Apelação cível - Bessani e Julio Figueiredo
APELAÇÃO CÍVEL Nº 466165-6, DA 6ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARINGÁ.
APELANTES 1: VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS.
APELANTE 2: JULIO MARIA FIGUEIREDO.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR: DESEMBARGADOR SALVATORE ANTONIO ASTUTI.
APELAÇÕES CÍVEIS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. PERÍCIA NÃO REALIZADA POR INÉRCIA DA PARTE. PRECLUSÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. POSSIBILIDADE. CABE AO JUIZ A ANÁLISE DA UTILIDADE DA PROVA. ENFRENTAMENTO DE TODOS OS ARGUMENTOS DA CONTESTAÇÃO. DESNECESSIDADE. DECISÃO BEM FUNDAMENTADA. AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA PROBATÓRIA. ATO ADMINISTRATIVO. PROVA NÃO DESCONSTITUÍDA. ALEGAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO E CUMPRIMENTO DE ORDENS DO SUPERIOR HIERÁRQUICO AFASTADA. AGENTE PÚBLICO CONIVENTE E RESPONSÁVEL. QUANTUM. CRITÉRIOS QUE ASSEGURAM A BUSCA DA JUSTIÇA NO CASO CONCRETO. PROPORCIONALIDADE.
APELAÇÃO 1 CONHECIDA E NÃO PROVIDA.
APELAÇÃO 2 CONHECIDA E NÃO PROVIDA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 466165-6, da 6ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que são Apelantes 1 VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS, Apelante 2 JULIO MARIA FIGUEIREDO e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ.
RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelações interpostos contra a sentença de fls. 1296/1314, proferida nos autos de Ação Civil Pública n.º 266/2001, a qual julgou procedente o pedido formulado e condenou os Requeridos “como incursos nas sanções do art. 12, III, da Lei 8.429/92 e art. 37 da CF/88, na restituição aos cofres públicos do Município de Dr. Camargo-PR” e ao pagamento de multa civil.
Em suas razões recursais (fls. 1318/1353) os Apelantes 1 VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS pleitearam nulidade da sentença, em preliminar, sob o argumento de cerceamento de defesa ante ao julgamento antecipado da lide e ausência de apreciação de “todos os termos levantados na contestação”.
No mérito, afirmaram que o Ministério Público não fez prova suficiente para imputar ato de improbidade aos Apelantes, bem como deixou de demonstrar o dolo de suas condutas.
Sustentaram que não houve reconhecimento de procedência dos fatos expostos na inicial, tampouco confissão e que os valores apontados pelo Ministério Público não correspondem à realidade.
O Apelante 2 JÚLIO MARIA FIGUEIREDO, em seu arrazoado, igualmente, argüiu cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado sem oitiva de testemunhas.
Alegou que não existem provas de que tenha praticado ato ilegal, na medida em que apenas cumpria ordens hierárquicas, as quais informavam os valores para realizar os empenhos e que as sanções impostas não atendem ao princípio da proporcionalidade.
Devidamente intimado, o Apelado apresentou contra-razões aos recursos interpostos, refutando todos os termos declinados pelos Apelantes.
A seguir, vieram estes autos ao Tribunal.
Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu r. parecer de fls. 1439/1454, opinou pelo conhecimento e não provimento das Apelações interpostas.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
Inicialmente, cumpre registrar que presentes estão os pressupostos recursais intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, pelo que nada obsta o conhecimento dos recursos.
I- Da apelação interposta por Valter Gonçalves Bessani e Outros.
Da análise detida dos autos, percebe-se que a Apelação que se está a julgar foi interposta visando, em preliminar, à nulidade da sentença, ao argumento de cerceamento de defesa, em face do julgamento antecipado da lide.
Entretanto, razão não assiste aos Apelantes.
Quanto à prova de perícia contábil, completamente infundada toda a extensa argumentação das razões recursais, pois, conforme se desprende dos autos, a prova técnica foi deferida e somente não se viabilizou por inércia dos Apelantes.
Após o deferimento para a produção de prova pericial contábil, nomeação do Perito, intimação para indicação dos assistentes técnicos pelas partes, formulação de quesitos e apresentação de proposta, os Apelantes foram intimados a proceder o depósito dos honorários periciais. No entanto, deixaram de se manifestar, tornando preclusa a possibilidade da prova.
