25.3.09

Condenação criminal - Anísio Monteschio Jr

APELAÇÃO CRIME N.º 409479-9, DE MARINGÁ
2.ª VARA CRIMINAL

Apelante: ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Relator: Desembargador MIGUEL KFOURI NETO
Revisor: Juiz Convocado JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO




APELAÇÃO CRIME. PECULATO (CP, ART. 312). CONTINUIDADE DELITIVA. ESCREVENTE JURAMENTADO DE CARTÓRIO DISTRITAL. GUIAS DE RECOLHIMENTO DE ITBI. FALSIFICAÇÃO DAS AUTENTICAÇÕES. APROPRIAÇÃO DO DINHEIRO EM PREJUÍZO DO ERÁRIO MUNICIPAL. DELITOS PRATICADOS EM UM PERÍODO DE MAIS DE OITO ANOS. PROVA DIRETA E INDICIÁRIA SEGURA E CONVINCENTE. DECRETO CONDENATÓRIO BEM FUNDAMENTADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.






I - RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime sob n.º 409479-9, da Comarca de Maringá - 2.ª Vara Criminal, em que é apelante ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR, e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR foi denunciado perante a 2.ª Vara Criminal da Comarca de Maringá, como incurso nas sanções do art. 312, c.c. art. 71 (mais de mil vezes), ambos do Código Penal, pela prática dos fatos assim descritos na denúncia:
“Em data de 09 de agosto de 1991, o denunciado ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR foi nomeado escrevente juramentado junto ao Cartório de Registro Civil e Tabelionato da cidade de Paiçandu, nesta Comarca, consoante se vê pela cópia da inclusa Portaria n. 67/91, firmada pelo Juiz Diretor do Fórum Estadual de Maringá, porém já prestava serviço na serventia desde 1987.
Referida nomeação perdurou até 09 de outubro de 2003, quando foi revogada pela Portaria n. 108/2003 e na mesma data renovada pela Portaria 110/2003 pela direção do Fórum Estadual e, finalmente, revogada em 05 de abril de 2005 consoante se vê pela inclusa Portaria n. 17/2005.
Nessa condição, referido denunciado, no período acima mencionado, tinha por incumbência executar todos os atos relativos ao registro civil e tabelionato, dentre elas a elaboração de escritura pública de venda e compra de imóveis e outros atos notariais do gênero.
Para a elaboração das escrituras públicas de venda e compra de imóveis, ora feitas pelo denunciado, ora por outros funcionários do referido Cartório, por vezes, eram solicitados dos adquirentes de imóveis, a entrega no balcão dos valores necessários para o pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), incidente nas transferências imobiliárias ali escrituradas, que o tabelião e seus prepostos se comprometiam em recolhê-los aos cofres públicos do Município de Paiçandu, mediante o preenchimento de guias específicas e devidamente autenticadas na tesouraria da Secretaria da Fazenda.
Ocorre que, desde o ano de 1997, valores referentes ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que eram entregues pelos adquirentes de imóveis e escriturados naquela serventia distrital, foram recebidos pelos funcionários do Cartório acima mencionado e entregues ao tabelião titular Anísio Monteschio, o qual, na maioria das vezes autorizava seu filho e também empregado (escrevente) juramentado, ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR, a dirigir-se à sede da Prefeitura Municipal de Paiçandu para processar os recolhimentos dos valores.
No entanto, constatou-se das peças extraídas dos autos de inquérito civil público n. 03/2005, em anexo, que embora os adquirentes tenham entregue valores em mãos do denunciado e/ou dos demais funcionários do Cartório, para posteriormente serem recolhidos ao tesouro municipal, certo é que inúmeras vezes, sempre de forma continuada, o denunciado ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR e terceira(s) pessoa(s) até então não identificada(s), unidos sob o mesmo propósito ilícito, certos de que a conduta de cada um contribuiria para o sucesso do crime, ou seja em co-autoria, com liberdade de escolha, consciência e vontade de atuação, valendo-se das facilidades do cargo que o denunciado exercia junto a serventia distrital de Paiçandu e, ainda, em razão desse cargo, induziram os adquirentes de imóveis em erro e apropriaram-se dos valores (dinheiro) que foram confiados ao Cartório, desviando em proveito próprio e/ou da serventia distrital, obtendo, para si e/ou para outrem, a vantagem patrimonial ilícita, tudo em prejuízo dos particulares e do erário público.
