1.4.09

Silvio II condenado por improbidade - de novo

Processo nº 0734/2007(ação civil pública)
Ministério Público do Estado do Paraná vs. Silvio Magalhães Barros II
Sentença
Caracteriza ato de improbidade, ainda que não haja prejuízo para o erário, a nomeação em comissão de apadrinhado político para exercer cargo que não é de chefia, direção ou assessoramento e, pois, tinha de ser provido mediante concurso. A inicial. Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) o autor instaurou inquérito civil público visando apurar irregularidades no procedimento licitatório da sociedade de economia mista Terminais Aéreos de Maringá SBMG s.a., entidade da administração indireta municipal; b) durante essa investigação, apurou-se que o servidor Paulo Teixeira de Arruda trabalhava nessa entidade, e lá exercia diversas funções, tais como: mecânico, motorista etc., embora tivesse sido nomeado para cargo de provimento em comissão junto ao gabinete do prefeito réu; c) o servidor antes mencionado exerceu aquela função entre maio de 2006 e maio de 2007, quando então foi exonerado; d) logo, o réu nomeou o servidor para ocupar cargo em comissão sem que houvesse necessidade, pois o deslocou, imediatamente após a nomeação, para ocupar função que não se enquadra nas hipóteses de chefia, direção e assessoramento,burlando a regra constitucional que prevê o concurso público como critério de admissão na administração pública; e) com tal atitude, o réu cometeu atos de improbidade administrativa que causaram lesão ao erário e que violaram os princípios da administração pública, na forma dos art. 10 e 11 da Lei 8.429 de 2 de junho de 1992. Pediu a procedência do pedido e a condenação do réu às penas de suspensão dos direitos políticos por 8 anos, perda da função pública, pagamento de multa, proibição de contratar com o poder público por 5 anos e ressarcimento do dano causado, na forma do art. 10 da Lei 8.429 de 2 de junho de 1992. Subsidiariamente, pede a condenação do réu às penas de suspensão dos direitos políticos por 3 anos, perda da função pública, pagamento de multa, proibição de contratar com o poder público por 3 anos e ressarcimento do dano causado, na forma do art. 11 da Lei 8.429 de 2 de junho de 1992. Pede, ao final, a condenação do réu nos encargos da sucumbência.

A resposta do réu.
O réu foi notificado para manifestar-se por escrito sobre os fatos alegados na inicial. Disse, em suma, que: a) para atender a fundamentado interesse público é possível a remoção de funcionários no âmbito de cada Poder; b) a assistência ao prefeito não é desenvolvida exclusivamente no gabinete; c) os serviços do servidor eram necessários, e trabalhou com afinco em suas funções; d) a Lei Municipal nº 4.987/99 autoriza a cessão de servidores à sociedade de economia mista mencionada na inicial; d) entre 2003 e 2006 houve grande movimento naquela entidade da administração indireta, e somente em 2007 foi possível a realização do concurso público para suprir as necessidades daquela entidade; e) tais fatos decorreram do poder discricionário do administrador; f) o trabalho foi prestado pelo servidor, razão por que não houve prejuízo ao erário. Postulou pelo não-recebimento da inicial. O município de Maringá foi notificado e informou que não tem interesse jurídico na causa (f.73). Trâmite do processo.A ação foi recebida a f.210. Não houve recurso.Citado, o réu reiterou em contestação toda a fundamentação lançada por ocasião da defesa escrita (f.213), e postulou a improcedência do pedido inicial, e a condenação do autor nos encargos da sucumbência.A parte autora manifestou-se sobre a contestação, reiterando os argumentos da inicial.Em audiência de instrução e julgamento foram ouvidas três testemunhas (f.250 et seq.).Contados e preparados vieram os autos para julgamento. É o relatório.

Saneamento
Não há preliminares ou questões processuais a decidir. As partes são legítimas, a representação regular, não há nulidades a declarar. Fatos incontroversos e fatos provados.Quanto ao mérito, listo os fatos incontroversos: a) Paulo Arruda efetivamente prestou serviços à SBMG durante o período em que deteve o cargo em comissão; b) a função que exercia era de motorista, agente de segurança e mecânico eventual; c) tais funções não eram nem de chefia nem de direção; d) enfim, as funções sempre foram exercidas no aeroporto, e nunca no gabinete do prefeito.Ficou ademais comprovado, pelo depoimento de f.250 et seq., que a nomeação foi o cumprimento de uma promessa de campanha, feita pelo réu a Paulo quando este foi seu companheiro de chapa, candidato a vereador.Quanto aos fatos, pois, a tese da inicial está comprovada. Resta examinar as conseqüências jurídicas dos fatos.

