3.5.09

Apelação criminal - Pedro Brambilla

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 437172-6, DE ASTORGA
VARA ÚNICA

Apelantes: 1. PEDRO BRAMBILLA
2. RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR
Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
Relator: Juiz Convocado CARLOS AUGUSTO ALTHEIA DE MELLO
Revisor: Juiz Convocado JOSÉ LAURINDO
DE SOUZA NETTO



APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE LICITAÇÃO (LEI 8.666/93, ART. 90) E DE RESPONSABILIDADE (DEC. LEI 201/67, ART. 1º, I). EX-PREFEITO MUNICIPAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 10.628/2002 DECLARADA PELO STF. LICITAÇÃO NA MODALIDADE CARTA CONVITE. FRUSTRAÇÃO DO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME LICITATÓRIO. EMPRESAS PARTICIPANTES COM SÓCIOS COMUNS OU DA FAMÍLIA. SEGUNDA LICITAÇÃO COM OS MESMOS PARTICIPANTES. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO § 6º DO ART. 22 DA LEI DE LICITAÇÕES. PAGAMENTOS ANTECIPADOS. IRREGULARIDADES NO PROCEDIMENTO. DELITOS CONFIGURADOS. CRIME DE LICITAÇÃO (ART. 90) QUE SERVIU COMO MEIO PARA SE CONCRETIZAR A APROPRIAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS (ART. 1, I, DL 201/67). APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. EXCLUSÃO DA PENA APLICADA PELO CRIME DE LICITAÇÃO. PENA FIXADA PRÓXIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. NULIDADE INEXISTENTE. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE RESPONSABILIDADE E PENAS MANTIDAS. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
“O delito de fraude à licitação (crime-meio) integrou o ‘iter criminis’ desenvolvido pelos agentes, constituindo assim meio necessário para a realização do delito de utilização indevida de verba pública (crime-fim). Apelo ministerial improvido e apelo da defesa parcialmente provido para reduzir as penas. Unânime.” (TJRS - Apelação Crime Nº 70018185223, Quarta Câmara Criminal, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 22/03/2007).



I - RELATÓRIO

Vistos, relatados e discutidos, estes autos de Apelação Criminal sob nº 471172-6, da Comarca de Astorga, em que são apelantes PEDRO BRAMBILLA e RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
Os apelantes foram denunciados perante este Tribunal, em virtude da condição de ex-Prefeito Municipal do apelante Pedro Brambilla, como incursos nas sanções do artigo 90 da Lei nº 8.666/93 (duas vezes) e art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67, c.c. os artigos 29 e 69, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

“Conforme consta do incluso Pedido de Providências, o 1º denunciado PEDRO BRAMBILLA exerceu a chefia do Poder Executivo do Município de SANTA FÉ-PR, no período de 1992/1996.
Nesta qualidade, em meados do ano de 1996, firmou Convênios com a Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento-SEAB, para receber verbas do Programa Paraná Rural-BIRD, objetivando a readequação de Estradas Rurais no Município.
Por esse motivo, em data de 09/09/96, instaurou o procedimento licitatório, Convite nº 046/96, (trechos da estrada Santa-Fé/Lobato-Silvio Paniz; estrada do Pavan; estrada Zancan; estrada Fazenda Itambaracá/Astorga) proponentes as firmas CONATUS Construções Civis Ltda.; MARCON-Maringá Construções Civis Ltda., e Construções e Empreendimentos PKZ Ltda.; em data de 16/09/96, a Comissão de Licitação, composta pelos denunciados SILVIA DARRONQUI, DALVA MACHADO, e SANDRO APARECIDO VIDAL, concluiu que a firma CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS PKZ LTDA., - pertencente ao denunciado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR - apresentara a proposta mais vantajosa (menor preço: R$ 75.141,00), e nessa mesma data (16/09/96) o primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, adjudicou-lhe o objeto do certame, homologando esse resultado em data de 18/09/96 (fls. 68/87); o Contrato foi assinado em data de 21/10/96 (fls. 37/41).
Apenas iniciadas as obras (ver fls. 98), em data de 06/11/96, o primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, autorizou pagamento de R$ 75.037,50 (setenta e cindo mil, trinta e sete reais e cinqüenta centavos) em favor da nominada firma CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS PKZ LTDA. (fls. 14/23).
Em data de 30/10/96, o primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, instaurou o procedimento licitatório, Convite nº 054/96, (trechos estrada Alto Alegre/Lobato; estrada Água do Ó/Dr. João Trevisan) proponentes as firmas CONATUS Construções Civis Ltda.; MARCON-Maringá Construções Civis Ltda., e Construções e Empreendimentos PKZ Ltda.; em data de 06/11/96, a Comissão de Licitação, composta pelos denunciados SILVIA DARRONQUI, DALVA MACHADO, e SANDRO APARECIDO VIDAL, concluiu que a firma CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS PKZ LTDA., - pertencente ao denunciado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR - apresentara a proposta mais vantajosa (menor preço: R$ 84.100,00), e nessa mesma data (06/11/96) o primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, adjudicou-lhe o objeto do certame, homologando esse resultado em data de 08/11/96 (fls. 51/67); o Contrato foi assinado em data de 28/11/96 (fls. 94/97).
Antes de iniciadas as obras (ver fls. 48), em data de 18/12/96, o primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, autorizou pagamento de R$ 9.280,00 em favor da nominada firma CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS PKZ LTDA. (fls. 24/27). Para complementar o pagamento da Nota Fiscal nº 0069, de 18/12/97, no valor de R$ 84.100,00, a nova administração firmou Termo Aditivo prorrogando o prazo final de execução dos serviços para 30/05/97, e em data de 16/01/97 autorizou o pagamento de R$ 58.000,00; em data de 03/03/97, mais R$ 10.000,00 e em data de 30/04/97 mais R$ 6.820,00 (fls. 28 a 36 e 99).
Constatou-se em data de 07/04/97 que os serviços não foram realizados na forma e prazos devidos pela firma empreitada (fls. 46 a 48 e 50), por essa razão, em data de 28/08/97, a SEAB interpelou o Município a devolver a importância repassada (fls. 88/93, 108/111) e em data de 03/11/97, rescindiu unilateralmente os Convênios (fls. 100/107).
A nova gestão na Administração do Município, em data de 17/12/97, ajuizou Ação de Rescisão Contratual Cumulada Com Perdas e Danos, contra a firma Construções e Empreendimentos PKZ Ltda. (fls. 07/13).
Na verdade, conforme apurou-se, as licitações se constituíram em farsa. As firmas que participaram dos Convites, têm como sócio-proprietário, a pessoa do denunciado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR (fls. 117/122).
Deste modo, o primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, previamente ajustado ao quinto denunciado, RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, em combinação com os membros da Comissão de Licitação e ora denunciados SILVIA DARRONQUI, DALVA MACHADO, e SANDRO APARECIDO VIDAL, fraudaram o caráter competitivo dos certames, com intuito de obter para a firma CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS PKZ LTDA., vantagem decorrente da adjudicação do objeto das licitações.
E, ainda, antecipando pagamentos à referida firma, sem a devida contraprestação dos serviços, evidencia-se intenção do primeiro denunciado, PEDRO BRAMBILLA, em desviar rendas públicas, em proveito da firma do quinto denunciado, RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, o qual, combinado àquele, assim locupletou-se de verbas dos cofres públicos”.