Com maestria assevera Frederico Marques que a preclusão temporal é a perda de uma faculdade processual oriunda de seu não-exercício no prazo ou termo fixado pela lei processual (in Instituições de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1958, pág. 380, vol. II).
Conforme Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ocorre a preclusão quando a perda da faculdade de praticar ato processual se dá em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tivesse praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição, pág. 533, anotação 2 ao artigo 183).
Portanto, inadmissível os Apelantes pretenderem imputar nulidade à sentença quando a prova não se realizou, única e exclusivamente, por culpa deles.
O indeferimento de prova testemunhal igualmente não gera cerceamento de defesa.
Isso porque o art. 330, inciso I do Código de Processo Civil possibilita ao Juiz decidir antecipadamente a lide, se entender que a questão de mérito do processo é unicamente de direito ou, sendo também de fato, não exista a necessidade de produzir prova.
E sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe a ele decidir sobre a necessidade ou não de sua realização.
No presente caso, entendeu o D. Magistrado que a produção de prova oral não contribuiria para a solução do conflito, revelando-se inútil à formação de seu convencimento, uma vez que a lide envolve registros contábeis.
Trata-se, portanto, de prova desnecessária e, nessa qualidade, não causa qualquer prejuízo à parte a ausência de instrução probatória.
Em conclusão, a produção de provas em direito é uma garantia do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, cabendo ao Judiciário, porém, evitar que, sob tal pretexto, o processo se transforme em infindáveis diligências inúteis, máxime quando nele já se encontram todos os elementos necessários ao seguro entendimento da controvérsia, como ocorreu no caso.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Tendo o magistrado elementos suficientes para o esclarecimento da questão, fica o mesmo autorizado a dispensar a produção de quaisquer outras provas, ainda que já tenha saneado o processo, podendo julgar antecipadamente a lide, sem que isso configure cerceamento de defesa”. (STJ-6ª Turma, Resp 57.861-GO, rel. Min. Anselmo Santiago, j. 17.2.98, não conheceram, v.u., DJU 23.3.98, p. 178).
Portanto, presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do Juiz, e não mera faculdade, assim proceder, não havendo de se falar em cerceamento de defesa.
No que se refere à ausência de enfrentamento de todas as teses levantadas na contestação, a jurisprudência está consolidada no sentido da desnecessidade de menção expressa dos dispositivos legais e argumentos invocados, bastando que a decisão aprecie as questões judiciais necessárias ao deslinde do feito, conforme aconteceu no caso em apreço.
Cumpre registrar que, havendo na decisão fundamentação lógica encadeada, capaz de demonstrar o raciocínio que levou à procedência ou não da ação, é despicienda a referência de todos os dispositivos legais citados pelas partes, bem como o esmiuçar de todas as teses de defesa deduzidas no processo.
O Magistrado não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundamentar a decisão, nem se obriga a ater-se às razões indicadas por elas e tampouco a responder, um a um, todos os seus argumentos.
Assim sendo, não se vislumbra o alegado cerceamento de defesa, porquanto é desnecessária a menção expressa à tese invocada, mormente quando a sentença encontra-se suficientemente fundamentada, indicando as razões do convencimento em determinado sentido, em razão do princípio do livre convencimento motivado, também denominado princípio da persuasão racional.
No mérito, alegaram os Apelantes que não houve reconhecimento de procedência dos fatos expostos na inicial, tampouco confissão; que os valores apontados pelo Ministério Público não correspondem à realidade, em virtude de equívocos consubstanciados em registros em rubrica orçamentária diversa ou em razão de pagamentos parciais realizados e não contabilizados pelo Tribunal de Contas do Estado; e que o Ministério Público não fez prova suficiente para imputar-lhes ato de improbidade.
Todavia, diversamente do que sustentam os Apelantes, os apontamentos e considerações, formuladas pelo Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Paraná nº 09/01, realizado por Técnicos de Controle Contábil designados pelo Presidente Conselheiro Rafael Iatauro, através da Portaria nº 155/2001, e supervisionado pelo Procurador Laerzio Chiesorin Junior (fls. 55 e ss), acerca dos fatos a eles imputados, possuem eficácia probatória a demonstrar a ocorrência dos respectivos danos ao erário.
