1.4.09

Apelação cível - Horto Florestal

APELAÇÃO CÍVEL Nº378.360-0, DA 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ.
APELANTE 1: COMPANHIA DE MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ.
APELANTE 2: MUNICÍPIO DE MARINGÁ.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTDO DO PARANÁ.
RELATOR: DES. MARCOS DE LUCA FANCHINº



AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA O MUNICÍPIO E CONTRA A PROPRIETÁRIA DO HORTO MUNICIPAL DE MARINGÁ. SENTENÇA QUE RECONHECE A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE AMBOS À FISCALIZAÇÃO E CONSERVAÇÃO DO HORTO MUNICIPAL, CONDENANDO-OS ÀS MEDIDAS INDISPENSÁVEIS PARA SANAR A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. PROPRIETÁRIA QUE RECORRE DEFENDENDO A RESPONSABILIDADE UNICAMENTE DO MUNICÍPIO, EIS QUE FOI EXPROPRIADA DO BEM DESDE QUE FOI BAIXADO DECRETO MUNICIPAL DECLARANDO A ÁREA DE INTERESSE ECOLÓGICO E PROIBINDO OUTRA DESTINAÇÃO. MUNICÍPIO QUE RECORRE DEFENDENDO A RESPONSABILIDADE UNICAMENTE DO PROPRIETÁRIO, EIS QUE NÃO PODE REALIZAR BENFEITORIAS EM IMÓVEIS PARTICULARES.
Mérito.
1. Da responsabilidade da proprietária.
DECRETO MUNICIPAL QUE NÃO IMPLICOU EM DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. MERA LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA SEM QUALQUER DESAPOSSAMENTO DO BEM. DANOS AMBIENTAIS QUE TIVERAM ORIGEM SETE ANOS ANTES DE SER BAIXADO O ALUDIDO DECRETO MUNICIPAL. INÉRCIA NO CUIDADO E NA CONSERVAÇÃO QUE OFENDE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. RESPONSABILIADE RECONHECIDA.
2. Da responsabilidade do Município.
RESPONSABILIDADE MUNICIPAL ESTABELECIDA PELO ARTIGO 225, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MUNICÍPIO QUE, MESMO TENDO MEIOS LEGAIS DE COMPELIR O PROPRIETÁRIO A ATENDER A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, FICOU INERTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA INAFASTÁVEL.
POR UNANIMIDADE, RECURSO DO MUNICÍPIO DE MARINGÁ DESPROVIDO.
POR MAIORIA, RECURSO DA COMPANHIA DE MELHORAMENTOS DO NORTE DO PARANÁ DESPROVIDO.
SENTENÇA MANTIDA.




1. RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ajuizou Ação Civil Pública, com pedido de antecipação da tutela recursal, contra a COMPANHIA DE MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ, proprietário da área de terras onde está localizado o horto municipal, e o MUNICÍPIO DE MARINGÁ aduzindo que os réus estão se omitindo no cuidado e fiscalização do horto municipal, que é reserva florestal municipal e patrimônio ambiental essencial para a qualidade de vida da população de Maringá. Em conseqüência dessa omissão, o referido horto está sofrendo agressões que comprometem a sua existência, como, por exemplo, emissários de galerias pluviais com ponto de descarga sem dissipador de energia; despejo irregular de forma intermitente de esgoto clandestino com aspecto espumoso; turvo é fétido que causa o comprometimento da potalidade das águas; freqüência livre de acesso de pessoas que acaba por facilitar a delinqüência; degradação da floresta, inclusive a mata ciliar, causada pela erosão e pelas queimadas; e presença de resíduos sólidos espalhados pela mata e solo.
Defende a responsabilidade solidária dos dois réus, eis que se omitiram no dever de cuidado e fiscalização, pugnou pela condenação solidária de ambos às seguintes obrigações: elaboração de um projeto manejado adequado do Horto, com prévia discussão pública; isolamento definitivo da área de preservação permanente da nascente e da bacia do córrego Borba Gato; recuperação da mata ciliar e das áreas devastadas pela erosão, com plantação de árvores nativas; construção e conclusão das galerias pluviais e dissipadores de energia, inclusive com bacia de dissipação de mergulho; limpeza e retirada de todos os resíduos sólidos espalhados na mata e no córrego; identificação e retirada de todos os pontos de esgoto cloacal clandestino despejado dentro do horto; promoção de educação ambiental com restrição da entrada de pessoas na reserva; obrigação de se absterem de realizar, sem prévio estudo e debate público, qualquer obra que possa causar impacto ambiental no horto; e, por fim, o pagamento de indenização equivalente aos danos já causados ao horto municipal, cujo montante deverá ser apurado em liquidação de sentença.
Foi concedida a ordem liminar para ordenar aos réus o isolamento da área, a identificação e a eliminação dos esgotos clandestinos.
Devidamente citados, ambos os réus contestaram.
O Município de Maringá alegou que a ordem liminar não deveria ser deferida porque já havia, ao tempo do ajuizamento, iniciado obras para sanar os problemas apontados na inicial. Asseverou a responsabilidade pelos danos não é da Administração atual porque as gestões anteriores se omitiram ao longo de muitos anos. Disse que o Município não dispunha de verbas para realizar as obras narradas na inicial e que a responsabilidade por tais providências é da segunda ré, que é proprietária do imóvel. Afirmou, por fim, que a irregularidades atinentes ao esgoto clandestino são de responsabilidade da Sanepar.
A segunda ré, por sua vez, sustentou a preliminar de ausência de interesse processual quanto ao isolamento da área, eis que tal medida já foi cumprida. Sustentou que o imóvel não é mais de sua propriedade, mas do Município, porque sofreu desapropriação indireta, tendo, inclusive, ajuizado a respectiva ação, logo, a municipalidade é que seria responsável pela conservação do imóvel. Informou que, enquanto dona do imóvel, cientificou as autoridades públicas quanto as agressões ambientas ao horto e sempre pediu ao primeiro réu providências a respeito, sem nunca ter sido atendida, eis que, na qualidade de pessoa jurídica privada, não dispõe de meios para coagir ou punir os infratores que despejam o esgoto clandestino dentro do horto.
Em impugnação, o autor reiterou suas razões inicias.
Julgando antecipadamente o feito, o juiz singular afastou a preliminar de falta de interesse de agir invocada e entendeu procedentes os pedidos iniciais para condenar os réus, solidariamente, às obrigações arroladas na inicial, inclusive a indenização pelos danos já causados, cujo montante deverá ser apurada em liquidação de sentença, bem ainda às custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00.
Ambas as partes apelaram.
A COMPANHIA DE MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ insistiu na tese de que não era mais proprietária da área, eis que o Município de Maringá, através do Decreto Municipal 203/94, declarou o horto como de interesse ecológico indisponível para uso alternativo e que a Lei Municipal nº 4.011 autorizou o Município a adquirir a área mediante permuta. Alertou que, ao invés de conferir direitos e obrigações, a propriedade sobre o horto municipal apenas lhe impõe despesas e encargos. No mais, reiterou os argumentos iniciais.
O MUNICÍPIO DE MARINGÁ também objetiva furtar-se da responsabilidade sob o argumento de as imposições estabelecidas pela sentença devem ser destinadas exclusivamente ao proprietário da área, não cabendo ao Município realizar benfeitorias em propriedade particular, tendo, por isso, levantado a preliminar de ilegitimidade passiva (fl. 422). Disse que a sentença implica em ingerência do Poder Judiciário no Poder Executivo, violando o princípio da separação dos poderes (fl. 424).
Em contra-razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO reiterou as razões inicialmente defendidas.
Ouvida, a Douta Procuradoria de Justiça opinou desprovimento de ambos os recursos.
É O RELATÓRIO.
2. VOTO
Os recursos não merecem provimento.
O julgamento de ambos será feito simultaneamente.
Esclareça-se, de início, que restaram incontroversos os danos narrados na inicial. Ambos os recorrentes admitem a degradação ambiental do horto municipal, estando o desate da lide, pois, em saber de quem é a responsabilidade pela conservação e fiscalização do horto municipal.
1. Da responsabilidade pela conservação e fiscalização do horto municipal.