Para ocultar a fraude/desvio, o denunciado ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR e seu(s) comparsa(s) valeram-se de mais um expediente ilícito, notadamente inserindo nas guias de recolhimento de ITBI da Prefeitura Municipal de Paiçandu (documento público) uma autenticação mecânica falsa (declaração de quitação falsa), porém similar àquela impressa nas guias de recolhimento de ITBI verdadeiramente recolhidos na Secretaria da Fazenda do referido Município (cf. laudo de exame documentoscópico em anexo), tudo visando darem a aparência de regular recolhimento do tributo, alterando, dessa forma, fato juridicamente relevante.
Com efeito, apurou-se que o denunciado ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR e terceira(s) pessoa(s), fraudulentamente, deixaram de recolher os valores que foram confiados ao Cartório desde 1997, situação que se estendeu até janeiro de 2005, quando os fatos foram descobertos pelo atual Prefeito Municipal Moacyr José de Oliveira.
A título de exemplo, descreve-se a seguir algumas das centenas de vezes em que o denunciado e terceira(s) pessoa(s) reiteraram a prática criminosa:
a) No ano de 1997, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 649/99, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 01.12.99, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte Maurício Carlos Fornaza, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), conforme comprovante anexo;
b) No ano de 2000, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 32/2000, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 20.01.2000, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte Antonio Carlos Schireiner, no valor de R$ 780,00 (setecentos e oitenta reais), conforme comprovante anexo;
c) No ano de 2000, ainda, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 491/2000, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 06.09.2000, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte José Salguerio Silvantos, no valor de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), conforme comprovante anexo;
d) No ano de 2001, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 29/2001, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 18.01.2001, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte Vanderlei Yassuda e Outra, no valor de R$ 840,00 (oitocentos e quarenta reais), conforme comprovante anexo;
e) No ano de 2002, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 575/2002, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 05.09.2002, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte João Clóvis Barreto e Outro, no valor de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), conforme comprovante anexo;
f) No ano de 2003, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 939/2003, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 30.09.2003, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte Rosemary Machado Abou Nouh, no valor de R$ 711,17 (setecentos e onze reais e dezessete centavos), conforme comprovante anexo;
g) No ano de 2004, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 843/2004, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 12.01.2004, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte Arthur Assis de Oliveira Neto, no valor de R$ 760,00 (setecentos e sessenta reais), conforme comprovante anexo;
h) No ano de 2005, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 1813/2005, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 20.01.2005, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte Luis Todom, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), conforme comprovante anexo;
i) Finalmente, ainda no ano de 2005, foi constatada fraude na autenticação mecânica da guia de ITBI n. 1784/2005, da Prefeitura Municipal de Paiçandu, emitida em 14.01.2005, por ocasião da venda e compra do imóvel efetuada pelo contribuinte José Carlos Campanholi e Outros, no valor de R$ 330,00 (trezentos e trinta reais), conforme comprovante anexo;
Além dos fatos acima descritos, imputa-se ao denunciado ANÍSIO MONTESCHIO JUNIOR e a terceira(s) pessoa(s) a prática de todas as demais fraudes relacionadas às guias de recolhimento do ITBI da Prefeitura de Paiçandu indicadas na planilha em anexo, a qual, por brevidade, se remete, para que se a considere parte integrante dessa denúncia.
O prejuízo causado ao erário público municipal é estimado em valores históricos de aproximadamente R$ 337.000,00 (trezentos e trinta e sete mil reais)”.
Recebida a denúncia em 07.07.2005 (fls. 3.289/3.290), o processo seguiu seus trâmites legais.
Concluída a instrução criminal, sobreveio a sentença de fls. 3.552/3.569, que julgou procedente a denúncia e condenou o réu nas sanções do artigo 312 do Código Penal, c.c. o art. 71 do mesmo Código. Em conseqüência, foi aplicada a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto.
A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade e uma pena de multa, no montante de dez dias-multa, à base de um décimo do salário mínimo.
Inconformado com a sentença, o réu apelou.
Em longo arrazoado, onde, além de rebater os argumentos da sentença, transcreve o inteiro teor das alegações finais, o apelante admite a comprovação da materialidade do crime, mas nega a autoria.
