Sentença - Cautelar
Processo nº 0191/2008 (cautelar)
Boutique do Papel, ltda. vs Município de Maringá
Sentença
Há nulidade, por ofensa ao direito de defesa se, no procedimento administrativo, a primeira notificação ao investigado, facultando-lhe a manifestação, só expedida depois de julgado o caso e imposta a penalidade. Presentes o periculum in mora e o fumus boni juris, defere-se a tutela cautelar.
Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) a autora foi vencedora em licitação para fornecimento de papel ao município; b) posteriormente ao fim da licitação o réu, a pretexto de irregularidades detectadas, abriu sindicância para investigar responsabilidades de seus servidores; c) a autora foi notificada apenas para depor como testemunha na dita sindicância, e jamais foi comunicada de que era suspeita ou sujeita a sanção; d) assim, o réu não deu à autora, no dito procedimento administrativo, oportunidade de defesa; e) ainda assim, ao final, o réu aplicou à autora penalidade de suspensão do direito de participar de licitações por dois anos e declaração de inidoneidade para contratar com administração pública; f) o ato impositivo de penalidade é nulo por ofensa ao direito de defesa; g) há, pois, periculum in mora, porque se não for prontamente afastada a ilegalidade a autora permanecerá privada do direito de participar de licitações, que é da essência de sua atividade empresarial, que restará coartada. Pediu a tutela jurisdicional, inclusive em caráter liminar, suspender os efeitos e a eficácia da sanção administrativa aplicada, mais a condenação do réu nos encargos da sucumbência. Citado, o réu contestou, alegando, em suma, que: a) ocorreram as irregularidades apuradas na sindicância, tendo a autora participado em ilícito a prejuízo da lisura do procedimento licitatório; b) assim, a imposição da penalidade foi plenamente justificada; c) ademais, o direito de defesa da autora foi respeitado, porque foi notificada, como se vê da f.83, mas não quis se defender. Postulou a improcedência do pedido inicial, e a condenação do autor nos encargos da sucumbência. Foi deferida a liminar. Houve recurso, não conhecido. A parte autora manifestou-se sobre a contestação, reiterando os argumentos da inicial. Anunciado o julgamento antecipado, não houve recurso. É o relatório.
Começo por relembrar que ensina a jurisprudência: “O julgador não é obrigado a examinar todos os dispositivos indicados pelo recorrente, nem a responder um a um os argumentos invocados, se apenas um deles é suficiente para solução da lide, em prejuízo dos demais” . “O juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco responder um a um todos os seus argumentos” . O caso em exame enquadra-se perfeitamente nas lições supra, já que um dos argumentos da autora basta para fundamentar o provimento do pedido inicial. Torna-se ociosa a discussão sobre se houve ou não fraude no fornecimento do papel que era objeto da licitação vencida pela autora, ou se houve prejuízo para o erário na substituição de um formato de papel por outro. A inicial pede a declaração da nulidade por fundamento de cerceamento do direito de defesa. Se o réu desrespeitou o direito de defesa da autora no procedimento administrativo, a imposição da penalidade é nula, e como tal deve ser declarada, sem invadir-se o mérito do ato administrativo, até porque evidentemente poderá vir a ser reapreciado administrativamente, se respeitado o direito da autora à defesa. Diz o réu que deu oportunidade de defesa à autora no procedimento administrativo. Afirma que a prova está a f.83. Ora, basta ler aquele documento para ver que ali não se concedeu nenhum direito de defesa. Concedeu-se prazo para recurso, não para defesa. O teor do documento o confirma: ali já consta a imposição da penalidade, a afirmação de que a autora fora considerada culpada e penalizada. Consta, aliás, a pena já dosada e definida. Embora a parte final do texto diga que faculta a apresentação de “defesa”, está se referindo evidentemente a recurso. Defende-se o acusado ou suspeito antes de ser julgado, antes que a autoridade julgadora delibere acerca de culpa ou inocência. Depois que a autoridade julgadora já julgou, já deliberou, já concluiu acerca da culpa e já aplicou a sanção, não há que falar em defesa. Pode-se falar em recurso, não em defesa. Alguém só se defende, no sentido estrito, antes de ser julgado, para não ser condenado. Depois de condenado, pode exercer seu direito de recurso, de pedir um segundo julgamento que modifique o resultado