Meu velório será amanhã! Faltem...
MARIA NEWNUM
Imagine a cena: Você morreu! Melhor, eu morri. Não quero matar ninguém antes do tempo. Então em tese, meu corpo jaz num caixão, que por pedido anterior, permanece fechado; tendo sobre ele uma foto que gostava quando era viva. Nunca fui fotogênica, mas essa ficou bonitinha.
Aos poucos, os parentes chegam e abraçam meu marido que está inconsolável! Do outro lado do ambiente, um grupo de solteironas, já pensa como irá fisgá-lo... Disso não posso reclamar; ele é lindo! Resigno-me, “morta” de raiva.
O salão está repleto de flores e o mais engraçado é que quando era viva nunca me mandaram uma margarida, nem no meu aniversário. Esse mar de flores é hipocrisia ou culpa? Algumas pessoas que viajaram 700 kilômetros para uma despedida final, quase nunca me visitaram, nem mesmo responderam as mensagens do MSN, do e-mail ou do Orkut... E agora esse monte de flores? Humm?!
Me pergunto: Por que as pessoas têm tanta dificuldade em homenagear os vivos? Por que no momento da morte tentam corrigir os lapsos relacionais? Eu sempre adorei rosas vermelhas, mas confesso: Recebi menos que gostaria.
Tente retomar a cena de nossas vidas: Eu e você estamos vivos hoje e amanhã e depois de amanhã. Contudo, não sabemos quanto tempo nos resta e nem quantos dias teremos para “corrigirmos” nossos lapsos de relacionamento. Um texto bíblico diz que somos como flores, que pela manhã exala leve perfume e a tarde as pétalas “podem” cair murchas e sem vida... Dito de outro modo, ao final de um dia qualquer (que espero demore muito) seremos apenas uma memória; uma brisa leve que passou e se perderá no universo.
Por isso viva! Viva com intensidade! Faça de conta que esse dia será o último... Ou o primeiro para homenagear pessoas que você quer bem.
Envie flores. Não flores virtuais. Mas flores que possam ser tocadas, cheiradas, vistas e apreciadas pelo tempo efêmero que rege a vida das flores... Não precisa ser um ramalhete grande e caro. Mas uma única flor, roubada do jardim da vizinha ou de um canteiro público; acompanhada de um bilhete dizendo: “Você é importante para mim”.
Não sei quanto a você, mas no dia do meu velório desejo que meus amigos levantem um brinde em minha homenagem... Quero que riam; que dancem as danças que não dançamos juntos; que se lembrem da comida gostosa que preparei com amor, nos jantares em minha casa, junto com meu marido, luz de minha vida.
Charles Chaplin dizia: “Pensamos demasiadamente. Sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humildade que de máquinas. Mais de bondade e ternura que de inteligência. Sem isso, a vida se tornará violenta e tudo se perderá”.
Vivemos uma época orientada pela lógica capitalista globalizada e violenta em que o “Ter” corrompeu a nossa essência de “Ser”. Como dizia Marx, o “Ser” do humano, foi coisificado, maquinalizado... Nos tornaram “peças” da grande engrenagem descrita por Chaplin no filme Tempos Modernos.
Amamentados pela grande mãe: “A industrial cultural”,* bebemos o leite, cujo rótulo expresso em suas “tetas” foi e continua sendo: “A competição”.
Esse leite nos nutriu de desprezo ao amor, a amizade e a solidariedade; muito embora, sejamos ingenuamente levados a crer, via instrumentos midiáticos da poderosa “mãe/madrasta” que, ainda somos filhos amados.
Há coisas que o dinheiro pode comprar... Flores hipócritas de velório é apenas uma delas...
Se meu velório fosse amanhã só teria um pedido: Não me mande rosas vermelhas, nem chore por mim.
___________
Maria Newnum é pedagoga, mestre em teologia prática, aluna não regular do mestrado em psicologia da Universidade de Maringá e articulista.