Alega que mais que insuficiência de prova, existe falta de prova, uma vez que a condenação baseou-se em meras deduções e amparou-se em apenas um depoimento testemunhal, desprezando todos os demais.
Sugere que o autor da falsificação seria a testemunha Ronaldo, pessoa que descobriu e revelou as irregularidades, e que no cargo de Secretário da Fazenda do Município de Paiçandu, concedia ao réu descontos nos valores do ITBI, mas era quem ficava responsável pelo recolhimento do imposto.
Depois de um minucioso exame da prova testemunhal colhida, pede o provimento do recurso com a absolvição do réu, com base do art. 386, VI, do Código de Processo Penal.
Contra-arrazoado o recurso pelo representante do Ministério Público (fls. 3.640/3.654), os autos subiram a esta Corte.
A douta Procuradoria Geral de Justiça, pelo r. parecer de fls. 3.665/3.671, opina pelo desprovimento do recurso.
É a síntese do essencial.

II - FUNDAMENTAÇÃO E VOTO

O acusado, ora apelante, foi processado e condenado em primeiro grau pela prática do crime de peculato, tipificado no art. 312 do Código Penal, em continuidade delitiva, a três anos e quatro meses de reclusão em regime aberto, e 32 dias-multa, sendo a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direitos e uma pena de multa.
A materialidade do delito constitui fato incontroverso, posto que admitida pela defesa e consubstanciada na vasta prova documental acostada aos autos, além da perícia técnica, cujo laudo de exame documentoscópico (fls. 61/65) comprova a falsificação na autenticação das guias de recolhimento do ITBI.
Quanto à autoria, há que se ressaltar, de início, que não se vislumbra a alegada insuficiência de provas e, muito menos, a ausência de prova para demonstrar a responsabilidade penal do réu, ora apelante. Ao contrário, o decreto condenatório assentou-se em um conjunto probatório seguro e consistente, o que se depreende da judiciosa fundamentação lançada na sentença.
Oportuno transcrever aqui a sólida fundamentação exposta pelo ilustre juiz singular, depois de analisar detidamente o conjunto probatório, a qual se adota como parte integrante desta decisão.
Eis os motivos que firmaram a convicção condenatória do ilustre sentenciante:
“Feita esta análise sobre a prova trazida aos autos, verifica-se que o vultuoso esquema de falsificação de guias do ITBI do Município de Paiçandu, nesta Comarca, só veio a ser descoberto, tendo em vista que a testemunha Armando Gandolfi, ex-funcionário do Cartório do réu, numa conversa informal com a testemunha Ronaldo de Oliveira, atual Secretário de Fazenda daquela municipalidade, acabou relatando a este, o que sabia a respeito, ou seja, os comentários feitos pelos funcionários e ex-funcionários do citado Cartório.
Iniciada a investigação e comprovadas as falsificações através de perícia (fls. 61/65), Armando, tanto perante o Ministério Público quanto em Juízo, confirmou que seus colegas de trabalho, no aludido Cartório, haviam relatado que ali havia um esquema de falsificações de guias de ITBI, conforme consta de seu depoimento acima citado.
Apurou-se, também, conforme salientou o Ministério Público, que o réu era encarregado por seu pai (o titular do Cartório) para proceder os recolhimentos dos valores deixados em poder da Serventia e por conseguinte, apresentava as respectivas guias de recolhimento quitadas aos usuários dos serviços prestados.
Demonstrou-se que eram raras as vezes em que outros funcionários do Cartório eram encarregados de tal tarefa, de modo que, quem restituía ao Cartório as guias com autenticações falsas era o acusado, conforme revela o conjunto probatório.
É de se perquirir, ainda, o motivo pelo qual o réu chegou a manter conta conjunta com o funcionário Marcos Antonio Luppi, para o fim de fazer depósitos de recolhimentos do Cartório? Sem dúvida, é mais um indício veemente de que o réu para acobertar sua atuação criminosa, se valia de contabilidade paralela à oficial, contrariando as determinações da Corregedoria Geral de Justiça.
Aliás, tal fato é confirmado pelo funcionário Marcos, que chegou a pedir ao acusado o encerramento da conta ‘porque achou que isto não iria dar certo’ (fls. 3389/0), contudo, acrescentou que mesmo após o encerramento daquela conta, a sua conta particular continuou a ser usada para depósitos de valores do Cartório.
