Apelação cível - acúmulo de cargos
APELAÇÃO CÍVEL Nº 549.029-3 - DE MARINGÁ - 5ª VARA CIVEL
APELANTE: ESPÓLIO DE JOSÉ CLAUDIO PEREIRA NETO E OUTRA.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR: ROGÉRIO RIBAS, Juiz de Direito Substituto de 2º Grau (1).
Ementa: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDORA PÚBLICA EFETIVA QUE ACUMULAVA O CARGO DE VEREADORA COM O DE ASSESSORA DO PREFEITO, RECEBENDO POR AMBOS, E HAVENDO INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU.
1)- AGRAVO RETIDO. PRELIMINARES. CARÊNCIA DE AÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E INQUÉRITO CIVIL. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TESES TODAS JÁ ENFRENTADAS E REJEITADAS PELA CORTE E TAMBÉM PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AFASTAMENTO, POR IMPROCEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.
2)- APELAÇÃO CÍVEL. MÉRITO. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 38, III, CF. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS CONSTATADA. SESSÕES DA CÂMARA MUNICIPAL REALIZADAS À TARDE, MESMO PERÍODO EM QUE A RÉ DEVERIA EXERCER SUAS FUNÇÕES DO CARGO ADMINISTRATIVO EFETIVO NO EXECUTIVO MUNICIPAL (DE 40 HORAS SEMANAIS). ATO IMPROBO CONFIGURADO. DOLO E MÁ-FÉ EVIDENCIADOS NA ESPÉCIE. TESES DEFENSIVAS IMPROCEDENTES. READEQUAÇÃO DAS PENAS. POSSIBILIDADE, À VISTA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - O RELATÓRIO:
Vistos, relatados e discutidos estes autos.
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, sob nº 218/2002, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ contra JOSÉ CLAUDIO PEREIRA NETO, então Prefeito Municipal de Maringá (hoje falecido), MÁRCIA DO ROCIO BITTENCOURT SOCREPPA, então servidora pública e vereadora daquela cidade, RAUL PEREIRA DA SILVA, servidor municipal, e REGINALDO BENEDITO DIAS, também servidor municipal de Maringá.
O caso trata de acumulação ilegal de cargos, um administrativo e outro de vereadora, por MÁRCIA, segundo o Ministério Público.
Consta dos autos que MÁRCIA é servidora municipal efetiva de Maringá desde 01.07.1983, e no ano de 2000 licenciou-se para concorrer a uma vaga de vereador, recebendo licença prêmio na mesma época. Foi eleita e passou a exercer a vereança a partir de 2001, quando, concomitantemente, exerceu o cargo de assessora administrativa no Executivo Municipal. Os réus, cada qual dentro de suas funções no Executivo, em mar/2001 removeram MÁRCIA para o gabinete do prefeito (JOSÉ CLAUDIO), ignorando a incompatibilidade de horários das duas funções de MÁRCIA, a qual recebia por ambas.
Diante disso, postulou o Ministério Público a condenação dos réus por ato de improbidade, com imposição de todas as sanções do art. 12 da LIA (Lei 8429/92).
O feito foi processado, sendo o réu JOSÉ CLAUDIO substituído por seu espólio, face ter falecido.
Sentenciando, o MM. Juiz “a quo” afastou as preliminares arguidas em defesa, e no mérito houve por:
a) julgar improcedente a demanda no tangente aos réus RAUL PEREIRA DA SILVA e REGINALDO BENEDITO DIAS;
b) julgar procedente o pedido em face do espólio de JOSÉ CLAUDIO PEREIRA NETO e da ré MÁRCIA DO ROCIO BITTENCOURT SOCREPPA, reconhecendo a prática de improbidade, condenando-os solidariamente ao ressarcimento integral do dano (valor total recebido por MÁRCIA pelo cargo de assessora administrativa de 01.01.2001 até 02.09.2001, tudo corrigido e com juros), perda da função pública de MÁRCIA, suspensão dos direitos políticos desta ré por 06 anos e 06 meses, multa civil individual no valor do dano causado, e proibição da ré de contratar com o poder público ou dele receber benefícios, por 05 anos.
Diante da sucumbência, reputada mínima ao parquet, condenou ambos os réus solidariamente a arcar com as custas processuais, e mais honorários em favor do Fundo Estadual do Ministério Público (Lei Estadual nº 12241/98), de 10% do valor da condenação.
Inconformados, ESPÓLIO DE JOSÉ CLAUDIO PEREIRA, representado pela viúva Maria Aparecida Beraldo Pereira, e MÁRCIA DO ROCIO BITTENCOURT SOCREPPA apelam da sentença, buscando sua reforma nesta Corte Estadual.