Regularmente notificados (fls. 303, v. e 316), os denunciados, com exceção de Ramires, apresentaram defesa preliminar (fls. 318/320 e 365/406).
A denúncia foi recebida pelo Acórdão nº 11308, da 2ª Câmara Criminal (fls. 584/590), em 22 de abril de 1999.
Durante a instrução criminal, que havia sido delegada, inicialmente, ao Juízo da Comarca de Astorga e Maringá (fls. 600), com o cancelamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da Súmula nº 394, que garantia o foro por prerrogativa de função aos ex-prefeitos, foi declinada a competência para o Juízo da Comarca de Astorga (fls. 616).
Concluída a instrução do feito, sobreveio a sentença de fls. 976/994, que julgou improcedente a denúncia em relação aos acusados SILVIA DARRONQUI, DALVA MACHADO e SANDRO APARECIDO VIDAL, ao tempo em que julgou procedente, e condenou os réus ora apelantes, PEDRO BRAMBILLA e RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR nas penas dos artigos 90, da Lei nº 8.666/93 (duas vezes) e 1º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67 (duas vezes), fixando as seguintes penas:
- PEDRO BRAMBILLA: três anos e seis meses de detenção e multa de 3% do valor dos contratos licitados para o crime de licitação, e três anos e seis meses de reclusão em regime aberto para o crime de responsabilidade, mediante as seguintes condições: a) prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46 do Código Penal (8 horas semanais), apenas no primeiro ano da pena; b) prestação pecuniária consistente no pagamento de 03 (três) salários mínimos à entidade pública, cujo valor poderá ser recolhido em 06 (seis) prestações iguais (arts. 43, I e 45 §1º, ambos do CP); c) comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar suas atividades; d) não ingerir bebidas alcoólicas, evitando freqüentar bares, boates e congêneres; e) ausentar-se do seu domicílio por mais de 8 (oito) dias somente mediante autorização judicial.
- RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR: dois anos e onze meses de detenção e multa de 3% do valor dos contratos licitados para o crime de licitação, e dois anos e onze meses de reclusão para o crime de responsabilidade mediante as seguintes condições: a) prestação de serviços à comunidade, na forma do art. 46 do Código Penal (8 horas semanais), apenas no primeiro ano da pena; b) prestação pecuniária consistente no pagamento de 02 (dois) salários mínimos à entidade pública, cujo valor poderá ser recolhido em 06 (seis) prestações iguais (arts. 43, I e 45 §1º, ambos do CP); c) comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar suas atividades; d) não ingerir bebidas alcoólicas, evitando freqüentar bares, boates e congêneres; e) ausentar-se do seu domicílio por mais de 8 (oito) dias somente mediante autorização judicial;.
Não obstante a soma das penas de cada réu ultrapasse o limite de quatro anos, foi fixado o regime aberto para o cumprimento.
Impôs-se, ainda, aos acusados, os efeitos da condenação previstos no art. 1º, § 2º, do Dec. Lei 201/67.
Inconformados com a sentença, os réus apelaram.
PEDRO BRAMBILLA (fls. 1.014/1.087), suscita, em preliminar, a incompetência do Juízo de Astorga, porque a decisão que cassou o seu mandato (gestão 2005/2008) ainda não teria transitado em julgado, vez que objeto de recurso extraordinário interposto no Supremo Tribunal Federal. Desta forma, sustenta que ainda reúne as condições de prefeito municipal e a competência seria do Tribunal de Justiça.
Neste aspecto, menciona ainda a Lei nº 10.628/2002, que alterou o art. 84 do Código de Processo Penal.
No mérito, em longo arrazoado, alega, em síntese, que:
- os procedimentos licitatórios obedeceram a todos os requisitos legais;
- não existe prova do alegado conluio entre o apelante e o réu RAMIRES;
- a ação de rescisão contratual movida pelo Município de Santa-Fé contra a empresa PKZ teve por fundamento apenas a inexecução contratual, o que afasta a existência de ilegalidades;
- o fato de uma mesma pessoa figurar como sócio de duas das empresas participantes da licitação deu-se por obra do acaso, por inexperiência da comissão, e também não nulifica o processo licitatório o fato de o sócio da terceira empresa participante ser pai do sócio da vencedora;
- a prova testemunhal demonstra o cumprimento e execução das obras contratadas, não havendo prejuízo para o Município;
- não existe qualquer prova de que o acusado tenha agido com dolo;
- não houve frustração ou fraude do processo licitatório;
- não existe prova da apropriação de bens ou rendas públicas;
- os pagamentos foram feitos de acordo com a liberação dos recursos oriundos da SEAB, de acordo com o contrato.
No caso de manutenção da condenação, pede a aplicação do princípio da consunção, vez que o crime de licitação teria sido apenas o crime meio para se chegar ao crime fim, previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei 201/67, de modo que aquele deve ser absorvido por este.
Alega, ainda, a existência de erro e injustiça na aplicação da pena, tanto na privativa de liberdade, como na pena de multa, fixada de forma exacerbada, pelo que, devem ser reduzidas para o mínimo legal, concedendo-lhe o direito de cumprir a pena em regime aberto.
Por fim, relaciona inúmeros dispositivos legais e constitucionais, a título de “prequestionamento’.

RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, a seu turno, alega, em relação ao crime de licitação, que não existe qualquer prova de ajuste ou combinação com algum agente da administração municipal e todo o procedimento contou com o acompanhamento e fiscalização da SEAB que, inclusive, concordou com a dilação de prazo para a conclusão das obras.
Sustenta não ter existido qualquer apropriação ou desvio de verba pública, já que as obras foram concluídas, pelo menos parcialmente e, se houve prejuízo, este foi mínimo.
Pleiteia, assim, a absolvição ou, alternativamente, a redução da pena privativa de liberdade para o mínimo legal, sem qualquer causa de aumento.
Contra-arrazoados os recursos pelo Ministério Público (fls. 1.136/1.139), os autos subiram a esta Corte.
A douta Procuradoria Geral de Justiça, pelo parecer de fls. 1.146/1.158, opina pelo desprovimento de ambos os recursos.
É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO E VOTO

Cumpre, inicialmente, analisar a preliminar de incompetência do Juízo para o julgamento do feito, suscitada no recurso do réu Pedro Brambilla. Embora um pouco confusa, pode-se perceber que o apelante enfoca dois aspectos na mesma questão: o primeiro, baseado no art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.628/2002, que estendeu o foro especial para ex-agentes públicos; o segundo ponto diz respeito ao caso específico, vez que a decisão que cassou o mandato do apelante ainda não teria transitado em julgado, de modo que ainda preservaria o foro por prerrogativa de função.
Não lhe assiste razão.
Quanto ao primeiro aspecto, não existe mais qualquer discussão, vez que o Supremo Tribunal Federal, em data de 15.09.2005, julgou procedente a ADIN nº 2.797-2, decretando a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, e, consequentemente, as alterações por ela trazidas ao art. 84 do Código Penal.
Em razão de seus vícios, a Lei nº 10.628/02, que alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, ampliando a competência dos Tribunais para julgamento de crimes comuns ou de responsabilidade praticados por agentes públicos, por conseqüência da prerrogativa de função, já havia sido declarada inconstitucional pelo Órgão Especial desta Colenda Corte:

“PRERROGATIVA DE FORO - LEI 10.628/02 - EX-AGENTES INCONSTITUCIONALIDADE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE 1º GRAU. Se a Constituição Federal prescreve que ‘a competência dos tribunais estaduais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça’ (art. 125, § 1º), é manifesta a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02, que concedeu prerrogativa de foro a ex-agentes, ampliando o rol de competência dos tribunais, o que só poderia ser feito pelo poder constituinte derivado, e nunca pelo legislador ordinário.” (TJPR - Órgão Especial - Ac. 5636 - Rel. Des. Leonardo Lustosa. J.: 04.04.03).

No mesmo sentido é o entendimento adotado por esta Câmara:

“DENÚNCIA COM BASE NO DECRETO LEI Nº 201/67. PREFEITO COM MANDATO CASSADO. LEI Nº 10.628/02 DECLARADA INCONSTITUCIONAL POR MAIORIA ABSOLUTA DOS MEMBROS DO ÓRGÃO ESPECIAL. VINCULAÇÃO DOS ÓRGÃOS FRACIONÁRIOS. COMPETÊNCIA PARA JULGAR EX-PREFEITO. MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. Tendo em conta que o réu teve o seu mandato cassado, não mais exercendo o cargo de Prefeito Municipal, e que a Lei nº 10.628/02, que estabeleceu que a competência por prerrogativa de função prevalece ainda que o inquérito ou a ação penal tenham sido iniciados após a cessação do exercício da função pública, foi declarada inconstitucional por maioria absoluta dos membros do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, precedente este que vincula os órgãos fracionários do Tribunal, não é o competente o Tribunal de Justiça para julgar a presente ação penal, mas sim o Magistrado de primeiro grau”. (TJPR - 2ª C.Crim. - Rel. então Juiz Designado Luiz Mateus de Lima - Ac. 15220 - J.: 24.04.2003).

Portanto, não tem o menor sentido invocar a Lei nº 10.628/2002 como suporte para a manutenção do foro privilegiado diante de prerrogativa de função, em relação a ex-agentes públicos. A competência, no caso, é, pacificamente, do Juízo de primeiro grau.
De igual modo, também não serve como fundamento para a manutenção do foro por prerrogativa de função a alegação de que o acusado ainda manteria a condição de prefeito, posto que a decisão judicial que cassou o seu mandato ainda não teria transitado em julgado, por estar pendente de julgamento o recurso extraordinário interposto perante o Supremo Tribunal Federal.
Neste aspecto, deve-se ressaltar que já houve, inclusive, eleição extraordinária para substituição do prefeito, conforme se vê da certidão de fls. 968.
Depois, o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, segundo o disposto no art. 542, § 2º, do Código de Processo Civil.
Por fim, o recurso extraordinário interposto (sob nº 507574-PR) não foi conhecido pelo Relator, Ministro Celso de Mello, em decisão transitada em julgado em 01.08.2007, conforme se extrai do site do STF e demonstra a documentação juntada pelo Ministério Público (fls. 1.159/1.163).
Portanto, não há que se falar em incompetência do Juízo de primeiro grau.
Também no mérito os recursos não colhem êxito. Conforme bem demonstrado na sentença, a existência dos crimes e a efetiva participação dos recorrentes assenta-se em um conjunto de provas e indícios que afastam qualquer dúvida a respeito da responsabilidade penal dos réus condenados.
Para melhor análise dos argumentos apresentados pelos recorrentes vale transcrever os tópicos da sentença em que são abordados os temas objeto das razões recursais, traduzindo diversas irregularidades, cujos fundamentos são aqui incorporados:

“Em data de 06.09.1996 (fls. 69), foi realizado pedido de abertura de licitação, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Município de Santa Fé, no valor de R$ 75.200,00 (setenta e cinco mil e duzentos reais). Saliente-se que tal pedido veio desprovido de qualquer justificativa. O acusado PEDRO BRAMBILLA, na qualidade de Prefeito Municipal, em data de 09.09.1996 autorizou a abertura da licitação, que foi realizada na modalidade de carta-convite, e contou com a participação de apenas três empresas (Conatus Construções Civis Ltda., Marcon - Maringá Construções Civis e Construções e Empreendimentos PKZ Ltda.).
As propostas deveriam ser apresentadas até às 13:30 horas do dia 16.09.1996, e este é um dos fatos que demonstram que havia ajuste entre o acusado PEDRO BRAMBILLA e RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR. As três empresas que participaram do certame apresentaram suas propostas no mesmo dia (16.09.1996).
Outro fato que deve ser salientado é que as propostas apresentadas possuíam pouca diferença de preço entre si (fls. 73-74, 76-77 e 82-83), sendo vencedora a empresa Construções e Empreendimentos PKZ Ltda., com a proposta no valor de 75.141,00 (setenta e cinco mil, cento e quarenta e um reais). Do mesmo modo que a vencedora, as demais propostas possuíam valores muito próximos ao máximo da contratação.
Entretanto, o fato mais interessante para demonstrar que houve fraude no caráter competitivo na licitação, é que as empresas Conatus Construções Civis Ltda. e Construções e Empreendimentos PKZ Ltda. possuem como um dos sócios proprietários a pessoa do acusado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, ora acusado, enquanto a empresa Marcon - Maringá Construções Civis possui como um dos sócios proprietários a pessoa de Ramires Moacir Pozza, pai do acusado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR (fls. 123, 125 e 127).
Por óbvio, não haveria como a empresa Construções e Empreendimentos PKZ Ltda. perder a licitação para a realização da obra de adequação das estradas rurais. E não há que se falar que o acusado PEDRO BRAMBILLA não tinha conhecimento de que o acusado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR era um dos proprietários de duas empresas concorrentes uma vez que, como ensina a doutrina, as empresas para participarem de licitações na modalidade ‘Convite’ devem estar previamente cadastradas junto ao órgão público, no caso, a Prefeitura Municipal de Santa Fé.
Assim, a empresa Construções e Empreendimentos PKZ Ltda. teve adjudicado o objeto da licitação, e por fim, o acusado PEDRO BRAMBILLA homologou o procedimento licitatório nº 46/96 (fls. 90-92).
O mesmo raciocínio pode ser feito em relação à licitação iniciada em data de 29.10.1996 (fls. 57), denominado ‘Convite nº 54/96, onde foram apenas três as empresas convidadas a participar do certame, e que eram as mesmas que participaram do Convite nº 46/96, que tinha objeto semelhante a este, qual seja, a adequação de estradas rurais utilizando valores provenientes do Convênio SEAB/PROGRAMA PARANÁ RURAL - BIRD/MUNICÍPIO DE SANTA FÉ.
Eis aqui nova demonstração de fraude no caráter competitivo da licitação, vez que não foi dado cumprimento ao disposto no § 6º, do art. 22, da lei que rege as licitações públicas (Lei nº 8.666/93). Apesar das três empresas convidadas estarem sediadas na cidade de Maringá - PR, não houve por parte da Administração preocupação em convidar outras empresas daquele Município, ou de outros Municípios vizinhos.
E, novamente, com propostas quase que idênticas, sempre próximas ao valor máximo da execução, com o mesmo prazo de validade, condição de pagamento e prazo de entrega, sagrou-se vencedora da licitação a empresa Construções e Empreendimentos PKZ Ltda. onde figura como um dos sócios a pessoa de RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR.
Entretanto, após iniciadas as obras, a empresa vencedora não realizou a contento sua contraprestação, mesmo recebendo pelo serviço antecipadamente. Tal circunstância foi causa de várias interpelações da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado - SEAB, entidade responsável pelo repasse das verbas para o Município de Santa Fé, solicitando a devolução dos valores repassados, e que culminou com a rescisão unilateral do contrato firmado entre a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado - SEAB e o Município de Santa Fé (fls. 106, 108, 110, 112 e118), vez que o Município não realizou sua contraprestação.
São estes os fatos que demonstram que os acusados PEDRO BRAMBILLA e RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR praticaram o tipo penal previsto no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, por duas vezes, e no artigo 1º, I, do Decreto Lei nº 201/67, vez que o Prefeito à época dos fatos (PEDRO BRAMBILLA) desviou verbas públicas em proveito de terceiro, que seriam supostamente utilizadas na execução de obras em estrada rurais, que, saliente-se, nunca foram concluídas (vide ofício de fl. 809).
E não é demais observar que os dois procedimentos licitatórios analisados nestes autos foram iniciados e concluídos ao término do mandato de acusado PEDRO BRAMBILLA (gestão 1993/1996), e, aliás, com certa ‘pressa’, visto que o primeiro procedimento teve o pedido de abertura de licitação formulado e analisado pela Secretaria de Fazenda, que confirmou a existência de dotação orçamentária em 06.09.1996 e autorizado pelo Prefeito Municipal no dia 09.09.1996, respectivamente, uma sexta-feira e uma segunda-feira (fl. 69). Já o segundo procedimento foi ainda mais rápido, já que todo o trâmite descrito acima foi realizado em apenas um dia (29.10.1996) - fl. 52.” (fls. 981/983).