Ora, as referidas considerações e conclusões decorrem de inspeção ordinária realizada por servidores públicos do Tribunal de Contas, a qual, consubstanciando ato administrativo, goza dos atributos de presunção de legalidade, legitimidade e auto-executoriedade, o que reforça ainda mais a força probante daquelas informações.
Nessa perspectiva, não há como se afastar o ônus dos Apelantes de produzir a prova contrária aos fatos que lhe são imputados, oportunidade, destaca-se, que lhes foi dada através do deferimento da perícia contábil, com indicação de assistente técnico e formulação de quesitos, entretanto, não realizada por ausência de antecipação dos honorários do Perito nomeado.
Com efeito, cabia ao Ministério Público comprovar o fato constitutivo do direito defendido, nos termos do art. 333, I do Código de Processo Civil, ônus do qual se desincumbiu ao trazer o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas.
Cumpria aos Apelantes, por seu turno, fazer prova do fato extintivo do direito perquirido pela ação civil pública (art. 333, II do CPC). Desta prova, contudo, não se desincumbiram. Ao contrário, deixaram de produzir a única prova capaz de contraditar tecnicamente a auditoria contábil.
Por conseguinte, o Relatório do Tribunal de Contas do Estado, como exposto acima, ainda mais em situação em que os réus não se desincumbiram do ônus que lhes competia, é prova suficiente da improbidade administrativa imposta pela sentença apelada.
II- Da apelação interposta Por Júlio Maria Figueiredo.
Resta, unicamente, a análise das alegações do Apelante de ausência de ilicitude decorrente de sua subordinação profissional e de ofensa ao principio da proporcionalidade pelas sanções impostas, na medida em que os demais pontos levantados nas razões recursais já foram apreciados acima.
Pretende o Apelante seja reformada a decisão de primeiro grau para responsabilizar exclusivamente o Prefeito Municipal a quem estava subordinado e, portanto, agia em obediência às suas ordens.
Como bem apontado pela D. Procuradoria de Justiça, nos termos da Lei 4.320/64, o pagamento de despesas empenhadas somente pode ser efetivado após procedimento regular de liquidação, este, consistente na verificação da prestação de serviços a justificar as despesas.
Dá-se que compete à contabilidade do Município, que no caso era efetuada pelo técnico em contabilidade, ora Apelante, efetuar a liquidação das despesas públicas antes da efetuação dos pagamentos.
Assim, na época dos fatos apurados pela Auditoria do Tribunal de Contas, o Apelante exercia função pública na administração do Município, preenchendo o requisito formal do conceito amplo de sujeito ativo dos atos de improbidade administrativa previsto no artigo 2º, da Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, tratava-se de “agente público”.
Aos agentes públicos, o artigo 4º da LIA impõe: “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.”
Esta disposição legal estabelece que os princípios constitucionais básicos da Administração Pública de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos públicos, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, são de responsabilidade de todos os agentes públicos, independentemente do nível de hierarquia.
Não se olvida, pois, que a Administração Pública é organizada com a formação de escalonamentos funcionais, informados pelo princípio da hierarquia, devendo o superior hierárquico exercer função fiscalizadora da atividade exercida por seu subordinado, porém, a este incumbe o dever funcional de denunciar irregularidades que verificar no âmbito da Administração, sob pena de incorrer em ilícito penal/funcional.
Desta forma, sendo conivente com atos de improbidade praticados pelo superior hierárquico deve ser condenado, na medida de sua participação e responsabilização pelos fatos.
Por fim, com efeito, as penas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, devem ser aplicadas de acordo com o princípio da proporcionalidade.
Vale dizer que, o Juiz ao aplicar as sanções deve principalmente analisar, à luz do caso concreto, o grau de culpabilidade do agente.
O doutrinador Marcelo Figueiredo defende que a aplicação isolada ou cumulativa das sanções dependerá da situação fático-jurídica do caso concreto:
“Posicionamo-nos no sentido da ‘liberdade’ do juiz para aplicar as penalidades tal como o caso concreto requer. É dizer, isolada ou cumulativamente, tudo a depender da gravidade do fato, da conduta do agente, de seu passado funcional, da análise do dano e sua extensão etc. As penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. Assim, em determinado caso, apenas a reversão dos bens e multa civil poderão responder à vontade da lei. Em outra hipótese grave, de comprovado dano doloso do funcionário ao Estado, as penas devem ser cumuladas (algumas ou todas). Deve haver proporcionalidade, adequação e racionalidade na interpretação do diploma, a fim de que não haja injustiças flagrantes.” (Probidade Administrativa - Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar, Malheiros Editores: 1995, p. 77).