E também, conforme mencionado pelo Agente Ministerial, é até compreensível que os funcionários e ex-funcionários do acusado, citados pela testemunha Armando Gandolfi, não tenham confirmado a versão desta, posto que, os primeiros ainda prestam serviços ao Cartório e certamente ficaram com receio de represálias.
Em suma, ficou demonstrado que o réu recebia o dinheiro deixado pelos clientes da serventia, das mãos de seu pai e não recolhia os respectivos valores aos cofres do Município de Paiçandu, e posteriormente, apresentava em Cartório as guias com as autenticações falsas, com a conseqüente apropriação de tais valores em proveito próprio.
A defesa sustenta que a prova não está a autorizar a condenação do réu, uma vez que a incriminá-lo, existe apenas o depoimento da testemunha Armando, que não o apontou com sendo o autor das falsificações.
Todavia, conforme amplamente demonstrado, Armando Gandolfi, pessoa idônea, conforme próprias palavras do acusado, que dedicou sua vida ao Cartório, cujo titular é o pai do acusado, ali se aposentando por tempo de serviço, sabedor que havia um esquema de falsificação de guias de ITBI, em virtude dos relatos de seus colegas, e ainda por terem sido exibidas aos mesmo, pelos colegas, as autenticações tidas como falsas, acabou comentando o fato com o Secretário de Fazenda, iniciando aí, uma investigação que apurou centenas de atos ilícitos praticados pelo acusado, conforme a farta documentação anexada ao processo.
Registre-se que Armando Gandolfi, na primeira oportunidade em que foi convocado a prestar depoimento perante o Ministério Público, negou o teor da conversa tida com a testemunha Ronaldo (fls. 34/35).
Certamente, assim agiu, em virtude do grau de amizade com o denunciado, em cujo Cartório desempenhou sua atividade profissional por longos 35 anos.
Contudo, na segunda oportunidade em que foi convocado pelo Ministério Público, ao tomar conhecimento que Ronaldo teria gravado um segunda conversa com o mesmo, acabou por relatar tudo o que sabia (fls. 85/87), cujas declarações ratificou em Juízo às fls. 3334/3338.” (fls. 3.564/3.566).
Daí se vê a relevância do testemunho de ARMANDO APARECIDO GANDOLFI para o deslinde do feito.
Depois de esclarecer o procedimento adotado para o recolhimento das guias de ITBI, deixando claro que o réu era o responsável pela grande maioria delas, ARMANDO GANDOLFI, entre outras coisas, disse:
“(...) que com relação à falsificação das autenticações das guias de ITBI esclarece que um ex-funcionário do cartório, de nome João Luiz Casakevich, que além de ter trabalhado no Cartório, por algum tempo passou a trabalhar no Cartório Grassano de Maringá, e posteriormente retornou para o Cartório Monteschio, afirmou ao depoente após ter retornado ao trabalho no Cartório do acusado que ali havia um ‘esquema’ de falsificação de autenticações das guias referidas, o que era de responsabilidade do réu Anísio, inclusive chegou a mostrar guias de ITBI ao depoente que afirmava serem falsas, afirmando que nas guias em que as autenticações eram verdadeiras, feitas pela máquina da prefeitura, a impressão era em cor azul, e a que tinha autenticação falsa era feita em cor preta, além do que segundo João Luiz na autenticação constavam tipos diferentes, inclusive letras e números menores (...) que tinham conhecimento das autenticações falsas os ex-funcionários do cartório, TIAGO E JOÃO LUIZ, além dos funcionários que ainda lá trabalham, MARCOS ANTONIO LUPI e RENATO BRUSCHI SANCHES; (...) que não sabe se as falsificações eram feitas no cartório e nem se eram feitas pelo acusado, sabendo apenas que era ele que saía com as guias e voltava com as mesmas autenticadas; que segundo os funcionários do cartório, JOÃO LUIZ, MARCOS, RENATO e TIAGO, os mesmos tinham conhecimento que Anísio Junior sabia do ‘esquema’ de falsificação de autenticações, porém o réu nunca comentou sobre esse assunto com o depoente...” (fls. 3.334/3.337).