Para isso, aduzem em suas razões de recurso, que:
a) reiteram as razões do AGRAVO RETIDO (2) de fls. 461/520, pedindo seja provido para se dar a extinção do processo, pelos seguintes motivos: carência de ação diante da ausência do interesse de agir, à vista da inexistência de improbidade no caso em tela, por não ter sido provada má fé ou desonestidade (corrupção); MÁRCIA foi nomeada assessora do gabinete do prefeito, com jornada especial, não havendo incompatibilidade de horário com sua atuação no cargo de vereadora; além disso, ela não foi notificada a optar por um dos cargos públicos, não agindo em nenhum momento com má fé, e não tendo sido instaurado prévio procedimento administrativo com exige a lei municipal e federal; ainda, há falta de indicativo dos fundamentos legais do procedimento investigatório e ausência de inquérito civil, pressupostos para a ação civil pública; e mais, não há legitimidade ativa ao Ministério Público nesta demanda; por fim, é inadequada a via eleita por ter sido indevidamente cumulada ação civil pública com ação de improbidade;
b) no mérito, o réu então prefeito agiu no âmbito de sua discricionariedade administrativa, atendendo ao interesse público;
c) MÁRCIA tinha jornada especial de 06 horas diárias no período matutino, o que se dava com espeque no art. 32 e §§ da Lei Complementar Municipal nº 239/98, havendo sim compatibilidade de horários do seu cargo administrativo com a vereança; o MM. Juiz fez confusão nessa questão, estando equivocado o entendimento sentencial, pois é a peculiaridade das funções que determina a jornada especial;
d) na Portaria de remoção de MÁRCIA não constou menção a jornada especial, por mera irregularidade;
e) não há improbidade por ausência de dolo;
f) verbas alimentares não cabem ser restituídas; ademais, não foram abatidos os valores referentes ao trabalho efetivamente desenvolvido por MÁRCIA no Executivo Municipal;
g) as penas fixadas são elevadas demais, merecendo readequação (§ único do art. 12 da LIA).
Ficou ainda consignado intento prequestionador de vários dispositivos legais, apontados às fls. 930.
Recurso preparado, recebido e contrariado pelo apelado.
Nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça, em judicioso parecer de lavra do eminente Procurador de Justiça Dr. ANTONIO WINKERT SOUZA, pautou-se pelo provimento parcial do apelo dos réus, ao fim de serem excluídas as penas de perda de função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar ou receber benefícios fiscais ou creditícios do poder público, por entendê-las desproporcionais à hipótese.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
Conheço dos recursos porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
DO AGRAVO RETIDO.
Esse agravo foi manejado contra a decisão de fls. 395/401, porém desmerece acolhida na medida em que toda a argumentação recursal não se mostra hábil a extinguir o processo, como pretendido.
Em primeiro lugar, não há necessidade de prévia notificação para optar por um ou outro cargo. Essa suposta condição prévia não é exigida pela lei e não afasta a improbidade. De jeito nenhum! A obrigação de atentar para a legalidade é de ambos - o prefeito e o servidor, não podendo este último pretender exonerar-se de sua responsabilidade com esse argumento pueril, tentando a todo custo eximir seu ato de receber dinheiro público a partir de cargos inacumuláveis.
Em segundo lugar, o prévio procedimento administrativo também não é contemplado como exigência legal indispensável. Ora, não cabe “avisar” ao agente público de que ele “poderá estar praticando improbidade” se não mudar sua conduta. O que se deve analisar são os fatos objetivamente considerados, sem condicionantes dessa ordem.
Em terceiro lugar, o inquérito civil é simples peça informativa a reunir um mínimo de indícios aptos a ensejar a deflagração da ação civil pública em juízo. Não é obrigatório, como sustentado.
Veja-se o entendimento do STJ nessa questão:
“(...) AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. PRÉVIO INQUÉRITO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. (...) Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, não há falar-se na exigência de prévia instauração de procedimento administrativo à ação civil por improbidade administrativa. (...)”. (STJ, REsp 956.221/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ 08/10/2007 p. 239).
Em quarto lugar, hoje é indiscutível a legitimidade ativa do Ministério Público em tal caso, consoante jurisprudência pacífica desta Corte e do STJ. Reporto-me, aqui, ao disposto no art. 129 da Constituição Federal, que dá respaldo à atuação do parquet visando combater a corrupção ou as ilegalidades praticadas na administração pública, e à Súmula 329 do STJ, que fala por si ao dispor que: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público”.
Em quinto lugar, quanto à via eleita - a da ação civil pública -, é pacífico que pode ser usada para combater ato de improbidade.
Nesse sentido já julgou esta Corte inúmeras vezes, v.g.:
“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. VIA PROCESSUAL ADEQUADA, VEZ QUE ADOTADO O PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI N. 8.429/92. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA (...) SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO”. (TJPR - 4ª CCv. - AC 0467562-9 - Rel. Juíza Subst. 2º G. JOSÉLY D. RIBAS - J. 25.11.2008).
E o Superior Tribunal de Justiça idem:
“(...) O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública objetivando a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa, sendo perfeitamente possível a cumulação com pedido de reparação de danos causados ao erário. (...)”. (STJ - REsp 1021851/SP - Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 28/11/2008).
As demais questões, notadamente aquelas envolvendo ausência de dolo ou má fé, confundem-se com o mérito e com este serão analisadas.
Deve ser desprovido o agravo retido, de conseguinte.
DA APELAÇÃO CÍVEL.
A questão envolve acumulação ilegal de cargos, um deles administrativo (efetivo) e outro de vereador.
O art. 38, III, da Constituição Federal prevê que:
“Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional nº 19/98)
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior; (...)”.
Veja-se que no caso MÁRCIA foi removida para o gabinete do então Prefeito, onde desempenhava atividade funcional “mais política”, digamos. Era assessora do Prefeito e trabalhava para conseguir verbas em outras esferas de governo.
O ato administrativo de remoção de MÁRCIA para o gabinete do Prefeito - a Portaria nº 318/2001 - não mencionou jornada especial (3), e, como visto na norma constitucional acima reproduzida, a acumulação de cargos do Executivo com o Legislativo é uma exceção, só cabível quando existe a compatibilidade de horários.
