresentadas por João Alves Correa, às fls. 410/412.
Apela também João Alves Correa, (fls. 413/422), argüindo em seu recurso, não ter havido qualquer descumprimento de ordem judicial; e, que na hipótese de ser mantida a condenação, se insurge contra o montante da multa aplicada, no valor de trinta vezes a maior remuneração do réu. Pugna assim, pelo provimento do recurso.
Contra-razões pelo Ministério Público do Estado do Paraná, às fls. 426/434.
Parecer da Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 445/456, pelo conhecimento e integral provimento do apelo ministerial, bem como o conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação interposto por João Alves Correa.
É o relatório.
DECIDO
Denota-se dos autos que o Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública em face de JOÃO ALVES CORREA, radialista e vereador de Maringá, em razão dos seguintes fatos descritos na inicial:
“O autor, em data de 29 de agosto de 2006, instaurou inquérito Civil Público - autos nº 30/2006 em anexo - visando apurar eventual conduta de desobediência praticada pelo presidente da Câmara Municipal de Maringá, para o cumprimento da decisão judicial lavrada pelo Juízo de Direito desta Comarca.
Com efeito, apurou-se que em data de 29 de novembro no ano próximo passado, a vereadora Marly Martin Silva ingressou com a ação de mandado de segurança contra atos do réu João Alves Correa, em face do mesmo na qualidade de presidente da Câmara Municipal de Maringá, se negava a criar e instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a aquisição de computadores portáteis e outros equipamentos levados a efeito pelo próprio ente público.
Essa ação mandamental foi distribuída e analisada pelo Juízo da Segunda Vara Cível desta Comarca, o qual prolatou a decisão liminar determinando que no prazo de cinco dias a Câmara Municipal de Maringá criasse e instalasse a Comissão Parlamentar de Inquérito e para tanto expedisse a intimação ao réu João Alves Correa, presidente do referido ente público.
O referido réu foi intimado dos termos do decisum em data de 24/07/2006, mas precisamente às 11h40min, consoante se vê do incluso mandado (fls. 52, verso do ICP), cumprido pelo meirinho desta Comarca, mas ao invés de determinar a criação e instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito, preferiu de forma livre e consciente desobedecer à ordem legal emanada do Juiz de Direito da 2ª Vara Cível desta Comarca, considerado funcionário público, somente vindo a fazê-lo na data de 31 de agosto de 2006, quando do objeto de uma multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) determinada em face de descumprimento da ordem judicial.
Assim, em resumo, num primeiro momento o referido réu desobedeceu à ordem judicial e num segundo momento, ou seja, com a criação da CPI, retardou indevidamente ato que lhe incumbia na qualidade de presidente da Câmara Municipal.
Como se não bastasse a comprovação da desobediência à ordem acima mencionada, o réu João Alves Correa, buscou a reforma da prestação jurisdicional liminar ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado e a Corte de Justiça, em todas às vezes invocada, manteve o veredicto do Juízo que prolatou a decisão ora narrada (fls. 73/85 do ICP).
No caso em apreço, o réu João Alves Correa, na qualidade de representante legal da Câmara Municipal de Maringá, cometeu atos de improbidade administrativa, eis que dolosamente, isto é, de forma livre e consciente, deixou de atender a ordem judicial para criação e instalação da CPI, a qual considerou a aplicação por simetria às disposições do art. 58, parágrafo 3º da Constituição Federal e art. 62, parágrafo 3º da CE e declarando inconstitucional o artigo 21 parágrafo 4º da Lei Orgânica do Município de Maringá, e desta forma ofendeu os princípios norteadores da Administração Pública da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.”
Entendeu o Juiz singular pela procedência em parte do pedido inicial, condenando o réu as seguintes penalidades: a) pagamento de multa civil em valor equivalente a trinta vezes a maior remuneração que percebeu enquanto presidente da Câmara Municipal de Maringá, com correção monetária pelo INPC do IBGE e juros de 1% a.m., tudo computado desde a época dos fatos; b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Sustenta o Ministério Público em suas razões recursais, a obrigatoriedade de aplicação de todas as sanções previstas na Lei 8429/92, em se reconhecendo a prática de atos ímprobos. Em que pesem tais argumentos, resta pacificado na jurisprudência, que a pena deve ser aplicada proporcionalmente ao dano, sendo absolutamente desnecessária a aplicação conjunta de todas as sanções previstas em lei.