do primeiro. Mas quando a Constituição da República assegura o direito à ampla defesa, obviamente refere-se à oportunidade de defender-se antes de ser julgado, antes de ter sua culpa declarada. O direito à defesa, de que fala a Constituição da República, não é apenas o direito ao recurso, a um novo julgamento. É o direito de defender-se antes do primeiro e original julgamento da autoridade. Logo, o documento de f.83 prova a tese da autora, não a do réu. Este diz que a primeira notificação encaminhada à autora é a de f.83. Ora, quando aquela notificação foi expedida a condenação já fora lançada. Portanto, o direito de defesa foi claramente cerceado. O ato administrativo que impôs a sanção à autora é, pois, nulo. Logo, o fumus boni juris está também presente. Havia, ademais, periculum in mora, porque se não fosse prontamente afastada a ilegalidade a autora permaneceria privada do direito de participar de licitações, que é da essência de sua atividade empresarial, que ficaria prejudicada.– Isso posto, julgo procedente o pedido inicial, e confirmo a liminar que suspendeu os efeitos e eficácia do ato administrativo materializado no parecer nº 3541/2007-PROGE, na decisão do Sr. Prefeito municipal comunicada pelo documento de f.475 destes autos, e na notificação que comunicou à autora a imposição da pena de suspensão temporária do direito de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração por prazo de 2 anos e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública. Condeno ainda o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios que arbitro em um mil reais, considerando o alto zelo do procurador da parte adversa, o fato de serem os serviços profissionais prestados no foro da sede da advocacia daquele, a relativa simplicidade da causa, e a abreviação do trabalho pelo julgamento antecipado, e também que nas causas em que a Fazenda Pública for vencida, a fixação dos honorários advocatícios deve dar-se por apreciação eqüitativa (CPC, art. 20 § 4º). Esta sentença está sujeita ao duplo grau obrigatório. Decorridos os prazos recursais, com ou sem recurso voluntário, subam ao E. TJPR, para o reexame necessário (art. 475, I, CPC).P., r. e i..
Maringá, 15 de abril de 2009.
Alberto Marques dos Santos
Juiz de Direito
Boutique do Papel, ltda. vs Município de Maringá
Sentença
Há nulidade, por ofensa ao direito de defesa se, no procedimento administrativo, a primeira notificação ao investigado, facultando-lhe a manifestação, só expedida depois de julgado o caso e imposta a penalidade. Presentes o periculum in mora e o fumus boni juris, defere-se a tutela cautelar.
Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) a autora foi vencedora em licitação para fornecimento de papel ao município; b) posteriormente ao fim da licitação o réu, a pretexto de irregularidades detectadas, abriu sindicância para investigar responsabilidades de seus servidores; c) a autora foi notificada apenas para depor como testemunha na dita sindicância, e jamais foi comunicada de que era suspeita ou sujeita a sanção; d) assim, o réu não deu à autora, no dito procedimento administrativo, oportunidade de defesa; e) ainda assim, ao final, o réu aplicou à autora penalidade de suspensão do direito de participar de licitações por dois anos e declaração de inidoneidade para contratar com administração pública; f) o ato impositivo de penalidade é nulo por ofensa ao direito de defesa; g) há, pois, periculum in mora, porque se não for prontamente afastada a ilegalidade a autora permanecerá privada do direito de participar de licitações, que é da essência de sua atividade empresarial, que restará coartada. Pediu a tutela jurisdicional, inclusive em caráter liminar, suspender os efeitos e a eficácia da sanção administrativa aplicada, mais a condenação do réu nos encargos da sucumbência. Citado, o réu contestou, alegando, em suma, que: a) ocorreram as irregularidades apuradas na sindicância, tendo a autora participado em ilícito a prejuízo da lisura do procedimento licitatório; b) assim, a imposição da penalidade foi plenamente justificada; c) ademais, o direito de defesa da autora foi respeitado, porque foi notificada, como se vê da f.83, mas não quis se defender. Postulou a improcedência do pedido inicial, e a condenação do autor nos encargos da sucumbência. Foi deferida a liminar. Houve recurso, não conhecido. A parte autora manifestou-se sobre a contestação, reiterando os argumentos da inicial. Anunciado o julgamento antecipado, não houve recurso. É o relatório.