Estabelecer uma jornada especial de servidor público efetivo por mera “ordem verbal” é situação inaceitável e que não se coaduna com o princípio da legalidade, como bem destacou com propriedade o MM. Juiz sentenciante (vide, fls. 867).
Na espécie, ademais, dada a natureza do cargo de assessoria administrativa, não há essa compatibilidade de horários. Isso é claro, pois não se trata, p.ex., de um cargo de professor e outro de vereador. Assessores trabalham de dia, e não à noite!
E a Câmara Municipal realizava sessões de dia, na parte da tarde, mesmo horário em que um servidor administrativo comum (caso de MÁRCIA) deveria estar trabalhando, pois pela lei municipal a jornada é de 40 horas semanais, ou seja, 8 horas por dia de segunda à sexta-feira.
Ficou assente nos autos que o horário dos servidores administrativos do Município era das 08h às 17h, com intervalo de almoço.
Já as sessões do Legislativo eram às terças e quintas, a partir das 16h00. Ou seja, ainda dentro do horário de trabalho da Prefeitura.
E ainda consta, como bem mencionou o r. parecer da Procuradoria Geral de Justiça, que MÁRCIA integrava a Comissão Permanente de Finanças do Legislativo, a qual se reunia ainda mais cedo, nas quintas-feiras, a partir das 14h30min.
Daí a incompatibilidade flagrante de horários dos dois cargos acumulados ilegalmente por MÁRCIA, tudo de conhecimento do réu ex-prefeito e dela mesma, caracterizando a improbidade administrativa e o consequente prejuízo ao erário.
Evidente que os réus sabiam da ilegalidade, e tudo fizeram para dar a ela ares de correção.
Noutro giro, a estranha certidão de fls. 933/4, além de ser documento novo relativo a fato velho - não tendo sido cumprido o art. 517 do CPC (4) -, não traz a data da certidão a que se referiu, não servindo a alterar a conotação ilegal dos fatos apurados.
Inclusive, bem explorou a Procuradoria Geral de Justiça o fato de a tal certidão, expedida por REGINALDO BENEDITO DIAS (pessoa altamente suspeita porque era um dos réus nesta demanda), proclamar que havia um horário rígido, contradizendo o próprio depoimento judicial do citado servidor, quando teria dito que não existia essa rigidez do horário de MÁRCIA.
Nenhum crédito merece o tal documento, por conseguinte, dispensando-se maiores comentários.
De outra banda, se há um poder discricionário do Prefeito para remover ou designar servidores públicos, ele deve ser exercido nos limites da lei (5), e no caso a natureza da função (assessor de gabinete) desenvolvida por MARCIA no Executivo Municipal não se coaduna com a idéia de jornada especial prevista na Lei Municipal Complementar nº 239/98 (reproduzida, no seu art. 32, às fls. 1004), bem analisada na douta sentença. Nem de longe, valendo reprisar ainda que inexiste ato administrativo formal estipulando a suposta jornada especial.
Nessas condições, o dolo com que agiram os réus JOSÉ CLAUDIO e MÁRCIA se torna evidente, assim como a má-fé. Não basta negar esses elementos subjetivos, quando tudo está a confirmá-los.
Por outras palavras: A ré apelante MÁRCIA sabia que recebia indevidamente por dois cargos incompatíveis de serem acumulados. E o réu falecido então prefeito JOSÉ CLAUDIO participou ativamente desse ato improbo (ele fez a remoção após ela ter sido eleita vereadora), estando absolutamente correta a respeitável sentença apelada quando condenou ambos pela improbidade configurada e comprovada nestes autos.
Só não haveria dolo ou má-fé caso tivesse sido feita tempestiva opção (prévia à acumulação indevida) por um dos cargos.
Resta dizer que o prejuízo ao erário é nítido e de fácil verificação. A ré MÁRCIA recebeu duas vezes, quando só deveria ter recebido uma. Trabalhou em parte para o Executivo, é verdade, o que será sopesado quando da análise da dosimetria das sanções civis.
Os réus praticaram, na minha visão, a improbidade definida no art. 10 da LIA, a saber:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei; (...)”.
A regra do art. 11 é um “soldado de reserva”, como se sabe. Só incide na ausência de outra tipificação do ato improbo, não estando o juiz vinculado à classificação jurídica dada na inicial, mas sim aos fatos nela descritos.
No tocante às sanções aplicáveis, prevê a LIA:
“Art.12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
(...)
II - na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;
(...)
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Ou seja, o princípio da proporcionalidade merece ser observado, e nesse sentido orienta a jurisprudência:
“(...) Reconhecida a improbidade administrativa, impõe-se observar, na fixação da sanção, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o disposto no parágrafo único do art. 12 da Lei nº 8.429/92: “Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”, devendo ser reduzido o valor da multa civil quando excessiva. (...)”. (TJPR - 5ª CCv. - AC 0497655-8 - Rel. Des. LEONEL CUNHA - J. 07.10.2008). (6)
No caso em julgamento, entendo que a reparação ou ressarcimento dos danos deve se restringir à metade do salário do cargo administrativo desempenhado pela ré MÁRCIA, pois ela efetivamente trabalhou naquele período. Noticia-se até que conseguiu verbas razoáveis para o município, usando de suas habilidades e trânsito político em outras esferas governamentais.