Vale dizer que, o juiz ao aplicar as sanções deve principalmente analisar, à luz do caso concreto, o grau de culpabilidade do agente.
O doutrinador Marcelo Figueiredo, defende que a aplicação isolada ou cumulativa das sanções, dependerá da situação fático-jurídica do caso concreto, in verbis:
“Posicionamo-nos no sentido da ‘liberdade’ do juiz para aplicar as penalidades tal como o caso concreto requer. É dizer, isolada ou cumulativamente, tudo a depender da gravidade do fato, da conduta do agente, de seu passado funcional, da análise do dano e sua extensão etc. As penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. Assim, em determinado caso, apenas a reversão dos bens e multa civil poderão responder à vontade da lei. Em outra hipótese grave, de comprovado dano doloso do funcionário ao Estado, as penas devem ser cumuladas (algumas ou todas). Deve haver proporcionalidade, adequação e racionalidade na interpretação do diploma, a fim de que não haja injustiças flagrantes” (“Probidade Administrativa - Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar”, 1995, Malheiros Editores, pág. 77)”.
Assim, não é de ser acatado o presente argumento do Ministério Público, entendendo esta Relatora, pela desobrigatoriedade de aplicação de todas as sanções previstas na Lei 8429/92.
DAS SANÇÕES APLICADAS AO APELADO
Denota-se que o Juízo de Maringá, em decisão liminar, ordenou ao Presidente da Câmara Municipal, que instalasse a CPI no prazo de 05 dias, nos seguintes termos: “Assim sendo, com base neste e também nos mesmos fundamentos da liminar de fls. 202 a 204, determino a intimação do impetrado para que, no prazo de 05 dias, promova a criação e instalação de comissão parlamentar de inquérito destinada a investigar supostas irregularidades na licitação promovida pela Câmara Municipal de Maringá para a aquisição de 20 notebooks e dois tripés, entre outros itens menores, e efetivamente determine a sua criação e instalação, por contar com o número mínimo de um terço das assinaturas necessárias, independente de deliberação do plenário e desconsiderando a retirada de assinatura do vereador Valter Viana.”
Muito embora tenha sido intimado da decisão em 24 de julho de 2006 (fls. 77), o réu não promoveu a instalação da CPI no prazo estabelecido, vindo somente a fazê-lo em 31 de agosto, após imposição de multa pessoal diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Alega o réu não ter havido de sua parte qualquer desobediência à ordem judicial, tendo em vista que na ação mandamental a liminar concedida pelo Juízo, fixando prazo de 05 dias para a abertura da CPI, teria sido segundo alega, parcialmente reformada pela sentença prolatada na mesma data, na medida em que esta julgou procedente a ação, mas não determinou prazo. Para o réu, a sentença não confirmou os termos da liminar, e dessa forma não poderia ele ter sido condenado nesse processo, acusado de não ter cumprido com a ordem judicial.
Por certo, que a sentença não revogou em momento algum a liminar anteriormente concedida. Se por ventura fosse essa a intenção, teria expressamente determinado.
Conforme esclarece o magistrado singular: “Engana-se também o réu ao supor que a sentença substitui a liminar removendo-a do cenário jurídico. Quando a sentença confirma a liminar, e é isso que ocorreu no caso em exame, o comando contido na liminar continua valendo, e agora com poder reforçado, porque o provisório se converteu em definitivo. A intimação para cumprir a liminar, e o prazo para cumpri-la, continuaram hígidos, válidos e obrigatórios após a confirmação da interlocutória pela sentença, e com muito maior valor e carga obrigatória. Se a sentença não o disse expressamente, foi porque essa noção é tão comezinha que explicitá-la chega a ser supérfluo.” (fls. 385)
A tese defensiva do réu, de que só estaria obrigado a criar a Comissão Parlamentar de Inquérito quando da execução - provisória, plagiando os dizeres da Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 451 -, é ainda mais absurda, pois a decisão proferida possui caráter mandamental, típico de ações de mandado de segurança. Considerando-se que o descumprimento da ordem judicial é fato incontroverso, e que nenhum dos recursos opostos recebeu efeito suspensivo, cabia ao réu simplesmente atender a ordem judicial.