Afasta-se, desde já, a tese defendida pela COMPANHIA DE MELHORAMENTOS de que não mais é proprietária da área de terras onde está situado o horto municipal, pois não houve desapropriação indireta, como entende aquela empresa, mas tão somente uma limitação administrativa que impôs o uso da propriedade nos exatos termos da importância social dela, na forma das leis ambientais. Aliás, essa questão já é objeto do Recurso de Apelação nº 344.685-7, recurso esse oriundo de uma ação de indenização por alegada desapropriação indireta promovida pela aqui ré Companhia Melhoramentos contra o Município de Maringá. Portanto, o Decreto Municipal 203/94, longe de expropriar o bem, estabeleceu normas a serem observadas para se atingir a função social da propriedade, máxime no caso em apreço, onde o bem tem grande relevância ambiental.
Não havendo, portanto, se falar em desapropriação, surge repristinada a responsabilidade da CIA DE MELHORAMENTOS pela conservação e fiscalização do horto municipal.
Essa responsabilidade persistira mesmo que a municipalidade houvesse desapropriado o bem, pois, como restou comprovado nos autos, a deplorável situação atual do horto municipal é causado por fatores cuja origem remonta vários anos atrás, antes mesmo do decreto municipal que, segundo a CIA DE MELHORAMENTOS, é ato expropriatório.
Aliás, essa responsabilidade surgiu desde o momento em que adquiriu essa propriedade, ou seja, desde os idos de 1976, como faz prova a matrícula de fls. 344 e seguintes. Tal responsabilidade foi apenas realçada com o advento da Constituição Federal de 1988, quando a função social da propriedade foi erigida a mandamento constitucional.
Portanto, se desde 1987 o horto municipal já vinha sofrendo os danos causados pelo escoamento incorreto das águas pluviais e esgoto, além da pela poluição com óleo, como faz prova os documentos de fls. 263 e 265, então não pode a proprietária pretender se isentar com base em um Decreto Municipal datado do ano de 1994, eis que nesse ano, certamente, a condições ambientais do horto municipal já eram preocupantes.
A discussão acerca da culpa, na verdade, é totalmente inócua, pois, demonstrado que a propriedade da área ainda é da CIA DE MELHORAMENTOS, como o era também quando do início da degradação ambiental, a responsabilidade, nesse caso, é objetiva, ou seja, independe da demonstração da culpa, na forma do art. 14, parágrafo primeiro da lei 6938/81.
A CIA DE MEROLHAMENTOS entende que a propriedade do horto só lhe traz prejuízos, não conferindo qualquer direito. Porém essa questão não é jurídica, mas econômica, não servindo como fundamento para afastar sua responsabilidade. Enquanto for proprietária desse imóvel, deverá nortear sua conduta na busca da função social de sua propriedade.
Mas a responsabilidade não é só da empresa proprietária do bem, mas também, e principalmente, do MUNICÍPIO DE MARINGÁ que, nesse caso, tem sua responsabilidade estabelecida pela Constituição Federal que impõe, no § 1º do artigo 225, várias obrigações ao Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado.
Ora, se a responsabilidade do Município advém de um mandamento constitucional, não pode esse ente político pretender esquivar-se dessa obrigação ao argumento de que a propriedade é privada.
Não se olvida que o Município de Maringá tem meios coativos se realmente tivesse interesse em proteger o horto municipal da degradação ambiental, como, por exemplo, aumentando a carga de impostos enquanto a proprietária cumprisse adequadamente a função social da propriedade, ressaltando que a Lei de Parcelamento do solo urbano permite a imposição gradativa de penalidade, chegando a expropriação do imóvel cujo proprietário não cumpra a finalidade social de sua propriedade.
Se o Município, mesmo contando com todos esses aparatos jurídicos, preferiu ficar inerte frente a degradação ambiental do horto municipal, deve, então, ser responsabilizado solidariamente por tal omissão, daí porque não resiste a tese de ilegitimidade passiva sustentada pela municipalidade recorrente.
Faz-se mister esclarecer, ainda, que a sentença não ofendeu o princípio da separação dos poderes, como alega o MUNICÍPIO DE MARINGÁ, mas é o próprio exercício do poder jurisdicional, cuja competência foi garantido constitucionalmente ao Poder Judiciário.
Aliás, importa esclarecer que a separação dos Poderes não pode ser usada como cortina de fumaça para afastar a responsabilidade do Poder Executivo com o meio-ambiente. Não pode ser usada como sucedâneo de uma obrigação constitucional. Portanto, se o Poder Executivo Municipal nada faz para cumprir sua obrigação de propiciar um meio-ambiente ecologicamente equilibrado, surge, então, a responsabilidade do Poder Judiciário para compeli-lo a tal obrigação. Essa é essência da teoria dos freios e contrapesos.
Entendimento contrário faria do Poder Judiciário um mero expectador da degradação ambiental, quando, aí sim, nos depararíamos com um caos tamanho que faria dos mandamentos constitucionais meros escritos em papel sem efetividade alguma.
Reconhecida, pois, a responsabilidade solidária do MUNICÍPIO DE MARINGÁ e da COMPANHIA DE MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ pela conservação e fiscalização do horto municipal, então nada há de ser modificado na sentença que, atenta à necessidade de se assegurar a função social da propriedade e um meio ambiente ecologicamente equilibrado, condenou ambos os recorrentes às obrigações indispensáveis à imediata sustação dos efeitos devastadores da degradação ambiental que vem prejudicando o horto municipal.
3. À vista disso, voto pelo desprovimento de ambos os recursos, mantendo a sentença recorrida em todos os seus termos.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso do Município de Maringá e por maioria de votos NEGAR PROVIMENTO ao recurso da Comapnhia de Melhoramentos do Norte do Paraná, nos termos do voto. Vencido o Desembargador Abraham Lincoln Calixto, com declaração de voto.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Regina Afonso Portes, Presidente, sem voto, Abraham Lincoln Calixto e Maria Aparecida Blanco de Lima.

Curitiba, 21 de agosto de 2007.


Des. Marcos de Luca Fanchin
Relator


Des. Abraham Lincoln Calixto
(com declaração de voto)