Nada mais correto que se ajuste a pena levando em conta essa circunstância, não havendo indicativos ou provas de que não se dedicava pelo menos no período matutino (meio expediente) às funções na Prefeitura. (7)
Não se está aqui a isentar a ré (ou os réus) de pena, mas sim a adequar a sanção civil à especificidade do caso concreto, visando atingir a almejada justiça na espécie. Máxime porque a maior responsabilidade(8) era mesmo do réu falecido, que tinha o Poder Executivo em suas mãos e de quem se exigia a iniciativa para evitar a ilegalidade.
Este deve ser o ressarcimento ao erário, solidário entre os réus condenados: metade dos salários administrativos recebidos por MÁRCIA no período em que indevidamente acumulou os dois cargos públicos (01.01.2001 até 02.09.2001).(9)
Entretanto, não vinga a pretensão de colocar os salários indevidamente recebidos como verba alimentar. A ré MÁRCIA recebia também o salário de vereador e tinha seu sustento assegurado, e ademais, aqui se está a tratar de lesão aos cofres públicos, que exige a recuperação dos valores ilicitamente percebidos, sejam de que natureza for (a lei não traz exceções).
Quanto às demais penas, merece manutenção apenas a multa civil imposta a ambos os réus, de uma (1) vez o valor do dano causado(10) (que vem a ser o ressarcimento acima determinado neste voto), posto que as demais sanções - perda do cargo, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o poder público - são exageradas e desproporcionais ao caso concreto.
Com isso há concordância até da douta Procuradoria Geral de Justiça, frise-se bem (vide, fls. 1014), admitindo ter havido efetiva prestação de serviços por MÁRCIA como vereadora e também como assessora, ainda que em tempo parcial no segundo caso.
Impende anotar, nesse ponto, que as penas civis por improbidade administrativa não são sempre cumulativas.
Nesse sentido é iterativa a jurisprudência do STJ:
“(...) Consoante a jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação (...)”. (STJ, REsp 713.146/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22/03/2007 p. 324).
Finalmente, quando à pretensão de prequestionamento de vários e vários dispositivos legais, é de se dizer que o Tribunal não está obrigado a mencionar todas as teses e argumentos das partes, nem a se manifestar expressamente acerca de determinados dispositivos legais invocados nas razões recursais, bastando que as matérias relevantes ao desfecho da causa sejam analisadas e decididas, como aqui se fez. De qualquer modo, para que não se alegue omissão (inexistente) e para evitar embargos declaratórios infundados, é de serem dados por prequestionados os artigos de lei apontados às fls. 930.
ISTO POSTO, sem mais delongas, voto no sentido de:
a)- negar provimento ao agravo retido;
b)- dar provimento parcial ao apelo cível, apenas para reduzir as penas conforme acima fundamentado.
É COMO VOTO.
III - O DISPOSITIVO:
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, bem como DAR PROVIMENTO PARCIAL AO APELO CÍVEL, apenas para reduzir as penas na forma da fundamentação.
Presidiu o julgamento o Sr. Desembargador ROSENE ARÃO DE CRISTO PEREIRA (sem voto), e dele participaram votando com o relator os Senhores Desembargadores LUIZ MATEUS DE LIMA e JOSÉ MARCOS DE MOURA.
Curitiba, 17 de fevereiro de 2009.
Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau
RELATOR
1 Em substituição ao Desembargador LEONEL CUNHA.
2 Contra a decisão que julgou embargos de declaração (fls. 395/401) à decisão que recebeu a inicial.
3 Assim está inserido na sentença às fls. 866.
4 Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.
5 A propósito, decidiu o STJ que:
(...) A discricionariedade administrativa encontra limites, limites impostos pelo próprio princípio da legalidade. 2. Assim, todo ato que se apresenta, no âmbito da norma legal, discricionário, no caso concreto, é sempre passível de controle jurisdicional. (...) (MS 10.815/DF, Rel. Min. PAULO MEDINA, julgado em 14/12/2005, DJ 11/10/2007 p. 288).
6 No mesmo sentido há precedente deste TJPR:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - (...) SANÇÕES PREVISTAS NO ARTIGO 12 DA LEI Nº 8429/92 - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - RECURSOS DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDOS. Incontroverso que os apelantes praticaram ato de improbidade administrativa, consistente na irregular contratação de servidor, onde todos concorreram, de forma consciente, para sua prática. O Princípio da Proporcionalidade (em sentido amplo) impõe que se avalie a conduta do agente em face do grau de comprometimento do bem jurídico protegido, deixando-se de impor carga punitiva mais intensa que a necessária para a preservação desse bem. Deve-se, ainda, avaliar a adequação entre a quantidade de pena aplicada e a efetiva gravidade das sanções. Portanto, as penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. (TJPR - 4ª CCv. - AC 0370146-8 - Mandaguaçu - Rel. Desª REGINA AFONSO PORTES - Unanime - J. 27.03.2007).
7 Nas tardes em que não havia sessão na Câmara Municipal, entenda-se que a vereadora também exercia sua atividade complementar.
8 Digo desde logo que tal não afeta a solidariedade no ressarcimento ao erário, por óbvio.
9 Essa medida está em consonância com a jurisprudência do STJ, lastreada no princípio da proporcionalidade, como se vê, p.ex., no v. acórdão do REsp 1085308/SP, em que o Tribunal Superior dá importância à efetiva e real prestação dos serviços por pessoa irregularmente contratada.
Aqui no caso destes autos ora em análise houve pelo menos parcial prestação de serviços ao Executivo Municipal, e por isso entende este relator justificado o ressarcimento de somente metade dos salários do cargo executivo da ré MARCIA.