Resenha dos argumentos do réu.
Defende-se o réu dizendo que a nomeação foi legítima porque a) os serviços eram necessários, b) eram de utilidade pública, c) foram efetivamente prestados, d) não houve prejuízo para o erário, e) as funções de assessoramento do titular e cargo em comissão não precisam ser desempenhadas dentro do gabinete do prefeito, f) a cessão de funcionários municipais à SBMG era prevista em lei. Argumentos impertinentes. Primeiro: os serviços eram necessários. Segundo: foram prestados. Terceiro: a cessão de servidor era legal. Começo por descartar os argumentos do réu que desviam o foco do debate para longe do tema relevante. Não se discute se a cessão de servidores do município à SBMG era lícita. Nem se os serviços de motorista/segurança/mecânico eram necessários, ou se a SBMG estava com o quadro de funcionários desfalcado. Suponha-se, para argumentar, que tudo isso seja verdade. A questão fundamental é outra, e continua em aberto: poderia o prefeito nomear em comissão seu aliado político, para pagar a promessa de campanha, para exercer aquela função? Não se discute a legalidade da cessão, discute-se a legalidade da nomeação em comissão, porque seus requisitos constitucionais foram desrespeitados: se Paulo fosse um funcionário público concursado esta ação não existiria. Requisitos constitucionais da nomeação em comissão. Dispõe a Constituição da República: “Art. 37. A administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência e, também, ao seguinte: [...] I - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [...] V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; [...] IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; ”Portanto, supondo, para argumentar, que havia necessidade temporária de excepcional interesse público na contratação de motorista para o aeroporto, tal contratação não poderia ocorrer mediante a nomeação para cargo em comissão. É que, como manda a Constituição da República, tal nomeação só se admite se, preenchidos todos os demais requisitos, estiver preenchido simultaneamente este: o nomeado exercerá atribuições de direção, chefia e assessoramento. A nomeação foi inconstitucional, porque as funções desempenhadas não eram de assessoramento. É incontroverso que as atribuições de Paulo não eram de chefia nem direção. E a prova demonstrou que não eram de assessoramento. O Dicionário Houaiss explica o que é assessorar e o que é assessor: “Assessorar: 1 t.d. servir de assessor a; auxiliar como assessor . 1.1 t.d. prestar a alguém serviço de assessor especializado em determinado assunto “.“Assessor: 1 aquele que é adjunto a alguém, que exerce uma atividade ou cargo para ajudá-lo em suas funções e, eventualmente, substituí-lo nos impedimentos transitórios. 1.1 especialista em determinado assunto que auxilia alguém em cargo de decisão com subsídios da área de sua especialidade”. E o mesmo dicionário explica a etimologia do termo assessor, que vem de do latim assessor, que significava “ajudante, assistente, acompanhante”, porque vem do verbo latino assidere, que significa “estar sentado ao pé, junto de”. Os dicionários jurídicos não divergem: “Assessor. Assim se diz da pessoa que é colocada como adjunto, assistente ou participante das funções de outrem. Diz-se, principalmente, da pessoa graduada em Direito e perita na jurisprudência que se põe como adjunta de um juiz leigo, para o aconselhar nas sentenças, que dá, e julgar juntamente como ele. É tomado, pois, na significação de consultor ou de conselheiro”. “Assessor. Assistente direto de um chefe de governo, Ministro de Estado ou diretor de uma Companhia, que esclarece e orienta na solução de questões e negócios a cujo respeito tem conhecimentos especializados: assessor jurídico, político, financeiro, econômico, etc. Pessoa graduada em Direito, que presta esclarecimentos desta natureza ao juiz leigo, técnico. Pessoa com conhecimentos especializados sobre a matéria, ou assunto, que presta seu auxílio para esclarecer ou resolver determinados casos judiciais. Assessorar. Servir de assessor; auxiliar, ajudar, orientar. Assessoria. Consultoria ou assistência de caráter técnico. Cargo ou função de assessor. Lugar onde o assessor exerce as suas atribuições” . “Assessor. É o indivíduo que auxilia a outro; adjunto, auxiliar, assistente, ajudante” . Não se presume que os constituintes tenham inventado um novo e diferente significado para a expressão em exame. Logo, função de assessoramento implica ajuda direta nas funções imediatas do assessorado, dada por alguém dotado de alguma especialização ou conhecimento específico na matéria. Faço remissão, ademais e por brevidade, à doutrina de Sérgio Albuquerque Schirmer, citada a f.7. Ora, Paulo é motorista amador, vigilante formado por correspondência e mecânico prático. Supondo, benevolentemente, que ele pudesse ser considerado especialista, ou pelo menos profissional, em qualquer dessas três aptidões, o fato é que não as exerceu por isso, e sim em troca de apoio político. E tais atividades/aptidões não dizem respeito às funções imediatas do prefeito, de modo que não constituem assessoramento. É inconsistente a tese do réu pela qual, na prática, todo e qualquer servidor público seria um assessor do prefeito. A teoria do réu pretende elastecer o conceito de assessoramento, para converter em assessor qualquer um que desempenhe qualquer função vagamente relacionada com as missões do município. A prova pelo absurdo mostra que não tem razão. Acatada a tese do réu, ficariam abertas as portas para o prefeito nomear, em comissão, apaniguados políticos para “assessorá-lo” varrendo as ruas, coletando lixo, pilotando os ônibus de transporte escolar, enterrando defuntos no cemitério, lecionando nas escolas primárias, etc.. Na tese do réu, como o prefeito é responsável por todos os serviços públicos do município, qualquer um que exerça qualquer função em qualquer serviço público estaria “assessorando” o prefeito. Mas, se assim fosse, a parte final do art. 37 V da Constituição da República restaria sem efeito ou eficácia, porque sua finalidade restritiva estaria aniquilada: toda e qualquer função pública poderia ser objeto de nomeação em comissão. Prefeito nenhum precisaria mais promover concurso: poderia nomear pessoas de confiança em comissão para todos os cargos de todas as repartições da administração pública direta e indireta, porque todos, colaborando para cumprimento da missão da administração, seriam “assessores” do prefeito. Está claro que a teoria do réu viola simultaneamente duas regras centenárias da hermenêutica, a que diz ser incorreta a interpretação que conduz ao vago, inexplicável, contraditório ou absurdo, e a que ensina que a lei não contém frase ou palavra inútil, supérflua ou sem efeito. É anti-lógica a interpretação do réu que converte uma regra constitucional restritiva em uma franquia ilimitada e absoluta para contratar sem concurso. É indiferente se o fato causou prejuízo ao erário. Quanto à tese de que os fatos em exame não causaram dano, o que, segundo o réu, impediria a aplicação das sanções da Lei Federal nº 8429, anote-se que o STJ entende o contrário: “Para a configuração do ato de improbidade não se exige que tenha havido dano ou prejuízo material, restando alcançados os danos imateriais”. Conclusão que, ademais, aparece como evidente, diante do teor do art. 21 I da mesma Lei. A improbidade está caracterizada. A sujeição do réu, enquanto prefeito, aos deveres e legalidade e impessoalidade consta dos arts. 37 da Constituição da República, 27 da Constituição do Paraná e 59 da Lei Orgânica do Município de Maringá. E a Lei Federal nº 8429 prevê: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. A conduta do réu é, assim, típica para esse dispositivo: desrespeitou os princípios da impessoalidade e da legalidade ao nomear apadrinhado político para cargo que, se necessário era, tinha de ser provido mediante concurso público, e nunca por provimento em comissão, porque não era de chefia, direção ou assessoramento.