Ora, não é preciso dizer que o réu fazia as falsificações. Se ele saía com as guias e voltava com elas contendo as autenticações falsas, é evidente que ele ou era o responsável direto pelas falsificações ou levava as guias para algum cúmplice fazer o serviço.
Note-se que até mesmo as testemunhas que são funcionários ou ex-funcionários do Cartório e que fizeram de tudo para defender o réu, inclusive negando o que haviam contado à testemunha Armando Gandolfi, não deixam dúvidas a respeito do procedimento que era adotado, que permitia ao réu manipular e falsificar as guias de ITBI.
Neste sentido:
JOÃO LUIZ KAZAKEVICH: “... que nos períodos em que trabalhou no cartório do acusado, a maioria das guias de ITBI eram recolhidas pelo réu, já que os clientes deixavam os valores no cartório para que fosse feito o recolhimento daquele tributo; que raramente algum funcionário do cartório se dirigia à prefeitura para recolhimento do ITBI, sendo que o depoente chegou a ir na prefeitura para esse fim, quando o tributo foi recolhido diretamente no caixa da prefeitura; que como já disse as guias de ITBI eram repassadas para o réu recolher, o qual posteriormente as trazia de volta já autenticadas...” (fls. 3.383).
RENATO BRUSCHI SANCHES: “... que pode dizer que a maioria dos recolhimentos de guias de ITBI eram feitos pelo réu, sendo que os clientes deixavam os valores com o pai do acusado, o qual repassava a este as guias para recolhimento, porém não sabe dizer se nessas ocasiões o pai do réu repassava os valores correspondentes; que algumas vezes algum funcionário ia até a prefeitura para recolhimento de ITBI...” (fls. 3.385).
THIAGO DE FARIA SCHORRO: “... que era comum clientes deixarem o dinheiro referente ao dinheiro do ITBI com o pai do acusado, sendo que a maioria das guias eram recolhidas pelo réu e algumas vezes chegou a ver o pai deste entregando além das guias o numerário correspondente...” (fls. 3.387).
MARCOS ANTONIO LUPPI: “... que era comum os clientes do cartório deixarem os valores referentes ao ITBI no próprio cartório para posterior recolhimento, sendo que na maioria das vezes era o réu o responsável pelo recolhimento do ITBI, o qual recebia as guias de seu pai para tal fim, sendo que em algumas vezes viu o pai do réu entregar a este além das guias o numerário correspondente; que era o próprio réu que trazia as guias já autenticadas...” (fls. 3.389).
Como se vê, a grande maioria das guias eram entregues ao réu, de modo que somente ele poderia ter falsificado o volume de guias, segundo consta dos autos, em torno de setenta por cento do total que deveria ser recolhido aos cofres públicos. Tal montante, aliás, corresponde ao que afirmou a testemunha Armando Gandolfi: “(...) que entretanto afirma que entre sessenta e setenta por cento do recolhimento das guias de ITBI era feito pelo acusado que recebia as guias entregues pelo seu pai para o recolhimento...” (fls. 3.334).
Importante observar que estas quatro testemunhas, embora não tenham confirmado a conversa que tiveram com ARMANDO GANDOLFI a respeito do esquema de falsificações, ressaltaram tratar-se de pessoa boa, idônea e confiável. E mais, todas elas foram enfáticas ao afirmar que não existia qualquer animosidade entre o acusado e referida testemunha, que, segundo contaram, era tratada com respeito pelo réu.
O apelante, contudo, procura desacreditar o depoimento de ARMANDO GANDOLFI, e chega a fazer um desafio, ao indagar em quem se deve acreditar quando temos uma situação de quatro contra um (fls. 3.627), ou seja, questiona o recorrente o fato de as quatro testemunhas, funcionários ou ex-funcionários do Cartório, negarem a conversa narrada por ARMANDO GANDOLFI em que teriam revelado terem conhecimento do esquema de falsificações das guias.
A resposta neste caso é muito simples. Antes, no sistema anterior ao atual Código de Processo Penal, quando vigia em relação à apreciação das provas, algumas regras do sistema da certeza legal também denominado da verdade legal, e havia uma certa hierarquia em relação às provas, a quantidade de testemunhas a respeito de um fato era fundamental. Assim, é evidente que no caso em exame, os quatro testemunhos teriam maior peso que um testemunho isolado.