São estes os fatos, portanto, passo então a análise da pena a ser aplicada.
A improbidade é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, reveste-se de ilicitude grave e exige, ao ato ímprobo, requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva, acentuadamente o dolo (nos casos de enriquecimento ilícito e prática atentatória a princípios) e a culpa grave (nos casos de lesão ao erário), o que não se verificou no caso em questão.
A fixação das penas previstas no art. 12, da LIA, deve ser fundamentada e proporcional, com vistas à racionalidade do dispositivo que exige a consideração do grau de reprovabilidade do ato de improbidade administrativa praticado. Para caracterização do ato de improbidade, disciplinado pela Lei nº 8429/92, é preciso atingimento a um dos bens jurídicos tutelados por aquela norma jurídica, a partir do enriquecimento ilícito do agente ou de terceiro (art. 9º), do prejuízo ao erário (art. 10), do ataque aos princípios da Administração Pública (art. 11).
Portanto, basta a mácula da moralidade pública, erigida a princípio constitucional aplicável à Administração Pública para que se configure ato de improbidade. E as penas previstas na Lei de Improbidade, devem ser aplicadas de acordo com o princípio da proporcionalidade, conforme já mencionado.
Nos casos de improbidade administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos REsp’s. n.ºs 505.068/PR e 300.184/SP, relatados respectivamente pelos Ministros Luiz Fux e Franciulli Netto, estabeleceu alguns parâmetros norteadores para a aplicação do princípio da proporcionalidade, a saber: a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente ímprobo; o elemento volitivo da conduta, ou seja, se o ilícito foi praticado com dolo ou culpa; a consecução do interesse público; a finalidade da norma sancionadora e o histórico funcional do agente.
In casu, verificando as circunstâncias acima mencionadas, constata-se que nenhum reparo há de ser feito nas penalidades aplicadas em primeiro grau.
Isto porque agiu o réu com dolo e com abuso de poder, no momento que deliberadamente recusou-se a cumprir ordem judicial.
Aplicando o princípio da proporcionalidade e tendo em vista as circunstâncias supramencionadas, entendo que a multa no valor de 30 vezes a remuneração, cumulada com a proibição de contratar com o poder público, é suficiente para punir o agente.
Assim, voto no sentido de negar provimento ao recurso do Ministério Público.
DO RECURSO DO RÉU JOÃO ALVES CORREA
Recorre o réu da ação civil pública, pugnado pela reforma da sentença, sob o argumento de não ter descumprido ordem judicial. Tendo em vista, a análise detalhada de todo o processo, mantendo-se a condenação já aplicada, por certo o presente recurso, com fulcro nas razões acima expostas, é de ser desprovido.
Voto, portanto no sentido de negar provimento a ambos os recursos.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª da Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento aos recursos.
Participaram do julgamento presidido pelo Excelentíssimo Desembargador ABRAHAM LINCOLN CALIXTO (sem voto) os Excelentíssimos Senhores, Juiz Convocado EDUARDO SARRÃO e Desembargador SALVATORE ANTONIO ASTUTI.
Curitiba, 09 de março de 2009.
DESª REGINA AFONSO PORTES
Relatora
S:\IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA\APELAÇÃO\484496-4 sanções princ propor, impr caracterizada, pena.doc
APELANTE 1: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
APELANTE 2: JOÃO ALVES CORREA
APELADO: OS MESMOS
RELATORA: DESª REGINA AFONSO PORTES
RECURSO 1 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL - DESNECESSIDADE DE APLICAÇÃO DE TODAS AS SANÇÕES PREVISTAS EM LEI - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - AGRAVAMENTO DAS PENALIDADES - DESCABIMENTO - RECURSO DESPROVIDO.
RECURSO 2 - ATO DE IMPROBIDADE CARACTERIZADO - RECURSO DESPROVIDO.
1. Para fixar as sanções no caso de improbidade administrativa deve o julgador se pautar no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando também a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente.
2. A improbidade é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, reveste-se de ilicitude grave e exige, ao ato ímprobo, requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 484.496-4, de Maringá - 4ª Vara Cível, em que é Apelante 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e Apelante 2 JOÃO ALVES CORREA e Apelados OS MESMOS.