Dosagem da pena.
Enfim, quanto à aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei Federal nº 8245, o autor pediu a imposição de todas elas, simultaneamente. O p.ún. do dispositivo, contudo, deixa claro que as penas não são necessariamente cumulativas, cabendo dosá-las de acordo com as circunstâncias do caso: “Art. 12 p.ún.: Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”. O entendimento aqui adotado já foi reiteradamente consagrado pelo STJ. No caso em exame, o autor não invoca antecedentes desabonadores do réu. O dano material não foi comprovado: os serviços foram efetivamente prestados, a utilidade deles para bom funcionamento do terminal aeroportuário é incontroversa. Do ponto de vista moral, em comparação com exemplos federais, estaduais ou locais de improbidade política, o caso em exame é de baixa gravidade. O fim alegado, prover necessidade urgente de funcionários enquanto não se realizava o concurso, não justificava os meios, mas não é especialmente reprovável, em comparação com as motivações que comumente se vê por trás de atos de improbidade. O fato de comprovadamente a improbidade ter sido praticada em troca de apoio político é especialmente reprovável. A ponderação desses fatores convence de que a pretensão do autor, na dosagem da pena, é excessiva. Parece-me suficiente, para atender às funções preventiva e repressiva da sanção, a aplicação da pena de pagamento de multa civil de trinta vezes o valor da remuneração do réu como prefeito na época dos fatos.

Dispositivo.
Isso posto, julgo procedente em parte o pedido inicial, e condeno o réu Silvio Magalhães Barros II ao pagamento de multa civil no importe equivalente a trinta vezes o valor da sua remuneração como prefeito na época dos fatos, porque incurso no art. 11 I da Lei Federal nº 8429/92. Condeno também o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios (Lei Estadual nº 12241, de 1998, e Constituição do Estado do Paraná, art. 118 II) que arbitro em 10% do valor das condenações pecuniárias impostas, levando em conta a necessidade de coleta de provas em audiência.
P., r. e i.. Maringá, 27/3/2009.
Alberto Marques dos Santos
Juiz de Direito