10 A multa civil é cumulativa com o ressarcimento ao erário.
APELANTE: ESPÓLIO DE JOSÉ CLAUDIO PEREIRA NETO E OUTRA.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR: ROGÉRIO RIBAS, Juiz de Direito Substituto de 2º Grau (1).
Ementa: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIDORA PÚBLICA EFETIVA QUE ACUMULAVA O CARGO DE VEREADORA COM O DE ASSESSORA DO PREFEITO, RECEBENDO POR AMBOS, E HAVENDO INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU.
1)- AGRAVO RETIDO. PRELIMINARES. CARÊNCIA DE AÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E INQUÉRITO CIVIL. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TESES TODAS JÁ ENFRENTADAS E REJEITADAS PELA CORTE E TAMBÉM PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AFASTAMENTO, POR IMPROCEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.
2)- APELAÇÃO CÍVEL. MÉRITO. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 38, III, CF. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS CONSTATADA. SESSÕES DA CÂMARA MUNICIPAL REALIZADAS À TARDE, MESMO PERÍODO EM QUE A RÉ DEVERIA EXERCER SUAS FUNÇÕES DO CARGO ADMINISTRATIVO EFETIVO NO EXECUTIVO MUNICIPAL (DE 40 HORAS SEMANAIS). ATO IMPROBO CONFIGURADO. DOLO E MÁ-FÉ EVIDENCIADOS NA ESPÉCIE. TESES DEFENSIVAS IMPROCEDENTES. READEQUAÇÃO DAS PENAS. POSSIBILIDADE, À VISTA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - O RELATÓRIO:
Vistos, relatados e discutidos estes autos.
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, sob nº 218/2002, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ contra JOSÉ CLAUDIO PEREIRA NETO, então Prefeito Municipal de Maringá (hoje falecido), MÁRCIA DO ROCIO BITTENCOURT SOCREPPA, então servidora pública e vereadora daquela cidade, RAUL PEREIRA DA SILVA, servidor municipal, e REGINALDO BENEDITO DIAS, também servidor municipal de Maringá.
O caso trata de acumulação ilegal de cargos, um administrativo e outro de vereadora, por MÁRCIA, segundo o Ministério Público.
Consta dos autos que MÁRCIA é servidora municipal efetiva de Maringá desde 01.07.1983, e no ano de 2000 licenciou-se para concorrer a uma vaga de vereador, recebendo licença prêmio na mesma época. Foi eleita e passou a exercer a vereança a partir de 2001, quando, concomitantemente, exerceu o cargo de assessora administrativa no Executivo Municipal. Os réus, cada qual dentro de suas funções no Executivo, em mar/2001 removeram MÁRCIA para o gabinete do prefeito (JOSÉ CLAUDIO), ignorando a incompatibilidade de horários das duas funções de MÁRCIA, a qual recebia por ambas.
Diante disso, postulou o Ministério Público a condenação dos réus por ato de improbidade, com imposição de todas as sanções do art. 12 da LIA (Lei 8429/92).
O feito foi processado, sendo o réu JOSÉ CLAUDIO substituído por seu espólio, face ter falecido.
Sentenciando, o MM. Juiz “a quo” afastou as preliminares arguidas em defesa, e no mérito houve por:
a) julgar improcedente a demanda no tangente aos réus RAUL PEREIRA DA SILVA e REGINALDO BENEDITO DIAS;
b) julgar procedente o pedido em face do espólio de JOSÉ CLAUDIO PEREIRA NETO e da ré MÁRCIA DO ROCIO BITTENCOURT SOCREPPA, reconhecendo a prática de improbidade, condenando-os solidariamente ao ressarcimento integral do dano (valor total recebido por MÁRCIA pelo cargo de assessora administrativa de 01.01.2001 até 02.09.2001, tudo corrigido e com juros), perda da função pública de MÁRCIA, suspensão dos direitos políticos desta ré por 06 anos e 06 meses, multa civil individual no valor do dano causado, e proibição da ré de contratar com o poder público ou dele receber benefícios, por 05 anos.
Diante da sucumbência, reputada mínima ao parquet, condenou ambos os réus solidariamente a arcar com as custas processuais, e mais honorários em favor do Fundo Estadual do Ministério Público (Lei Estadual nº 12241/98), de 10% do valor da condenação.
Inconformados, ESPÓLIO DE JOSÉ CLAUDIO PEREIRA, representado pela viúva Maria Aparecida Beraldo Pereira, e MÁRCIA DO ROCIO BITTENCOURT SOCREPPA apelam da sentença, buscando sua reforma nesta Corte Estadual.
Para isso, aduzem em suas razões de recurso, que:
a) reiteram as razões do AGRAVO RETIDO (2) de fls. 461/520, pedindo seja provido para se dar a extinção do processo, pelos seguintes motivos: carência de ação diante da ausência do interesse de agir, à vista da inexistência de improbidade no caso em tela, por não ter sido provada má fé ou desonestidade (corrupção); MÁRCIA foi nomeada assessora do gabinete do prefeito, com jornada especial, não havendo incompatibilidade de horário com sua atuação no cargo de vereadora; além disso, ela não foi notificada a optar por um dos cargos públicos, não agindo em nenhum momento com má fé, e não tendo sido instaurado prévio procedimento administrativo com exige a lei municipal e federal; ainda, há falta de indicativo dos fundamentos legais do procedimento investigatório e ausência de inquérito civil, pressupostos para a ação civil pública; e mais, não há legitimidade ativa ao Ministério Público nesta demanda; por fim, é inadequada a via eleita por ter sido indevidamente cumulada ação civil pública com ação de improbidade;
b) no mérito, o réu então prefeito agiu no âmbito de sua discricionariedade administrativa, atendendo ao interesse público;
c) MÁRCIA tinha jornada especial de 06 horas diárias no período matutino, o que se dava com espeque no art. 32 e §§ da Lei Complementar Municipal nº 239/98, havendo sim compatibilidade de horários do seu cargo administrativo com a vereança; o MM. Juiz fez confusão nessa questão, estando equivocado o entendimento sentencial, pois é a peculiaridade das funções que determina a jornada especial;
d) na Portaria de remoção de MÁRCIA não constou menção a jornada especial, por mera irregularidade;
e) não há improbidade por ausência de dolo;
f) verbas alimentares não cabem ser restituídas; ademais, não foram abatidos os valores referentes ao trabalho efetivamente desenvolvido por MÁRCIA no Executivo Municipal;
g) as penas fixadas são elevadas demais, merecendo readequação (§ único do art. 12 da LIA).