Neste sentido, o Ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 513576, esclarece:
“Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração, individualizando-as, se for o caso, sob os princípios de direito penal. O que não se compatibiliza com o direito é simplesmente dispensar a aplicação da pena em caso de reconhecida ocorrência da infração.”
Portanto, carece de balizadoras objetivas, legais ou matemáticas a quantificação das sanções à improbidade, ficando ao prudente arbítrio do Juízo a fixação do montante reparatório.
Não obstante o fato de não haver parâmetros legais definidos para sua fixação, deve sempre levar em consideração certos critérios que asseguram a busca da Justiça no caso concreto.
Nos casos de improbidade administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos REsp’s. n.ºs 505.068/PR e 300.184/SP, relatados, respectivamente, pelos Ministros Luiz Fux e Franciulli Netto, estabeleceu alguns parâmetros norteadores para a aplicação do princípio da proporcionalidade: a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente ímprobo; o elemento volitivo da conduta, ou seja, se o ilícito foi praticado com dolo ou culpa; a consecução do interesse público; a finalidade da norma sancionadora e o histórico funcional do agente.
Levando em consideração essas premissas, percebe-se que o valor arbitrado pelo Juiz monocrático cumpriu, efetivamente, com a função da condenação: ressarcimento ao erário público e também exemplo ao Apelante, de modo a desestimular uma nova atuação nesse sentido.
Pelo exposto, é de se conhecer dos recursos interpostos e negar-lhes provimento, ao efeito de prevalecer a sentença de primeiro grau, em seu inteiro teor.
DECISÃO
Acordam os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento à Apelação interposta por VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS e em negar provimento à Apelação interposta JULIO MARIA FIGUEIREDO.
Participaram do julgamento os Desembargadores Regina Afonso Portes e Abraham Lincoln Calixto.
Curitiba, 13 de abril de 2009.
Des. Salvatore Antonio Astuti
Relator
APELANTES 1: VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS.
APELANTE 2: JULIO MARIA FIGUEIREDO.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
RELATOR: DESEMBARGADOR SALVATORE ANTONIO ASTUTI.
APELAÇÕES CÍVEIS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. PERÍCIA NÃO REALIZADA POR INÉRCIA DA PARTE. PRECLUSÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO. POSSIBILIDADE. CABE AO JUIZ A ANÁLISE DA UTILIDADE DA PROVA. ENFRENTAMENTO DE TODOS OS ARGUMENTOS DA CONTESTAÇÃO. DESNECESSIDADE. DECISÃO BEM FUNDAMENTADA. AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA PROBATÓRIA. ATO ADMINISTRATIVO. PROVA NÃO DESCONSTITUÍDA. ALEGAÇÃO DE SUBORDINAÇÃO E CUMPRIMENTO DE ORDENS DO SUPERIOR HIERÁRQUICO AFASTADA. AGENTE PÚBLICO CONIVENTE E RESPONSÁVEL. QUANTUM. CRITÉRIOS QUE ASSEGURAM A BUSCA DA JUSTIÇA NO CASO CONCRETO. PROPORCIONALIDADE.
APELAÇÃO 1 CONHECIDA E NÃO PROVIDA.
APELAÇÃO 2 CONHECIDA E NÃO PROVIDA.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 466165-6, da 6ª Vara Cível da Comarca de Maringá, em que são Apelantes 1 VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS, Apelante 2 JULIO MARIA FIGUEIREDO e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ.
RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelações interpostos contra a sentença de fls. 1296/1314, proferida nos autos de Ação Civil Pública n.º 266/2001, a qual julgou procedente o pedido formulado e condenou os Requeridos “como incursos nas sanções do art. 12, III, da Lei 8.429/92 e art. 37 da CF/88, na restituição aos cofres públicos do Município de Dr. Camargo-PR” e ao pagamento de multa civil.
Em suas razões recursais (fls. 1318/1353) os Apelantes 1 VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS pleitearam nulidade da sentença, em preliminar, sob o argumento de cerceamento de defesa ante ao julgamento antecipado da lide e ausência de apreciação de “todos os termos levantados na contestação”.
No mérito, afirmaram que o Ministério Público não fez prova suficiente para imputar ato de improbidade aos Apelantes, bem como deixou de demonstrar o dolo de suas condutas.
