13.4.09

Agravo de instrumento - Tarumã

AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 163.720-9 DA COMARCA DE MARINGÁ - 6ª VARA CÍVEL

AGRAVANTE: INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATOR: JUIZ CONVOCADO ALBINO JACOMEL GUÉRIOS


AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO AMBIENTAL. INSURGÊNCIA VOLTADA CONTRA A CONCESSÃO DE LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. PRÉVIA AUDIÊNCIA COM REPRESENTANTE JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. DESNECESSIDADE. RESTRIÇÃO INAPLICÁVEL À ESPÉCIE. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. DEMOLIÇÃO E RETIRADA DA CONSTRUÇÃO QUE SE IMPÕE. NECESSIDADEDE DE IMPOR PRIMEIRAMENTE A MEDIDA AOS CAUSADORES DIRETOS DO DANO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.







Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 163.720-9, da Comarca de Maringá - 6ª Vara Cível, em que é agravante Instituto Ambiental do Paraná - IAP e agravado Ministério Público do Estado do Paraná.

Acordam os Desembargadores e o Juiz Relator Convocado da Décima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso.


§ 1. O Instituto Ambiental do Paraná - IAP. recorre da decisão interlocutória proferida pelo MM Juiz de Direito da Comarca de Maringá - 6ª Vara Cível que, na ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Paraná, concedeu medida liminar, determinando ao agravante, ao Município de Maringá, aos Empreendimentos Imobiliários Ingá, bem como aos proprietários dos lotes 03 à 11 e 21 à 35 da Quadra 95, do Residencial Tarumã, à retirada/demolição de todas as edificações existentes na área de preservação permanente, com cominação de multa diária de R$1.500,00, a ser convertida em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Em posterior pedido de reconsideração, foi estabelecido o prazo para o cumprimento da medida.

Nas razões recursais, sustenta que agiu no exercício de suas atribuições, dentro da legalidade, acrescentando não haver qualquer omissão no relatório de Inspeção n.º 5806 de 27 de novembro de 2006 nem na expedição da Licença Prévia n.º 2575.

Destaca que “quem tem a obrigação legal de reparar o dano ambiental é o proprietário do imóvel onde está localizada a área de preservação permanente e, caso não adote a providência, compete ao Poder Público Federal fazer o reflorestamento da área” (fl. 08-TJ).

Assevera que incumbe ao Município a fiscalização na área de preservação permanente e, embora a Lei Estadual n.º 10.066/92 estabeleça a possibilidade do IAP executar a recuperação de área de preservação, essa providência só pode ser realizada caso o proprietário, ou a União ou a municipalidade não a adotem, e mediante pagamento do preço, na forma do artigo 7º da referida lei.

Alega que a liminar não poderia ser concedida contra o Poder Público, eis que o artigo 2º da Lei 8437/92 determina a prévia audiência do representante judicial contra atos do Poder Público.

Requer a concessão de efeito suspensivo ao agravo e a revogação da decisão prolatada.

O MM. Desembargador Antonio Lopes de Noronha concedeu no despacho de fls. 89/101 parcial efeito suspensivo ao recurso, para o fim de estabelecer que o agravante deverá proceder à demolição das edificações construídas em área de preservação permanente referida na inicial da ação civil pública no prazo de 120 dias, o qual terá início após o decurso do prazo judicial estabelecido para os demais requeridos, sob pena de multa diária de R$1.500,00.

Leonilda Fornielles Alves, Ivo Tupan Borges e Carlos Domingos Salgueiro Borges ofereceram contraminuta às fls. 175/184.

A douta Procuradoria Geral de Justiça, no parecer de fls. 233/247, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto.

É o relatório.

§ 2. O agravante se insurge da decisão interlocutória que deferiu a medida liminar em desfavor de si, do Município e Empreendimentos Imobiliários Ingá, bem como aos proprietários dos lotes 03 à 11 e 21 à 35 da Quadra 95, do Residencial Tarumã, determinando a retirada/demolição das edificações construídas na área de preservação ambiental, sob pena de multa.

2.1. Os agravados, na contraminuta (fl. 134-TJ), sugerem que eventual pretensão esposada na inicial estaria prescrita, eis que a área objeto de prescrição foi desmatada há mais de 30 anos.

A prejudicial de mérito deve ser afastada, eis que a proteção ao meio ambiente constitui direito fundamental para preservação do planeta, pertencente à humanidade e às gerações futuras.