* Para aprofundar:
ADORNO, T. W. Indústria Cultural. In.:COHN, G. (org.). Theodor W. Adorno: Sociologia. São Paulo: Ática, 1986c. (Grandes Cientistas Sociais, 54). p. 92-99.
http://www.geocities.com/pluriversu/avareza.html
Imagine a cena: Você morreu! Melhor, eu morri. Não quero matar ninguém antes do tempo. Então em tese, meu corpo jaz num caixão, que por pedido anterior, permanece fechado; tendo sobre ele uma foto que gostava quando era viva. Nunca fui fotogênica, mas essa ficou bonitinha.
Aos poucos, os parentes chegam e abraçam meu marido que está inconsolável! Do outro lado do ambiente, um grupo de solteironas, já pensa como irá fisgá-lo... Disso não posso reclamar; ele é lindo! Resigno-me, “morta” de raiva.
O salão está repleto de flores e o mais engraçado é que quando era viva nunca me mandaram uma margarida, nem no meu aniversário. Esse mar de flores é hipocrisia ou culpa? Algumas pessoas que viajaram 700 kilômetros para uma despedida final, quase nunca me visitaram, nem mesmo responderam as mensagens do MSN, do e-mail ou do Orkut... E agora esse monte de flores? Humm?!
Me pergunto: Por que as pessoas têm tanta dificuldade em homenagear os vivos? Por que no momento da morte tentam corrigir os lapsos relacionais? Eu sempre adorei rosas vermelhas, mas confesso: Recebi menos que gostaria.
Tente retomar a cena de nossas vidas: Eu e você estamos vivos hoje e amanhã e depois de amanhã. Contudo, não sabemos quanto tempo nos resta e nem quantos dias teremos para “corrigirmos” nossos lapsos de relacionamento. Um texto bíblico diz que somos como flores, que pela manhã exala leve perfume e a tarde as pétalas “podem” cair murchas e sem vida... Dito de outro modo, ao final de um dia qualquer (que espero demore muito) seremos apenas uma memória; uma brisa leve que passou e se perderá no universo.
Por isso viva! Viva com intensidade! Faça de conta que esse dia será o último... Ou o primeiro para homenagear pessoas que você quer bem.
Envie flores. Não flores virtuais. Mas flores que possam ser tocadas, cheiradas, vistas e apreciadas pelo tempo efêmero que rege a vida das flores... Não precisa ser um ramalhete grande e caro. Mas uma única flor, roubada do jardim da vizinha ou de um canteiro público; acompanhada de um bilhete dizendo: “Você é importante para mim”.
Não sei quanto a você, mas no dia do meu velório desejo que meus amigos levantem um brinde em minha homenagem... Quero que riam; que dancem as danças que não dançamos juntos; que se lembrem da comida gostosa que preparei com amor, nos jantares em minha casa, junto com meu marido, luz de minha vida.
Charles Chaplin dizia: “Pensamos demasiadamente. Sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humildade que de máquinas. Mais de bondade e ternura que de inteligência. Sem isso, a vida se tornará violenta e tudo se perderá”.
Vivemos uma época orientada pela lógica capitalista globalizada e violenta em que o “Ter” corrompeu a nossa essência de “Ser”. Como dizia Marx, o “Ser” do humano, foi coisificado, maquinalizado... Nos tornaram “peças” da grande engrenagem descrita por Chaplin no filme Tempos Modernos.
Amamentados pela grande mãe: “A industrial cultural”,* bebemos o leite, cujo rótulo expresso em suas “tetas” foi e continua sendo: “A competição”.
Esse leite nos nutriu de desprezo ao amor, a amizade e a solidariedade; muito embora, sejamos ingenuamente levados a crer, via instrumentos midiáticos da poderosa “mãe/madrasta” que, ainda somos filhos amados.
Há coisas que o dinheiro pode comprar... Flores hipócritas de velório é apenas uma delas...
Se meu velório fosse amanhã só teria um pedido: Não me mande rosas vermelhas, nem chore por mim.
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Maria Newnum é pedagoga, mestre em teologia prática, aluna não regular do mestrado em psicologia da Universidade de Maringá e articulista.
* Para aprofundar:
ADORNO, T. W. Indústria Cultural. In.:COHN, G. (org.). Theodor W. Adorno: Sociologia. São Paulo: Ática, 1986c. (Grandes Cientistas Sociais, 54). p. 92-99.
http://www.geocities.com/pluriversu/avareza.html
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