Tratam os autos de Recursos de Apelação interpostos contra os termos da r. sentença de fls. 380/395, proferida em Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público em face de João Alves da Silva, que julgou parcialmente procedente os pedidos formulados, para condenar o réu ao pagamento de multa civil e, proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Diante da sucumbência, condenou o réu ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor das condenações pecuniárias impostas.
Em suas razões recursais, o Ministério Público do Estado do Paraná, (fls. 396/408), alega ser obrigatória a aplicação de todas as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, razão pela qual requer a reforma da sentença, para que também sejam impostas ao réu a perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, bem como sejam mantidas as penalidades aplicadas.
Contra-razões apresentadas por João Alves Correa, às fls. 410/412.
Apela também João Alves Correa, (fls. 413/422), argüindo em seu recurso, não ter havido qualquer descumprimento de ordem judicial; e, que na hipótese de ser mantida a condenação, se insurge contra o montante da multa aplicada, no valor de trinta vezes a maior remuneração do réu. Pugna assim, pelo provimento do recurso.
Contra-razões pelo Ministério Público do Estado do Paraná, às fls. 426/434.
Parecer da Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 445/456, pelo conhecimento e integral provimento do apelo ministerial, bem como o conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação interposto por João Alves Correa.
É o relatório.
DECIDO
Denota-se dos autos que o Ministério Público ingressou com Ação Civil Pública em face de JOÃO ALVES CORREA, radialista e vereador de Maringá, em razão dos seguintes fatos descritos na inicial:
“O autor, em data de 29 de agosto de 2006, instaurou inquérito Civil Público - autos nº 30/2006 em anexo - visando apurar eventual conduta de desobediência praticada pelo presidente da Câmara Municipal de Maringá, para o cumprimento da decisão judicial lavrada pelo Juízo de Direito desta Comarca.
Com efeito, apurou-se que em data de 29 de novembro no ano próximo passado, a vereadora Marly Martin Silva ingressou com a ação de mandado de segurança contra atos do réu João Alves Correa, em face do mesmo na qualidade de presidente da Câmara Municipal de Maringá, se negava a criar e instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a aquisição de computadores portáteis e outros equipamentos levados a efeito pelo próprio ente público.
Essa ação mandamental foi distribuída e analisada pelo Juízo da Segunda Vara Cível desta Comarca, o qual prolatou a decisão liminar determinando que no prazo de cinco dias a Câmara Municipal de Maringá criasse e instalasse a Comissão Parlamentar de Inquérito e para tanto expedisse a intimação ao réu João Alves Correa, presidente do referido ente público.
O referido réu foi intimado dos termos do decisum em data de 24/07/2006, mas precisamente às 11h40min, consoante se vê do incluso mandado (fls. 52, verso do ICP), cumprido pelo meirinho desta Comarca, mas ao invés de determinar a criação e instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito, preferiu de forma livre e consciente desobedecer à ordem legal emanada do Juiz de Direito da 2ª Vara Cível desta Comarca, considerado funcionário público, somente vindo a fazê-lo na data de 31 de agosto de 2006, quando do objeto de uma multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) determinada em face de descumprimento da ordem judicial.
Assim, em resumo, num primeiro momento o referido réu desobedeceu à ordem judicial e num segundo momento, ou seja, com a criação da CPI, retardou indevidamente ato que lhe incumbia na qualidade de presidente da Câmara Municipal.
Como se não bastasse a comprovação da desobediência à ordem acima mencionada, o réu João Alves Correa, buscou a reforma da prestação jurisdicional liminar ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado e a Corte de Justiça, em todas às vezes invocada, manteve o veredicto do Juízo que prolatou a decisão ora narrada (fls. 73/85 do ICP).
No caso em apreço, o réu João Alves Correa, na qualidade de representante legal da Câmara Municipal de Maringá, cometeu atos de improbidade administrativa, eis que dolosamente, isto é, de forma livre e consciente, deixou de atender a ordem judicial para criação e instalação da CPI, a qual considerou a aplicação por simetria às disposições do art. 58, parágrafo 3º da Constituição Federal e art. 62, parágrafo 3º da CE e declarando inconstitucional o artigo 21 parágrafo 4º da Lei Orgânica do Município de Maringá, e desta forma ofendeu os princípios norteadores da Administração Pública da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.”