Em questões transindividuais que envolvam direitos fundamentais da coletividade, é impróprio invocar as regras de prescrição próprias do Direito Privado. O direito de todos a um meio ambiente sadio não é patrimonial, muito embora seja passível de valoração, para efeito indenizatório (...) tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade, não se submete à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o próprio habitat do ser humano (...) em matéria ambiental, de ordem pública (...) a consciência jurídica indica que não existe o direito adquirido de degradar a natureza. É imprescritível a pretensão reparatória de caráter coletivo, em matéria ambiental. Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras. Como poderia a geração atual assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do direito privado.
A luta por um meio ambiente hígido é um metadireito, suposto que antecede à própria ordem constitucional. O direito ao meio ambiente hígido é indisponível e imprescritível, embora seja aferível para fim de indenização1.

Logo, por se tratar de matéria imprescritível, é de ser refutado o argumento ventilado nas contra-razões recursais.

2.2. Afasto também a tese do agravante segundo a qual seria necessária prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público para se poder conceder a liminar.

Isso porque as vedações de concessão de liminares contra a Fazenda Pública somente se aplicam às pretensões pecuniárias de servidores públicos, não sendo esse o tema versado na ação civil pública. Ensinam Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

Não é demais relembrar que essa restrição à tutela antecipada cinge-se, tão somente, às pretensões pecuniárias de servidores públicos. Todas as pretensões não abrangidas pela vedação da Lei nº 9494/97 podem ter seus efeitos antecipados.
Tanto que, freqüentemente, o STF tem salientado que essas vedações devem ser interpretadas restritivamente - colocando fora da vedação verbas previdenciárias (vide Rcl nº 902-4-SE e Rcl n. 1.603-SE e Súmula n. 729, STF) e verbas ilegitimamente tomadas do jurisdicionado, mas restituídas por meio de antecipatórias (cf. Rcl n. 2.726)2.

Sob este enfoque, desnecessário exigir a intimação do representante judicial da pessoa jurídica de direito público em até setenta e duas horas, pois além da referida restrição não se aplicar ao caso em discussão, não se vislumbra qualquer prejuízo concreto com a intimação além desse prazo.

2.3. Passando à análise da questão de fundo, cumpre ressaltar que nesta seara recursal, a matéria a ser analisada limita-se tão somente à existência ou não dos requisitos autorizadores para a concessão da liminar.

Assim, embora seja muito difícil dissociar a análise dos requisitos para a concessão da liminar com as próprias questões de mérito debatidas no bojo da ação, estas deverão ser aprofundadas quando da decisão final, sob pena de violação ao duplo grau de jurisdição, pois se estaria invadindo a seara de competência do juízo de primeiro grau que ainda não decidiu a respeito.

Partindo de uma análise pautada em juízo de cognição sumária, tenho que, diante das considerações esboçadas pelo agravante, o recurso merece provimento parcial.

A legislação ambiental, em especial o Código Florestal (Lei nº 4771/65), protege as áreas situadas às margens de rio, onde não se pode edificar. Segundo o art. 1º, §2º do mencionado codex, área de preservação permanente é aquela “protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

Ora, a obrigação de conservar área de preservação permanente é limitação imposta ao proprietário, que deve observá-la, independentemente de qualquer requisito, pois, atualmente, o instituto da propriedade está diretamente relacionado ao fim social. O exercício do direito de propriedade está limitado ao atendimento de seu fim social, máxime quando relacionado à preservação ambiental.

Não se pode, em tempos atuais, conferir-se um valor absoluto à propriedade e, em contrapartida, conferir importância mínima ao meio ambiente, sob pena de esvaziar-se o conteúdo do artigo 225 da Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Judiciário o dever de defendê-lo e preservá-lo às presentes e futuras gerações. De acordo com o Supremo Tribunal Federal,

“os preceitos inscritos no art. 225 da carta Política traduzem a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se (...) de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação - que incumbe ao Estado e à própria coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos itergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social (...) dentro desse contexto, emerge, com nitidez, a idéia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se como encargo que se impõe - sempre em benefício das presentes e futuras gerações - tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada.” (Mandado de segurança n.º 22.164-0/SP, relator Ministro Celso de Mello).

Ora, como ficou bem delineado na petição inicial da ação civil pública proposta pelo Ministério Público, foram feitas construções em área de preservação permanente e as edificações podem causar sérios e irreversíveis danos ao meio ambiente local. Assim, em homenagem ao princípio da precaução, que exige a aplicação imediata das medidas necessárias à preservação, justifica-se a retirada/demolição deferida pelo MM Juiz a quo.

