4.5.09

Sentença - ovos de Páscoa

Processo nº 0452/2007 (ação civil pública) Ministério Público do Estado do Paraná vs. Raimundo Maurício Barreto
Sentença - Pratica ato de improbidade servidor que utiliza carro oficial do município para atender compromissos particulares. A baixa ou nenhuma expressão econômica do dano econômico ao erário não dispensa a aplicação das penas da Lei Federal nº 8429. As penas da Lei Federal nº 8429 devem ser dosadas conforme a gravidade do fato e circunstâncias do caso.
– SEQ. – Alega a inicial, em síntese, o seguinte: a) o réu, funcionário público do Município de Maringá, tinha à sua disposição, para atividades relacionadas à função pública, o veículo Uno placas ALP-1874, pertencente à frota municipal; b) abusando dessa situação, utilizou o veículo para transportar, a pedido da esposa, ovos de Páscoa até a casa de Vanessa Tsukada, praticando ato de improbidade consistente em usar bem público para proveito particular. Pediu a condenação do réu nas penas do art. 12 I da Lei de Improbidade (Lei Federal nº 8429, de 1992), mais encargos da sucumbência. O réu manifestou-se por escrito e contestou, afirmando, em suma, que: a) não há improbidade sem dolo, e o réu não agiu com dolo, pois não tinha intenção de causar dano ao erário; b) seus antecedentes funcionais são bons; c) não cometeu ato de improbidade porque, ao transportar e entregar os ovos, não se desviou do seu caminho habitual, apenas fez uma parada rápida no curso do trajeto; d) a Lei de Improbidade (Lei Federal nº 8429, de 1992) não abrange violações ao princípio da eficiência.Postulou a improcedência do pedido inicial. Deferidas as provas que o réu requereu, ele não as produziu. É o relatório
– SEQ. – O réu confessou o fato de que fala a inicial. Admitiu que utilizou o veículo público, de que tinha posse para atividades funcionais, para entregar os ovos de Páscoa. Afirmou, contudo, em sua defesa, que para fazê-lo não se desviou do trajeto habitual de casa para o trabalho, porque a residência da destinatária dos ovos ficava no seu caminho usual.Parece razoável que o servidor público, em dia de expediente, utilize o veículo para ir almoçar em casa e de lá retornar ao trabalho. Se a licitude disso for discutível, pelo menos há a certeza de que a inicial não menciona o fato: não imputa ao réu, a título de improbidade, a conduta de usar o veículo funcional para fazer o trajeto trabalho-casa-trabalho no horário de almoço. De sorte que é lícita, ou pelo menos estranho à matéria em julgamento, a realização desse trajeto. Por essa razão entendi relevante deferir a prova oral que o réu requerera. Ele disse que provaria o fato alegado, i.e., que a casa da destinatária dos ovos ficava no caminho, entre sua residência e o local de trabalho, e que para entregar os ovos não se desviou da trajetória habitual. Se o réu provasse isso, entendo que ficaria afastada a improbidade do ato: se o custo da entrega dos ovos para a eficiência e o patrimônio públicos consistisse apenas numa parada de dois minutos ao longo de uma viagem lícita, não haveria mesmo fundamento para condenar o réu. Mas o réu não provou o alegado. Desistiu da prova oral requerida, o que significa que não tinha como provar sua tese defensiva. De modo que, sem prova da versão do réu, e estando a versão do autor apoiada na confissão, conclui-se que o réu desviou-se da trajetória lícita e utilizou o veículo municipal para ir a outro local, estranho às atividades do trabalho e às rotas relacionadas com o trabalho. E o fez para entregar os ovos de Páscoa, a pedido da esposa, a uma cliente desta. Usou, indiscutivelmente, o bem público para benefício particular. A improbidade do ato é ínsita, indisfarçável. É verdade que o prejuízo ao erário é pequeno, mas como o texto legal deixa muito claro há improbidade nas situações elencadas na Lei Federal nº 8429 ainda que não resulte nenhum prejuízo. Basta a ofensa aos princípios defendidos pela norma. A tese da ausência de dolo é insustentável. Como a lei não exige a materialização de prejuízo, é óbvio que não exige a intenção de causar prejuízo. De forma que a tese do réu, de que é inocente porque não queria prejudicar o erário, é teratológica. A norma não requer um dolo específico, para utilizar uma terminologia comum no direito penal, contenta-se com o dolo genérico, i.e., com a intenção livre e consciente de praticar o ato proibido. Para negar que tinha a intenção livre e consciente de dirigir o carro até à casa de Vanessa, e ali entregar os ovos, o réu teria de sustentar o absurdo de que o fez por acidente. Felizmente a defesa não atinge esse desvario. Logo, se é certo, e confessado, que o réu livre e conscientemente escolheu usar o carro do município para ir à casa da cliente da esposa e ali entregar os ovos, o dolo está confessado. Os bons antecedentes funcionais do réu influem na dosagem da pena, a seu favor, mas não descaracterizam o ato de improbidade que perpetrou. Ora, ao usar o carro do município, e o combustível pago com dinheiro do povo, para transportar bens em benefício particular, o réu obteve vantagem ilícita (não era direito dele obtê-la), à custa de despesa pública, ainda que pequena. O caso, todavia, não se enquadra no art. 9º I da Lei de Improbidade (Lei Federal nº 8429, de 1992), porque ali se trata só da vantagem econômica obtida “a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público”, e esse não é o caso dos autos. O caso em exame cabe é nos incisos IV e XII do dispositivo: “Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente: [...] IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; [...] XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei”.Logo, o réu está sujeito às penas do art. 12 I da mesma lei: “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: I - na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos; [...]”. Mas o p.ún. do dispositivo deixa claro que as penas não são necessariamente cumulativas, cabendo dosá-las de acordo com as circunstâncias do caso: “Art. 12 p.ún.: Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.O entendimento aqui adotado já foi reiteradamente consagrado pelo STJ . Dosando, assim, as sanções aplicáveis, constata-se que o prejuízo foi módico, assim como o enriquecimento; os antecedentes são bons; a reprovabilidade é pequena, ainda mais quando se compara o caso às muitas situações de improbidade cotidianamente noticiadas, envolvendo milhões e praticadas por agentes públicos que, por terem poder muito maior do que o réu deste caso, têm, também, muito maior obrigação de dar bom exemplo. Tudo isso desrecomenda a aplicação das sanções mais severas entre as cominadas, como a da perda da função pública e a privação dos direitos políticos. – SEQ. – Isso posto, julgo procedente o pedido inicial, e condeno o réu à sanção consistente em: a) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, conforme se apurar em liquidação de sentença; b) ressarcimento do dano causado, conforme se apurar em liquidação de sentença; c) pagamento de multa civil no valor equivalente a três vezes o valor do dano causado. Condeno ainda o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, e honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor da condenação, considerando a abreviação do trabalho pelo julgamento antecipado. Os honorários advocatícios são devidos na forma da Lei Estadual n. 12241, de 1998, e Constituição do Estado do Paraná, art. 118 II.P., r. e i.. Maringá, 15 de abril de 2009.Alberto Marques dos SantosJuiz de Direito