Depois de transcrever trecho do depoimento do acusado PEDRO BRAMBILLA, prossegue o ilustre sentenciante:

“Algumas observações devem ser feitas. Se a modalidade da licitação foi feita sob a forma de convite, não há que se falar em habilitação de empresas para participar do certame, uma vez que as mesmas são convidadas pelo órgão público, baseado em um cadastro prévio (art. 22, § 3º, da Lei nº 8.666/93). Por óbvio que não houve (e nem haveria), recurso das empresas que foram derrotadas na licitação, já que uma das empresas derrotadas tinha como um dos sócios o acusado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR e a outra o genitor do mesmo. E por fim, se a licitação foi realizada sob a modalidade convite, é certo que o mesmo seria realizado à empresas já determinadas, logo, baseado em um cadastro existente.
Outra questão interessante surgiu quando os acusados SILVIA DARRONQUI, DALVA MACHADO e SANDRO APARECIDO VIDAL foram ouvidos em Juízo, pois foi uníssona a afirmação de que a comissão não expediu nenhuma carta convite, apenas recebendo as propostas para análise (fls. 6413-645).
Tal fato leva a seguinte questão: como as empresas que apresentaram propostas sabiam da licitação se não foi expedida carta convite? Apenas com base no edital que foi afixado no saguão da Prefeitura (fls. 55 e 71)?
Mais um fator que demonstra a fraude nas licitações ocorridas é a falta de infra-estrutura da empresa vencedora, o que demonstra que o acusado PEDRO BRAMBILLA apenas realizou as licitações como o intuito de desviar verba pública para favorecer terceiro, no caso, RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR.
Ficou demonstrado nos autos, por prova documental e testemunhal que os atrasos na conclusão das obras e conseqüente interrupção ocorreu por falta de infra-estrutura da empresa vencedora. O parecer acostado à fl. 178, e as palavras da testemunha Laércio Thomazella (fls. 695-696) demonstram tal fato:
‘(...) que é funcionário da EMATER e há época dos fatos foi o responsável pela elaboração do projeto que deu ensejo ao convênio firmado com a SEAB e o Município quanto a readequação das estradas rurais de Santa Fé; (...) que em data de 07 de abril de 1997 foi feito novo relatório, sendo constatada a paralisação do referido trecho, provavelmente por falta de maquinário; que a partir daí a empresa PKZ deixou de dar continuidade as obras, em virtude de não dispor de material adequado e de qualidade para a execução dos serviços. (...).” (fls. 983/984).

Essa soma de elementos serve para afastar qualquer dúvida a respeito da ocorrência do crime de licitação e sobre a responsabilidade penal dos acusados, ora apelantes.
Contudo, os pontos mais importantes, e que constituem a prova definitiva da fraude na licitação, que prejudicou seu caráter competitivo, diz respeito às empresas concorrentes, seja em relação aos seus sócios, seja em relação à repetição das mesmas empresas nas duas licitações efetivadas.
Com efeito, apenas a questão dos sócios das três empresas concorrentes já seria mais que suficiente para se demonstrar que o caráter competitivo do certame foi completamente anulado, pois, na verdade, na prática, pode-se dizer que apenas uma empresa foi convidada e concorreu com ela mesma, ou seja, não houve competição.
O fato de o sócio responsável pela empresa vencedora da licitação, a Construções e Empreendimentos PKZ Ltda., o apelante RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR (fls. 123) ser também sócio da outra empresa participante, a CONATUS Construções Civis Ltda. (fls. 125), e filho do dono da terceira empresa, RAMIRES MOACIR POZZA, da MARCON - Maringá Construções Civis Ltda., afasta qualquer possibilidade de disputa.
Somente este aspecto, aliado aos demais indícios enumerados na sentença, já seria suficiente para demonstrar a existência do crime previsto no art. 90 da Lei nº 9.666/93.
E aqui, convém esclarecer, o fato de não existir norma legal proibindo que o sócio de uma empresa possa fazer parte de outra licitante, como sustenta o apelante (fls. 1.066), é irrelevante, pois é evidente que tal aspecto está contido na norma que procura preservar o caráter competitivo da licitação.
Pelas mesmas razões, não socorre o apelante PEDRO a invocação do disposto no § 1º do art. 32 da Lei nº 8.666/93 (fls. 1.069), que trata de dispensa de documentação, pois tal dispensa não pode afetar a competitividade do certame.
Há que se acrescentar, contudo, a outra grave irregularidade cometida, com a violação do disposto no § 6º do art. 22 da Lei de Licitações, ao se convidar para a segunda licitação as mesmas empresas que participaram da primeira, deixando, assim, de ampliar o universo dos participantes para garantir a competitividade do certame.
Sobre a matéria, ensina MARÇAL JUSTEN FILHO:

“O § 6º impõe a ampliação do universo de convidados, quando foram realizadas licitações sucessivas (de objeto idêntico ou assemelhado). O dispositivo não significa que, uma vez sendo convidado, o particular se tornaria titular de uma espécie de direito adquirido a ser escolhido para todas as licitações posteriores. A vontade legislativa é evitar a cristalização da identidade dos destinatários do convite. Por isso, a Administração, na licitação posterior pode dirigir o convite para os mesmos particulares que já tivessem sido convocados a participar da licitação anterior. Mas, quando isso ocorrer, deverá convidar, no mínimo, mais um outro particular. Nada impede, contudo, que a Administração substitua, na licitação posterior, os particulares. A substituição de um dos três destinatários do convite já atenderia ao disposto no § 6º, sem necessidade de se convidar, por exemplo quatro potenciais interessados.” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª ed., Dialética, 2002, pp. 204-205).