Ficou ainda consignado intento prequestionador de vários dispositivos legais, apontados às fls. 930.
Recurso preparado, recebido e contrariado pelo apelado.
Nesta instância a douta Procuradoria Geral de Justiça, em judicioso parecer de lavra do eminente Procurador de Justiça Dr. ANTONIO WINKERT SOUZA, pautou-se pelo provimento parcial do apelo dos réus, ao fim de serem excluídas as penas de perda de função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar ou receber benefícios fiscais ou creditícios do poder público, por entendê-las desproporcionais à hipótese.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO E VOTO:
Conheço dos recursos porque presentes os pressupostos de admissibilidade.
DO AGRAVO RETIDO.
Esse agravo foi manejado contra a decisão de fls. 395/401, porém desmerece acolhida na medida em que toda a argumentação recursal não se mostra hábil a extinguir o processo, como pretendido.
Em primeiro lugar, não há necessidade de prévia notificação para optar por um ou outro cargo. Essa suposta condição prévia não é exigida pela lei e não afasta a improbidade. De jeito nenhum! A obrigação de atentar para a legalidade é de ambos - o prefeito e o servidor, não podendo este último pretender exonerar-se de sua responsabilidade com esse argumento pueril, tentando a todo custo eximir seu ato de receber dinheiro público a partir de cargos inacumuláveis.
Em segundo lugar, o prévio procedimento administrativo também não é contemplado como exigência legal indispensável. Ora, não cabe “avisar” ao agente público de que ele “poderá estar praticando improbidade” se não mudar sua conduta. O que se deve analisar são os fatos objetivamente considerados, sem condicionantes dessa ordem.
Em terceiro lugar, o inquérito civil é simples peça informativa a reunir um mínimo de indícios aptos a ensejar a deflagração da ação civil pública em juízo. Não é obrigatório, como sustentado.
Veja-se o entendimento do STJ nessa questão:
“(...) AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO IRREGULAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. PRÉVIO INQUÉRITO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. (...) Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, não há falar-se na exigência de prévia instauração de procedimento administrativo à ação civil por improbidade administrativa. (...)”. (STJ, REsp 956.221/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ 08/10/2007 p. 239).
Em quarto lugar, hoje é indiscutível a legitimidade ativa do Ministério Público em tal caso, consoante jurisprudência pacífica desta Corte e do STJ. Reporto-me, aqui, ao disposto no art. 129 da Constituição Federal, que dá respaldo à atuação do parquet visando combater a corrupção ou as ilegalidades praticadas na administração pública, e à Súmula 329 do STJ, que fala por si ao dispor que: “O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público”.
Em quinto lugar, quanto à via eleita - a da ação civil pública -, é pacífico que pode ser usada para combater ato de improbidade.
Nesse sentido já julgou esta Corte inúmeras vezes, v.g.:
“ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. VIA PROCESSUAL ADEQUADA, VEZ QUE ADOTADO O PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI N. 8.429/92. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA (...) SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO”. (TJPR - 4ª CCv. - AC 0467562-9 - Rel. Juíza Subst. 2º G. JOSÉLY D. RIBAS - J. 25.11.2008).
E o Superior Tribunal de Justiça idem:
“(...) O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil pública objetivando a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa, sendo perfeitamente possível a cumulação com pedido de reparação de danos causados ao erário. (...)”. (STJ - REsp 1021851/SP - Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 28/11/2008).
As demais questões, notadamente aquelas envolvendo ausência de dolo ou má fé, confundem-se com o mérito e com este serão analisadas.
Deve ser desprovido o agravo retido, de conseguinte.
DA APELAÇÃO CÍVEL.
A questão envolve acumulação ilegal de cargos, um deles administrativo (efetivo) e outro de vereador.
O art. 38, III, da Constituição Federal prevê que:
“Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional nº 19/98)
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior; (...)”.
Veja-se que no caso MÁRCIA foi removida para o gabinete do então Prefeito, onde desempenhava atividade funcional “mais política”, digamos. Era assessora do Prefeito e trabalhava para conseguir verbas em outras esferas de governo.
O ato administrativo de remoção de MÁRCIA para o gabinete do Prefeito - a Portaria nº 318/2001 - não mencionou jornada especial (3), e, como visto na norma constitucional acima reproduzida, a acumulação de cargos do Executivo com o Legislativo é uma exceção, só cabível quando existe a compatibilidade de horários.
Estabelecer uma jornada especial de servidor público efetivo por mera “ordem verbal” é situação inaceitável e que não se coaduna com o princípio da legalidade, como bem destacou com propriedade o MM. Juiz sentenciante (vide, fls. 867).