Entendeu o Juiz singular pela procedência em parte do pedido inicial, condenando o réu as seguintes penalidades: a) pagamento de multa civil em valor equivalente a trinta vezes a maior remuneração que percebeu enquanto presidente da Câmara Municipal de Maringá, com correção monetária pelo INPC do IBGE e juros de 1% a.m., tudo computado desde a época dos fatos; b) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Sustenta o Ministério Público em suas razões recursais, a obrigatoriedade de aplicação de todas as sanções previstas na Lei 8429/92, em se reconhecendo a prática de atos ímprobos. Em que pesem tais argumentos, resta pacificado na jurisprudência, que a pena deve ser aplicada proporcionalmente ao dano, sendo absolutamente desnecessária a aplicação conjunta de todas as sanções previstas em lei.
Vale dizer que, o juiz ao aplicar as sanções deve principalmente analisar, à luz do caso concreto, o grau de culpabilidade do agente.
O doutrinador Marcelo Figueiredo, defende que a aplicação isolada ou cumulativa das sanções, dependerá da situação fático-jurídica do caso concreto, in verbis:
“Posicionamo-nos no sentido da ‘liberdade’ do juiz para aplicar as penalidades tal como o caso concreto requer. É dizer, isolada ou cumulativamente, tudo a depender da gravidade do fato, da conduta do agente, de seu passado funcional, da análise do dano e sua extensão etc. As penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. Assim, em determinado caso, apenas a reversão dos bens e multa civil poderão responder à vontade da lei. Em outra hipótese grave, de comprovado dano doloso do funcionário ao Estado, as penas devem ser cumuladas (algumas ou todas). Deve haver proporcionalidade, adequação e racionalidade na interpretação do diploma, a fim de que não haja injustiças flagrantes” (“Probidade Administrativa - Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar”, 1995, Malheiros Editores, pág. 77)”.
Assim, não é de ser acatado o presente argumento do Ministério Público, entendendo esta Relatora, pela desobrigatoriedade de aplicação de todas as sanções previstas na Lei 8429/92.
DAS SANÇÕES APLICADAS AO APELADO
Denota-se que o Juízo de Maringá, em decisão liminar, ordenou ao Presidente da Câmara Municipal, que instalasse a CPI no prazo de 05 dias, nos seguintes termos: “Assim sendo, com base neste e também nos mesmos fundamentos da liminar de fls. 202 a 204, determino a intimação do impetrado para que, no prazo de 05 dias, promova a criação e instalação de comissão parlamentar de inquérito destinada a investigar supostas irregularidades na licitação promovida pela Câmara Municipal de Maringá para a aquisição de 20 notebooks e dois tripés, entre outros itens menores, e efetivamente determine a sua criação e instalação, por contar com o número mínimo de um terço das assinaturas necessárias, independente de deliberação do plenário e desconsiderando a retirada de assinatura do vereador Valter Viana.”
Muito embora tenha sido intimado da decisão em 24 de julho de 2006 (fls. 77), o réu não promoveu a instalação da CPI no prazo estabelecido, vindo somente a fazê-lo em 31 de agosto, após imposição de multa pessoal diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Alega o réu não ter havido de sua parte qualquer desobediência à ordem judicial, tendo em vista que na ação mandamental a liminar concedida pelo Juízo, fixando prazo de 05 dias para a abertura da CPI, teria sido segundo alega, parcialmente reformada pela sentença prolatada na mesma data, na medida em que esta julgou procedente a ação, mas não determinou prazo. Para o réu, a sentença não confirmou os termos da liminar, e dessa forma não poderia ele ter sido condenado nesse processo, acusado de não ter cumprido com a ordem judicial.
Por certo, que a sentença não revogou em momento algum a liminar anteriormente concedida. Se por ventura fosse essa a intenção, teria expressamente determinado.