No caso, não houve nem mesmo essa preocupação, para dar ares de legalidade ao certame, talvez pela dificuldade de se conseguir, rapidamente, mais uma empresa disposta a participar do ajuste.
Inafastável, por outro lado, que isso tudo não poderia se realizar por obra do acaso. O conluio entre o prefeito PEDRO BRAMBILLA e o empresário RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR é evidente.
Também não serve de justificativa a alegação de inexperiência dos integrantes da comissão de licitação. O prefeito era muito experiente, já que estava terminando seu segundo mandato de chefe do executivo, e não é crível que pudesse desconhecer os fatos, especialmente porque para um município pequeno e de poucos recursos como é Santa Fé, pois a importância envolvida nas duas licitações era bastante expressiva para passar despercebida.
Daí se extrai que, ao contrário do que sustente o apelante PEDRO BRAMBILLA, nos procedimentos licitatórios não foram observados todos os requisitos legais.
Não há dúvida alguma que houve prejuízo para o Município, pois ao contrário do que afirma o apelante PEDRO, a prova testemunhal não confirma que as obras foram executadas. Ao inverso, de todos os depoimentos pode-se extrair elementos que demonstram a enorme dificuldade para se conseguir a execução apenas parcial das obras, que, na verdade, foram complementadas, em parte, diretamente pelo próprio Município, conforme expôs a testemunha Anésio Pavan (fls. 682/683).
Veja-se que o inadimplemento contratual por parte da empresa contratada, levou o Município a ingressar com ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos (fls. 07/13).
Neste passo, segundo informa o ofício de fls. 809, da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento - SEAB, as obras não foram concluídas, apesar das interpelações judiciais promovidas contra a Prefeitura Municipal de Santa Fé, fato este que levou à rescisão unilateral do convênio (fls. 101).
E o fato desta ação ter por base apenas a inexecução contratual, não afasta, ao contrário do que entende o apelante, a existência de ilegalidades. O inadimplemento foi conseqüência direta das ilegalidades cometidas.
O prejuízo causado aos cofres públicos, portanto, está cristalinamente comprovado.
Quanto aos pagamentos, afirma o apelante PEDRO BRAMBILLA, que foram feitos em conformidade ao edital. Todavia, como ele próprio admite, em relação ao Convite nº 046/1996, foram feitos três pagamentos, em seqüência, nos dias 11.11.1996 (R$ 52.526,25), 14.11.1996 (R$ 11.255,63), e 20.11.1996 (11.255,62), totalizando R$ 75.037,50 (fls. 1.051).
Já o contrato previa o pagamento de 70% na data da liberação dos recursos pela SEAB (fls. 43), e o restante de acordo com o cronograma físico-financeiro, sendo 15% no segundo mês e 15% no terceiro mês (fls. 46).
Como se vê, não se seguiu a estipulação do contrato. E o que é pior: o contrato foi assinado em 21 de outubro de 1996 (fls. 45) e o pagamento foi concluído em menos de um mês, logo no início das obras, e ao que consta, sem as garantias previstas no contrato.
Quanto ao dolo, também não há qualquer dúvida, uma vez que os apelantes agiram de forma livre e consciente no sentido de fraudar a licitação a fim de obterem a vantagem indevida.
Também é evidente que sem a participação efetiva do apelante RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR os fatos não teriam ocorrido da maneira como ocorreram. Aliás, o réu Ramires contribuiu no ajuste, principalmente no que diz respeito às empresas participantes, das quais ele ou seu pai eram sócios. E este fato foi preponderante para a consumação do crime, para que se desse a fraude ao caráter competitivo do procedimento licitatório.
Como já se viu, o procedimento licitatório não foi, da forma como sustenta o apelante RAMIRES, “o mais lícito possível”. Ao contrário, a fraude é evidente, e não foi aprovado pela fiscalização da SEAB, tanto que o convênio foi rescindido unilateralmente.
Em relação ao crime do art. 1º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67, também não persiste dúvida alguma de que os apelantes, com a fraude praticada na licitação pretendiam efetivamente desviar verbas públicas, no mínimo, em benefício do réu RAMIRES, que se locupletou ilicitamente com o procedimento licitatório.
Neste passo, o Ministério Público de primeiro grau trouxe alguns elementos relevantes para demonstrar a responsabilidade de ambos os réus na prática dos delitos imputados, como se vê do seguinte trecho das alegações finais:

“No tocante ao delito previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67, comprovada restou, portanto, a consumação de dano efetivo ao patrimônio público, mediante antecipação injustificada de receitas em desacordo com os termos do contrato administrativo e, além disso, sem que a obra contratada sequer estivesse pronta, o que comprova o dolo único e conjunto de ambos os denunciados.
Prova derradeira que está a reforçar o caráter da conduta criminosa praticada reside no fato de que, por exemplo, em relação às obras previstas no edital nº 46/96, consoante se pode consultar do contrato administrativo constante às fls. 42/45 - contrastando com a ilícita e integral antecipação do valor total contratado pelo Prefeito PEDRO BRAMBILLA ao contratado RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, num intervalo inferior a dez dias, tudo no mês de novembro de 1996 - dos 04 (quatro) projetos incluídos, nada mais nada menos do que 03 (três) delas - no caso ‘Fazenda Itambaracá’, ‘Estrada Pavan’ e ‘Estrada Água de Aliança/Zancan’, segundo relatório emitido pela Comissão Municipal de Conservação de Solos, acredite-se, decorridos quase seis meses da quitação irregular do contrato, sequer tinham sido iniciadas, o que se pode verificar do documento constante às fls. 170/171 dos autos. Nesse mesmo sentido, vale transcrever trecho do depoimento prestado pelo administrador municipal que sucedeu o denunciado PEDRO BRAMBILLA no cargo de Prefeito de Santa Fé, dando conta de que ‘a empresa PKZ nada fez do contratado’, além do que ‘dois foram os contratos entre o Município e a PKZ e neles constavam os pagamentos antecipados’, nos termos dos depoimentos prestados às fls. 682 dos autos. Afastando qualquer dúvida sobre isso, basta atentar para o ofício juntado à fl. 609 dos autos, emitido pela Secretaria do Estado da Agricultura e do Abastecimento, em 27 de abril de 2004, dando conta de que ‘as referidas obras (estradas Santa Fé/Lobato/Silvio Paniz; Zancan; Fazenda Itambaracá/Astorga; Alto Alegre/Lobato e Água do Ó/Dr. João Trevisan) não se encontram concluídas e tampouco houve solicitação do Município para vistoria final e emissão de laudo de conclusão’. Ora, se isso não é desvio e locupletação criminosa de verbas oriundas tal como descrito na denúncia, então, por vias transversas, estar-se-á negando vigência ao disposto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 e, via de conseqüência, estimulando ilícitos em desfavor de uma administração pública da qual se espera respeito aos princípios constitucionais e a probidade necessária à atenção dos interesses da coletividade!” (fls. 876/878).