No sistema atual, todavia, do livre convencimento motivado do juiz, em que se abandonou expressamente, segundo a Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (item VII), o velho brocardo “testis unus testis nullus”, o valor da prova testemunhal não se afere pela quantidade, mas pela qualidade. A prova mais convincente, ainda que minoritária, deve prevalecer.
Confira-se, a respeito, a lição sempre precisa de HÉLIO TORNAGHI:
“O sistema que estabelece em lei regras jurídicas para a avaliação da prova, se por um lado corrigiu os defeitos do método da íntima convicção, por outro revelou inconvenientes não menos graves: coarctado pelos preceitos legais, pode o juiz ter de decidir contra aquilo que claramente vê ser a verdade. Uma testemunha veraz, fidedigna, inteligente, convence-o da culpabilidade do mais perverso dos criminosos, mas é testemunha insulada e, como vigora a regra legal de que ‘testis unus, testis nullus’, ele tem de absolver.” (Curso de Processo Penal, 7. ed., Vol. 1, Saraiva, 1990, p. 276).
Portanto, não há nenhuma vedação em se dar maior valor a um único testemunho em prejuízo de quatro outros, desde que aquele se mostre mais verossímil e confiável, e que os motivos fiquem bem claros, como aconteceu na sentença (fls. 3.565, segundo parágrafo).
Note-se que as qualidades morais da testemunha ARMANDO GANDOLFI foram ressaltadas em várias passagens dos autos, sem contar as palavras elogiosas do próprio réu sobre ela.
Neste sentido, o Juiz Corregedor do Foro Extrajudicial da Comarca de Maringá, que decidiu o procedimento administrativo instaurado contra o titular do Cartório, Anísio Monteschio, assentou:
“Convém anotar, ainda, que não colhe verossimilhança as insinuações que a Defesa lançou contra a credibilidade das declarações de ARMANDO GANDOLFI. Com efeito, nenhuma mácula se comprovou a respeito. Ao contrário, os relatos dele, sobretudo depois que flagrado em uma gravação providenciada por um interlocutor, sempre se mostraram coerentes, convincentes. Por conseguinte, têm de ser acreditadas.” (fls. 3.366).
Fácil perceber, portanto, as razões do valor atribuído ao depoimento em questão. Há que se ressaltar, porém, que a condenação não se assentou unicamente nessa prova, mas em todo o conjunto probatório, formado também pelos inúmeros indícios no sentido da responsabilização criminal do réu.
Importante, ainda, é o depoimento da testemunha RONALDO DE OLIVEIRA, Secretário da Fazenda do Município de Paiçandu, que apurou e revelou o esquema de falsificações e desvio do dinheiro destinado ao ITBI, a partir da conversa que teve com ARMANDO GANDOLFI.
Extrai-se do depoimento de RONALDO DE OLIVEIRA:
“(...) que foi em janeiro deste ano, numa conversa em sua panificadora com o ex-funcionário do cartório Monteschio, o Sr. Armando, que este disse ao depoente que o ‘Anisinho’ estaria falsificando as autenticações das guias do ITBI, tendo Armando dito ainda que sabia disto pois funcionários do aludido cartório teriam comentado com ele; que diante disto começou a apurar os fatos sendo que primeiramente foi ‘checar’ o bloco de emissão de guias de ITBI do nº 1700 a 1800, que estava em uso, quando constatou que setenta guias deste bloco haviam sido emitidas, porém somente quatorze guias haviam retornado até aquele momento; que de imediato comunicou o fato ao prefeito Moacir, quando foi oficiado ao cartório de registro de imóveis para que mandasse a relação das guias de ITBI recolhidas nos últimos seis meses, o que foi atendido através de fotocópias, vindo a ser constatado que cerca de setenta por cento das guias enviadas pelo cartório, tinham autenticação mecânica diferente daquela emitida pela única máquina de autenticação da prefeitura para esse fim; que da mesma forma constatou que essas guias com autenticação diferente não constavam do movimento da prefeitura; que a prefeitura chegou a fazer um chamado dos contribuintes que haviam lavrado escrituras no município, cujo atendimento ocorreu no ginásio de esportes, sendo recolhidas mais de mil escrituras, constatando-se que em torno de sessenta a setenta por cento destas tinham as guias de ITBI com autenticação falsa...” (fls. 3.346/3.347).