Sustentaram que não houve reconhecimento de procedência dos fatos expostos na inicial, tampouco confissão e que os valores apontados pelo Ministério Público não correspondem à realidade.
O Apelante 2 JÚLIO MARIA FIGUEIREDO, em seu arrazoado, igualmente, argüiu cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado sem oitiva de testemunhas.
Alegou que não existem provas de que tenha praticado ato ilegal, na medida em que apenas cumpria ordens hierárquicas, as quais informavam os valores para realizar os empenhos e que as sanções impostas não atendem ao princípio da proporcionalidade.
Devidamente intimado, o Apelado apresentou contra-razões aos recursos interpostos, refutando todos os termos declinados pelos Apelantes.
A seguir, vieram estes autos ao Tribunal.
Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu r. parecer de fls. 1439/1454, opinou pelo conhecimento e não provimento das Apelações interpostas.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
Inicialmente, cumpre registrar que presentes estão os pressupostos recursais intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, pelo que nada obsta o conhecimento dos recursos.
I- Da apelação interposta por Valter Gonçalves Bessani e Outros.
Da análise detida dos autos, percebe-se que a Apelação que se está a julgar foi interposta visando, em preliminar, à nulidade da sentença, ao argumento de cerceamento de defesa, em face do julgamento antecipado da lide.
Entretanto, razão não assiste aos Apelantes.
Quanto à prova de perícia contábil, completamente infundada toda a extensa argumentação das razões recursais, pois, conforme se desprende dos autos, a prova técnica foi deferida e somente não se viabilizou por inércia dos Apelantes.
Após o deferimento para a produção de prova pericial contábil, nomeação do Perito, intimação para indicação dos assistentes técnicos pelas partes, formulação de quesitos e apresentação de proposta, os Apelantes foram intimados a proceder o depósito dos honorários periciais. No entanto, deixaram de se manifestar, tornando preclusa a possibilidade da prova.
Com maestria assevera Frederico Marques que a preclusão temporal é a perda de uma faculdade processual oriunda de seu não-exercício no prazo ou termo fixado pela lei processual (in Instituições de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1958, pág. 380, vol. II).
Conforme Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, ocorre a preclusão quando a perda da faculdade de praticar ato processual se dá em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tivesse praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição, pág. 533, anotação 2 ao artigo 183).
Portanto, inadmissível os Apelantes pretenderem imputar nulidade à sentença quando a prova não se realizou, única e exclusivamente, por culpa deles.
O indeferimento de prova testemunhal igualmente não gera cerceamento de defesa.
Isso porque o art. 330, inciso I do Código de Processo Civil possibilita ao Juiz decidir antecipadamente a lide, se entender que a questão de mérito do processo é unicamente de direito ou, sendo também de fato, não exista a necessidade de produzir prova.
E sendo o Juiz o destinatário das provas, cabe a ele decidir sobre a necessidade ou não de sua realização.
No presente caso, entendeu o D. Magistrado que a produção de prova oral não contribuiria para a solução do conflito, revelando-se inútil à formação de seu convencimento, uma vez que a lide envolve registros contábeis.
Trata-se, portanto, de prova desnecessária e, nessa qualidade, não causa qualquer prejuízo à parte a ausência de instrução probatória.
Em conclusão, a produção de provas em direito é uma garantia do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, cabendo ao Judiciário, porém, evitar que, sob tal pretexto, o processo se transforme em infindáveis diligências inúteis, máxime quando nele já se encontram todos os elementos necessários ao seguro entendimento da controvérsia, como ocorreu no caso.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Tendo o magistrado elementos suficientes para o esclarecimento da questão, fica o mesmo autorizado a dispensar a produção de quaisquer outras provas, ainda que já tenha saneado o processo, podendo julgar antecipadamente a lide, sem que isso configure cerceamento de defesa”. (STJ-6ª Turma, Resp 57.861-GO, rel. Min. Anselmo Santiago, j. 17.2.98, não conheceram, v.u., DJU 23.3.98, p. 178).
Portanto, presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do Juiz, e não mera faculdade, assim proceder, não havendo de se falar em cerceamento de defesa.