Começo por relembrar que ensina a jurisprudência: “O julgador não é obrigado a examinar todos os dispositivos indicados pelo recorrente, nem a responder um a um os argumentos invocados, se apenas um deles é suficiente para solução da lide, em prejuízo dos demais” . “O juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco responder um a um todos os seus argumentos” . O caso em exame enquadra-se perfeitamente nas lições supra, já que um dos argumentos da autora basta para fundamentar o provimento do pedido inicial. Torna-se ociosa a discussão sobre se houve ou não fraude no fornecimento do papel que era objeto da licitação vencida pela autora, ou se houve prejuízo para o erário na substituição de um formato de papel por outro. A inicial pede a declaração da nulidade por fundamento de cerceamento do direito de defesa. Se o réu desrespeitou o direito de defesa da autora no procedimento administrativo, a imposição da penalidade é nula, e como tal deve ser declarada, sem invadir-se o mérito do ato administrativo, até porque evidentemente poderá vir a ser reapreciado administrativamente, se respeitado o direito da autora à defesa. Diz o réu que deu oportunidade de defesa à autora no procedimento administrativo. Afirma que a prova está a f.83. Ora, basta ler aquele documento para ver que ali não se concedeu nenhum direito de defesa. Concedeu-se prazo para recurso, não para defesa. O teor do documento o confirma: ali já consta a imposição da penalidade, a afirmação de que a autora fora considerada culpada e penalizada. Consta, aliás, a pena já dosada e definida. Embora a parte final do texto diga que faculta a apresentação de “defesa”, está se referindo evidentemente a recurso. Defende-se o acusado ou suspeito antes de ser julgado, antes que a autoridade julgadora delibere acerca de culpa ou inocência. Depois que a autoridade julgadora já julgou, já deliberou, já concluiu acerca da culpa e já aplicou a sanção, não há que falar em defesa. Pode-se falar em recurso, não em defesa. Alguém só se defende, no sentido estrito, antes de ser julgado, para não ser condenado. Depois de condenado, pode exercer seu direito de recurso, de pedir um segundo julgamento que modifique o resultado do primeiro. Mas quando a Constituição da República assegura o direito à ampla defesa, obviamente refere-se à oportunidade de defender-se antes de ser julgado, antes de ter sua culpa declarada. O direito à defesa, de que fala a Constituição da República, não é apenas o direito ao recurso, a um novo julgamento. É o direito de defender-se antes do primeiro e original julgamento da autoridade. Logo, o documento de f.83 prova a tese da autora, não a do réu. Este diz que a primeira notificação encaminhada à autora é a de f.83. Ora, quando aquela notificação foi expedida a condenação já fora lançada. Portanto, o direito de defesa foi claramente cerceado. O ato administrativo que impôs a sanção à autora é, pois, nulo. Logo, o fumus boni juris está também presente. Havia, ademais, periculum in mora, porque se não fosse prontamente afastada a ilegalidade a autora permaneceria privada do direito de participar de licitações, que é da essência de sua atividade empresarial, que ficaria prejudicada.– Isso posto, julgo procedente o pedido inicial, e confirmo a liminar que suspendeu os efeitos e eficácia do ato administrativo materializado no parecer nº 3541/2007-PROGE, na decisão do Sr. Prefeito municipal comunicada pelo documento de f.475 destes autos, e na notificação que comunicou à autora a imposição da pena de suspensão temporária do direito de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração por prazo de 2 anos e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública. Condeno ainda o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios que arbitro em um mil reais, considerando o alto zelo do procurador da parte adversa, o fato de serem os serviços profissionais prestados no foro da sede da advocacia daquele, a relativa simplicidade da causa, e a abreviação do trabalho pelo julgamento antecipado, e também que nas causas em que a Fazenda Pública for vencida, a fixação dos honorários advocatícios deve dar-se por apreciação eqüitativa (CPC, art. 20 § 4º). Esta sentença está sujeita ao duplo grau obrigatório. Decorridos os prazos recursais, com ou sem recurso voluntário, subam ao E. TJPR, para o reexame necessário (art. 475, I, CPC).P., r. e i..
Maringá, 15 de abril de 2009.
Alberto Marques dos Santos
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