No exercício de sua defesa, contudo, o réu procura imputar o crime a RONALDO DE OLIVEIRA, como se este, valendo-se do cargo de Secretário da Fazenda estivesse falsificando as guias na própria prefeitura, e se apropriando do numerário correspondente.
Trata-se, todavia, de tese inconsistente e fantasiosa conforme bem constatou o ilustre juiz que presidiu o processo administrativo ao discorrer sobre a não localização da máquina em foram feitas as falsificações:
“As insinuações de que a máquina procurada estaria na Municipalidade soam tão levianas quanto inverossímeis, na medida em que as denúncias que desencadearam as providências reipersecutórias partiram exatamente dela. Em outros termos, a referida não-apreensão nem de longe é causa para desestimar a persecução, muito menos a que se instituiu por portaria, a posteriori.” (fls. 3.352).
Neste passo, há que se considerar, ainda, que RONALDO DE OLIVEIRA passou a exercer o cargo de Secretário do Município somente a partir de maio de 2003 (fls. 3.330) e, muito antes disso, desde 1997, as falsificações e desvio das verbas do ITBI vinham ocorrendo com regularidade, ou seja, a atividade criminosa do apelante não guarda qualquer relação com a atividade pública de Ronaldo.
Até o longo tempo em que foram praticados os crimes aponta para o réu como seu autor, pois não resta a menor dúvida de houve a participação de alguém de dentro do Cartório e, dificilmente um simples empregado conseguiria manter a prática da fraude por tanto tempo. Somente o Titular do Cartório ou alguém muito próximo a ele e gozando de plena confiança e algum poder de mando, como era o caso do réu, filho do Serventuário, poderia alcançar o sucesso obtido na empreitada criminosa.
E como não paira, em princípio, a mínima suspeita a respeito do Titular do Cartório, e além disso, considerando que a responsabilidade pelo recolhimento das importâncias constantes das guias de ITBI era do apelante, há que se reconhecer que se trata de fortíssimo indício da autoria.
Quanto aos pedidos de revisão de avaliações de imóveis para redução do ITBI, que teriam sido formulados pelo apelante junto à Municipalidade, é evidente que não serve para demonstrar que ele agia com lisura e que não seria o autor das falsificações, caso contrário não teria interesse em solicitar tais descontos. No mínimo, é natural que o criminoso habitual procure praticar algumas condutas no sentido de demonstrar, caso seja descoberto, a incompatibilidade daqueles atos com a acusação que lhe é feita.
Interessante observar que, na busca em demonstrar que se trataria de perseguição política, o apelante chega a dizer que a importância apropriada, de apenas R$ 300.000,00 seria ridícula, já que, “na História recente do Brasil, teria proporcionado ao autor do crime, cifras muito mais altas” , e esclarece que esse “apenas” refere-se ao lapso temporal, de aproximadamente oito anos.
Ora, ao contrário do que entende o recorrente, a quantia não é nada desprezível. Segundo a denúncia, a importância desviada, em valores históricos, chega a aproximadamente R$ 337.000,00, que redundaria, durante os oito anos de atividade ilícita do réu em mais de R$ 3.500,00 mensais, importância substancial, considerando que a renda total do Cartório girava em torno de cinco a dez mil reais por mês (fls. 3.368).
Por todas as razões expostas, incluindo aquelas lançadas na sentença, pode-se concluir, com plena segurança, como se exige, que o réu foi o autor dos crimes que lhe são atribuídos.o ao fato, mantendo a versque o rcesso crime que este respondeu”e que lerdade ao afirmar que o rdaquele local, requisitado pelo
À face do exposto, define-se o voto pelo desprovimento da apelação, com a manutenção integral da r. sentença recorrida.

III - DISPOSITIVO

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencido o eminente Desembargador LÍDIO JOSÉ ROTOLI DE MACEDO, que declarará voto em separado.
Participaram do julgamento o eminente Desembargador LÍDIO JOSÉ ROTOLI DE MACEDO - Presidente, com voto -, e o ilustre Juiz Convocado JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO - Revisor.

Curitiba, 09 julho de 2008.



MIGUEL KFOURI NETO
Relator




LÍDIO JOSÉ ROTOLI DE MACEDO
Vencido