No que se refere à ausência de enfrentamento de todas as teses levantadas na contestação, a jurisprudência está consolidada no sentido da desnecessidade de menção expressa dos dispositivos legais e argumentos invocados, bastando que a decisão aprecie as questões judiciais necessárias ao deslinde do feito, conforme aconteceu no caso em apreço.
Cumpre registrar que, havendo na decisão fundamentação lógica encadeada, capaz de demonstrar o raciocínio que levou à procedência ou não da ação, é despicienda a referência de todos os dispositivos legais citados pelas partes, bem como o esmiuçar de todas as teses de defesa deduzidas no processo.
O Magistrado não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundamentar a decisão, nem se obriga a ater-se às razões indicadas por elas e tampouco a responder, um a um, todos os seus argumentos.
Assim sendo, não se vislumbra o alegado cerceamento de defesa, porquanto é desnecessária a menção expressa à tese invocada, mormente quando a sentença encontra-se suficientemente fundamentada, indicando as razões do convencimento em determinado sentido, em razão do princípio do livre convencimento motivado, também denominado princípio da persuasão racional.
No mérito, alegaram os Apelantes que não houve reconhecimento de procedência dos fatos expostos na inicial, tampouco confissão; que os valores apontados pelo Ministério Público não correspondem à realidade, em virtude de equívocos consubstanciados em registros em rubrica orçamentária diversa ou em razão de pagamentos parciais realizados e não contabilizados pelo Tribunal de Contas do Estado; e que o Ministério Público não fez prova suficiente para imputar-lhes ato de improbidade.
Todavia, diversamente do que sustentam os Apelantes, os apontamentos e considerações, formuladas pelo Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Paraná nº 09/01, realizado por Técnicos de Controle Contábil designados pelo Presidente Conselheiro Rafael Iatauro, através da Portaria nº 155/2001, e supervisionado pelo Procurador Laerzio Chiesorin Junior (fls. 55 e ss), acerca dos fatos a eles imputados, possuem eficácia probatória a demonstrar a ocorrência dos respectivos danos ao erário.
Ora, as referidas considerações e conclusões decorrem de inspeção ordinária realizada por servidores públicos do Tribunal de Contas, a qual, consubstanciando ato administrativo, goza dos atributos de presunção de legalidade, legitimidade e auto-executoriedade, o que reforça ainda mais a força probante daquelas informações.
Nessa perspectiva, não há como se afastar o ônus dos Apelantes de produzir a prova contrária aos fatos que lhe são imputados, oportunidade, destaca-se, que lhes foi dada através do deferimento da perícia contábil, com indicação de assistente técnico e formulação de quesitos, entretanto, não realizada por ausência de antecipação dos honorários do Perito nomeado.
Com efeito, cabia ao Ministério Público comprovar o fato constitutivo do direito defendido, nos termos do art. 333, I do Código de Processo Civil, ônus do qual se desincumbiu ao trazer o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas.
Cumpria aos Apelantes, por seu turno, fazer prova do fato extintivo do direito perquirido pela ação civil pública (art. 333, II do CPC). Desta prova, contudo, não se desincumbiram. Ao contrário, deixaram de produzir a única prova capaz de contraditar tecnicamente a auditoria contábil.
Por conseguinte, o Relatório do Tribunal de Contas do Estado, como exposto acima, ainda mais em situação em que os réus não se desincumbiram do ônus que lhes competia, é prova suficiente da improbidade administrativa imposta pela sentença apelada.
II- Da apelação interposta Por Júlio Maria Figueiredo.
Resta, unicamente, a análise das alegações do Apelante de ausência de ilicitude decorrente de sua subordinação profissional e de ofensa ao principio da proporcionalidade pelas sanções impostas, na medida em que os demais pontos levantados nas razões recursais já foram apreciados acima.
Pretende o Apelante seja reformada a decisão de primeiro grau para responsabilizar exclusivamente o Prefeito Municipal a quem estava subordinado e, portanto, agia em obediência às suas ordens.
Como bem apontado pela D. Procuradoria de Justiça, nos termos da Lei 4.320/64, o pagamento de despesas empenhadas somente pode ser efetivado após procedimento regular de liquidação, este, consistente na verificação da prestação de serviços a justificar as despesas.
Dá-se que compete à contabilidade do Município, que no caso era efetuada pelo técnico em contabilidade, ora Apelante, efetuar a liquidação das despesas públicas antes da efetuação dos pagamentos.