Há que se reconhecer que todas as ilegalidades verificadas no procedimento licitatório destinaram-se a possibilitar o desvio de verbas públicas em favor dos réus.
E aqui já se pode tirar outra conclusão, que vai ao encontro do pedido formulado pelo apelante PEDRO BRAMBILLA, no sentido de se aplicar o princípio da consunção, já que o crime de licitação teria sido apenas o meio utilizado para se chegar ao fim visado, qual seja, a apropriação de verbas públicas, que configura o crime tipificado no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67.
A respeito do tema, ensina GUILHERME DE SOUZA NUCCI que “quando o fato previsto por uma lei está previsto em outra de maior amplitude, aplica-se somente esta última (lex consumens derogat legi consumptae). Em outras palavras, quando a infração prevista na primeira norma constituir simples fase de realização da segunda infração, prevista em dispositivo diverso, deve-se aplicar apenas a última. Trata-se da hipótese do crime-meio e do crime-fim. Conforme esclarece Nicás, ocorre a consunção quando determinado tipo penal absorve o desvalor de outro, excluindo-se este da sua função punitiva. A consunção provoca o esvaziamento de uma das normas, que desaparece subsumida pela outra (...)” (Código Penal Comentado, 6ª ed. RT, 2006, pp. 110-111).
No caso em exame, evidencia-se que o ajuste entabulado entre os réus ora apelantes para fraudar a licitação, tinha o único objetivo de desviar verbas públicas.
Desta forma, o crime previsto no art. 90 da Lei de Licitações configurou apenas o crime-meio, uma fase preparatória para se chegar ao crime-fim, qual seja, aquele previsto no art. 1º, inciso I, do Decreto-lei nº 201/67, consistente em apropriação de verbas públicas. O primeiro, portanto, resta absorvido pelo segundo, subsistindo somente este para fins de apenamento.
Em caso análogo, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“APELAÇÃO-CRIME. EX-PREFEITO. ART. 1°, INCISO II, DO DEC-LEI N° 201/67 E ART. 90, DA LEI N° 8.666/93. Utilização indevida de verba pública e fraude à licitação. Princípio da Consunção. Delito de fraude à licitação absorvido. O delito de fraude à licitação (crime-meio) integrou o ‘iter criminis’ desenvolvido pelos agentes, constituindo assim meio necessário para a realização do delito de utilização indevida de verba pública (crime-fim). Apelo ministerial improvido e apelo da defesa parcialmente provido para reduzir as penas. Unânime.” (TJRS - Apelação Crime Nº 70018185223, Quarta Câmara Criminal, Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 22/03/2007).

Deve, pois, ser excluído da condenação o crime do art. 90 da Lei nº 8.666/93, remanescendo apenas o previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, cuja pena foi individualizada de forma distinta, inclusive com a fixação do regime inicial para cada um dos crimes.
Resta, por fim, analisar o inconformismo dos apelantes com a quantidade de pena aplicada em relação ao crime de responsabilidade, ante a exclusão da pena do crime de licitação.
De início, não se verifica a nulidade apontada pelo recorrente PEDRO BRAMBILLA, eis que a individualização da pena foi devidamente fundamentada, de forma convincente.
Para o crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67, que aqui interessa, foi fixada a pena-base de três anos de reclusão, muito pouco acima do mínimo legal, se consideramos que a pena prevista é de dois a doze anos de reclusão.
E essa elevação mínima é plenamente justificada, além do alto grau de censurabilidade da conduta, especialmente em razão da conduta social negativa e as graves conseqüências (fls. 988).
Sobre as conseqüências, a despeito do que sustenta o apelante, as obras não foram concluídas, conforme já abordado na fundamentação, e houve, efetivamente, sério prejuízo ao Município.
Por outro lado, o fato de ter sido eleito por três vezes Prefeito de Santa Fé, ou de ser um homem público consagrado, não serve para atestar sua boa conduta ou minorar a reprimenda penal, não se podendo esquecer, que seu último mandato foi cassado por irregularidades eleitorais.
Deve-se lembrar, aqui, que, diferentemente do que alude o apelante (fls. 1.076), o Juiz recorrido não reconheceu que o apelante é portador das melhores qualidades pessoais, morais e familiares. Ao contrário, sua conduta social foi considerada desfavorável.
Como foram dois os crimes cometidos, decorrentes das duas licitações, que resultaram em dois delitos de apropriação de verbas públicas, foi aplicada a regra do crime continuado, aumentando-se a pena em um sexto, que resultou na pena definitiva de três anos e seis meses de reclusão.
Este aumento resultante da regra da continuidade delitiva (CP, art. 71), é, portanto, favorável ao apelante, já que em caso contrário, se fosse aplicado o concurso material, a pena de três anos seria duplicada.
Quando ao pedido de concessão do regime aberto, não obstante a quantidade de pena fixada na sentença, este foi o regime estabelecido, e que continua mantido, especialmente agora, que a pena total aplicada é inferior a quatro anos.
Quanto ao recorrente RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, também não merece qualquer reparo a pena aplicada pelo delito do art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67.
De uma pena cominada de dois a doze anos, o ilustre sentenciante partiu de dois anos e seis meses, quase o mínimo, justificando o pequeno aumento pelo alto grau de censurabilidade e pelas conseqüências, que resultaram em substancial prejuízo aos cofres públicos.
Na terceira etapa da dosimetria foi considerada a continuidade delitiva, por serem dois os crimes de apropriação de verbas públicas, de modo que incidiu o aumento de um sexto, resultando em uma pena final de dois anos e onze meses de reclusão.
Portanto, não procede o pedido de exclusão da causa de aumento, já que se referindo justa à continuidade delitiva, funciona, na realidade, como causa de diminuição, ou seja, em vez de somar as penas pelos dois crimes, que resultaria em cinco anos de reclusão, foi procedido apenas o aumento mínimo previsto no art. 71 do Código Penal, em nítido benefício do réu.
Conclui-se, pois, que as penas foram aplicadas com razoabilidade, com estrita observância do princípio da proporcionalidade em relação aos dois apelantes, pelo que, devem ser mantidas.
Revendo meu posicionamento anterior, entendo que a imposição da medida de prestação de serviços à comunidade dentre as condições estabelecidas para o regime aberto, ao argumento de que a medida constitui pena substitutiva, autônoma, jamais acessória.
Revendo meu posicionamento anterior, entendo que a imposição de medida de prestação de serviços à comunidade dentre as condições estabelecidas para regime aberto, ao argumento de que a medida constitui pena substitutiva, autônoma, jamais acessória.
A prestação de serviços não foi imposta como pena acessória, inexistente em nosso direito desde a reforma penal de 1984, mas como uma das condições do regime aberto, da mesma forma que foi imposta a proibição de ingestão de bebidas alcoólicas, de freqüentar bares, boates e congêneres, bem como a necessidade de ordem judicial prévia para afastamento do domicílio por período superior a 08 (oito) dias e o pagamento de pena pecuniária à entidade pública.
Deve-se ressaltar que a proibição da aplicação da prestação de serviços à comunidade como condição do regime aberto representa um grande incentivo para o não cumprimento da pena substitutiva, que é sempre mais gravosa que o regime aberto, especialmente em razão da inexistência de Casa do Albergado.
Diante disso, basta ao condenado não comparecer em Juízo ou não cumprir as penas substitutivas, para que ocorra a conversão para pena privativa de liberdade (CP, art. 45, § 4º), a ser cumprida em regime aberto, somente com as condições obrigatórias e inócuas, do art. 115 da Lei de Execuções Penais.
Importante observar que a Lei de Execução Penal confere especial importância ao trabalho do condenado, merecendo destaque os seguintes dispositivos:

“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.
“Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade”.

Portanto, o trabalho e, via de conseqüência, a prestação de serviços à comunidade representa um importantíssimo elemento de reinserção e adaptação do condenado no meio social, além de dar um sentido humanitário no cumprimento da pena, sem ferir qualquer princípio ou norma legal.
E a pena, no caso, é privativa de liberdade, é pena de prisão - não se pode esquecer - ainda que em regime aberto, tanto que existe vedação expressa ao cumprimento na própria residência do condenado, ressalvadas as circunstâncias especiais relacionadas no art. 117 da Lei de Execução Penal.
Não se pode, assim, por conta de uma interpretação juridicamente duvidosa, ser afastada a prestação de serviços à comunidade das condições do regime aberto, não obstante as relevantes opiniões em contrário.
Ademais, se fosse adotado o argumento de que a prestação de serviços não poderia ser imposta como condição do regime aberto por se tratar de pena autônoma, o mesmo fundamento deveria ser adotado em relação à proibição de freqüentar determinados locais e a prestação pecuniária, que, no caso dos autos, também deveriam ser excluídas.
Com efeito, dispõe o art. 44 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 9.714/98 (penas alternativas), que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade nas situações que relaciona.
E as penas restritivas de direito, segundo o art. 43, são as seguintes: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
Entre as penas de interdição temporária de direitos está a proibição de freqüentar determinados lugares, de modo que, por uma questão de coerência lógica, também não poderia ser usada como condição do regime aberto, o mesmo ocorrendo com a prestação pecuniária, prevista como pena autônoma, no art. 45, § 1º.
Mas, seguindo a mesma linha de raciocínio, pode-se ir mais além, ao ponto de inviabilizar a imposição de qualquer condição no regime aberto, pois uma das regras desse regime é a permanência do apenado “no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga” (LEP, art. 115, I), incluindo-se, evidentemente, o fim de semana.
Ora, se a limitação de fim de semana também está arrolada entre as penas substitutivas, autônomas, não poderia estar incluída entre as restrições impostas nas regras gerais do regime aberto.
Percebe-se, portanto, que o fato de se tratar de pena restritiva de direitos, de caráter autônomo, não pode impedir que a restrição seja imposta como condição do regime aberto.
Não existe na Constituição Federal e nem na legislação infraconstitucional qualquer norma ou princípio que estabeleça vedação à utilização da prestação de serviços à comunidade, ou qualquer outra pena restritiva, como condição do regime aberto. Não se vislumbra o caráter de exclusividade em norma alguma.
Note-se, ainda, que a prestação de serviços à comunidade constitui, também, condição do sursis simples (CP, art. 78, § 1º).
E até mesmo como condição do livramento condicional pode ser empregada a medida, consoante já decidiu o STJ:

“EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS - ROUBO QUALIFICADO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - CONDIÇÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL - POSSIBILIDADE. - Sendo a prestação de serviços à comunidade imposta ao ora paciente capaz de contribuir para o fim da execução penal e para a reintegração social deste, não há qualquer ilegalidade em sua exigência como condição para o livramento condicional. - Ordem denegada.” (STJ - HC 27984-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 03.05.2004, p. 190).

A vedação somente teria sentido se o apenado tivesse que cumprir concomitantemente, a pena substitutiva de prestação de serviços à comunidade e o regime aberto, contendo a mesma condição, e isso nunca acontece, pois ou se cumpre a pena restritiva, ou se sujeita às condições do regime aberto.
Portanto, de qualquer ângulo que se analise chega-se à conclusão que não há óbice para a fixação de prestação de serviços à comunidade como condição especial de cumprimento da pena em regime aberto.
Mantém-se, pois, as condições do regime aberto fixadas na sentença.
Registre-se, por fim, que entre os inúmeros dispositivos legais relacionados pelo apelante PEDRO BRAMBILLA a título de prequestionamento - entre os quais alguns absolutamente estranhos à causa, como aquele que trata de sucessão de bens de estrangeiros e do júri - todos os que interessavam ao julgamento foram devidamente analisados.
Por tais motivos, voto pelo provimento parcial dos recursos, para excluir a pena fixada ao crime de licitação (art. 90 da Lei 8.666/93), em razão da aplicação do princípio da consunção, subsistindo, assim, para ambos os apelantes, somente a pena aplicada em decorrência do crime previsto no art. 1º, I, do Dec. lei 201/67.
As penas remanescentes, em resumo, são de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão para o réu PEDRO BRAMBILLA e de 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, para o apelante RAMIRES MOACIR POZZA JÚNIOR, ambas em regime aberto, conforme determinado na sentença, que é mantida em todos os seus demais termos, inclusive quanto à inabilitação.


III - DISPOSITIVO

ACORDAM os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial aos recursos, nos termos do voto do Relator.

Votaram com o Relator, o Desembargador Noeval de Quadros e o Juiz Convocado José Laurindo de Souza Netto, em sessão de julgamento presidida pelo Desembargador Lídio José Rotoli de Macedo.

Curitiba, 07 de agosto de 2008.



CARLOS AUGUSTO ALTHEIA DE MELLO
Juiz Convocado - Relator