Na espécie, ademais, dada a natureza do cargo de assessoria administrativa, não há essa compatibilidade de horários. Isso é claro, pois não se trata, p.ex., de um cargo de professor e outro de vereador. Assessores trabalham de dia, e não à noite!
E a Câmara Municipal realizava sessões de dia, na parte da tarde, mesmo horário em que um servidor administrativo comum (caso de MÁRCIA) deveria estar trabalhando, pois pela lei municipal a jornada é de 40 horas semanais, ou seja, 8 horas por dia de segunda à sexta-feira.
Ficou assente nos autos que o horário dos servidores administrativos do Município era das 08h às 17h, com intervalo de almoço.
Já as sessões do Legislativo eram às terças e quintas, a partir das 16h00. Ou seja, ainda dentro do horário de trabalho da Prefeitura.
E ainda consta, como bem mencionou o r. parecer da Procuradoria Geral de Justiça, que MÁRCIA integrava a Comissão Permanente de Finanças do Legislativo, a qual se reunia ainda mais cedo, nas quintas-feiras, a partir das 14h30min.
Daí a incompatibilidade flagrante de horários dos dois cargos acumulados ilegalmente por MÁRCIA, tudo de conhecimento do réu ex-prefeito e dela mesma, caracterizando a improbidade administrativa e o consequente prejuízo ao erário.
Evidente que os réus sabiam da ilegalidade, e tudo fizeram para dar a ela ares de correção.
Noutro giro, a estranha certidão de fls. 933/4, além de ser documento novo relativo a fato velho - não tendo sido cumprido o art. 517 do CPC (4) -, não traz a data da certidão a que se referiu, não servindo a alterar a conotação ilegal dos fatos apurados.
Inclusive, bem explorou a Procuradoria Geral de Justiça o fato de a tal certidão, expedida por REGINALDO BENEDITO DIAS (pessoa altamente suspeita porque era um dos réus nesta demanda), proclamar que havia um horário rígido, contradizendo o próprio depoimento judicial do citado servidor, quando teria dito que não existia essa rigidez do horário de MÁRCIA.
Nenhum crédito merece o tal documento, por conseguinte, dispensando-se maiores comentários.
De outra banda, se há um poder discricionário do Prefeito para remover ou designar servidores públicos, ele deve ser exercido nos limites da lei (5), e no caso a natureza da função (assessor de gabinete) desenvolvida por MARCIA no Executivo Municipal não se coaduna com a idéia de jornada especial prevista na Lei Municipal Complementar nº 239/98 (reproduzida, no seu art. 32, às fls. 1004), bem analisada na douta sentença. Nem de longe, valendo reprisar ainda que inexiste ato administrativo formal estipulando a suposta jornada especial.
Nessas condições, o dolo com que agiram os réus JOSÉ CLAUDIO e MÁRCIA se torna evidente, assim como a má-fé. Não basta negar esses elementos subjetivos, quando tudo está a confirmá-los.
Por outras palavras: A ré apelante MÁRCIA sabia que recebia indevidamente por dois cargos incompatíveis de serem acumulados. E o réu falecido então prefeito JOSÉ CLAUDIO participou ativamente desse ato improbo (ele fez a remoção após ela ter sido eleita vereadora), estando absolutamente correta a respeitável sentença apelada quando condenou ambos pela improbidade configurada e comprovada nestes autos.
Só não haveria dolo ou má-fé caso tivesse sido feita tempestiva opção (prévia à acumulação indevida) por um dos cargos.
Resta dizer que o prejuízo ao erário é nítido e de fácil verificação. A ré MÁRCIA recebeu duas vezes, quando só deveria ter recebido uma. Trabalhou em parte para o Executivo, é verdade, o que será sopesado quando da análise da dosimetria das sanções civis.
Os réus praticaram, na minha visão, a improbidade definida no art. 10 da LIA, a saber:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei; (...)”.
A regra do art. 11 é um “soldado de reserva”, como se sabe. Só incide na ausência de outra tipificação do ato improbo, não estando o juiz vinculado à classificação jurídica dada na inicial, mas sim aos fatos nela descritos.
No tocante às sanções aplicáveis, prevê a LIA:
“Art.12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
(...)
II - na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos;
(...)
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Ou seja, o princípio da proporcionalidade merece ser observado, e nesse sentido orienta a jurisprudência:
“(...) Reconhecida a improbidade administrativa, impõe-se observar, na fixação da sanção, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como o disposto no parágrafo único do art. 12 da Lei nº 8.429/92: “Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”, devendo ser reduzido o valor da multa civil quando excessiva. (...)”. (TJPR - 5ª CCv. - AC 0497655-8 - Rel. Des. LEONEL CUNHA - J. 07.10.2008). (6)
No caso em julgamento, entendo que a reparação ou ressarcimento dos danos deve se restringir à metade do salário do cargo administrativo desempenhado pela ré MÁRCIA, pois ela efetivamente trabalhou naquele período. Noticia-se até que conseguiu verbas razoáveis para o município, usando de suas habilidades e trânsito político em outras esferas governamentais.
Nada mais correto que se ajuste a pena levando em conta essa circunstância, não havendo indicativos ou provas de que não se dedicava pelo menos no período matutino (meio expediente) às funções na Prefeitura. (7)
Não se está aqui a isentar a ré (ou os réus) de pena, mas sim a adequar a sanção civil à especificidade do caso concreto, visando atingir a almejada justiça na espécie. Máxime porque a maior responsabilidade(8) era mesmo do réu falecido, que tinha o Poder Executivo em suas mãos e de quem se exigia a iniciativa para evitar a ilegalidade.