2.4. Por outro lado, não merece amparo o argumento do Instituto Ambiental do Paraná - IAP de que a sua conduta apenas foi norteada pelo princípio da legalidade. O agravante, em suas alegações genéricas, sequer chega a refutar os fatos a si atribuídos e assim narrados petição inicial da ação civil pública, fls. 47/48:

“(...) no Estado do Paraná, o órgão ambiental competente para analisar e aprovar o licenciamento ambiental para a implementação de loteamentos é o INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP.
Não obstante tal atribuição, a omissão do referido órgão teve início já na elaboração do Relatório de Inspeção n.º 5806, de 27 de novembro de 1996, cuja finalidade seria a liberação de Licença Prévia para a implantação do loteamento denominado Residencial Tarumã. Tal relatório deveria ter feito referência à presença de um terceiro córrego no local, além dos córregos de Cleópatra e Marte, uma vez que segundo orientação contida no próprio impresso de inspeção, tratando-se de vistoria para emissão de Licença Prévia, seria necessário ‘descrever também localização prevista para o empreendimento com relação a mananciais de abastecimento público, corpos receptores, densidade populacional, comercial e industrial, situação fundiária e aspecto florestal’.
Omitindo-se novamente, quando da emissão da Licença Prévia nº 2575 para fins de implementação do loteamento em questão, em data de 13 de dezembro de 2006, o INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ - IAP limitou-se a observar que: a) ‘na área de preservação permanente não poderão ocorrer edificações e a mesma deverá ser recomposta com nativas’; b) que o empreendimento em questão ‘necessita de Licença de instalação devendo ser encaminhado ao IAP, Projeto para Tratamento e disposição final de esgotos sanitários’.
(...)
Denotando-se mais uma vez a omissão do Instituto Ambiental do Paraná, registre-se que a Licença Prévia concedida para a implementação do loteamento RESIDENCIAL TARUMÃ encontra-se vencida desde a data de 13 de dezembro de 1997, ou seja, há mais de 6 (seis) anos. Nesse lapso de tempo, o loteamento não só foi iniciado, mas concluído.
(...)
Ora, ainda que a licença prévia houvesse sido expedida regularmente, saliente-se que o exercício de controles prévios para licenciamento ambiental não dispensa os poderes públicos do exercício de controles sucessivos e posteriores. Aliás, recomenda-se-os, posto que a Administração não pode se contentar tão somente com análises prévias ao exercício da atividade, devendo proceder a verificações periódicas, examinando se está sendo desenvolvida de acordo com os critérios técnicos e legais exigidos no procedimento de licenciamento”

Veja-se que essas condutas atribuídas ao agravante permitem, em análise de cognição sumária, atribuir-lhe a responsabilidade no evento, porquanto, a princípio, houve descaso em relação aos padrões de implantação, acompanhamento e fiscalização do licenciamento, de modo a se violar o princípio da prevenção.

Entretanto, assiste parcial razão em parte ao agravante quando defende que a responsabilidade subsidiária, de modo que a retirada/demolição e conseqüente reflorestamento da área deve primeiramente ser imposta aos proprietários e aos demais requeridos, nos moldes como se consignou na decisão que recepcionou o presente recurso.

Isso porque se mostra razoável que o cumprimento da liminar seja primeiramente exigida dos causadores diretos do dano, e não do indireto. Por isso, a liminar de fls. 89/101 deve ser confirmada, a fim de o Instituto Ambiental do Paraná - IAP proceda à demolição das edificações em área de preservação permanente, referida na petição inicial da ação civil pública, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, o qual tem início após o prazo judicial estabelecido aos demais réus, sob pena de multa diária de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais).

§ 3. PELO EXPOSTO, a Câmara, por unanimidade, dá provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto.

Participaram do julgamento o Senhor Desembargador Lauro Laertes de Oliveira (Presidente) e o Juiz Substituto 2º Grau Péricles Bellusci de Batista Pereira, que acompanharam o voto do Relator.

Curitiba, 31 de março de 2009.



Albino Jacomel Guérios
Juiz Relator Convocado


1 MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 17. ed., p. 515.

2 Curso de Direito Processual Civil. Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. Salvador: Juspodvim, 2008, v. 2, p. 675