Assim, na época dos fatos apurados pela Auditoria do Tribunal de Contas, o Apelante exercia função pública na administração do Município, preenchendo o requisito formal do conceito amplo de sujeito ativo dos atos de improbidade administrativa previsto no artigo 2º, da Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, tratava-se de “agente público”.
Aos agentes públicos, o artigo 4º da LIA impõe: “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhes são afetos.”
Esta disposição legal estabelece que os princípios constitucionais básicos da Administração Pública de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos públicos, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, são de responsabilidade de todos os agentes públicos, independentemente do nível de hierarquia.
Não se olvida, pois, que a Administração Pública é organizada com a formação de escalonamentos funcionais, informados pelo princípio da hierarquia, devendo o superior hierárquico exercer função fiscalizadora da atividade exercida por seu subordinado, porém, a este incumbe o dever funcional de denunciar irregularidades que verificar no âmbito da Administração, sob pena de incorrer em ilícito penal/funcional.
Desta forma, sendo conivente com atos de improbidade praticados pelo superior hierárquico deve ser condenado, na medida de sua participação e responsabilização pelos fatos.
Por fim, com efeito, as penas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, devem ser aplicadas de acordo com o princípio da proporcionalidade.
Vale dizer que, o Juiz ao aplicar as sanções deve principalmente analisar, à luz do caso concreto, o grau de culpabilidade do agente.
O doutrinador Marcelo Figueiredo defende que a aplicação isolada ou cumulativa das sanções dependerá da situação fático-jurídica do caso concreto:
“Posicionamo-nos no sentido da ‘liberdade’ do juiz para aplicar as penalidades tal como o caso concreto requer. É dizer, isolada ou cumulativamente, tudo a depender da gravidade do fato, da conduta do agente, de seu passado funcional, da análise do dano e sua extensão etc. As penas podem e devem ser aplicadas isoladamente quando atenderem à sua finalidade. Assim, em determinado caso, apenas a reversão dos bens e multa civil poderão responder à vontade da lei. Em outra hipótese grave, de comprovado dano doloso do funcionário ao Estado, as penas devem ser cumuladas (algumas ou todas). Deve haver proporcionalidade, adequação e racionalidade na interpretação do diploma, a fim de que não haja injustiças flagrantes.” (Probidade Administrativa - Comentários à Lei 8.429/92 e Legislação Complementar, Malheiros Editores: 1995, p. 77).
Neste sentido, o Ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 513576, esclarece:
“Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração, individualizando-as, se for o caso, sob os princípios de direito penal. O que não se compatibiliza com o direito é simplesmente dispensar a aplicação da pena em caso de reconhecida ocorrência da infração.”
Portanto, carece de balizadoras objetivas, legais ou matemáticas a quantificação das sanções à improbidade, ficando ao prudente arbítrio do Juízo a fixação do montante reparatório.
Não obstante o fato de não haver parâmetros legais definidos para sua fixação, deve sempre levar em consideração certos critérios que asseguram a busca da Justiça no caso concreto.
Nos casos de improbidade administrativa, o Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos REsp’s. n.ºs 505.068/PR e 300.184/SP, relatados, respectivamente, pelos Ministros Luiz Fux e Franciulli Netto, estabeleceu alguns parâmetros norteadores para a aplicação do princípio da proporcionalidade: a lesividade e a reprovabilidade da conduta do agente ímprobo; o elemento volitivo da conduta, ou seja, se o ilícito foi praticado com dolo ou culpa; a consecução do interesse público; a finalidade da norma sancionadora e o histórico funcional do agente.
Levando em consideração essas premissas, percebe-se que o valor arbitrado pelo Juiz monocrático cumpriu, efetivamente, com a função da condenação: ressarcimento ao erário público e também exemplo ao Apelante, de modo a desestimular uma nova atuação nesse sentido.
Pelo exposto, é de se conhecer dos recursos interpostos e negar-lhes provimento, ao efeito de prevalecer a sentença de primeiro grau, em seu inteiro teor.
DECISÃO
Acordam os integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento à Apelação interposta por VALTER GONÇALVES BESSANI E OUTROS e em negar provimento à Apelação interposta JULIO MARIA FIGUEIREDO.
Participaram do julgamento os Desembargadores Regina Afonso Portes e Abraham Lincoln Calixto.
Curitiba, 13 de abril de 2009.
Des. Salvatore Antonio Astuti
Relator
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