Este deve ser o ressarcimento ao erário, solidário entre os réus condenados: metade dos salários administrativos recebidos por MÁRCIA no período em que indevidamente acumulou os dois cargos públicos (01.01.2001 até 02.09.2001).(9)
Entretanto, não vinga a pretensão de colocar os salários indevidamente recebidos como verba alimentar. A ré MÁRCIA recebia também o salário de vereador e tinha seu sustento assegurado, e ademais, aqui se está a tratar de lesão aos cofres públicos, que exige a recuperação dos valores ilicitamente percebidos, sejam de que natureza for (a lei não traz exceções).
Quanto às demais penas, merece manutenção apenas a multa civil imposta a ambos os réus, de uma (1) vez o valor do dano causado(10) (que vem a ser o ressarcimento acima determinado neste voto), posto que as demais sanções - perda do cargo, suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o poder público - são exageradas e desproporcionais ao caso concreto.
Com isso há concordância até da douta Procuradoria Geral de Justiça, frise-se bem (vide, fls. 1014), admitindo ter havido efetiva prestação de serviços por MÁRCIA como vereadora e também como assessora, ainda que em tempo parcial no segundo caso.
Impende anotar, nesse ponto, que as penas civis por improbidade administrativa não são sempre cumulativas.
Nesse sentido é iterativa a jurisprudência do STJ:
“(...) Consoante a jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação (...)”. (STJ, REsp 713.146/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ 22/03/2007 p. 324).
Finalmente, quando à pretensão de prequestionamento de vários e vários dispositivos legais, é de se dizer que o Tribunal não está obrigado a mencionar todas as teses e argumentos das partes, nem a se manifestar expressamente acerca de determinados dispositivos legais invocados nas razões recursais, bastando que as matérias relevantes ao desfecho da causa sejam analisadas e decididas, como aqui se fez. De qualquer modo, para que não se alegue omissão (inexistente) e para evitar embargos declaratórios infundados, é de serem dados por prequestionados os artigos de lei apontados às fls. 930.
ISTO POSTO, sem mais delongas, voto no sentido de:
a)- negar provimento ao agravo retido;
b)- dar provimento parcial ao apelo cível, apenas para reduzir as penas conforme acima fundamentado.
É COMO VOTO.
III - O DISPOSITIVO:
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, bem como DAR PROVIMENTO PARCIAL AO APELO CÍVEL, apenas para reduzir as penas na forma da fundamentação.
Presidiu o julgamento o Sr. Desembargador ROSENE ARÃO DE CRISTO PEREIRA (sem voto), e dele participaram votando com o relator os Senhores Desembargadores LUIZ MATEUS DE LIMA e JOSÉ MARCOS DE MOURA.
Curitiba, 17 de fevereiro de 2009.
Juiz ROGÉRIO RIBAS, Subst. de 2º Grau
RELATOR
1 Em substituição ao Desembargador LEONEL CUNHA.
2 Contra a decisão que julgou embargos de declaração (fls. 395/401) à decisão que recebeu a inicial.
3 Assim está inserido na sentença às fls. 866.
4 Art. 517. As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.
5 A propósito, decidiu o STJ que:
(...) A discricionariedade administrativa encontra limites, limites impostos pelo próprio princípio da legalidade. 2. Assim, todo ato que se apresenta, no âmbito da norma legal, discricionário, no caso concreto, é sempre passível de controle jurisdicional. (...) (MS 10.815/DF, Rel. Min. PAULO MEDINA, julgado em 14/12/2005, DJ 11/10/2007 p. 288).
6 No mesmo sentido há precedente deste TJPR:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - (...) SANÇÕES PREVISTAS NO ARTIGO 12 DA LEI Nº 8429/92 - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - RECURSOS DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDOS. Incontroverso que os apelantes praticaram ato de improbidade administrativa, consistente na irregular contratação de servidor, onde todos concorreram, de forma consciente, para sua prática. O Princípio da Proporcionalidade (em sentido amplo) impõe que se avalie a conduta do agente em face do grau de comprometimento do bem jurídico protegido, deixando-se de impor carga punitiva mais intensa que a necessária para a preservação desse bem. Deve-se, ainda, avaliar a adequação entre a quantidade de pena aplicada e a efetiva gravidade das sanções. Portanto, as penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. (TJPR - 4ª CCv. - AC 0370146-8 - Mandaguaçu - Rel. Desª REGINA AFONSO PORTES - Unanime - J. 27.03.2007).
7 Nas tardes em que não havia sessão na Câmara Municipal, entenda-se que a vereadora também exercia sua atividade complementar.
8 Digo desde logo que tal não afeta a solidariedade no ressarcimento ao erário, por óbvio.
9 Essa medida está em consonância com a jurisprudência do STJ, lastreada no princípio da proporcionalidade, como se vê, p.ex., no v. acórdão do REsp 1085308/SP, em que o Tribunal Superior dá importância à efetiva e real prestação dos serviços por pessoa irregularmente contratada.
Aqui no caso destes autos ora em análise houve pelo menos parcial prestação de serviços ao Executivo Municipal, e por isso entende este relator justificado o ressarcimento de somente metade dos salários do cargo executivo da ré MARCIA.
10 A multa civil é cumulativa com o ressarcimento ao erário.
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