Conforme esclarece o magistrado singular: “Engana-se também o réu ao supor que a sentença substitui a liminar removendo-a do cenário jurídico. Quando a sentença confirma a liminar, e é isso que ocorreu no caso em exame, o comando contido na liminar continua valendo, e agora com poder reforçado, porque o provisório se converteu em definitivo. A intimação para cumprir a liminar, e o prazo para cumpri-la, continuaram hígidos, válidos e obrigatórios após a confirmação da interlocutória pela sentença, e com muito maior valor e carga obrigatória. Se a sentença não o disse expressamente, foi porque essa noção é tão comezinha que explicitá-la chega a ser supérfluo.” (fls. 385)
A tese defensiva do réu, de que só estaria obrigado a criar a Comissão Parlamentar de Inquérito quando da execução - provisória, plagiando os dizeres da Procuradoria de Justiça, em parecer de fls. 451 -, é ainda mais absurda, pois a decisão proferida possui caráter mandamental, típico de ações de mandado de segurança. Considerando-se que o descumprimento da ordem judicial é fato incontroverso, e que nenhum dos recursos opostos recebeu efeito suspensivo, cabia ao réu simplesmente atender a ordem judicial.
São estes os fatos, portanto, passo então a análise da pena a ser aplicada.
A improbidade é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, reveste-se de ilicitude grave e exige, ao ato ímprobo, requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva, acentuadamente o dolo (nos casos de enriquecimento ilícito e prática atentatória a princípios) e a culpa grave (nos casos de lesão ao erário), o que não se verificou no caso em questão.
A fixação das penas previstas no art. 12, da LIA, deve ser fundamentada e proporcional, com vistas à racionalidade do dispositivo que exige a consideração do grau de reprovabilidade do ato de improbidade administrativa praticado. Para caracterização do ato de improbidade, disciplinado pela Lei nº 8429/92, é preciso atingimento a um dos bens jurídicos tutelados por aquela norma jurídica, a partir do enriquecimento ilícito do agente ou de terceiro (art. 9º), do prejuízo ao erário (art. 10), do ataque aos princípios da Administração Pública (art. 11).
Portanto, basta a mácula da moralidade pública, erigida a princípio constitucional aplicável à Administração Pública para que se configure ato de improbidade. E as penas previstas na Lei de Improbidade, devem ser aplicadas de acordo com o princípio da proporcionalidade, conforme já mencionado.
Nos casos de improbidade administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos REsp’s. n.ºs 505.068/PR e 300.184/SP, relatados respectivamente pelos Ministros Luiz Fux e Franciulli Netto, estabeleceu alguns parâmetros norteadores para a aplicação do princípio da proporcionalidade, a saber: a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente ímprobo; o elemento volitivo da conduta, ou seja, se o ilícito foi praticado com dolo ou culpa; a consecução do interesse público; a finalidade da norma sancionadora e o histórico funcional do agente.
In casu, verificando as circunstâncias acima mencionadas, constata-se que nenhum reparo há de ser feito nas penalidades aplicadas em primeiro grau.
Isto porque agiu o réu com dolo e com abuso de poder, no momento que deliberadamente recusou-se a cumprir ordem judicial.
Aplicando o princípio da proporcionalidade e tendo em vista as circunstâncias supramencionadas, entendo que a multa no valor de 30 vezes a remuneração, cumulada com a proibição de contratar com o poder público, é suficiente para punir o agente.
Assim, voto no sentido de negar provimento ao recurso do Ministério Público.
DO RECURSO DO RÉU JOÃO ALVES CORREA
Recorre o réu da ação civil pública, pugnado pela reforma da sentença, sob o argumento de não ter descumprido ordem judicial. Tendo em vista, a análise detalhada de todo o processo, mantendo-se a condenação já aplicada, por certo o presente recurso, com fulcro nas razões acima expostas, é de ser desprovido.
Voto, portanto no sentido de negar provimento a ambos os recursos.
Diante do exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da 4ª da Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento aos recursos.
Participaram do julgamento presidido pelo Excelentíssimo Desembargador ABRAHAM LINCOLN CALIXTO (sem voto) os Excelentíssimos Senhores, Juiz Convocado EDUARDO SARRÃO e Desembargador SALVATORE ANTONIO ASTUTI.
Curitiba, 09 de março de 2009.
DESª REGINA AFONSO PORTES
Relatora
S:\IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA\APELAÇÃO\484496-4 sanções princ propor, impr caracterizada, pena.doc
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